28.2.09



Turner.

25.2.09

"Quem tem lucro não pode despedir"

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A ideia de que as empresas que têm lucro não deveriam poder despedir é mais um daqueles absurdos em que o Bloco de Esquerda é pródigo.

De modo que à pergunta do José Castro Caldas: "Quem é capaz de discordar?", respondo sem hesitação que discordo eu.

Pensem primeiro, se estiverem para aí virados, o que entendem exactamente por uma empresa ter lucro? Que teve lucro no ano passado? Que teve lucro no trimestre passado? Que teve lucro no mês passado?

Mas uma empresa pode ter tido lucro no ano, no trimestre ou no mês passados, e apresentar prejuízo neste ano, neste trimestre ou neste mês.

Que pretende então dizer o Bloco? Que uma empresa que teve lucro no ano passado não poderá despedir no ano corrente? Como seria exactamente a lei que têm em mente se é que em mente têm algo para além do vistoso sound-bite?

Mas eu digo mais: uma empresa rentável pode prever com razoável certeza que em breve deixará de sê-lo quando toma conhecimento que dentro de 6 meses será cancelado um determinado contrato de fornecimento e que no horizonte não se perspectiva nenhuma possibilidade realista de substituí-lo por outro.

Que deverá então fazer o seu gestor? Começar imediatamente a adaptar os diversos recursos de que dispõe tendo em vista a procura futura, ou esperar que a empresa mergulhe no vermelho para só depois fazer alguma coisa? A resposta parece-me óbvia, sobretudo tendo em conta que os despedimentos demoram tempo e (muito justamente) acarretam custos para a entidade empregadora.

Mas não podem as empresas perder dinheiro durante algum tempo? Podem, e, em certas circunstâncias, talvez devam, se se acreditar que as condições adversas serão passageiras e que a perturbação que inevitavelmente resultará de um despedimento colectivo ameaçar desmoralizar os trabalhadores que ficam.

E, além disso, há ainda, naturalmente, o sentido de responsabilidade moral da empresa perante as pessoas que, apesar de sempre terem dado o seu melhor, assim serão colocadas numa situação dramática.

Vale a pena considerar ainda outra questão. A teoria económica tradicional encara o lucro apenas como o prémio do risco, mas eu tenho boas razões para acreditar que o lucro é antes de mais uma garantia de futuro.

Quero eu dizer com isto que uma empresa que não gera lucros perde a possibilidade de investir em equipamentos, em inovação e em toda a sorte de activos intangíveis, comprometendo desse modo (talvez irremediavelmente) a sua competitividade futura.

De modo que uma empresa que não despede atempadamente e aceita acumular prejuízos por tempo indeterminado pode estar a criar condições para, a prazo, acabar por encerrar as portas e arrastar na sua ruína todos e não apenas alguns dos seus trabalhadores.

Como diz Van Zeller na entrevista que José Castro Caldas cita com manifesto desrespeito pelas palavras do entrevistado: "Tem de ser visto caso a caso e não se pode atirar pedras a empresas que estão muitas vezes a fazer o melhor que sabem e a tentar proteger os trabalhadores."

Em resumo, qualquer gestor dotado de um sentido mínimo de decência deve pensar setenta vezes antes de proceder a despedimentos (sobretudo numa situação como a actual), mas pretender instituir uma lei do tipo da proposta pelo Bloco de Esquerda é algo de uma demagogia sem nome, sobretudo quando a proposta vem de quem deveria ter a obrigação de entender minimamente o que é gerir uma empresa.

É por essas e por outras que o Bloco me provoca urticária.
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Dedicado a Braga, a idolátrica

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Jeff Koonz: Dirty - Jeff on Top, 1991.

(A propósito, quem foi a luminária que decidiu que, lá por uma coisa ser arte, não pode ser também pornografia?)
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Resumo das 970 páginas de "Os Irmãos Karamazov" para caber nos 140 caracteres do Twitter

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Família disfuncional discute teologia enquanto investiga o homicídio do pai com saias à mistura. Erro judicial, louvor da amizade. Fim.
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Turner: Chuva, Vapor e Velocidade, 1844.
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24.2.09

Zombies na Bolsa de Valores de Lisboa

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Lemos há duas semanas nos jornais que a Teixeira Duarte se encontra tecnicamente falida. Por outras palavras, os seus activos não são suficientes para saldar as dívidas contraídas.

