29.3.13

Mudança da política de resgate na UE?

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Quando os bancos gregos, irlandeses e portugueses enfrentaram dificuldades era preciso protegê-los porque deviam muito dinheiro a bancos alemães, franceses e austríacos.

Idem, pelas mesmíssimas razões, quando a crise ameaçou de insolvência alguns bancos italianos e espanhóis.

Quando os bancos alemães, franceses e austríacos reduziram significativamente a sua exposição à Grécia, avançou-se para um perdão de cerca de metade da dívida soberana grega, porque isso já não os afectaria.

No mesmíssimo dia em que isso foi decidido, a banca cipriota, muito exposta à dívida grega, ficou automaticamente insolvente apesar de, curiosamente, ter passado todos os stress tests anteriormente realizados.

O pedido de resgate de Chipres esperou quase 9 meses por uma resposta da UE.

Quando finalmente chegou, o bail-out passara a bail-in: em vez de uma penalização dos devedores, propunha-se uma penalização dos credores.

Alguns ingénuos saudaram esta inovação como uma mudança de política no sentido certo. Afinal, não é justo que o custo do reajustamento recaia inteiramente sobre os devedores, quando os credores são tão ou mais responsáveis.

Há aqui um completo equívoco, pois, na verdade, não ocorreu nenhuma mudança de política.

A política permanece inalterável, e pode ser assim caracterizada: quando a situação ameaça directamente os bancos do centro, os devedores são penalizados; quando a situação não ameaça directamente os bancos do centro, os credores são penalizados, pois assim os países do centro não terão que garantir o financiamento de emergência e o BCE não assumirá encargos adicionais.

Entendido?
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Mudar de política em relação à troika

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Pedro Lains perguntou certa vez porque raio é que a delegação da troika é instalada no Ritz de cada vez que vem a Lisboa.

Este comentário aparentemente anódino faz todo o sentido, e entendo que faz sentido explorar um pouco esta via de questionamento. Não sugiro que se deva hospedar a troika numa qualquer Pensão Estrela num bairro de má nota, mas parecer-me-ia bem levá-los para um hotel decente mas económico, como convém a um país a atravessar uma fase de grandes apertos.

Pergunto-me também porque se vai recolhê-los ao aeroporto e transportá-los para as reuniões em carros de luxo de alta cilindrada, quando uma ou - vá lá - duas viaturas militares fariam perfeitamente o serviço.

Depois, aposto que durante as reuniões há pausas para café acompanhado de biscoitinhos dinamarqueses. Da próxima vez, deveria eliminar-se a benesse e, quando eles perguntassem pelo cafezinho, ficariam a saber que os cortes em pessoal auxiliar determinaram a eliminação dessas mordomias. Quem tiver muita sede, poderá ir à casa de banho servir-se de água da torneira. Em alternativa, faz-se uma pausa para ir até ao café da esquina e cada um pagará a sua despesa.

O ar condicionado passaria também à história, dando-se como exemplo a inovação do Ministério da Agricultura, onde os funcionários foram convidados a tirar a gravata no Verão. E no Inverno? Traz-se de casa um casaquinho de malha e um cachecol, e está o caso resolvido.

Ao contrário do que alguns poderão estar a pensar, não estou a brincar. O domínio das técnicas de negociação é tanto mais indispensável quanto mais frágil for à partida a nossa posição. Criar situações de desconforto ao adversário, sobretudo se subtis e de algum modo justificáveis pelas circunstâncias colocam-no a ele numa situação psicologicamente desgastada. Isto não mata, mas mói.

Por último, faz-lhes ver que não estão perante gente submissa e que, portanto, terão que preparar-se para enfrentar desafios potencialmente desagradáveis. Mudar de atitude em relação à troika começa por coisas pequeninas como esta.

Muito mais haveria para dizer, mas isso fica para outro dia. Fim da primeira lição.
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27.3.13

Bernstein: Inside Pop - The Rock Revolution

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6.3.13

Um grande salto em frente, dois grandes saltos atrás

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Do meu artigo de ontem no Negócios:
Não podemos pôr de parte a hipótese de se acentuar na União Europeia a presente deriva de degradação da convivência civilizada entre os povos e de liquidação definitiva de qualquer conceito de futuro mobilizador para os seus cidadãos. É por tudo isso que nós, os bons Europeus –, ou seja, aqueles que concebem a Europa antes de mais como um projecto de civilização – temos de reconhecer que, a persistir o curso actual, talvez seja necessário que ao grande salto em frente da criação da moeda única possam ter de seguir-se dois grandes saltos atrás, ou seja, não só o desmantelamento dessa moeda única como a anulação de uma parte das regras do Mercado Único que a precedeu.

