31.12.04

Os primeiros 80 anos



Jovem do ano 2004.

Fazer o bem sem olhar a quem



Artigo do ano 2004.

O herói involuntário



Entertainer do ano 2004.

Hello, goodbye



Fiasco do ano 2004.

Há mais alegria por um pecador que se converte...



Presidente do ano 2004.

Os cães ladram, a caravana passa



Clube do ano 2004.

Quando o sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo



Homem do ano 2004.


Robert Delaunay: Grande painel.

30.12.04

O declínio geral da argumentação

Adoro a expressão«declínio geral do país a todos os níveis». Desqualifica imediatamente tudo o que quem a escreve afirma a seguir.

Rua da Judiaria

Embora com algum atraso, aqui fica o meu obrigado ao Nuno Guerreiro pela simpática distinção.

À conversa

É derivado à vestoria por causa daquela situação que tu dissestes. Não tem a haver com o que tu estás a pensar. Mas eles ainda hádem cá voltar, percebestes?

29.12.04



Cézanne: Crisântemos.

Os cabeças de lista do PS

Os cabeças de lista do PS? Bom, os cabeças de lista do PS... O que é que se há-de dizer sobre os cabeças de lista do PS? São os cabeças de lista do PS, não é verdade? Lá isso são...

Ninguém pode dizer que o partido está a descaracterizar-se. Estes cabeças de lista do PS são mesmo o que seria de esperar de um partido como o PS, não é verdade? Claro que é verdade...

Porque, se o PS tivesse outros cabeças de lista, como, sei lá, por exemplo... Aquele... Vocês sabem... Ou então, por exemplo... Vamos lá a ver... Se calhar não era o PS, se calhar era outra coisa qualquer, e então as pessoas desconfiavam, e então é que eram capazes de não lhe dar a maioria, porque não há nada mais perigoso do que um eleitor desconfiado.... Ora aí está...

Vendo bem, até está bem. Aquela avozinha, por exemplo... Gostei, é claro que gostei. E o outro, o coiso, pois evidentemente que tinha que ser... Já não parece tão bem o que foi lá para... Para... Mas se calhar sou eu que não estou a ver bem... Estou a falar daquele que foi para... Estão a ver?

Há sempre pessoas que falam, que dizem... Mas depois, efectivamente, quem lá está é que sabe como é que é... Porque, se não fosse assim, quem é que pode garantir como é que era?

Porque as pessoas precisam de esperança, certo? Ora, a esperança, a esperança... Por exemplo, ponhamos que o Guterres era cabeça de lista... Sim, o Guterres, só por suposição...

Se calhar não me estou a fazer entender...


28.12.04



Cézanne: Jogadores de cartas, 1990-92.

Desenvolvimento

Haverá coisa mais vulgar do que um caderno de apontamentos?

Mas esperem: este foi usado por Hemingway, Picasso, Van Gogh, Matisse, Céline, Breton e Chatwin! Logo, esta humilde colecção de folhas de papel coladas a uma lombada não é um caderno como outro qualquer.

Registou as impressões do momento de grandes artistas, recolheu as meditações de grandes pensadores, inspirou obras de génio.

Sem ele, quantos instantes de inspiração teriam sido olvidados para sempre, quantos sublimes vislumbres teriam abortado por falta de um instrumento que registasse a sua frágil ocorrência, quantas ideias em germe teriam desaparecido vítimas da cruel pressão dos acontecimentos?

Consciente desses temíveis riscos, Bruce Chatwin, que comprava estes cadernos antes das suas viagens na pequena papelaria da Rue de l’Ancienne Comédie, em Paris, escrevia em todos os eles o seu nome e endereço e oferecia uma recompensa monetária a quem os encontrasse no caso de se perderem.

Um dia, porém, a empresa de Tours que os fabricava encerrou, e Chatwin recebeu uma breve mensagem dizendo: «Le vrai moleskine n’est plus».

A força do Moleskine reside nesta efabulação de marca, na capacidade de transcender a sua aparência trivial por meio de um relato inspirador. O Moleskine apropriou-se, com uma história bem contada, do poderoso mito da criação.

Moleskine é uma promessa de experiência que nos eleva ao nível dos grandes autores cujas obras admiramos. Mas é também, inevitavelmente, uma responsabilidade. Não se nos pede que ascendamos ao nível de Hemingway, mas exige-se-nos que estejamos, pelo menos, ao nível das nossas ambições de criatividade e realização pessoal.

A Modo & Modo, empresa italiana que em 1998 tomou conta da marca, dá-nos um grande exemplo de como um produto banal pode ser diferenciado com alguma imaginação e cultura.

Na capa, uma sóbria badana vermelha recorda-nos em breves palavras a lenda do Moleskine enumerando alguns dos seus ilustres proprietários. A ideia de Chatwin foi apropriada: a entretela sugere o registo de um endereço para devolução em caso de extravio e a indicação da recompensa monetária oferecida. Um pequeno folheto conta a história do Moleskine original em quatro línguas: italiano, francês, inglês e alemão. Atenta às necessidades do mercado, a Modo & Modo disponibiliza uma variedade de moleskines para todos os usos: cadernos de apontamentos (simples, com linhas e com quadrícula), cadernos de esboços artísticos, álbum japonês, livro de endereços, diário de bolso, agenda, etc., tudo isto em vários formatos e encadernações.

O desenvolvimento económico que temos que promover resulta de iniciativas empresariais inovadoras como esta. Não tem que assentar necessariamente em tecnologias de ponta, mas será mais eficaz se explorar as suas possibilidades. Pode consistir em acrescentar valor a produtos tradicionais, eventualmente tornando-os mais apelativos e transformando-os em serviços. Mas exige certamente gente qualificada e empresários com mundo.

(Trabalho de casa: porque é que isto foi feito por uma empresa italiana, e não, digamos, por uma empresa portuguesa? O que é que faltou aqui? Terá sido o papel? Terá sido a ajuda do ICEP? Terá sido o apoio à inovação tecnológica? Será por os impostos serem demasiado altos em Portugal? O que foi?)

