29.4.05

How absurd can you get

«As 'raças' são classificações relacionais, não são atributos essenciais e naturais dos seres humanos. É o racismo que cria as raças e as fronteiras entre estas, de modo diferente de época para época, de país para país.»

Rui Pena Pires, Sociólogo, Professor no ISCTE
O Público, 29.4.05

A Matemática é um luxo

Perguntou um aluno negro a uma professora minha amiga: «Ó setôra, porque é que eu hei-de estudar matemática se a minha vida vai ser trabalhar nas obras?»

Só há duas razões para se estudar qualquer coisa: ou porque se gosta, ou porque é preciso.

Os meus amigos economistas nunca mais precisaram de saber o que é um diferencial desde que acabaram o curso. Com os engenheiros é um bocadinho diferente, mas não muito: a grande maioria deles despediu-se do cálculo integral no dia em que fez o último exame.

A razão é que, em geral, os engenheiros não engenheiram, dado que no país há pouca coisa para engenheirar. Ocupam-se com qualquer coisa que é suposta exigir alguma vaga formação superior, o que na maioria dos casos significa gerir empresas, uma competência que na sua maioria não possuem.

Temos, em termos comparativos, poucos licenciados, poucos mestres e poucos doutores. Mas a verdade é que, ainda assim, salvo raras excepções (de que os médicos são o melhor exemplo), a oferta de trabalhadores qualificados excede a procura.

É por isso que abundam licenciados em gestão hoteleira a atender ao balcão e biólogos a vender apartamentos no Algarve.

Se estas pessoas souberem fazer trocos, terão conhecimentos de matemática mais do que suficientes para as funções que desempenham.

No passado, um curso superior não era tanto um certificado de habilitações como um bilhete de entrada para a classe dirigente, uma espécie de ritual de iniciação a que os meninos das boas famílias eram submetidos.

Era isso que os pobres viam e, por conseguinte, era nisso que acreditavam. Quando os seus filhos finalmente começaram a chegar ao ensino superior, essa lógica pôde finalmente impor-se de uma forma chocantemente transparente: «Dêem cá o canudo e deixem-se de coisas, porque é para isso que a gente paga».

Concluído o curso, abençoam os diplomas e queimam os livros, numa cerimónia que é talvez uma das mais tocantes alegorias do Portugal contemporâneo.

Que interesse tem então a matemática neste contexto? Nenhum, ou quase, não fossem as malditas comparações internacionais com que persistem em atazar-nos os miolos.

Sei que estou a exagerar, mas não muito. A lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria procura, só é válida ao nível macroeconómico. No plano micro, é ao contrário.

Vai daí, os rapazes e raparigas que queiram aplicar os seus conhecimentos de matemáticas superiores vão ter que criar as suas próprias empresas em vez de esperarem que alguém lhes dê emprego. O sistema de ensino superior, graduado e pós-graduado, deveria cuidar de promover o empreendedorismo, sem o que as qualificações que tão bons resultados produzem na Finlândia ou em Silicon Valley, de nada servirão entre nós.

Até lá, a matemática permanecerá um artigo de luxo, tal como, aliás, a literatura ou a liberdade. Está, portanto, em boa companhia.

Mal-estar

Independentemente do resultado final do próximo referendo em França, uma coisa ficou desde já clara: os franceses sentem-se mal numa Europa em que não podem mandar.

27.4.05

Cinzento e prata

Há uns anos, os portugueses compravam sobretudo carros cinzentos.

Agora, preferem automóveis prateados.

Por outras palavras: o país continua cinzento, mas agora revestido com uma camada de verniz.

26.4.05



Toulouse-Lautrec: No Moulin Rouge.

(Aquele anãozinho ao fundo, caminhando ao lado do grandalhão, é mesmo o Henri.)

22.4.05

«Cristofobia»

O Quase em português chamou muito propósito a atenção para o artigo de Anne Applebaum inserido n' O Público de ontem.

Applebaum tem, naturalmente, todo o direito a exprimir as suas opiniões. O que já não é aceitável, é a acintosa fórmula de baixa propaganda a que recorre para o fazer, taxando de inimigos de Cristo todos os que de algum modo se distanciam das opiniões da Igreja.