O valor de uma empresa nesta situação é zero, para não dizer que é negativo.

Como se justifica então que a Teixeira Duarte continue cotada em Bolsa? Que alto critério justifica que a CMVM autorize esta situação altamente irregular? Quem decidiu fazer este frete à Teixeira Duarte, e por quê?

E, a finalizar, por que é que, mais uma vez, os media não fazem perguntas sobre este estranho caso?
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23.2.09

Onde está o Parlamento Europeu?

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As estatísticas do INE asseguram-nos que o desemprego estagnou no último trimestre de 2008, mas quem escuta as notícias do encerramento de fábricas e vê nas ruas a quantidade de lojas que já fechou não duvida de que a meta do desemprego para o corrente ano (8,5%) estará prestes a ser ultrapassada.

A contínua e acelerada degradação da conjuntura não pára de corrigir para pior as mais negras previsões. Impávidos e serenos, os responsáveis formulam a política económica em função do que observam no espelho retrovisor.

Os líderes mundiais (chamemos-lhes assim, apesar de não liderarem nada) preferem não entender o que está a passar-se, de modo que, quando agem, é sempre demasiado tarde.

Durante quase um ano, assistiram calmamente ao avolumar da bola de neve do crédito tóxico, esperançados num milagre. Depois, declararam-se empenhados em evitar que a crise financeira se propagasse à economia real quando à nossa volta se multiplicavam os sinais de que isso já tinha sucedido.

A política monetária falhou e parece claro que as políticas orçamentais anunciadas serão insuficientes para impedir o pior. Primeiro, caíram bancos. Depois, empresas industriais. Com a falência da Islândia, é da queda de países inteiros que agora se trata.

Sabe-se que a Europa do Leste ameaça desmoronar-se sob o peso da dívida contraída em euros e francos suíços. Promete-se um aumento da capacidade de intervenção do FMI (para quando?) e exclui-se, para já, uma intervenção decidida da UE.

Na zona euro, à difícil situação de países como Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda e Itália, soma-se agora o pânico da Áustria, cujos empréstimos à Europa do Leste montam a 80% do seu produto.

Na ausência das muito prometidas políticas coordenadas, cada país tenta safar-se por si. Toda a gente condena o proteccionismo ao mesmo tempo que lança programas de emergência destinados a prevenir a quebra das exportações expandindo a procura dirigida a bens produzidos internamente.

Os bancos funcionam como mortos-vivos, incapazes de cumprir a função social para que foram criados: remunerar as poupanças e emprestar a quem necessita de crédito.

Os governos seguem agora o mesmo modelo. Aparentemente continuam em funções. Comportam-se como se estivessem vivos e persistem nos mesmos rituais de sempre. Na verdade, todos os dias revelam não se encontrarem à altura das circunstâncias. Ninguém nos governa, encontramo-nos no meio de uma tempestade sem ninguém ao leme.

A União Europeia é globalmente governada por gente que não presta nem pessoal, nem política, nem tecnicamente; gente desconhecedora das suas responsabilidades, destituída de ideias e de generosidade; gente que pura e simplesmente não sabe o que anda a fazer.

Que faz o Parlamento Europeu, agora que tanto precisamos dele? Faltam menos de quatro meses para as eleições europeias. Depois não se queixem de que a abstenção foi elevadíssima...
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20.2.09

No 100º aniversário do Manifesto Futurista



1. Nous voulons chanter l'amour du danger, l'habitude de l'énergie et de la témérité.

2. Les éléments essentiels de notre poésie seront le courage, l'audace, et la révolte.

3. La littérature ayant jusqu'ici magnifié l'immobilité pensive, l'extase et le sommeil, nous voulons exalter le mouvement agressif, l'insomnie fiévreuse, le pas gymnastique, le saut périlleux, la gifle et le coup de poing.