24.12.04


Ou, então, o chinês

No tempo em que fomos colegas no liceu, o cantor Jorge Palma era fraquinho em todas as disciplinas menos no inglês. Dizia ele que era por ver muitas fitas de cowboys e ouvir discos do Elvis.

Continua a ser mais ou menos assim que hoje se aprende línguas, com a vantagem de agora os putos terem em casa canais de televisão americanos. Parece-me, por isso, que essa medida anunciada de pôr a garotada (ou a canalha, como se diz no Porto) a estudar inglês já na primária é uma daquelas medidas inúteis mas que custam muito dinheiro. Para inglês ver, creio eu.

Talvez fosse melhor insistir na matemática, que, definitivamente, não se aprende na televisão. Ou, então, pôr os alunos a aprender chinês, visto que, a partir de 2010, a China ultrapassará os EUA como maior país de origem de fluxos turísticos.

Quem sabe, talvez eles achem o Algarve um destino catita...

Hoje fiquei assim...



Não é metáfora, partiram-se mesmo...




Cézanne: Les grandes baigneuses, 1900-05.

Há muito tempo que eu andava com vontade de espetar aqui com o Cézanne, mas depois nunca vinha a propósito. Agora também não vem, mas já não há nada a fazer.

O melhor blogue do ano

Quem quer saber quais os blogues que eu prefiro espreita aí ao lado. A lista é curta, porque inclui apenas aqueles que eu frequento dia sim, dia sim.

Mas, para mim, o blogue do ano foi este.

Durou apenas uns meses e depois acabou - e fez muito bem em acabar, porque a coisa deixaria de ter piada se se eternizasse.

Fazem falta mais blogues como este, praticando um tipo de humor que só neste medium é possível.

23.12.04

Interrupção intempestiva da quadra natalícia para perorar outra vez sobre o déficite

Algumas notas (quase) soltas sobre um debate que não nos vai deixar tão cedo.

1. Não pode deixar de ser considerado espantoso que uma maioria cuja única ideia e cujo único compromisso não renegado com os eleitores foi o combate ao déficite do OGE tenha deixado um déficite efectivamente maior do que aquele que herdou.

2. Para além disso, o crescimento exponencial das dívidas a fornecedores em áreas como a da saúde indicia que o déficite efectivo será ainda muito maior, visto que, dadas as peculiaridades da contabilidade pública, as despesas não pagas só serão contabilizadas como custos em anos posteriores.

3. Se o Estado cortou em tantas coisas (cancelamento de contratos a termo, redução efectiva do rendimento mínimo garantido , quebra do investimento público, etc., etc.) como é que, afinal, a despesa não baixou? Porque, para certas coisas, nunca faltou dinheiro. Por exemplo, o Dr. Portas nunca teve dificuldade em financiar as suas guerrinhas privadas, tais como a compra de material militar, as pensões dos ex-combatentes ou a presença da GNR no Iraque. E a Câmara de Lisboa, sob a direcção do Dr. Lopes, até teve suficiente folga para criar um novo sistema de transportes grátis no centro da cidade. Sem falar da facilidade com que se contrataram estudos a empresas multinacionais de consultoria de gestão sobre tudo o que veio à cabeça dos gabinetes ministeriais. Fiquei a saber esta semana, por exemplo, que uma dessas empresas especializadas em gestão fez um estudo sobre o combate a incêndios!

4. Mas, para além de tudo o mais, o que está aqui em causa é um problema de ignorância pura e simples. Durão Barroso não fazia a mínima ideia do que seria preciso fazer para reduzir o déficite, tal como não faziam Ferreira Leite, Bagão Félix e muitos outros que os acompanharam nesta triste aventura. No Estado como nas empresas, não é possível reduzir custos duradouramente sem ter uma estratégia. Se uma empresa se mete a reduzir custos sem uma perspectiva clara sobre o rumo que pretende seguir, acontece uma de duas coisas: a) a empresa vai à falência; b) os custos que se cortam num sítio reaparecem noutro.

5. Há três anos, uma luzida companhia de sumidades apresentou-se perante o país com a promessa de que resolveria rapidamente, embora com recurso a medidas impopulares, os problemas que, segundo eles, os socialistas haviam criado. O que se provou foi que o que lhes sobrava em jactância faltava-lhes em conhecimento e clareza de espírito. Mas também falta ainda provar que, neste momento, o PS já saiba o que tem que fazer.

6. É preciso dizer e repetir que o déficite não é o problema, é um mero sintoma de problemas mais fundos. Em primeiro lugar, porque o déficite só é relevante na medida em que agrava o endividamento, e em especial o endividamento externo. Em segundo lugar, porque ele resulta da conjugação de dois factores: a) a economia não está a crescer tanto quanto devia; b) a administração pública não está a ser bem administrada.

7. Não se pode confundir o urgente com o importante. Urgente é conter a despesa pública, o que significa, por exemplo, que os funcionários públicos não podem nem devem ser aumentados. (Muitas pessoas parecem não ter consciência de que muitos trabalhadores do sector privado também não são aumentados há vários anos.) Importante é pôr a economia a crescer e o Estado a funcionar.

8. O caminho para pôr a economia a crescer não é baixar impostos, é fomentar a inovação, regular os mercados onde escasseia a concorrência e mobilizar o país todo para expandir a exportação de bens e serviços. (Faço só três perguntas: a) Quantas das grandes empresas portuguesas de que os jornais todos os dias falam contribuem para esse esforço?; b) Com que frequência dedicam os nossos media alguma atenção às empresas exportadoras portuguesas?; c) Que sentido fez lançar na maior confusão o ICEP, único organismo com capacidade para promover as exportações?)

9. O caminho para pôr o Estado a funcionar é reabilitar a função pública, reconstruir a cadeia de comando hierárquico destruida pelas sucessivas interferências partidárias, respeitar o know-how que existe, premiar o mérito e exigir a prestação de contas. Ouço alguns empresários criticarem os organismos estatais por não fazerem análises custo-benefícios dos projectos que promovem. Julgarão eles que na administração pública não se sabe o que isso é? Ignorarão eles que, se não se faz, é apenas porque as chefias nomeadas pelos partidos não o permitem? Chegamos, assim, ao ponto crucial: nenhuma gestão por objectivos, nenhuma avaliação do mérito terão qualquer resultado se não começarem por cima. Mas isso exige que todos os cargos públicos, a começar pelos directores gerais, sejam providos por concurso, e que acabe a prática terrorista da humilhação das chefias da administração pública pelos cretinos que transitam directamente das jotas para os gabinetes ministeriais.

