31.12.12

Bom povo português



Por que é, em todo o mundo, tão ténue a reacção dos povos à violência inaudita a que estão a ser sujeitos em nome da milagrosa austeridade?

Olhamos à nossa volta, e o que vemos? Protestos dos pilotos que reivindicam uma parte do capital da TAP. Manifestações de residentes em freguesias ameaçadas de extinção. Greves de estivadores contra a redução da remuneração das horas extraordinárias. Manifestações de professores com vínculos precários. Queixas de cidades e vilas que vão ficar sem tribunal. Greves de maquinistas da CP. Movimentações contra o subfinanciamento da Casa da Música. Protestos contra o ministro Relvas onde quer que ele vá. Manifestações dos proprietários de restaurantes contra o IVA à taxa máxima.

Em suma: o protesto popular dispersa-se por uma pluralidade de micro-causas, revelando-nos uma sociedade tribalizada em extremo, por isso incapaz de se mobilizar em torno de grandes temas e de se organizar para propor alternativas ao pensamento dominante que nos condena a vegetar sem fim à vista.

A sociedade esfarelou-se em milhares de perspectivas díspares (ou mesmo divergentes) que, mesmo nesta situação de crise extrema, têm imensa dificuldade em construir plataformas comuns de resistência. Nestas condições de fragmentação generalizada das forças sociais, o único poder que não só subsiste intacto como se revigora a cada dia que passa é, como sabemos, o do dinheiro.

O que tanto nos seduziu no 15 de Setembro foi ter aparentemente conseguido romper esta lógica suicida de dispersão do protesto, agregando subitamente o que andava desencontrado. Tirar directamente do bolso dos assalariados para colocar no dos patrões, como previa o projecto de mexida na TSU, restaurou por um momento o confronto directo de classes característico de outras eras.

Só uma gaffe deste tipo parece hoje capaz de juntar toda a gente, sobrepondo às micro-causas uma grande causa unificadora. Ainda assim, convém lembrar que o 15 de Setembro foi principalmente uma gigantesca manifestação da classe média, em que os mais pobres estiveram quase ausentes. Acresce que, após o recuo do governo, o movimento sumiu-se tão rápida e surpreendentemente como nascera.

É indesmentível o extremo descontentamento da população perante a situação actual. Só um cego não se apercebe da crescente hostilidade da rua não só contra o governo, os partidos e os políticos, mas também contra os poderosos em geral. Prevalecendo o protesto inorgânico, cada vez mais desenquadrado das forças políticas, sindicais ou outras, a imprevisibilidade aumenta.

Ninguém sabe quando, onde e como o descontentamento espontâneo se manifestará. Ele espalha-se silenciosamente como uma epidemia, minando a confiança nas pessoas e nas instituições, pondo em causa comportamentos estabelecidos que sustentam a convivência civilizada e, a pouco e pouco, reforçando a crença no salve-se quem puder.

A reacção desesperada que inevitavelmente ocorrerá poderá ser mais ou menos visível, mais ou menos espectacular, mais ou menos violenta. Uma coisa me parece certa: as classes dirigentes irão ter saudades do tempo da contestação ordeira a que se habituaram nas últimas décadas.

28.12.12

Impostos, desinformação e imoralidade

Escutei há dias alguém que prezo afirmar, a respeito da decisão anunciada por Gérard Depardieu de mudar a sua residência fiscal para a Bélgica, duas coisas:

1. Depardieu limita-se a fazer o que todos nós fazemos, ou seja, reduzir tanto quanto possível, nos limites da lei, a carga fiscal que sobre si impende.

2. Uma taxa de 75% sobre os rendimentos pode ser qualificada de confisco, pelo que deve ser considerada ilegítima. Tratar-se-ia, segundo o opinante, de uma punção “pornográfica”.

A primeira coisa a notar é que a taxa máxima de IRS em França é 41%, não 75% (muito menos 85%, como Depardieu alegou). Depois, o que está em causa não é o IRS, mas um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas a aplicar apenas em 2013. Faz a sua diferença, não é?

Depois, convém recordar que a taxação sobre os maiores rendimentos é hoje muito inferior à de há quarenta anos na generalidade dos países. Por outras palavras, a fiscalidade tornou-se menos “pornográfica”, o contrário acontecendo com as disparidades de rendimentos entre ricos e pobres. Onde está, afinal, a “pornografia”?

Finalmente, o argumento de que “todos fogem” não colhe. Primeiro, porque não é verdade: os titulares de rendimentos do trabalho praticamente não têm hoje como fugir; não é para eles que trabalham, pois, os cada vez mais numerosos fiscalistas. Segundo, tampouco todos querem fugir, embora convenha fazer constar que sim para desculpabilizar os prevaricadores.

Por último, este tipo de argumento é, na sua essência, completamente imoral: não assenta numa discussão sobre o que é ou não justo fazer-se, mas no elogio, mais ou menos assumido, do comportamento dominante.

Não quero terminar sem fazer notar como é também inaceitável que, em matéria de fuga aos impostos, se afirme ser indiferente se o prevaricador é o Zé dos Anzóis ou a maior empresa portuguesa. Não só porque a segunda pode causar incomparavelmente mais dano às finanças públicas, como porque mais poder implica necessariamente maior responsabilidade.

Estagnação e legitimidade

Passou relativamente despercebida uma declaração proferida há duas semanas por Paul Polman, CEO da Unilever, acerca dos cenários macroeconómicos em que essa grande multinacional de bens de consumo correntes fundamenta a sua estratégia para o futuro.