Não há uma só maneira de os povos europeus conviverem e cooperarem entre si em razoável harmonia. Nos quase três milénios que leva de existência como instância geopolítica relevante, a Europa conheceu já múltiplas configurações, alternando períodos de aproximação entre os estados constituintes com outros de afastamento. Num horizonte longo, a presente UE deve ser encarada como apenas um dos arranjos institucionais possíveis, cuja principal carta de recomendação foi a sua orientação demo-liberal. Falhando essa inspiração distintiva, não há razão para que seja considerada preferível a arranjos mais estreitos, no limite pouco mais que zonas de comércio livre e cooperação política limitada.

Nós, os bons Europeus, deveremos por isso prepararmo-nos para reconsiderar radicalmente a posição de Portugal no contexto da Europa, quem sabe se começando por dar à expressão "países periféricos" um sentido positivo. Com tanto país a ser deitado fora da UE como carga imprestável, talvez se consiga fazer algumas alianças interessantes, deixando a Alemanha entretida com os seus estados tributários. 
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5.3.13

Forma de vida

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À conversa com o Abel Barros Baptista sobre o livro de Daniel Kahneman "Pensar, Depressa e Devagar", num podcast que pode ser ouvido aqui.
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1.3.13

O homem sem qualidades

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O Público online cita hoje com algum detalhe algumas declarações proferidas por Passos Coelho na Faculdade de Direito Lisboa, convenientemente rodeado de gorilas e jotinhas:

“A Europa construiu[-se] também como um dos exemplos de Estado social avançado, em que as pessoas adquiriram níveis de protecção contra riscos sociais e económicos muitos elevados”, mas (…) essas protecções foram adquiridas durante “um tempo em que a Europa crescia a um ritmo bastante vigoroso e em que a nossa demografia ajudava nesse crescimento”. Neste momento, lembrou, nenhuma das duas premissas se verifica e por isso levantam-se as perguntas: “Como é que podemos assegurar que os recursos estão disponíveis para aqueles que precisam mais e como é que temos a certeza de que os impostos que os cidadãos pagam e que depois o Estado redistribui correspondem a uma correcção das injustiças na distribuição do rendimento?”

Habituámo-nos, talvez precipitadamente, a encarar Passos Coelho como alguém que mente compulsivamente, desdizendo sistematicamente o que afirmou na véspera para pouco depois regressar à versão original, tudo isso sem revelar, como o próprio reconhece, o mínimo embaraço sempre que é apanhado em falso.

Este comportamento persistente recorda-me irresistivelmente as palavras que o então treinador do Benfica Graham Soughness pronunciou a respeito de Vale de Azevedo: “This man is a dangerous man. He lies while looking at you in the eye.”

Acontece que Passos não é Azevedo – este último um evidente psicopata que acredita piamente nas falsidades que profere. Não vislumbro um desequilíbrio psicológico no Primeiro-ministro; pelo contrário, parecem-me evidentes as suas carências cognitivas.

Passos Coelho é, por um lado, um penteado piroso, um olho de carneiro mal morto e uma voz bem colocada; por outro, uma suprema empáfia suportada por uma capacidade sintáxica de produzir frases ordenadas sem correspondência numa semântica susceptível de produzir qualquer sentido.

É manifesto exagero acreditar-se que Passos mente, visto que isso implicaria reconhecer que faz alguma ideia do que diz.

Passos adquiriu uma longa prática de décadas a discursar para patetas da JSD. Ora, o cerne desse tipo de intervenção discursiva consiste em jamais correr o risco de ficar sem nada para dizer, mesmo que – ou até de preferência quando – o que se diga seja nada. A palavra, nessas circunstâncias, não passa da negação do silêncio, e isso apenas e só na medida em que ela confere um poder sobre quem não foi bafejado por uma idêntica capacidade para debitar uma grande quantidade de inanidades durante um longo período de tempo.

O cérebro de Passos Coelho é uma das mais perfeitas máquinas de registar frases feitas e lugares comuns e de reproduzi-las sequencialmente nas mais variadas circunstâncias, certo de que disporá sempre de uma audiência que murmurará, embevecida: “Não percebi nada, mas que bem ele fala!”

Estamos, pois, conforme prefiram, perante um génio imitativo ou um idiota reprodutivo.
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