27.1.06



Rouault: Os três juízes, c. 1936.

Os mestres do liberalismo

Eis algo que eu gostaria de ter talento para ter escrito.

26.1.06

"Nunca aderirei a um partido que aceite um militante como eu"

Semi-invalidez

Uma vez ganhei umas eleições para chefe de turma mercê de um braço ao peito que, para além de me dar um ar muito sensato, despertou a compaixão dos votantes.

Agora que as eleições terminaram, Sócrates já pode largar as muletas e emprestá-las a Marques Mendes - a menos que à muleta ele prefira o capote.

25.1.06



Braque: Prato com frutos, 1908-9.

24.1.06

Mau sinal

Nunca ataquei a candidatura de Alegre durante a campanha. Não porque temesse ter que engulir as minhas palavras caso ele passasse à segunda volta - nunca lhe daria o meu voto nessa eventualidade - mas porque, erradamente, supus que se esfarelaria gradualmente o apoio de que dispunha à medida que o tempo fosse passando.

Alegre é um dos mais destacados representantes do socialismo arcaico no partido em que milita. Embora nunca seja explícito, as suas vagas declarações, e sobretudo os seus silêncios, insinuam que talvez continue a ser adepto do "verdadeiro socialismo" das nacionalizações, da reforma agrária, dos entraves ao investimento estrangeiro, da autarcia económica, da auto-gestão e do dirigismo cultural.

A névoa ideológica é o seu elemento natural. Nisso e no discurso anti-partidos se aproximou de Cavaco Silva.

Eu entendo que nem todos os votos em Alegre têm a mesma motivação. Mesmo assim, o score combinado de Alegre, Jerónimo e Louçã revela que uma parte substancial da esquerda portuguesa continua a conviver dificilmente com a democracia liberal e com a economia de mercado.

Manda quem pode

O Grande Ayatola proibe que se diga que a vitória de Cavaco foi tangencial.

Por uma vez, recomendo que acatem a ordem. Manda o bom-senso reconhecer que, atentos os votos expressos na primeira volta, o desequilíbrio seria muito maior se tivesse havido uma segunda.

Voto e razão

As eleições não servem para saber quem tem razão. Servem apenas - e já não é pouco - para saber quem os eleitores preferem em dado momento.

Pretender que os vencidos deveriam mudar de opinião em função do resultado do voto popular é não só absurdo, como também - se me permitem dizê-lo - sintoma de um mentalidade anti-liberal.

Rotatividade adiada

Afinal, ainda não foi desta que a direita conseguiu eleger um Presidente. É que, segundo Maria José Nogueira Pinto, Cavaco era apenas o candidato da não-esquerda...

23.1.06

O dia seguinte

1. Como os meus companheiros do Super-Mário bem sabem, sempre achei a candidatura de Soares uma causa perdida - o que só aumentou para mim o seu encanto. Aliás, em 22 de Fevereiro do ano passado eu previra aqui a vitória de Cavaco Silva nas presidenciais.

2. A primeira causa do triunfo de Cavaco expu-la eu nessa altura. A votação global obtida nas legislativas pelos partidos de esquerda não correspondia ao sentimento do país. Mais uma razão para os portugueses quererem na Presidência alguém que servisse de contrapeso ao PS de Sócrates, um governante que ainda tem que fazer prova do seu real valor.

3. A segunda decorre do estado de desespero que se abateu sobre o país. O que atrai em Cavaco é a fantasia do regresso a uma mirífica Idade de Ouro. Cavaco é um sintoma do desespero reinante. Como uma esponja ele soube absorver e condensar em si todas as frustrações que andam por aí. É a própria confusão ideológica que alardeia o alegado candidato da não-esquerda que lhe permite pretender representar todos.

4. Estou seguro que há uma terceira causa, mas de momento não me ocorre...

5. Ah, já sei, a terceira causa é a própria fragilidade da candidatura apresentada pelo PS, agravada pela forma como foi lançada. Dê-se as voltas que se der, o PS não tinha nenhum candidato em condições de bater Cavaco Silva nesta conjuntura. Soares apareceu aos olhos da opinião pública como um candidato de recurso, e essa era de facto a verdade.