4. Nous déclarons que la splendeur du monde s'est enrichie d'une beauté nouvelle: la beauté dela vitesse. Une automobile de course avec son coffre orné de gros tuyaux tels des serpents à l'haleine explosive... une automobile rugissante, qui a l'air de courir sur de la mitraille, est plus belle que la Victoire de Samothrace.

5. Nous voulons chanter l'homme qui tient le volant dont la tige idéale traverse la terre, lancée elle-même sur le circuit de son orbite... C'est en Italie que nous lançons ce manifeste de violence culbutante et incendiaire, par lequel nous fondons aujourd'hui le Futurisme parce que nous voulons délivrer l'Italie de sa gangrène d'archéologues, de cicérones et d'antiquaires...

6. Il faut que le poète se prodigue avec ardeur, faste et splendeur pour augmenter la ferveur enthousiaste des éléments primordiaux.

7. Il n'y a plus de beauté que dans la lutte. Aucune œuvre d'art sans caractère agressif ne peut être considérée comme un chef-d'œuvre. La poésie doit être conçue comme un assaut violent contre les forces inconnues pour les réduire à se prosterner devant l'homme.

8. Nous sommes sur le promontoire extrême des siècles! ... Pourquoi devrions-nous nous protéger si nous voulons enfoncer les portes mystérieuses de l'Impossible ? Le Temps et l'Espace moururent hier. Nous vivons déjà dans l'absolu puisque nous avons déjà créé l'éternelle vitesse omniprésente.

9. Nous voulons glorifier la guerre - seule hygiène du monde -, le militarisme, le patriotisme, le geste destructeur des anarchistes, les belles idées pour lesquelles on meurt et le mépris de la femme.

10. Nous voulons détruire les musées, les bibliothèques, les académies de toute sorte et combattre le moralisme, le féminisme et toutes les autres lâchetés opportunistes et utilitaires.

11. Nous chanterons les foules agitées par le travail, par le plaisir ou par l'émeute : nous chanterons les marées multicolores et polyphoniques des révolutions dans les capitales modernes ; nous chanterons la ferveur nocturne vibrante des arsenaux et des chantiers incendiés par de violentes lunes électriques, les gares goulues dévorant des serpents qui fument, les usines suspendues aux nuages par des fils tordus de fumée, les ponts pareils à des gymnastes qui enjambent les fleuves étincelant au soleil comme des couteaux scintillants, les paquebots aventureux qui flairent l'horizon, les locomotives à la poitrine large qui piaffent sur les rails comme d'énormes chevaux d'acier bridés de tubes et le vol glissant des avions dont l'hélice claque au vent comme un drapeau et semble applaudir comme une foule enthousiaste.

F. T. Marinetti

(Publicado originalmente no Le Figaro de 20 de Fevereiro de 1909.)

À espera

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Os líderes mundiais demoraram um ano a perceber que a política monetária (descida da taxa de juro e injecção de liquidez) era insuficiente para impedir o agravamento da situação económica.

Parece que agora vão demorar mais um ano a compreender que também a política orçamental é, nas actuais circunstâncias, pouco menos que impotente.

Apesar de envolver 789 mil milhões de dólares e de implicar um colossal aumento da dívida pública, o plano de estímulo norte-americano vai para a cova de um dente, porque os desequilíbrios financeiros se agravam de dia para dia. Quando muito, funcionarão como um paliativo a muito breve prazo.

Nas presentes circunstâncias, os consumidores adiam as despesas não urgentes. As empresas postergam os seus investimentos. E os bancos agravam a situação ao suspenderem ou encarecerem o crédito à economia. Logo, o fulcro do problema que hoje nos aflige é a paralisia do sistema financeiro mundial.

O sistema financeiro é um morto-vivo. Em vez de vivificarem a circulação de bens e serviços oferecendo crédito, os bancos (aliás, muito compreensivelmente) tentam reduzir rapidamente os seus próprios níveis de endividamento. Com isso, tornam tudo mais difícil para as empresas não financeiras e, a prazo, também para si próprios.