Hoje amansei assim...



22.12.04

Hoje irritei-me assim...


21.12.04

Hoje assustei-me assim...


Hoje rabisquei assim...



Hoje almocei assim...


Hoje acordei assim


18.12.04



Klee: Morte e fogo, 1940.

Blogues do ano

O Portugalidades teve a gentileza de incluir o ...Blogo Existo entre os seus preferidos em 2004. Agradeço-lhe, tanto mais que o colocou em excelente companhia.

Brad Mehldau e Bill Evans



Brad Mehldau não gosta nada de ser comparado a Bill Evans. Quem faz essa comparação, acha ele, não entende nada da sua música.

Entendo o que quer dizer, dado que os estilos dos dois pianistas são suficientemente singulares para não autorizarem confusões.

Mas a intensidade da relação que estabelecem com os temas que interpretam, a profundidade intelectual da sua música - só possível em alguém muito versado na música clássica - a seriedade com que abordam a matéria-prima que lhes serve de base, seja ela um standard de reputação firmada ou uma cançoneta a que a maioria de nós nunca concedera muita atenção, aproximam-nos um do outro.

A maioria dos intérpretes de jazz mainstream confinaram-se durante demasiados anos a um domínio musical excessivamente restrito de standards do tempo da carochinha, às vezes com o argumento explícito de que a música pop contemporânea não possui uma riqueza melódica comparável à produzida por Berlin, Porter ou Ellington. Como se a melodia fosse a única dimensão relevante da música!

Essa auto-limitação entravou o desenvolvimento do jazz e retardou a adesão de novos públicos. Ao retrabalhar composições dos Beatles ou dos Radiohead, Mehldau introduz de uma forma subtil - tudo nele é understatement, outro ponto que o aproxima de Evans - novas dimensões no jazz contemporâneo.

Um exemplo perfeito disso mesmo é a excitante versão de "Things behind the sun" de Nick Drake com que abre o seu recente «Live in Tokyo» que hoje escutei pela primeira vez.

Boas e más notícias

A presença de Valadares Tavares (ex-ministro sombra de Durão Barroso e Presidente do INA) no jantar que ontem congregou independentes apoiantes do PS é, a par da sondagem hoje divulgada pelo Expresso, um sinal decisivo de que está à vista um terramoto eleitoral no próximo mês de Fevereiro.

As implicações deste facto são em larga medida positivas. Em primeiro lugar, porque o país terá garantida uma maioria sólida capaz de formar governo. Em segundo lugar, porque o esmagamento de Santana Lopes dará lugar à sua remoção do cargo de Presidente do PSD, uma missão patriótica que o país inteiro aplaudirá sem restrições.

O reverso da medalha é que, seguro da vitória, o PS sentir-se-á desde já desobrigado a comprometer-se antes das eleições com metas claras de governação, dado que isso não será fundamental para angariar votos. Diminuirá a pressão sobre Sócrates e sobre o PS. Acentuar-se-á a tendência para encher as listas de deputados de gente fiel mas sem qualidade. Reduzir-se-á o esforço de recrutar para o governo os melhores em cada área e de traçar políticas ambiciosas e coerentes.

Muitas pessoas, entre as quais modestamente me incluo, têm recomendado ao PS que aproveite esta oportunidade única para elevar o nível da discussão e resistir à degradação do debate político que Santana e Portas se esforçam por impor.

Até agora, porém, apesar de assegurar que é isso mesmo que pretende fazer, Sócrates tem-se limitado a exibir uma postura de bom rapaz e a flagelar a coligação moribunda.

A nós, meros cidadãos eleitores, o que nos interessa é saber o que o PS será capaz de fazer quando, como parece inevitável, assumir o poder no próximo mês de Fevereiro.

Deve ser por causa disso que os estádios de futebol estão vazios

80 mil pessoas visitaram já a exposição de Paula Rego em Serralves.

(Entretanto, em Lisboa, o suave Jorge Silva Mello irrita-se por ter encontrado a retrospectiva de Pomar no CCB às moscas e faz deprimentes comparações com as multidões que enchem o Rainha Sofia.)


Klee: Parque perto de L (-ucerna), 1938.

17.12.04

Um golo de bandeira

Depois de uma fase de «experiências» desatinadas que, na prática, tornaram o blogue ilegível, o biltre está de volta em grande forma.

Querem saber o que verdadeiramente distingue Mourinho dos treinadores de pacotilha que para aí pululam? Querem entender porque exaltamos a mediocridade auto-convencida e taxamos de arrogantes aqueles que sabem o que fazem e se esforçam continuamente por fazer cada vez melhor? Então, leiam aqui.

16.12.04

Coisas que a coligação PSD/PP fez bem

Agora que está à vista um novo governo do PS, espero que, ao contrário do que fez Barroso, Sócrates resista à tentação de destruir tudo o que os outros fizeram e começar de novo, porque isso é o que caracteriza os países subdesenvolvidos.

Por mim, entendo que há três áreas polémicas em que a maioria cessante fez coisas boas, muito boas mesmo:

1. Actualização das propinas universitárias. Os benefícios do ensino superior vão em grande parte para os próprios estudantes que se licenciam, embora todos ganhemos com o facto de haver mais gente graduada. Por isso, os custos da educação universitária devem ser suportados em parte pelos estudantes, em parte pelo Estado, em proporções a definir. O governo de Barroso fez bem em reafirmar este princípio e em dar passos seguros para consolidar este sistema, que é mais justo do que o anterior.

2. Hospitais SA. Os hospitais devem ser geridos, e para tal devem dispor da necessária autonomia. Este princípio não implica a privatização dos hospitais. Bem pelo contrário: se funcionar bem, permitirá evitá-la. Dito isto, o governo PSD/PP cometeu alguns erros na aplicação desta política e fez muita demagogia. Espero que o próximo ministro da saúde melhore o que há a melhorar sem todavia negar os avanços entretanto conseguidos. De resto, o novo modelo de gestão hospitalar foi, nas suas linhas gerais, traçado por Correia de Campos no último governo de Guterres.