6. Não se falou muito disso de há três meses para cá. Nem era preciso, pois estava no subconsciente de toda a gente. Refiro-me, obviamente à idade de Soares. É um facto que ele se apresentou em excelente forma, mas quem pode estar seguro de que permaneceria assim durante um mandato de cinco anos?

7. Acredito que Soares estava consciente da situação. Suponho também que sabia quão escassa era a probabilidade de ganhar. Apesar disso, tomou a valente decisão de avançar. Provavelmente, nunca foi ele tão generoso como agora.

8. Acrescento, de passagem, que os pretensos "erros" de Soares não desempenharam qualquer papel de relevo na derrota. No essencial, acho que esteve bem.

9. Sendo essa a situação, que sentido fazia então apoiar esta candidatura? A resposta prende-se com a importância do que esteve em jogo nestas eleições. Acreditava e acredito que Cavaco é uma má escolha para o país. A geografia da votação que recebeu mostra que a sua candidatura não só não representa a modernidade, como é o seu oposto. Acresce que por detrás de Cavaco se perfila o cavaquismo, nesta fase animado por um projecto de reconquista do poder através de Belém, numa reedição revista e actualizada da tentação eanista. A ver.

10. O impacto político de umas eleições não se esgota na escolha final. Uma campanha é também uma oportunidade de marcar o terreno em que o combate político se travará após a sua conclusão. Neste sentido, a campanha foi útil. Cavaco não teve o seu passeio tranquilo. Em primeiro lugar, porque uma vitória que era anunciada com margens esmagadoras (há poucas semanas falava-se de mais de 60%) acabou por ser tangencial. Depois, e principalmente, porque a denúncia dos propósitos dos seus apoiantes mais assanhados forçou Cavaco a assumir compromissos de que agora terá dificuldade em desfazer-se.

11. A terminar, uma confissão: a votação relativa de Alegre foi para mim uma surpresa, cujas causas não estou certo de ter entendido. É provável que Alegre tenha sido o Cavaco da esquerda, ou seja, que, tal como ele, tenha beneficiado simultaneamente do populismo, do discurso anti-partidos, do ressentimento social, do descontentamento em relação ao Governo e da falta de confiança no futuro. Seja como for, é preciso fazer um esforço para entender o que se passou aqui.

22.1.06

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

21.1.06

Turismo armado



"You get to see places tourists never do. We're like tourists with guns."

(Soldado norte-americano estacionado no Afeganistão citado por Robert D. Kaplan em "Imperial Grunts; The American Military on the Ground". Kaplan é um apoiante da política externa da Administração Bush.)

O pedestal

Eu entretenho-me às vezes a coleccionar frases do Francisco José Viegas que não querem dizer nada. Eis uma bem recente:

"Nem todos os combates «pela política» são «combates políticos»."

Talvez ele devesse pensar em compilá-las num livro. Davam um volume bem grandinho.


Chagall: Eu e a aldeia.

Cavaco e eu

A comparação entre o resultado do meu Moral Politics Matrix e o da simulação que o Bombyx Mori fez para Cavaco Silva mostra que eu sou menos socialista e mais liberal do que ele. Mas note-se que, nos EUA, a expressão "liberalismo" não tem o mesmo significado que entre nós.



Outros dados interessantes:

1. Portugal é o quinto país do mundo onde mais pessoas fizeram o teste.

2. Nos EUA, as minhas preferências políticas seriam consideradas muito medianas.

3. Em Portugal, estou manifestamente desalinhado para o lado do "moderate liberalism".

"A lei fez-se para ser violada"

Escreveu hoje João Gonçalves na toca do costume:

"A lei fez-se para também ser violada. Sobretudo quando não tem razão de ser e trata os cidadãos eleitores como menores de idade."
A lei fez-se para ser violada, bastando para isso que não se concorde com ela. São eles quem o diz. A começar pela lei fundamental, não é verdade?


Matisse: La musique, 1910.