Ora, se os bancos são incapazes de cumprir a função social para a qual foram criados, é preciso atacar o problema pela raiz.

Isso significa que, nalguns países (casos evidentes dos EUA e do Reino Unido), a banca deve ser prontamente nacionalizada; e que, noutros (caso de Portugal, por exemplo), se torna necessária uma intervenção estatal directa na gestão dos bancos.
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19.2.09

Um estranho silêncio

Não consigo contar a estória melhor do que Pedro Santos Guerreiro, Director do Jornal de Negócios:

"[Manuel Fino] entregou quase 10% da Cimpor à Caixa [em pagamento de uma dívida], mas as cláusulas leoninas foram a seu favor. A Caixa pagou mais 25% do que as acções valem; não pode vender as acções durante três anos; e Fino pode recomprar as acções, o que significa que foi a Caixa que ficou com o risco: se as acções desvalorizarem, perde; se valorizarem, Fino pode recomprá-las e ficar com o lucro. Não há dúvidas de que Manuel Fino fez um óptimo negócio e de que zelou pelos seus interesses. Assim como a Caixa - zelou pelos interesses de Manuel Fino."

Os factos são conhecidos desde 2ª feira. Até hoje, porém, não comoveram os nossos media, usualmente tão propensos à indignação. Não fará sentido alguém questionar a administração da Caixa, interrogar o Ministro das Finanças, propor uma comissão de inquérito parlamentar, sei lá?

No momento em que tanto necessitamos de uma intervenção apropriada e rigorosa do Estado na economia, descobrimos que os responsáveis de instituições de relevo como a Caixa não se mostram à altura daquilo que deles temos o direito de esperar.

Isto, sim, é um drama.

18.2.09

Reforma ou lamento

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Não tenho razão para duvidar que alguns patrões aproveitam o actual estado de confusão para despedir trabalhadores desrespeitando a legislação vigente e valendo-se da ignorância jurídica dos atingidos.

Mas é totalmente descabido que o secretário-geral da Intersindical se esforce por fazer dessa questão o fulcro do debate em torno do crescimento galopante do desemprego a que estamos a assistir.

Esta atitude, na aparência radical, na verdade só serve para desviar as atenções do que mais importa. Não, a origem deste drama não radica, no essencial, na falta de escrúpulos de alguns empregadores, mas em males profundos do nossos sistema sócio-económico que a presente crise fez vir à tona.

Não está em causa apenas o comportamento imoral deste ou daquele patrão, mas a ideologia económica que prevaleceu nas últimas décadas.

Que tem a Intersindical a dizer a este respeito? Pensa que as organizações laborais devem limitar-se a um papel de protesto, ou, bem pelo contrário, entende que elas têm um papel activo a desempenhar na configuração na ordem reformada que na sequência da crise deverá emergir?

Não será este o momento adequado para se começar a discutir isto?
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Competitividade?

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Palavras de Belmiro de Azevedo no Fórum para a Competitividade:
"Temos uma crise de líderes no Governo, temos uma crise de líderes nos partidos, temos uma crise de líderes entre os empresários e temos uma crise de líderes nos sindicatos"
Ao que parece, no Fórum para a Competitividade discute-se muito o orçamento geral do Estado, a crise do sistema partidário ou a necessidade de alterar a Constituição, sem esquecer a necessidade de renovar o sindicalismo e de reformar os tribunais.

Muito desabafo, muita lamúria, muita indignação - mas, sobre a competitividade propriamente dita, népias.

Ou é mesmo assim, ou então são os jornais que nos ocultam as ideias mobilizadoras que os empresários concebem para fazer progredir o país.
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16.2.09

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Van Dyck: A Coroa de Espinhos.
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A escalada

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Leio no Financial Times que Sarkozy terá dito isto:

"Justifica-se que se construa uma fábrica da Renault na Índia para vender carros aos indianos. Mas não se justifica a construção de uma fábrica na República Checa para os seus carros serem vendidos na França."

À excepção dos directamente visados, não vi reacções de repúdio proporcionais à barbaridade proferida, a qual põe em causa os próprios princípios basilares da União Europeia.