3. Regulação. O legado dos governos de Guterres nesta matéria foi muito pobre porque a tibieza do primeiro-ministro entravou tudo. Nos últimos dois anos e meio avançou-se muito, apesar da contínua resistência dos lóbis visados. Em minha opinião, esta é uma área absolutamente crucial para a melhoria da competitividade das empresas portuguesas. É preciso prosseguir na mesma via.



Paul Klee.

Quem ganha com as prendas de Natal

Segundo o professor Joe Waldfogel da Universidade de Wharton, as compras feitas pelos consumidores para si mesmos geram um nível de satisfação entre 10 a 18% superior por dólar gasto ao dos objetos que lhes são oferecidos de presente. Quer isso dizer que as opções de compra feitas por terceiros tendem a gerar menos satisfação do que as nossas opções pessoais.

Aparentemente, existiria um ganho económico para todos se apenas oferecessemos uns aos outros cheques de compra - uma perspectiva bastante sinistra, em minha opinião.

Todavia, o professor Waldfogel (parece um nome de cientista de banda desenhada) reconhece que, «se acabássemos com a prática de dar presentes, incentivando as pessoas a dar dinheiro no lugar de objetos, o ganhador, de certa forma, seria beneficiado com essa troca, mas a experiência não seria tão boa para o doador.»

O facto é que oferecer algo a alguém contém um simbolismo que a mera transacção económica não capta. Perder tempo a escolher algo significa que nos preocupamos o suficiente com essa pessoa para nos esforçarmos por entender o que lhe vai na alma. Mas é evidente que, quando falhamos redondamente esse desiderato, o efeito pode ser o oposto do pretendido.

Mesmo assim, digo eu, ignorem o conselho do professor Waldfogel e dêem presentes em vez de dinheiro.

15.12.04



Paul Klee: Cativo.

A descoligação

Está confirmado: deitaram fora a água do banho junto com o bébé.

O regresso da Drª Maria de Belém

A Drª Maria de Belém, cuja interminável passagem pelo Ministério da Saúde se limitou a doses massivas de sorrizinhos, resmas de protocolos e total descontrolo do sistema, considera «inadequado» o modelo dos Hospitais SA, porque se trata de «uma forma de organização do sector privado» cujos objectivos «privilegiam o lucro financeiro e a gestão».

A supina ignorância da Drª Belém só tem par no à-vontade com que persiste em perorar sobre o assunto.

Não sei quem é que o PS tem em vista para o Ministério da Saúde, mas quero crer que seja alguém melhor - muito melhor - do que a Drª Belém.

O regresso do Dr. Boquinhas

O Dr. Boquinhas, socialista candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos e conhecido principalmente por aparecer sempre atrás do Engº Guterres quando ele se encontrava perante as cameras da televisão, declarou no Expresso de sábado que «não descansará enquanto não der cabo dos Hospitais SA».

Desconheço quem sejam os outros candidatos ao cargo, mas não duvido de que, comparados com o Dr. Boquinhas, serão todos excelentes.

A receita do Dr. Louçã

O Dr. Louçã exige que os Hospitais SA sejam imediatamente reintegrados no sector público administrativo.

Já temos, pois, duas ideias programáticas claras do Bloco de Esquerda, as primeiras desde que foi criado: o desmantelamento da NATO (que, segundo ele, fazia sentido quando existia o Pacto de Varsóvia, mas agora não, presumindo-se que, nessa época, ele apoiava a NATO) e a integração da gestão hospitalar na administração pública centralizada.

Fico a aguardar ansiosamente mais «ideias» do Bloco, certamente muito criativas, muito modernas e muito estimulantes.

(Louçã bem nos avisara há dias de que não é o Joschka Fischer português. Para falar com franqueza, também nunca pensei que fosse.)

Como foi que diz que disse?

Paulo Portas hoje à noite: «Se eu acreditasse em sondagens, há muito que teria mudado de profissão».

Interessante - não acham? - um sujeito que dirigiu um instituto de sondagens dizer-nos que não acredita em sondagens...

Que vendia ele então? Gato por lebre?

14.12.04



Klee: Insula Dulcamara, 1935.

11.12.04

Parafuso, perdeu-se



Favor contactar o próprio.

Vae victis

É bem certo: não há maior cego do que aquele que não quer ver. A actuação do Presidente está muito longe de poder ser considerada exemplar, mas a verdade é que, quanto à substância, tem o país todo, meio PSD e talvez meio governo incluídos, ao lado dele.

Mas talvez não seja isso. Talvez se trate antes de uma recusa de renegar os companheiros da véspera agora caídos em desgraça.

Se assim for, é bonito e eu aplaudo.

Becker & Posner online

Duas grandes figuras intelectuais americanas, nada mais nada menos que o Nobel da Economia Gary Becker e o juíz Posner, especializado na aplicação da teoria económica ao Direito, lançaram agora o seu blogue.

Concorde-se ou não com eles, o nível da argumentação é de primeira água, e a escolha de temas promete.

Na primeira semana, tomam partido na polémica sobre a aceitabilidade do princípio da guerra preventiva, sendo que ambos se declaram a favor, embora com argumentos ligeiramente diferentes.

Posner entende que a guerra preventiva é o equivalente, no direito internacional, à legítima defesa na ordem jurídica interna. Mas o argumento fundamental de ambos é que a alternativa usualmente proposta à guerra preventiva, a dissuassão, não funciona nas condições da actual ameaça terrorista mundial.

Por mim, concordo que a dissuassão é ineficaz contra «pequenos grupos dispersos com crescente acesso a armas poderosas». Todavia, o mesmo pode dizer-se da guerra preventiva. Creio ser esse o ponto fraco da argumentação de Becker.


Paul Klee: Paisagem com pássaros amarelos, 1923.

Montaigne e Pacheco Pereira

«La plus grande chose du monde, c'est de savoir être à soi.»

Proust e Mira Amaral

«On devient moral dès qu'on est malheureux.»

