"If they can get you asking the wrong questions, they don’t have to worry about answers" Thomas Pynchon
15.10.03
Marketing politico. Nicolas Rolin, representado nesta pintura de Van Eyck numa atitude de veneração à Virgem, dedicou quase sessenta anos (dos oitenta e um que teve de vida) ao serviço dos Duques da Borgonha. Durante os primeiros vinte foi seu conselheiro legal, sendo em seguida promovido a chanceler, uma espécie de superministro que acumulava as funções de ministro das finanças, ministro da administração interna e ministro dos negócios estrangeiros.
O seu senhor Filipe o Bom, Duque da Borgonha e Grão-Duque de Occident, embora nominalmente vassalo de Carlos VII, Rei de França, era de facto muito mais rico e poderoso do que ele.
Rolin, oriundo de uma família modesta de Autun, conseguiu usar o seu poder para acumular uma considerável fortuna. Era considerado um homem enérgico, autoritário e implacável. Os seus inimigos denunciavam os seus métodos políticos e criticavam-no por se ter aproveitado dos cargos que ocupava para enriquecer.
Como muitos outros novos ricos, Rolin compreendeu que o prestígio da arte pode ajudar a nobilitar uma carreira recheada de espisódios pouco dignificantes. Contratou então o grande pintor Van Eyck para executar esta homenagem à Virgem.
É no entanto evidente que a homenagem à Virgem é também uma homenagem ao próprio Rolin. Apesar da atitude de recolhimento adoptada pelo chanceler, o facto de ele se exibir no mesmo plano que a Mãe de Deus não deixa de exprimir uma certa ousadia. Na pintura medieval era normal a dimensão das personagens representadas depender da sua importância. Aqui, porém, insinua-se de uma relação de alguma igualdade entre as duas figuras representadas, envergando as suas melhores vestes, num ambiente muito palaciano e pouco divino.
Esta pintura encerra uma variedade de significados para os contemporâneos que eram chamados a contemplá-la. Uma parte desses significados são marcadamente políticos. Em primeiro lugar, trata-se de uma manifestação óbvia de poder, desde logo porque não era qualquer um que podia dar-se ao luxo de contratar um dos melhores pintores da época, mas também pelo facto de o quadro figurar a Virgem admitindo no seu convívio o chanceler. Em segundo lugar, há uma sugestão de intimidade que visa insinuar uma comunhão de propósitos: Rolin está ao serviço de Deus através da sua Mãe, de quem recebe directamente inspiração e ordens. Pretende-se assim legitimar a actuação política do ministro do Duque.
Esta obra de arte é também, por conseguinte, uma peça de marketing político com mais de seis séculos de existência, uma constatação talvez chocante para uma época como a nossa que às vezes parece julgar ter inventado tudo o que hoje existe.
Naturalmente, hoje em dia nenhum político teria o descaramento de procurar comprometer directamente Nossa Senhora com o programa do seu partido, porque isso cairia muito mal no eleitorado. O que prova que, afinal, sempre há algum progresso na história da humanidade.
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