Eu só queria lembrar que foi sempre com artifícios linguísticos deste género que no passado se promoveu a intolerância e se e e se excitaram os ódios contra quem pensa de modo diferente.

Decididamente, estamos a entrar numa nova época em que alguns não se poupam a esforços para reacender as velhas fogueiras.

Nada se perde

Acabei de ler um livro péssimo: O Século XIX Português, de Fátima Bonifácio.

Apesar do título, ficamos a saber depois de o comprar que só trata da história política do país. Mas, afinal, nem isso.

As invasões francesas têm direito a uma linha.

Sobre a guerra civil entre miguelistas e liberais, ficamos a saber quando começou e quando acabou.

Em compensação, serve-nos doses massivas de ideologia de pacotilha.

Tempo perdido? Talvez. Mas, ao menos, fiquei a perceber melhor por que anda ela tão preocupada com a qualidade do ensino universitário português.

21.4.05



Gauguin: Auto-retrato com o Cristo Amarelo.

Newspeak

E eis que contra a ditadura do relativismo se ergue a democracia do absolutismo.

19.4.05

O plano Tuga para a conquista do mundo

O Blogoexisto está em condições de confirmar que existe de facto um plano Tuga para a conquista do mundo, elaborado até ao mais ínfimo detalhe por uma equipa dirigida por José António Saraiva, cujos colaboradores desejam, por enquanto, conservar o anonimato.

O cerne desse plano, traçado nas suas linhas gerais na Primavera de 2004, consistia na tomada de poder quase simultânea de Teresa Kerry na Casa Branca e de Durão Barroso na Comissão Europeia. O golpe de mão seria complementado, no plano militar, pela designação de Vitorino para o lugar máximo da NATO.

Em seguida, pressionado simultaneamente para se demitir pela Europa e pelos Estados Unidos, Koffi Anan deveria ceder o seu lugar a António Guterres.

José António Saraiva e os conspiradores que com ele colaboram tampouco desprezaram o plano espiritual e foi assim que, apercebendo-se da rápida degradação do estado de saúde de João Paulo II, começaram a preparar activamente a sua sucessão, tendo para essa finalidade escolhido, como agora se tornou claro, D. José Policarpo.

A última dimensão deste plano de tomada do poder à escala global abrangia, evidentemente, o futebol. Como é sabido, Mourinho cumpriu a sua parte, mas Scolari falhou miseravelmente.

O Blogoexisto sabe ainda que o movimento cívico Tuga Global (tal é o seu nome) se reuniu no último fim de semana para fazer o balanço do seu primeiro ano de trabalho e programar a estratégia para o futuro próximo.

Embora a avaliação global dos resultados tenha sido muito positiva, alguns membros da comissão manifestaram o seu desagrado pelo fracasso de Teresa Kerry, não tendo faltado quem o tivesse atribuido à falta de empenho de José António Saraiva no momento decisivo da campanha. Esse fracasso determinou o recuo da candidatura de Guterres a secretário-geral da ONU, forçando-o a contentar-se agora com o cargo de Alto Comissário para os Refugiados.

Mas as críticas mais duras estavam reservadas para Scolari. Um conselheiro terá chegado ao ponto de afirmar que a conquista do Campeonato do Mundo de 2006 será a sua derradeira oportunidade. Caso volte a falhar, deverá ser convidado a fazer hara-kiri em frente ao Mosteiro dos Jerónimos.

Um outro conselheiro propôs que fosse escrita uma carta a António Borges intimando-o a não abandonar o seu lugar de vice-presidente de uma importante instituição bancária norte-americana, dado que o movimento Tuga Global tem para ele grandes planos que não passam pela Presidência do PSD.

18.4.05

«As minhas prostitutas são melhores que as tuas»

Durante décadas, o FCPorto foi acusado à boca pequena de pagar quantias fabulosas a árbitros a trocos de uns quantos penalties cirurgicamente assinalados. Imaginava-se que, com essas somas, esses cavalheiros acumulariam fortunas nas Ilhas Caimão e comprariam vivendas na Quinta do Lago.

Nos anos mais recentes, porém, as suspeitas foram sendo consideravelmente amenizadas. Afinal, disse-se depois, apenas estaria em causa a oferta de férias em destinos exóticos aos juízes corrompidos, coisa para importar numas poucas centenas de contos.