Cervantes e Morais Sarmento

«El pán comido y la compañia deshecha.»

Dylan e Luís Delgado

«How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?»

Racine e Arnaut

«Sans argent l'honneur n'est qu'une maladie.»

Borges e Guterres

«O original é infiel à tradução.»

Maquiavel e José Sócrates

«As fortalezas mais facilmente conquistadas são as mais facilmente perdidas.»

Alexander Pope e Alberto João

«Go, teach eternal wisdom how to rule -
then drop into thyself, and be a fool!»

Dylan e Sampaio

«Don't think twice, it's allright.»

Heidegger e Luís Filipe Menezes

«O nada nadifica.»

Estaline e Portas

«Há uma lenda eternamente verdadeira: a de Judas.»

Derrida e Louçã

«Il n'y a pas de hors-texte.»

Hegel e Barroso

«O que é racional é real, o que é real é racional.»

Jagger e Cavaco

«Ev'rywhere I hear the sound of marching, charging feet, boy.
'Cause summer´s here and the time is right for fighting in the street, boy»

Dylan e Soares

«Ah, but I was so much older then,
I'm younger than that now.»

Hendrix e Santana

«Purple haze is in my brain
Lately things don't seem the same.»

Wittgenstein e Sampaio

«O que pode ser dito deve ser dito claramente; o que não pode ser dito deve ser silenciado.»

No desaniversário de Mário Soares

Deve ser bom chegar-se aos 80 anos com a consciência compreensivelmente tranquila. Sobretudo quando essa consciência não é excessivamente tolerante com as culpas próprias. Sobretudo quando o envolvimento pessoal em acontecimentos de importância transcendente impôs a tomada de decisões que, pelo seu impacto na vida de muitas pessoas, submeteu a dura prova a capacidade de distinguir entre o bem e o mal. Sobretudo quando o curso da história vindicou no essencial as opções essenciais da sua vida.

Convém não esquecer, porém, que a actual unanimidade em torno de Soares envolve uma boa dose de saudosismo por uma Idade de Ouro que nunca existiu, fruto da nossa humana tendência para idolatrar o passado e desprezar o presente. Há vinte anos, mesmo em vésperas de ser eleito Presidente pela primeira vez, ele era seguramente uma das figuras políticas mais detestadas do país.

Hoje, como no passado, não me impressionam especialmente as opiniões particulares de Soares sobre muitos assuntos. Mas a força dele resulta de que, embora errando muito nos detalhes, é raro equivocar-se quanto ao essencial. Por isso lhe chamam intuitivo.

Diz-se que o seu sucesso deve muito ao facto de ele ser o português típico: extrovertido, despreocupado, convivial e desenrascado, mas também pouco metódico, oportunista, superficial e improvisador. Mas há outras formas de se ser um português típico. Estou a pensar, por exemplo, em Zenha, o alter-ego de Soares, praticamente o seu oposto tanto nas qualidades como nos defeitos. A amizade e a cooperação entre ambos, ao longo de quase quarenta anos, embora desfeita nas circunstâncias que se conhecem, é, para mim, a maior prova da grandeza de Soares. Só alguém profundamente humano e tolerante consegue conceber uma amizade tão profunda por uma pessoa tão diferente dele.

Isso, sim, é divergência

A presença constante de Luís Filipe Menezes na televisão, na rádio e nos jornais é a prova provada de que estamos de facto a divergir da União Europeia.

Hotel Sossego

Há blogues que morrem, há blogues que adoecem, há outros ainda que atravessam fases de depressão. De modo que, quando as companhias habituais começam a maçar-me, meto-me pela veredas da net à procura de outras vozes. Foi assim que descobri o Hotel Sossego, cujo link permanente passa a partir de agora a estar disponível aí à direita. Vão lá, que não se arrependem.

8.12.04



Paul Klee.

O que querem Santana e Portas

A dupla Santana-Portas, à qual falta tudo menos esperteza, está perfeitamente consciente de que não tem qualquer hipótese de ganhar as próximas eleições.

Mas sabe também que isso não é essencial para as suas ambições. Na verdade, a eles basta-lhes que o PS não consiga a maioria absoluta para permanecerem no centro da vida política, manterem em cheque os críticos dentro dos seus partidos e prepararem o regresso ao poder.

Se assim acontecer, abrir-se-á um período de instabilidade de que - ninguém duvide! - saberão tirar partido. Tanto mais que, como todos estamos recordados, Portas foi o introdutor da política suja em Portugal nos seus gloriosos tempos de director do Independente.

Tudo o que a dupla já fez, está a fazer e fará assenta neste propósito essencial de impedir a emergência de um governo maioritário e de aproveitar a confusão subsequente.

É evidente, por exemplo, que haverá coligação. É também evidente o sentido da guerrilha institucional entretanto aberta contra o Presidente da República. Tal como é evidente o propósito das movimentações dos últimos dias em torno do SIS.

Santana procurará imitar em 2005 as célebres peixeiradas de Sá Carneiro, o seu grande mestre e inspirador, introduzindo no modelo as necessárias adaptações impostas pelas circunstâncias. Outra vez a história a repetir-se...

Estejam atentos aos próximos episódios.

Como as coisas se fazem



Na sua edição de 2ª feira, o Diário Económico atribui as seguintes palavras a Santana Lopes durante o comício da véspera na Póvoa do Varzim:

«Há uma pessoa [António Borges] que diz no jornal que é preciso renovar o PSD. Recebi-o há duas ou três semanas e foi dizer-me que gostava muito de colaborar comigo e com o ministro do Ambiente na questão da privatização das Águas de Portugal.»

Como se vê, ninguém pode estar tranquilo quando tem conversas privadas com Santana Lopes, porque ele pode sempre vir cá para fora contar tudo.

Mas, neste caso particular, eu gostaria de saber uma coisa. Borges discutiu com Santana a questão da privatização das Águas de Portugal na qualidade de militante do PSD, na qualidade de vice-Presidente de um banco de investimento (o Goldmann Sachs) interessado na operação de privatização ou, o que é mais natural, em ambas?