20.1.06

A direita segundo Eduardo Lourenço



O Eduardo Lourenço escreveu no Público de 5ª feira esta frase que eu, para evitar perdê-la, tenho absolutamente que copiar aqui:

"...a direita, hipóstase eterna do que "é" - força, violência, poder sem reverso, em suma, a "coisa em si" como história fáctica."

Esta é uma caracterização muito verdadeira e profunda que, se eu tivesse o necessário talento, deveria desenvolver e explorar nas suas variadas consequências.

Ficará para outra vez ou, quem sabe, para nunca.

Tenho que pensar melhor no assunto



Ontem, ao assistir no canal Gallery a uma velha película de Vittorio de Sica, penetrou no meu espírito uma ideia perturbadora.

Houve um tempo em que o cinema ia buscar as estrelas ao seu país de origem, ou seja, à Itália. Foi assim que tivemos direito a Silvana Mangano, Monica Vitti, Sofia Loren, Antonella Lualdi, Sylvia Koscina ou Ornela Mutti, entre outras.

Agora, porém, que os filmes vêm todos de Hollywood, temos que gramar parolas como a Jeniffer Lopez e a Demi Moore.

Se calhar, tenho que rever a minha posição sobre a importância de manter o controlo dos centros de decisão.

10.1.06



Helmut Dorner: Helmut, 2003.

9.1.06

Afirma Heródoto



Pacheco Pereira escolheu para si mesmo há duas décadas aquilo a que se pode chamar um posicionamento imbatível num nicho de mercado que ele foi o primeiro a descobrir: ser o intelectual do PSD.

Converteu-se, desde então, numa espécie de Reader's Digest do maior partido da direita. As coisas passam-se assim: ele faz uns resumos acessíveis e os correligionários tornam-se estupidamente cultos sem terem verdadeiramente que se esforçar.

Isto fez muito para aumentar o prestígio intelectual da direita. Tanto que, ultimamente, Pacheco até já foi dispensado de usar casacos de bombazina e colarinho aberto como qualquer vulgar letrado.

Eis, porém, que subitamente ocorreu o impensável: o fornecedor habitual de citações e ditos espirituosos foi apanhado em falso. Como poderemos manter a confiança na sua erudição, se formos levados a suspeitar que, afinal, ele só leu as lombadas dos livros ou ouviu falar dos assuntos pela rama no Channel 4 da BBC?


Helmut Dorner: Vom Inneren des Wals, 2003.

7.1.06

Uma fábula para adultos



Na semana passada, Joaquim Aguiar contou por duas vezes a mesma fábula na televisão para justificar o nosso atraso económico em relação à Espanha. No seu entender, o drama explica-se pelo desmantelamento dos grupos económicos portugueses após a revolução, trauma a que teriam sido poupados os seus congéneres espanhóis.

Eu percebo que a juventude actual, que não conheceu em primeira mão esses famosos grupos económicos, aceite como boa essa versão nostálgica dos acontecimentos. Mas não Joaquim Aguiar, que já tem idade para ter juízo.

O mínimo que se pode dizer é que, á data do 25 de Abril, os grupos económicos portugueses deixavam muito a desejar. É verdade que haviam contribuído para criar alguns centros de excelência em certas áreas da engenharia, mas eram muito fracos do ponto de vista da sua gestão. Tendo em conta o clima geral de condicionamento e proteccionismo económico, isso compreende-se, pois não é de esperar que um tal enquadramento estimule o empreendedorismo, a visão estratégica, a inovação ou o marketing.

Eram criaturas do Estado Novo, não órgãos da sociedade. Não admirou, por isso, que tivessem declarado desde o primeiro minuto uma guerra surda ao novo regime e que, em consequência da sua cegueira, acabassem por ruir com ele, vítimas das contradições políticas em que se haviam enredado.

Não fomos nós que os destruímos, foram eles que se desfizeram.

Qualquer comparação com os grupos espanhóis releva de pura ignorância. Em Portugal, a siderurgia existia há uma dúzia de anos à data do 25 de Abril, e a moderna indústria de construção e reparação naval tinha acabado de emergir. Em Espanha, uma e outra existiam na Catalunha e no País Basco há mais de um século.