Como nada se provasse, o teor das acusações foi baixando sucessivamente, até que chegámos à actualidade. Segundo nos esclarece o Expresso do passado sábado, o FCPorto pagaria favores a árbitros com serviços de prostitutas, negócio que teria custado aos cofres do clube cerca de 450 euros, ou seja, 90 contos, uma quantia manifestamente fora do alcance de um trio de arbitragem, mesmo no caso, altamente provável, de esse trio ser composto de quatro pessoas.

Analisemos o caso friamente. Necessitará efectivamente uma equipa de arbitragem de se deixar corromper para ter acesso a uma vulgar noite bem passada? Será assim tão difícil cada um tirar 150 euros do seu bolso para obter o mesmo resultado?

A primeira explicação racional que me ocorre é que, tendo os três árbitros simultaneamente esquecido em casa o cartão Multibanco, tiveram que pedir socorro ao dirigente desportivo mais próximo para os tirar de tal aflição.

Mas há uma alternativa mais provável. O problema não estaria então nos 90 contos, mas no que se consegue fazer com eles.

Ora, como é público e notório, o FCPorto consegue, pelo mesmo dinheiro que os outros clubes, melhores jogadores em qualquer modalidade, melhores treinadores, melhores dirigentes, melhores gestores, melhores centros de treino e melhores recintos desportivos. Nada mais natural, portanto, do que conseguir também melhores prostitutas.

E foi aí que os árbitros se deixaram cair na armadilha: o FCPorto, pura e simplesmente, tem melhores prostitutas que os clubes seus rivais.

Falha de comunicação



Estavam todos a aguardar um SMS do Espírito Santo, mas a segurança bloqueou o acesso às redes móveis.

15.4.05

Agora é que vão ser elas



Leio nos jornais que foi finalmente descoberto o mítico Evangelho segundo Judas, a que Santo Irineu faz referência, muito provavelmente datado do terceiro século da nossa era e desde então proibido.

Segundo Jorge Luis Borges, Judas é de facto a figura central do cristianismo, dado que, sem a sua traição, a profecia não teria sido cumprida e Cristo não poderia ser reconhecido como o Filho de Deus.

Judas não ignorava a profecia. Jesus insistiu inclusivamente em recordar-lha horas antes da sua prisão. Ainda assim, foi em frente com a sua decisão, sem dúvida porque, se não o fizésse, a missão de Cristo na terra teria abortado.

Deu-nos assim o exemplo do sacrifício supremo. Eis aqui alguém que conscientemente se condena a si mesmo ao castigo eterno por amor de Deus. Se não traisse, Jesus seria salvo, mas o desígnio supremo de Deus não se cumpriria. Perante este supremo dilema moral, Judas não hesitou: condenou-se a si mesmo às penas do Inferno para que a humanidade pudesse ser salva.

Evidentemente, há outras possibilidades. A história a alegada traição pode ter sido inventada. Ou Judas pode ter sido uma vítima inocente de uma maquiavélica armadilha.

É por tudo isso que se torna extremamente interessante saber o que tem Judas a dizer em sua defesa. O direito ao contraditório chegou à Bíblia.

Serão as coisas o que parecem? Terá o infeliz sido enganado? O que lhe foi prometido em troca? Esperaria ele beneficar de imunidade? E estaria consciente de que o seu nome iria ser arrastado pela lama pelos séculos dos séculos? Não passará tudo de uma miserável calúnia? Será exacto o que se conta nos outros evangelhos? Porque quis a Igreja silenciá-lo? Iremos nós finalmente saber toda a verdade?

14.4.05



Gauguin: Cavaleiros na praia, 1902.

13.4.05

A listinha

A ingenuidade deste comentário deixou-me de queixo caído.

Caros amigos, muita gente obteve e reteve em segredo durante estas três décadas listas de informadores da PIDE, incluindo partidos políticos que delas se serviram para fazer chantagem sobre determinadas pessoas, designadamente no período revolucionário de 1974-75.

Onde é que está a novidade?

Grandes mistérios do Universo

Em 1810, o inglês Peter Durand inventou a lata metálica.

Em 1850, o americano Ezra J. Warner inventou o abre-latas.

Que terá o engenhoso Ezra encontrado na lata quando finalmente conseguiu abri-la?