A insinuação de Santana sobre o que verdadeiramente interessa a António Borges é evidente, de outro modo não teria revelado o episódio. Que cada qual tire as suas próprias conclusões.

7.12.04



Klee: Flora cósmica, 1923.

Está na moda fazer pressões na praça pública

Para ler e meditar sobre a fragilidade do Estado português, o papel de moço de recados a que importantes jornais se prestam e o despudor de interesses mesquinhamente egoistas que ousam arvorar-se em porta-vozes do interesse colectivo. Sairá alguém de peso em defesa de Abel Mateus? Duvido.

5.12.04

A especulação imobiliária e as formas de a combater

Parece-me fazer todo o sentido este texto de Nuno Portas , para o qual fui alertado por uma oportuna referência do Quase em português.

A ser assim, a legislação que se prepara é precipitada, inoportuna e prejudicial. Mais um caso em que se avança sem ponderar seriamente as questões envolvidas, dentro daquele espírito ignorante de que «o importante é decidir».

Sobre o programa económico alternativo de Manuel Pinho

Manuel Pinho, um economista muito próximo de Sócrates, assina no Expresso de ontem um interessante artigo onde se propõe apresentar uma alternativa de fundo à política económica da actual maioria.

Eis, em síntese, o seu raciocínio:

1. Cavaco Silva tem razão quando diz que é necessário aumentar o peso das exportações de bens e serviços no produto, mas esquece-se de investigar porque é ele actualmente tão baixo, tendo inclusivamente baixado um pouco ao longo da última década.

2. Para Manuel Pinho, a causa dessa situação encontra-se na «falta de competitividade do nosso sector exportador» e na «grande voracidade que temos por produtos importados».

3. «As empresas tomam decisões em função de incentivos,(...) e o incentivo principal é dado pelo sistema de preços». «Numa pequena economia aberta [como a nossa], o preço mais relevante é a taxa de câmbio real, ou seja, a relação entre o preço dos bens transaccionáveis [nos mercados externos] (têxteis, automóveis, DVD) relativamente aos bens não transaccionáveis [nos mercados externos] (imobiliário e a maioria dos serviços)».

4. Como, em Portugal, os preços dos bens não transaccionáveis têm evoluído mais favoravelmente do que os dos bens transaccionáveis, as empresas orientam a sua produção para o primeiro sector, ou seja, desinteressam-se dos mercados externos e da exportação.

5. Por consequência, a alternativa proposta por Manuel Pinho é por ele assim resumida: «Período relativamente longo de contenção da despesa privada e pública, acompanhado de um projecto mobilizador destinado a encurtar a distância que nos separa da fronteira do conhecimento com base num forte impulso ao nível tecnológico, em políticas microeconómicas activas direccionadas para tentar reorientar a oferta para o sector dos bens transaccionáveis, no ataque à burocracia e no investimento humano.»

Embora haja aqui muita coisa que mereça o meu apoio, creio que este programa passa ao lado do essencial. Eis porquê:

1. Pinho presume que as empresas optam entre produzir bens transaccionáveis ou não transaccionáveis, quando usualmente não é assim. Quem fabrica automóveis não vende crédito à habitação, e quem vende gás natural não fabrica têxteis. É claro que há excepções: a construção civil pode construir casas para residentes (bens não transaccionáveis) ou para turistas (bens transaccionáveis), mas nem elas são importantes nem passa por aí o essencial do problema.

2. Por conseguinte, as empresa não optam entre produzir bens transaccionáveis ou produzir bens não transaccionáveis, mas entre investir em sectores em que predominam bens transaccionáveis ou investir em sectores em que predominam bens não transaccionáveis. Acontece que a primeira é uma decisão de curto e médio prazo, a segunda uma decisão de longo prazo.

3. Tal como Cavaco, Pinho também não vai ao fundo do problema, que é o de saber porque crescem mais os preços do sector de bens não transaccionáveis do que os dos bens transaccionáveis. A resposta é que nos mercados dos segundos há muita concorrência, e nos primeiros há pouca ou nenhuma.

4. O problema é que, na sequência das nacionalizações, foi autorizada uma elevada concentração empresarial em importantes sectores da economia portuguesa protegidos da concorrência internacional, de onde a tendência para praticarem preços excessivamente elevados. Resultam daí duas consequências principais negativas.

5. A primeira é que as empresas portuguesas que competem nos mercados externos pagam preços elevadíssimos pelas telecomunicações, pela electricidade, pelo gás natural, pelos serviços financeiros, pelos imóveis, etc., o que contribui para torná-las menos competitivas.

6. A segunda é que, como podem investir em sectores protegidos da concorrência com boas taxas de lucro e riscos nulos, os grupos económicos portugueses estão praticamente ausentes dos sectores de bens transaccionáveis. Essa situação, ao que creio única em países da Europa Ocidental, significa que uma boa parte dos nossos melhores recursos humanos, financeiros e tecnológicos não dá qualquer contributo para a competitividade externa do país.

7. É bom recordar que não só os governos de Guterres fracassaram em toda a linha na regulação dos sectores económicos mais concentrados, como predominou uma política económica, protagonizada por Pina Moura, orientada para o reforço da concentração económica sem qualquer consideração pelas suas consequências negativas para os consumidores e para as empresas portuguesas exportadoras.

8. Por conseguinte, a resolução dos nossos problemas económicos actuais exige: a) que se tome muito a sério a questão da regulação dos mercados; b) que se promova a inovação (que não se reduz à inovação tecnológica, mas isso é outra conversa). A regulação corrige as actuais disfunções dos mercados e melhora a eficiência do aparelho económico existente, o fomento da inovação visa o desenvolvimento futuro de actividades de maior valor acrescentado. Esses dois eixos de actuação encontram-se intimamente interligados. Regulação e inovação: rima e é verdade.

Galeria de políticos competentes de Cavaco Silva (1)



João de Deus Pinheiro

(É favor colocar outras sugestões na caixa dos comentários. Por outras palavras: coloquem moedas más na caixa das esmolas.)

A democracia empresarial segundo Nicolau Santos

Alguma da nossa imprensa parece apostada, de há uns tempos a esta parte, em reintroduzir à sucapa a democracia censitária.