Será preciso explicar mais?


Helmut Dorner: Snowblind, 2003.

6.1.06

A corrida



É frequente ouvir-se dizer que a origem da superioridade ecónomica da Espanha em relação a Portugal radica, por um lado, na atitude de maior abertura ao progresso do franquismo, e, por outro, na desastrosa nacionalização dos principais grupos económicos portugueses depois da nossa revolução.

As pessoas são livres de pensarem o que quiserem. Convém, todavia, que tomem ao menos em conta os factos.

Ora, o que as estatísticas dizem é que, a partir de 1960 e quase até ao fim do século, Portugal cresceu sempre mais depressa do que a Espanha. Se tivéssemos continuado a progredir ao mesmo ritmo, ter-nos-ía sido possível apanhá-la por volta de 2010. Só nos anos mais recentes, com o virar do milénio, é que a tendência se inverteu.

Dir-se-ía, revertendo o argumento, que, afinal, Salazar bateu Franco e Vasco Gonçalves deu uma lição a Adolfo Suarez.

Numa perspectiva retrospectiva longa, nunca estivémos, em toda a nossa história, economicamente tão próximos de Espanha como há cinco anos atrás. Contrariamente à ideia corrente, a Espanha é há muitos séculos - melhor: pelo menos há dois milénios - uma região muito mais rica do que aquela que nós habitamos.

5.1.06



Helmut Dorner.

Somos todos a favor do mercado

A Iberdrola não roubou a participação que detém na EDP. Comprou-a.

Se os outros accionistas privados se sentem incomodados pelo facto de terem dentro de casa um concorrente, têm uma boa solução: adquirirem-na pelo valor que conseguirem negociar com a Iberdrola.

Afastar um concorrente de informações e decisões estratégicas tem sem dúvida um valor. Estarão os accionistas nacionais dispostos a pagá-lo?

Aparentemente, não. Preferem antes que o Estado - sempre o Estado! - componha um arranjinho institucional que os dispense de esportularem essa quantia. Por outras palavras: pedem um subsídio que os proteja da concorrência estrangeira.

Logo, a pergunta que se deve fazer é esta: o que espera o Estado para limpar os pés da EDP, da Petrogal e da PT - já para não falar da Caixa Geral de Depósitos?

Que superiores interesses nacionais são defendidos pelas chamadas golden-shares? Os dos consumidores? Os da indústria? Os do turismo? Os do comércio?

Nada disso. O Estado, dizem-nos, tem de estar presente porque se trata de sectores "estratégicos". Mas o que quer isso dizer, ao certo?

A palavra "estratégico" é hoje usada a torto e a direito no propósito exclusivo de evitar uma explicação clara e fundamentada do que verdadeiramente está em causa. (Não me ocorre nenhuma empresa mais "estratégica" para o país do que a Auto-Europa, e, todavia, ninguém propõe que seja intervencionada.)

O interesse "estratégico" do país é que a EDP seja gerida o melhor possível, porque isso significa tarifas mais baixas e melhor serviço aos utilizadores. Ora, normalmente, quem paga mais por uma empresa é quem está em condições de geri-la melhor.

Serão espanhóis? Pois que sejam. A metáfora da conquista, usualmente brandida pelos nacionalistas, é completamente desadequada. A mudança de propriedade de uma empresa consiste na troca de uma forma de capital por outra, ou seja, na cedência de activos físicos a troco de dinheiro. As duas partes chegam a acordo porque cada uma delas acredita que fica melhor em resultado da transacção. Quem compra, acredita que poderá tornar a empresa mais rentável. Quem vende, pensa que conseguirá uma melhor aplicação alternativa para o seu capital.

O dinheiro proveniente da compra não será consumido. Será (melhor) investido noutras actividades, com o que todos teremos a ganhar.

Passamos o tempo a dizer que necessitamos urgentemente de investimento estrangeiro, mas recusamos as poucas oportunidades que existem para atraí-lo.

Somos todos a favor do mercado. Ou não?

1.1.06



Helmut Dorner.