11.4.05

É só uma ideia

Podia-se agarrar naquele génio anónimo que traduz os títulos dos filmes e pô-lo a fazer o mesmo trabalho para os clássicos da literatura universal, para ver se assim se vendiam mais.

Entretanto, eu próprio já tive algumas ideias para títulos que melhoram nitidamente os originais. Ora vejam:

«Os Lusíadas», ficavam a chamar-se «Tugas ao ataque»

«A Ilíada», «A luxúria de Helena»

«D. Quixote», «Aventuras de bucha e estica»

«Guerra e paz», «A ferro e fogo»

«Crime e castigo», «Crime e castigo»

«Os Maias», «A maldição dos Maias»

«O memorial do convento», «Amores no convento»

Brilhante, não?


Gauguin: Cristo amarelo, 1889.

O Público e o militantismo católico

Já repararam no crescente espaço de opinião ocupado pelos militantes católicos nas páginas do Público?

Cada vez mais me parece manifesta a desproporção entre o peso de que aí dispõem e a sua influência real na sociedade, inclusivamente nos meios católicos.

SA ou EPE?

O governo fez muito bem em mudar os Hospitais SA para Hospitais EPE, porque precisamente a única coisa errada nos Hospitais SA era a designação SA.

Como recentemente se pôde verificar nalgumas discussões que tiveram lugar na blogoesfera, mesmo pessoas bem informadas julgavam que os Hospitais SA eram instituições privadas ou em vias de privatização. Algumas até estavam convencidas de que a ideia era eles virem a estar cotados em Bolsa.

Assim se vê como os nomes que se dão às coisas podem ter graves consequências políticas. Com esta modificação desfazem-se de um só golpe muitas confusões, inclusivamente entre os trabalhadores hospitalares, o que abre caminho para que a reforma da gestão dos hospitais possa prosseguir com um passo mais firme.

(Note-se que esta alteração não tem nada a ver com o balanço da experiência dos hospitais-empresa nos últimos três anos.)

O eleito

Marques Mendes é uma espécie de doce da Teixeira do PSD. Nos últimos 30 anos não houve festa ou romaria em que ele não aparecesse diligentemente a oferecer os seus serviços.

Agora finalmente venceu. Pelo cansaço.

Foi isto que, em súmula, quis dizer o professor Marcello no seu telegráfico comentário à eleição do novo líder.

Tendo em conta a escassa transparência que envolve a eleição dos delegados aos congressos dos partidos, uma vitória por 56-44 tem tanto valor como a designação do Presidente pelo lançamento de uma moeda ao ar.

Após este resultado, a ameaça de cisão do PSD permanece de pé.

How pompous can you get

«Falta - sejamos objectivos - em Mendes e Menezes um je ne sais quoi
(Miguel Coutinho, DN, 10.4.05)

O eterno candidato



Reparem que também ficava lindamente como Papa. Já nem falo do discurso redondo, mas estão a imaginar o barretinho vermelho na cabeça? E aqueles vestidos longos a cobrirem-lhe os pés até o faziam parecer mais alto. Uma graça, não é verdade?

Epitáfio

A Pulga morreu, viva a Pulga.

Cá fico a aguardar.

É só uma fase

Não, não estou doente nem desisti do blogue.

É só uma fase, já passa.

De todo o modo, agradeço a quem teve o cuidado de perguntar.

6.4.05

Um balanço

Se no Vaticano se aplicasse a gestão por objectivos, o pontificado de João Paulo II seria inevitavelmente avaliado de forma muito negativa.

O número de católicos reduziu-se em quase todos os países e continentes. A proporção de católicos que frequentam a igreja e que comungam regularmente caiu. Os católicos que seguem os preceitos morais por que João Paulo se bateu são cada vez menos. A Igreja tem cada vez mais dificuldade em recrutar novos sacerdotes.

Mas é claro que nada disto interessa aos adeptos do integrismo católico. Os doutrinários não se comovem com factos, nem se deixam embaraçar pela lógica.

Os seguidores do Vaticano são hoje em muito menor número do que no passado recente. Em contrapartida, fazem-se ouvir nos media, em consequência da visibilidade que o falecido Papa conquistou para a sua causa. E isso basta-lhes, porque o seu propósito central não é persuadir os povos, mas influenciar os poderosos.