22.7.06

Uma no cravo...



1. Há uma escassa quinzena de dias, extremistas baseados no Paquistão que exigem a independência da Caxemira fizeram explodir em Bombaim bombas que mataram 200 pessoas e feriram mais 500. A Índia foi muito elogiada pela contenção revelada na ocasião. Para ser mais explícito, por não ter retaliado atacando o Paquistão.

2. No Sul, junto a Gaza, o Hamas raptou um soldado israelita. No Norte, perto da fronteira com o Líbano, o Hizbollah raptou dois. Numa acepção muita lata do termo, poderemos com boa vontade ver aqui actos terroristas. No Sul, Israel desencadeou um ataque em grande escala contra a Autoridade Palestiniana. No Norte, iniciou bombardeamentos sobre instalações do Hizbollah em território libanês. O Hizbollah ripostou imediatamente lançando rockets sobre Israel e, principalmente, sobre Haifa.

3. Do facto de Israel ter direito a responder aos raptos pela força armada não se segue necessariamente que isso seja uma boa ideia. Muito menos que o faça como o fez.

4. Houve um tempo em que as guerras praticamente só faziam vítimas militares. Agora, um certo tipo de guerra praticamente só faz vítimas civis. É preciso muito azar para que um militar seja morto, o que faz da profissão das armas um dos mais seguros modos de vida.

5. Condoleezza Rice, a carreirista número um do planeta, acha que não vale a pena um cessar-fogo se o status quo ficar na mesma. Naturalmente, não pensarão o mesmo os civis que não só estão privados de água, electricidade e cuidados médicos, como ainda correm o risco de serem atingidos a qualquer momento pelos bombardeamentos.

6. É verdade que os bombardeamentos israelitas não podem deixar de atingir populações inocentes, dado que o Hizbollah, mais amante de Deus do que dos libaneses, tem o cuidado de implantar cirurgicamente as suas bases e os seus lança-rockets junto de escolas e hospitais localizados em bairros populares.

7. Às vezes, a guerra é apenas a continuação da estupidez por outros meios, não prosseguindo qualquer objectivo político racional. É, a meu ver, o caso desta, em que nenhum dos contendores tem algo a ganhar e todos têm muito a perder. Aparentemente, uma rápida sucessão de decisões precipitadas desencadeou uma escalada descontrolada do conflito e, agora, ninguém quer perder a face aceitando o cessar-fogo.

8. A ideia segundo a qual o exército israelita poderia desarticular o Hizbollah e expulsá-lo do Sul do Líbano em breves semanas é, infelizmente, absurda. Pelo contrário, tudo indica que o seu apoio popular aumentará depois desta aventura sem sentido. A desarticulação do Estado libanês seria uma dádiva do Céu para o Partido de Deus e teria consequências gravíssimas para Israel.

9. A única lógica imaginável desta guerra seria ajudar a criar as condições para um ataque ao Irão. Mas, tirando os machos neocons portugueses com lugar cativo na imprensa - repararam no Pacheco Pereira e no Luciano Amaral a babarem-se todos? -, quem é que, actualmente, está seriamente interessado nisso?

10. Ao aconselharem a Israel contenção ao mesmo tempo que reconhecem o seu direito de legítima defesa, a Europa, as Nações Unidas e, vejam lá, até os Estados Unidos, têm sido acusados pelos entusiastas da guerra de darem uma no cravo e outra na ferradura. Ora aí está aquilo que se me afigura uma excelente recomendação: numa situação em que, de um lado e do outro, os extremistas apelam à guerra de extermínio total, dar uma no cravo e outra na ferradura é exactamente o que deve ser feito.

11. O valor do centrismo ocorre precisamente quando tantos fanáticos se precipitam para um ou outro extremo da cena política, deixando abandonado o terreno intermédio. É nestas alturas que a moderação é simultaneamente difícil e, mais do que necessária, preciosa.

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