Prenúncio seguro de que, nesta matéria, o governo francês não ficará sózinho.
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Democracia e Populismo

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Este livro do historiador americano John Lukacs (ainda sem tradução portuguesa) tem muitos e por vezes graves defeitos. O argumento é um tanto enrolado e repetitivo. As idiossincrasias do autor, inseparáveis da originalidade do seu pensamento, levam-no por vezes a perder-se em inúteis polémicas laterais. Os apartes sobre Darwin e Freud são absurdos.

Apesar disso, Lukacs aborda com invulgar profundidade um tema que, infelizmente para nós, permanecerá muito actual nos próximos anos. O autor tem muitas coisas surpreendentes para nos dizer. Já o li três vezes, e creio que não ficarei por aqui. Não o percam, para não poderem mais tarde dizer que não foram avisados.
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13.2.09

Insistindo na convergência de esquerda

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Certas almas caridosas, apiedadas do Dr. Louçã, pretendem que a proposta do Bloco é a nacionalização de todo o grupo SLN como forma de suprir o buraco do BPN.

Ora o Dr. Louçã afirmou isso numa entrevista como poderia ter afirmado qualquer outra coisa. À data da nacionalização do BPN sabia-se já que, excluindo a área financeira, a SLN tinha, só por si, um buraco de 200 milhões de euros, estimativa que deverá ter aumentado entretanto. (Ver esta notícia do Diário de Negócios online de 19.11.08)

Logo, mesmo que não houvesse (e há) outras razões para não nacionalizar todo o grupo SLN, teriamos esta, que é suficientemente boa: as imparidades detectadas no conjunto do grupo são superiores às do BPN, pelo que a solução que o Bloco diz preferir seria mais onerosa para o Estado.

Não percebo como o Dr. Louçã não tem vergonha de se confrontar com os seus pares e alunos depois de proferir barbaridades do género daquelas que lhe temos ouvido a propósito do caso BPN.
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12.2.09

A minha modesta contribuição para a convergência da esquerda

Louçã afirmou ontem no Parlamento – eu ouvi – que o governo já gastou 1% do PIB para salvar o BNP.

Que verdade há nisto?

Eis os factos. A nacionalização do BNP não envolveu o pagamento de qualquer indemnização aos seus accionistas. A CGD concedeu-lhe posteriormente um empréstimo para fazer face às suas dificuldades de liquidez.

Quanto dinheiro foi então pago pelo Estado ao BNP ou aos seus accionistas? Nenhum. Nada. Zero.

Qualquer pessoa familiarizada com a diferença entre doação e empréstimo entende isto; mas o Dr. Louçã, que é professor de economia, finge não compreender.

Alguns apoiantes do Bloco de Esquerda defendem Louçã argumentando que o Governo ainda não deu, mas vai dar. Ao melhor estilo da imprensa tablóide, baralham factos com previsões.

Terão razão?

Esta especulação recrudesceu quando se soube que o BNP tem um “buraco” de 1.800 milhões de euros. “Cá está!”, dizem eles, “Vai ser o Estado, logo os contribuintes, a tapar o buraco, visto que os activos do banco são insuficientes para resolver o problema”.

Qual a origem das dificuldades financeiras do BNP? Aparentemente, o banco endividou-se para adquirir activos financeiros que entretanto se desvalorizaram fortemente. Assim sendo, não está em condições de fazer face aos encargos contraídos.

Significa isso que não resta outra solução senão o Estado pagar essas dívidas? Para esclarecer este ponto seria indispensável conhecer-se em detalhe a estrutura da dívida, ou seja, como foi ela financiada e quando terá que ser paga. Falta também saber-se quais dos activos financeiros detidos pelo BPN são susceptíveis de virem a valorizar-se no futuro e quando isso acontecerá.

Por outras palavras, não é possível estabelecer-se neste momento se a operação de nacionalização do BPN virá a saldar-se por um lucro ou por um prejuízo. O Dr. Louçã e o Prof. Karamba, porém, já sabem.