Para ela, sempre que ocorre uma crise, o que interessa é saber o que pensam os empresários. Ora, embora eu não tenha nada contra a possibilidade de os empresários terem opiniões políticas e exprimirem-nas na praça pública, recuso-me a conceder-lhes qualquer estatuto especial.

Um dos mais destacados adeptos da democracia empresarial é Nicolau Santos do Expresso, para quem o critério essencial para se determinar se uma decisão é boa ou má consiste em inquirir a opinião dos empresários.

Assim, ele assegura-nos no seu editorial de ontem que, ao passo que, há quatro meses, «a totalidade dos empresários, gestores e economistas que se pronunciaram sobre o tema (com excepção de João Salgueiro)» apoiou a nomeação de Santana Lopes, agora «não há um único empresário que defenda este Governo». Para Nicolau, esse simples facto bastaria para legitimar a decisão de Sampaio, o presidente de todos os empresários.

Notem bem, além do mais, o abuso de linguagem tendente a fazer crer que: a) «os empresários, gestores e economistas» pensam em uníssono; b) só se pronunciam sobre o caso os empresários que Nicolau ou o Expresso entendem dever ouvir. Acontece que a primeira asserção não é verdadeira, nem mesmo entre a restrita e enviezada amostra de empresários de que o Expresso sistematicamente se socorre.

Vai daí, ganhou progressivamente respeitabilidade na nossa imprensa uma tese segundo a qual os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre temas económicos, pelo que qualquer solução aceitável deve basear-se nas suas opiniões.

Mas essa mesma imprensa já está agora a começar a ensaiar uma outra versão ainda mais radical: Dada a importância da economia para o bem-estar colectivo, os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre toda e qualquer espécie de tema político, pelo que os governantes competentes devem limitar-se a acatar obedientemente as suas opiniões.

A perversão da vivência democrática opera de forma quase insensível por via da acumulação destes insidiosos abusos de linguagem.

O estilo faz o jornal

«Patrick manda calar Mateus: Monteiro de Barros diz que Abel Mateus é um incontinente verbal com necessidade de aparecer nos jornais»

Pode um jornal sério usar, a propósito de um assunto sério, esta linguagem reles num título de primeira página? Veja a resposta no suplemento de Economia do Expresso de ontem.

4.12.04



Paul Klee: O Niesen, 1915.

3.12.04

A fenomenologia do PPD/ PSD

Instável, volúvel, infiável, contraditório, volátil, superficial, fútil, inseguro, errático... Estão a falar de Santana ou do PSD?

Por mim, encaro a tragicomédia que vivemos nos últimos quatro meses como a conclusão natural e inevitável de um prolongado processo de maturação que se desenvolveu ao longo das últimas décadas.

No decurso dele, esse enigma chamado PSD surpreendeu-nos continuamente com as suas sucessivas e incongruentes piruetas, os seus intrincados labirintos ideológicos, os seus estados de alma maníaco-depressivos, até que, finalmente, a ténue mas persistente verdade logrou esquivar-se por entre a balbúrdia e emergir triunfante à luz do dia.

O jogo interno das contradições refinou progressivamente o partido, depurando-o do acessório e conduzindo-o a uma síntese superior do seu ser íntimo, à perfeição suprema de que ele é capaz.

O PSD atingiu o seu estado de equilíbrio e revelou ao mundo a sua profunda e genuína essência. Do seu seio emergiu então uma luz tão forte que cega quem se atreve a olhá-la.

O espírito do PPD/ PSD, encarnou - quem poderá negá-lo? - na pessoa de Santana Lopes - mas o problema é que ninguém gosta do que vê. Não será tempo de enterrarem este partido e inventarem outra coisa?


Hyeronimus Bosch

O partido sem qualidades

Militantes destacados de um partido que realizou há duas semanas o seu congresso para confirmação do novo líder apelam seriamente à realização de um congresso extraordinário para eleger um outro líder.

Que razão justifica esta reviravolta? Há duas semanas, o novo líder tinha que ser eleito porque assegurava o poder ao partido. Agora tem que ser substituído por outro porque assegura que o partido perderá esse mesmo poder.

A única vocação e ideologia do PSD é a vontade do poder. Ele é o partido das forças vivas que passam o poder de pais para filhos, atravessando séculos e regimes sem sobressaltos de maior.

Já teve muitos nomes. Em vésperas do 25 de Abril separou-se da União Nacional mesmo a tempo de poder aparecer do lado de cá do antigo regime de cara levada e nova designação.

Dizem eles que é um partido originalíssimo, genuinamente português, e eu não consigo conceber maior insulto que se lhe possa fazer.

É um partido povoado de personagens camilianas de todas as tendências e inclinações: tecnocratas, liberais, plutocratas, social-democratas, populistas, fascistas, nacionalistas, regionalistas, reformistas ou conservadores. Agrega em sã camaradagem catedráticos, patos bravos, analfabetos, magarefes, grandes industriais, literatos, advogados de província e cantores pimba.

As diversas facções odeiam-se mutuamente e não fazem segredo disso. Lançam uns sobre os outros, em público e em privado, os insultos mais torpes que se possa imaginar, depois abraçam-se e formam governo como se nada fosse.

Nada disso é importante, desde que seja possível repartir o poder a bem de todos. Enquanto conservam o poder, tudo se vai resolvendo; quando o perdem, falta-lhes o ar, agitam-se constantemente, têm pesadelos horríveis, juram que o mundo vai acabar amanhã. Porque crêem que o poder lhes pertence por direito divino e não concebem que o mundo possa ser de outro jeito.

Eles são o Portugal secular medíocre, manhoso, negocista e autoritário que já cá estava antes de nós e planeia continuar a estar quando todos tivermos desaparecido.

O PSD na verdade não é nada, e só por isso pode fingir ser tudo o que se queira, conforme as conveniências do momento. É o partido sem qualidades, sempre pronto a exibir uma nova máscara, a tirar um novo coelho da cartola, desde que assim o exijam os superiores desígnios da vontade do poder.

Eles ousaram levar Santana a São Bento e agora ousam, com o mesmo descaramento, sugerir que foi só um pequeno desvio de percurso e que, por eles, estão dispostos a retomar a emissão dentro de momentos com outros personagens e outro encenador. Desculpem qualquer coisinha, e siga a marcha.