Segundo ele, a Europa enfrenta a perspectiva de10 anos de estagnação e, nos EUA, chegará a 47 milhões o número de pobres que adquirirão alimentos com senhas recebidas dos programas estatais de assistência. "Quem não partir destes pressupostos estará a enganar-se a si próprio", acrescentou.

Em consequência, todas as esperanças de expansão da Unilever se concentrarão nos mercados emergentes (o que, cada vez mais, quer apenas dizer "China"). Em contrapartida, na orla do Atlântico Norte, a orientação será introduzir no mercado variantes "low-cost" das suas actuais marcas, algumas delas previamente desenvolvidas para países como a Índia.

Quando a estagnação começa a ser interiorizada como um estado de coisas normal e, por isso, incorporada nas expectativas dos agentes económicos, ganha uma dinâmica própria e transforma-se numa "self-fulfilling prophecy".

Empresas que não antevêem crescimento não investem, e essa mesma ausência de investimento acentua a tendência para a estagnação. Ora um sistema económico-social que não gera crescimento nem empregos tende a perder legitimidade perante a opinião pública. O mesmo é dizer que, a prazo, está condenado a desaparecer, substituído por sabe-se lá o quê.

19.12.12

Ai aguenta, aguenta (2)

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Eis o video da BBC, de 2009, que menciono no final do meu artigo desta semana no Negócios. Toda a gente deveria ver isto.
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18.12.12

Ai aguenta, aguenta

"Fomos amestrados para acreditar que, quando os especialistas nos dizem que algo é inevitável, devemos acreditar nisso cegamente, mesmo que (ou sobretudo quando) tenhamos as maiores dúvidas. O Aluno existe para ser castigado pelo Professor sob a superior orientação do Experimentador. Mais claro que isto, é impossível."

O resto do meu artigo de hoje no Negócios pode ser lido aqui.

14.12.12

A tresloucada crença na austeridade

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Brilhante conclusão de um excelente post de Frances Coppolla:

The Austerity game is as much an avoidance of reality as the preceding Profligacy game. We do not have to cut support to the poor and vulnerable. We do not have to increase people's tax burden. We do not have to pour money into banks in the hopes that they will lend to people who already have too much debt. We do not have to suppress interest rates to extract money from savers. We do not have to bail out foreign creditors at the expense of domestic production (are you listening, Greece?). And above all, we do not have to accept that money is scarce. If it is scarce, it is because we have made it so. And in the developed world, where goods are anything but scarce and can be produced at very little cost, it is a disgrace that people are increasingly poverty-stricken because of shortage of money. I am reminded of Steinbeck's description of fruit, fallen from the trees and left to rot because consumer prices had fallen so low it was not worth farmers' while to pick it, being ruined with petrol to prevent the starving migrants from the drought-stricken American Mid-West from taking it. Nowadays, of course, we wouldn't use petrol - it's too expensive - but there are other ways of preventing people from getting the necessities of life for nothing.

What is needed is for economists and politicians to put their various ideologies to one side and take a hard look at how the economy ACTUALLY works, and what is really going on. Shortage of money is not the problem: allocation of money is the issue. Money is being created, but it is not going where it is needed, and this leads to unnecessary shortages of goods that actually are in abundant supply. That is the defining characteristic of both games - Profligacy as much as Austerity. The underlying reality is gross inequality and misallocation of resources. Until the world recognises this, we are doomed forever to play out the same sequence of games.
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A agonia de uma nação

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"Privatização da ANA vai fazer de Portugal uma excepção na Europa"

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No mesmíssio dia em que os concorrentes à compra da ANA apresentarão as suas propostas definitivas, o Público esclarece-nos que o modelo adoptado em Portugal é relativamente raro no contexto europeu.

Ser-se o primeiro não tem porque ser uma coisa má, bem pelo contrário. Todavia, a escassez de experiência nacional ou internacional que nos possa orientar recomenda alguma prudência.

Exemplificando com um tema agora muito controverso, mas que à época passou despercebido, Portugal não só foi pioneiro em parceria público-privadas como lançou muitas em poucos anos. Na sua essência, as PPP são um útil instrumento de modernizaçãoe racionalização do estado. (Lembro apenas que acabaram de vez com as desastrosas derrapagens dos investimentos públicos.) No entanto, a complexidade de algumas delas torna a sua contratualização extremamente arriscada. Se o estado carecer de quadros especializados, experientes na matéria, tecnicamente independentes e prestigiados a superintender os processos, há uma elevada probabilidade de que saia prejudicado.

O mesmo raciocínio é válido para Portugal no caso da privatização dos seus aeroportos, até porque, ao contrário do que sucede, por exemplo, na Inglaterra ou na Holanda, onde elas, embora não isentas de problemas, correram razoavelmente bem, entre nós a regulação do sector é recente, frágil e inexperiente.

Em conclusão, a imprensa fez o seu trabalho tarde e mal, mas a oposição parlamentar de todo em todo não o fez. Já se sabe que o PCP e o BE se encontram numa posição mais fácil: eles são contra toda e qualquer privatização, ponto final. Já o PS terá muita dificuldade em explicar-nos porque só agora acordou. "É tarde, Inês é morta."
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13.12.12

Zimbardo: a psicologia do mal



As ideias de Zimbardo sobre a psicologia do mal são extremamente relevantes para nos ajudar a perceber o que se passa hoje no mundo. Vejam com atenção e meditem sobre o que viram.

7.12.12

Coisas de que nunca ouvimos falar (2)




Talvez a Comissão de Economia e Finanças da AR devesse ouvir este homem, sei lá...

6.12.12

Coisas de que nunca ouvimos falar




A qualidade sonora é muito má, mas vale bem a pena fazer um esforço e ouvir atentamente até ao fim.