Mas há outro ponto. O Dr. Louçã mostra-se muito alarmado com o buraco de 1.800 milhões de euros, embora insista em negar que o risco sistémico justificasse a intervenção do Estado. Quando lhe dá jeito à argumentação, o buraco é grande; caso contrário, é pequeno.

Isto permite-lhe ignorar duas coisas.

Primeiro, que os tais 1.800 milhões de euros são devidos a outras instituições, e que, se o BPN não os pagasse, isso teria consequências.

Segundo, e ainda mais grave, o BPN tem 5.500 milhões de euros de depósitos, também eles titulados por empresas e particulares. Tendo em conta que o Estado português garantiu todos os depósitos bancários até ao limite de 100 mil euros, parece lógico admitir-se que a pura e simples falência do BPN teria sempre encargos mais elevados para os contribuintes, mesmo no caso extremo de ser necessário pagar por inteiro os tais 1.800 milhões de euros.

A finalizar, eu gostaria que o Bloco de Esquerda me explicasse qual a sua opção preferida para lidar com o problema do BPN:

a) Não fazer nada, como pretende agora o PSD e sustentam os republicanos nos EUA?

b) Socorrer os bancos sem que o Estado use a legitimidade que essa intervenção lhe confere para apertar o controlo sobre a sua gestão, como Obama está a fazer?

c) Nacionalizar os bancos insolventes, como fizeram, entre outros, os governos inglês e português?

Nada disso. O meu prognóstico é que o Bloco optará antes por convocar uma manifestação de protesto contra os banqueiros.

Que falta de paciência para aturar garotos.

Dr. Mariano & Mr. Gago

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Tendo a concordar com a apreciação que Manuel Caldeira Cabral faz da actuação de Mariano Gago à frente do Ministério da Ciência e Ensino Superior:
"O estranho na área da ciência e ensino superior é o contraste entre o tratamento de quem entra pela porta da ciência e encontra um Dr. Jekyll e quem está no ensino superior e se vê perante um assustador Mr. Hyde. O estranho é que, tal como no livro de Stevenson, os dois são a mesma pessoa. Uma pessoa que sabe quais são os melhores departamentos em cada área, mas impede que tal se reflicta no respectivo financiamento, expansão de vagas ou no aumento de docentes e investigadores."

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10.2.09

Quando os populistas têm razão

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Martin Wolf comenta a decisão de impor um tecto à remuneração dos banqueiros americanos:
"The response to the pay curbs is that the high pay is needed to obtain and reward talent. I think that’s nonsense. Do we really want to reward the “talent” that has just brought down the world economy?"
Recomendo a leitura integral do post.
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Marklin vítima da crise

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5.2.09



Kristin Baker: Ride the Lightning, 2003.

4.2.09

O executivo

Ele não sabia que a General Motors fabrica automóveis

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Que sabem os traders sobre as empresas cujas acções compram e vendem?

Muito menos, certamente, do que seria desejável. É esse o tema do meu artigo desta semana no Jornal de Negócios: "Quanto vale uma empresa".
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Lições de transparência

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As pessoas que alinham num esquema de pirâmide não o fazem iludidas, mas convictas de serem elas próprias o vértice superior de uma pirâmide de tansos. Por outro lado, no conto do vigário, a chamada vítima acredita estar a vigarizar o vigarista.

As pessoas tendem a imaginar que os outros se guiam pelos mesmos princípios que elas: os vigaristas só vêem vigaristas à sua volta, os corruptos só vêem corruptos. Em contrapartida, as pessoas generosas, contra toda a evidência, só conseguem enxergar bondade e simpatia.

A única corrupção de que todos temos conhecimento seguro é a do funcionário que nos dá a escolher entre esperar 6 meses por uma fotocópia autenticada ou resolver imediatamente o assunto pagando 100 euros.

Todos somos testemunhas de que esta forma de venalidade está muito disseminada e é socialmente muito bem aceite. Os próprios não vêem nela nenhum mal: "Neste país de bandidos uma pessoa tem que se defender". O que é a pirâmide deles comparada com a pirâmide dos "grandes e poderosos", dos políticos e empresários que movimentam milhões?

