Imaginem que uma empresa se dedicava a vender carne picada estragada em lotes a outras empresas que os misturavam com lotes de carne de boa qualidade. Imaginem que este processo se repetia várias vezes ao longo da uma cadeia de produção e distribuição um número indeterminado de vezes. Imaginem, por último, que os consumidores finais compravam a carne picada à venda nas lojas para fazerem croquetes.
Muitos croquetes teriam uma pequena quantidade de carne estragada, mas alguns estariam tão contaminados que a ingestão de meia dúzia poderia provocar a morte.
Em resumo, é isto o subprime: a venda, re-empacotamento e revenda repetida de créditos de altíssimo risco e sem garantidas (os chamados créditos NINJA, ou seja No Income No Job or Assets) até se perder o rasto da sua origem. No fim, muita gente inocente morre, e é praticamente impossível remontar à origem do problema.
Recordemos agora que, há alguns meses, descobriu-se que certos fabricantes chineses exportaram para os EUA brinquedos pintados com tintas tóxicas. Descobertos, não só foram obrigados a devolver o dinheiro da mercadoria deficiente e a pagar multas, como viram cancelados futuros contratos de fornecimento.
No caso do subprime, porém, as instituições financeiras norte-americanas não só exportaram livremente créditos tóxicos para todo o mundo, como não têm nenhuma obrigação de indemnizar as vítimas que somos praticamente todos nós. Trata-se, pois, de uma forma de vigarice que permanecerá impune. Acresce que, embora muita gente qualificada tivesse alertado há anos para o problema, a vigarice teve, por motivos diversos, a cobertura de pessoas com grandes responsabilidades, incluindo Alan Greenspan (ou, entre nós, António Borges).
Como se vê, a crise financeira despoletada pelo subprime não deve ser vista como uma prova de que o mercado e o capitalismo não funcionam. O que não funciona é a vigarice institucionalizada e protegida pelas instâncias que são supostas proteger os cidadãos.
Isto só pode surpreender aqueles que acham que o sistema de mercado pode sobreviver e prosperar fora de um enquadramento institucional adequado. Na maioria dos mercados, esse enquadramento resulta da livre acção dos agentes envolvidos. Noutros mais complexos, porém, em que a informação é pouco transparente, desigual ou difícil de interpretar, torna-se necessária a fiscalização de entidades reguladoras apropriadas.
O mercado é um órgão da sociedade. O Estado também.
Donde se apreende o seguinte:
ResponderEliminar1- A. G. foi vigarista enquanto teve um cargo na reserva federal.
2- A. B. é vigarista ao defender o subprime.
«
ResponderEliminarO mercado é um órgão da sociedade. O Estado também.»
Mas não comparáveis em termos de funções a desempenhar (jogador vs árbitro).
«Noutros mais complexos, porém, em que a informação é pouco transparente, desigual ou difícil de interpretar, torna-se necessária a fiscalização de entidades reguladoras apropriadas.
»
Ponho em causa é se as entidades reguladoras (ou quaisquer agentes) possam alguma vez aspirar a compreender, antecipar ou calcular o risco associado a produtos financeiros complexos. Depois de se ter constatado que a "carne estava estragada" parece fácil. Mas a priori é muito difícil ter certezas. E o argumento que ouve este e aquele que avisaram não ser de muito, pois se 100 sábios derem a sua opinião pelo menos um deles há de acertar. Os pessimistas estarão a dizer "Eu sempre disse" mas esquecemo-nops que eles falharam as suas previsões apocalípticas em inúmeras ocasiões anteriores. Alguma vez haviam de acertar...
Pois, o problema está exactamente na inversão de papéis, ou seja, quando o Mercado quer ser Estado e o Estado se deixa manietar pelo Mercado. Gostei de ler o post. Boa semana
ResponderEliminarFalta só um pequenino, pequenino, pequenino pormenor. O produto tóxico de que fala é o mesmo produto que o consumidor pediu. Não tinha dinheiro mas queria um tecto maior. Mas isso agora não interessa nada...
ResponderEliminarO yuppie não percebeu nada. Tente ler outra vez.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDificilmente me daria a esse trabalho. Se quiser concretizar o que escreveu no comentário acima...
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