Qualquer loucura lhes parece razoável sem sequer se aperceberem das figuras que fazem, porque a eles tudo lhes deve ser permitido. Congresso extraordinário um mês após o anterior. Cavaco candidato a primeiro-ministro. Ou, se não for ele, Manuela Ferreira Leite. Ou então Marcelo, ou Marques Mendes, ou qualquer outra coisa.

Faz de conta que Santana, o que levou para S. Bento a malta da discoteca, nunca existiu. Nem Durão, o iluminado que trocou o compromisso com o eleitorado por um lugar confortável em Bruxelas. Nem a promessa do choque fiscal, transformada na subida do IVA. Nem o aumento efectivo do déficite orçamental, apenas camuflado pela delapidação do património estatal. Nem o aumento da dívida pública que levou à degradação do rating da República. Nem o esquecimento da reforma da administração pública. Nem a desorganização do sistema escolar. Nem a promiscuidade entre interesses públicos e privados. Nem a entrega directa de pastas governativas a representantes dos interesses tutelados.

É possível que desta vez, no meio de tantas contorções, tenham acabado por se meter num beco sem saída. Mas é melhor estarmos preparados para tudo.

2.12.04



Max Ernst: L'ange du foyer, 1937.

1.12.04

Outra vez Democracia de Michael Frayn

Tenho lido repetidos elogios ao dispositivo cénico criado pelo Teatro Aberto para esta peça, entre os quais o de hoje no Público.

Lamento dizer que esses elogios não são merecidos, dado que a companhia portuguesa se limitou a cumprir sem imaginação as indicações do autor. Ora vejam o que escreveu Frayn:

Setting

A complex of levels and spaces; of desks and chairs; of files and papers; also of characters, who mostly remain around the periphery of the action when not actually involved in it, listening or unobtrusively involved in their work.


O que verdadeiramente interessa

Aos certeiros comentários do Abrupto sobre o debate de ontem à noite na SIC Notícias sobre a situação política, envolvendo apenas jornalistas (se é que Luís Delgado pode ser assim classificado), gostaria de acrescentar mais uma nota.

Faz-me impressão a nossa tendência para virarmos os debates para o passado em discussões estéreis sobre o que verdadeiramente aconteceu e o que poderia ter acontecido, em vez de olharmos para a frente e colocarmos francamente em cima da mesa os problemas com que estamos defrontados.

A partir de agora, notem bem, a pressão passou toda objectivamente de Santana para Sócrates, e é assim mesmo que deve ser. É o que ele se propõe fazer que verdadeiramente interessa, e não a saga de Santana como primeiro-ministro, que já pertence ao passado.

A derrota do circo mediático

O sentimento dominante no país é de alívio.

Terminaram os quatro longos meses de humilhação a que o país foi submetido, graças ao vasto consenso nacional sobre a necessidade de por-lhe cobro que foi ganhando corpo nas últimas semanas.

Sampaio foi, aparentemente, o último a aderir ao movimento. Em Junho, deixou-se levar pela onda; agora, também. Ele é apenas um medium que se limita a dar expressão ao sentimento geral do país.

Devemos meditar um instante sobre as razões que permitiram a ascensão de Santana ao poder.

Creio que somos, em geral, demasiado tolerantes com a mediocridade. Estamos dispostos a dar todo o crédito a um sujeito só porque é bem falante, beija a mão às senhoras e sabe escolher as gravatas.

Os jornalistas achavam Santana - e muitos, ao que vejo, ainda acham - um político temível, porque corresponde ao estereotipo do que eles acham que é a política mediática. Acreditavam - e muitos ainda acreditam - que Santana é um político muito popular e uma fera a ganhar eleições, apesar de as sondagens terem provado a sua fragilidade quando confrontado com as expectativas que criou e de o seu registo eleitoral ser muito mais fraco do que se pretende fazer crer, dado que nem para presidente do Sporting foi de facto eleito.

Um certo conceito de política, partilhado por uma boa parte dos políticos profissionais e dos teóricos dos media, foi efectivamente derrotado. Provou-se que o povo não é estúpido e que, em particular, é muito menos sensível ao circo mediático do que os arautos do crepúsculo da democracia liberal nos querem fazer crer.

Tudo boas notícias, como se vê, para o futuro da nossa democracia, principalmente se estivermos dispostos a aprender com os erros. Dito isto, é tempo de virar a página e olhar em frente.

Em louvor do PCP

Podemos e devemos criticar os comunistas por muitas razões, mas não por ser serem fiéis as suas ideias e não hesitarem proclamá-las.

E, no entanto, é precisamente isso que Eduardo Prado Coelho hoje faz na sua coluna. A ele faz-lhe espécie que alguém se apegue a crenças que, não estando na moda, não o ajudam a singrar na vida, nem sequer se se der o caso de a sua vida se desenrolar nos restritos círculos intelectuais, onde, assegura-nos, o marxismo-leninismo não tem hoje o menor prestígio.

Eduardo Prado Coelho, que em tempos se associou ao Partido Comunista na pior altura e pelas piores razões, quando ele era muito poderoso e prometia vir a sê-lo muito mais, deveria ter ao menos algum pudor.

Esta permanente colagem ao poder parece, de resto ser um dos traços definidores do seu comportamento. Ontem, quando, pela primeira vez em quatro meses, se atirou a Santana com um arreganho sem nuances, pressenti que algo estava para acontecer, porque ninguém se adapta tão rapidamente como ele aos ares dos tempos.


É lamentável que uma pessoa de tão vasta cultura e capacidade intelectual exiba sistematicamente estes tiques oportunistas tão mesquinhos.

O bébé está a salvo



Já ninguém faz mais mal ao bébé. Foi retirado à família que tão mal o tratava e entregue ao cuidado do Tribunal de Menores por intervenção do Presidente da República que, diz-se, se comoveu muito ao saber do caso pela televisão.

Agora, vejam lá, não deixem fugir o bébé, porque ele também não tem juízo nenhum e se, não o controlarem, volta a meter-se com galifões. E depois queixa-se...