A suspeição em relação às grandes negociatas não necessita de factos concretos para se alimentar; basta-lhe a crença de que, sendo tão abundante a pequena e média corrupção, também a grande não poderá deixar de existir.

É um erro julgar-se que a suspeição se cura com transparência. Nunca como hoje houve tanta transparência, mas isso só acirra mais o resentimento: "A mim é que não enganam eles com tanto show-off! O que é que estes gajos estarão a tentar esconder?"

A suspeição é uma patologia social muito nossa. Os relatos históricos provam que estava connosco há 500 anos, e eu desconfio (ou suspeito, pronto!) que por cá andará daqui a mais 500.

Por mim, também tenho uma desconfiança: a de que os maiores corruptos se encontram entre os que mais bramam contra a corrupção. Se a polícia andasse de olho neles, talvez alcançasse progressos rápidos e significativos.

Até lá, afastem-se de quem se gaba da sua honestidade, se for homem; aproximem-se, se for mulher.
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Kristin Baker: the Unfair Advantage, 2004.
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A exportação líquida da Qimonda

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Esclarecimento:
"Sempre que se fala da Qimonda, por vezes até se omite o nome e se diz "o maior exportador nacional". O título é de 2008 e compreende os 1.400 milhões de euros que a Qimonda exportou, e que a coloca à frente da Auto-Europa.

"Agora o que não se diz é que a Qimonda importa 1.100 milhões de euros. Em termos líquidos, o contributo para a balança das exportações é de 300 milhões.

"Como diz o presidente da AICEP, o problema do fecho da Qimonda não é económico, é social. São 1800 postos, que os apregoados compradores das instalações que por aí andam, nem querem ouvir falar."
Ler ainda um comentário judicioso a este post:
"Ainda falta o graveto que o governo manda para lá... e quase de certeza n de descontos nos impostos."

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Qimonda e outras confusões

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Já todos sabemos que a Qimonda representa 5% das exportações portuguesas. Mas isso é a exportação bruta, não a líquida.

Qual o valor da exportação da Qimonda uma vez deduzidas as importações que a sua actividade implica? Ainda não encontrei quem soubesse dizer-me, mas, tendo em conta que a incorporação nacional parece ser baixa (apenas mão-de-obra, embora alguma qualificada) parece natural que a sua contribuição para a balança comercial não seja tão grande assim.

Nesse caso, qual a justificação para o governo português estar disposto a mobilizar capitais tão vultuosos através da Caixa para salvar a Qimonda?

Já se ouviu também Manuel Pinho invocar o contributo da empresa alemã para a balança tecnológica - ao mesmo tempo, aliás, que argumentava que ela nos ajuda a importar tecnologia. Ora a balança tecnológica contabiliza serviços, não produtos, pelo que a Qimonda não exporta tecnologia, e a importação de tecnologia, caso existisse, teria sobre a balança um efeito negativo.

Talvez o ministro quisesse dizer que há aqui uma transferência de tecnológica que reforça as competências nacionais. Só que nem tudo o que luz é ouro: a actividade da Qimonda em Portugal parece ser sobretudo de montagem; o trabalho qualificado permanece na Alemanha.

De modo que continuamos sem saber ao certo o que justifica a prioridade que o Ministério da Economia atribui à salvação da Qimonda.

Interrogado no Prós & Contras da passada semana sobre os critérios que usa para salvar esta empresa e não aquela, Pinho retorquiu que essa é uma questão metafísica.

É caso para ficarmos todos muito preocupados.
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3.2.09

Se nos esforçarmos muito, poderemos mesmo mergulhar numa desgraça a sério

Willem Buiter no blogue do Financial Times:
"In the UK, prime minister Gordon Brown is reaping the protectionist storm he sowed with his infamous protectionist and xenophobic call for “British jobs for British workers”. What was he thinking? Follow the logic: ‘British jobs for British workers’,'Scottish jobs for Scottish workers’ (along with ‘It’s Scotland’s oil’), ‘Welsh jobs for Welsh workers’ and ‘English jobs for English workers’. Why not London jobs for London Workers, or London jobs for native-born London workers, or even London jobs for white Christian native-born London workers?"