Algumas notas (quase) soltas sobre um debate que não nos vai deixar tão cedo.
1. Não pode deixar de ser considerado espantoso que uma maioria cuja única ideia e cujo único compromisso não renegado com os eleitores foi o combate ao déficite do OGE tenha deixado um déficite efectivamente maior do que aquele que herdou.
2. Para além disso, o crescimento exponencial das dívidas a fornecedores em áreas como a da saúde indicia que o déficite efectivo será ainda muito maior, visto que, dadas as peculiaridades da contabilidade pública, as despesas não pagas só serão contabilizadas como custos em anos posteriores.
3. Se o Estado cortou em tantas coisas (cancelamento de contratos a termo, redução efectiva do rendimento mínimo garantido , quebra do investimento público, etc., etc.) como é que, afinal, a despesa não baixou? Porque, para certas coisas, nunca faltou dinheiro. Por exemplo, o Dr. Portas nunca teve dificuldade em financiar as suas guerrinhas privadas, tais como a compra de material militar, as pensões dos ex-combatentes ou a presença da GNR no Iraque. E a Câmara de Lisboa, sob a direcção do Dr. Lopes, até teve suficiente folga para criar um novo sistema de transportes grátis no centro da cidade. Sem falar da facilidade com que se contrataram estudos a empresas multinacionais de consultoria de gestão sobre tudo o que veio à cabeça dos gabinetes ministeriais. Fiquei a saber esta semana, por exemplo, que uma dessas empresas especializadas em gestão fez um estudo sobre o combate a incêndios!
4. Mas, para além de tudo o mais, o que está aqui em causa é um problema de ignorância pura e simples. Durão Barroso não fazia a mínima ideia do que seria preciso fazer para reduzir o déficite, tal como não faziam Ferreira Leite, Bagão Félix e muitos outros que os acompanharam nesta triste aventura. No Estado como nas empresas, não é possível reduzir custos duradouramente sem ter uma estratégia. Se uma empresa se mete a reduzir custos sem uma perspectiva clara sobre o rumo que pretende seguir, acontece uma de duas coisas: a) a empresa vai à falência; b) os custos que se cortam num sítio reaparecem noutro.
5. Há três anos, uma luzida companhia de sumidades apresentou-se perante o país com a promessa de que resolveria rapidamente, embora com recurso a medidas impopulares, os problemas que, segundo eles, os socialistas haviam criado. O que se provou foi que o que lhes sobrava em jactância faltava-lhes em conhecimento e clareza de espírito. Mas também falta ainda provar que, neste momento, o PS já saiba o que tem que fazer.
6. É preciso dizer e repetir que o déficite não é o problema, é um mero sintoma de problemas mais fundos. Em primeiro lugar, porque o déficite só é relevante na medida em que agrava o endividamento, e em especial o endividamento externo. Em segundo lugar, porque ele resulta da conjugação de dois factores: a) a economia não está a crescer tanto quanto devia; b) a administração pública não está a ser bem administrada.
7. Não se pode confundir o urgente com o importante. Urgente é conter a despesa pública, o que significa, por exemplo, que os funcionários públicos não podem nem devem ser aumentados. (Muitas pessoas parecem não ter consciência de que muitos trabalhadores do sector privado também não são aumentados há vários anos.) Importante é pôr a economia a crescer e o Estado a funcionar.
8. O caminho para pôr a economia a crescer não é baixar impostos, é fomentar a inovação, regular os mercados onde escasseia a concorrência e mobilizar o país todo para expandir a exportação de bens e serviços. (Faço só três perguntas: a) Quantas das grandes empresas portuguesas de que os jornais todos os dias falam contribuem para esse esforço?; b) Com que frequência dedicam os nossos media alguma atenção às empresas exportadoras portuguesas?; c) Que sentido fez lançar na maior confusão o ICEP, único organismo com capacidade para promover as exportações?)
9. O caminho para pôr o Estado a funcionar é reabilitar a função pública, reconstruir a cadeia de comando hierárquico destruida pelas sucessivas interferências partidárias, respeitar o know-how que existe, premiar o mérito e exigir a prestação de contas. Ouço alguns empresários criticarem os organismos estatais por não fazerem análises custo-benefícios dos projectos que promovem. Julgarão eles que na administração pública não se sabe o que isso é? Ignorarão eles que, se não se faz, é apenas porque as chefias nomeadas pelos partidos não o permitem? Chegamos, assim, ao ponto crucial: nenhuma gestão por objectivos, nenhuma avaliação do mérito terão qualquer resultado se não começarem por cima. Mas isso exige que todos os cargos públicos, a começar pelos directores gerais, sejam providos por concurso, e que acabe a prática terrorista da humilhação das chefias da administração pública pelos cretinos que transitam directamente das jotas para os gabinetes ministeriais.
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