23.9.11

O Ocidente é onde um homem quiser

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Os mais atentos terão notado que, na sua última aparição televisiva, Medina Carreira, entretanto transferido para a TVI no período do defeso, introduziu um novo número no seu usualmente limitado reportório.

Tal como a nova maioria, Medina descobriu que, afinal, as coisas também não têm corrido "lá fora" às mil maravilhas. Para o provar, apresentou um quadro comparando as taxas de crescimento de um certo número de países na última década com as de há alguns anos atrás.

É certo que Medina manipulou a informação apresentada selecionando em benefício do seu argumento os países e os períodos de tempo que mais lhe convinham. É porém verdade que, bem antes do início da atual depressão, ocorrera já um significativo abrandamento do crescimento em muitos países desenvolvidos, incluindo os EUA, o Japão, a Alemanha e a Itália. Portugal foi apenas um caso particular, eventualmente mais grave, dessa tendência geral.

Como se explica essa evolução?

Para uns, a estagnação prolongada dos rendimentos reais dos trabalhadores em vários países, designadamente nos EUA e na Alemanha, desempenhou um papel crucial ao bloquear a procura interna ao mesmo tempo que, mercê da emergência da China como grande potência exportadora, perdiam quota de mercado no exterior.

Para outros, o abrandamento deveu-se à escassez de novas oportunidades de investimento, eventualmente em consequência de uma travagem relativa do progresso tecnológico.

Outros ainda acreditam que o esgotamento dos recursos do planeta levou ao encarecimento relativo das matérias-primas, tornando insustentável a manutenção dos níveis de crescimento a que nos habituáramos.

Tais subtilezas de raciocínio interpretativo não comovem, porém, Medina Carreira, sem dúvida por ser difícil transformá-las em slogans excitantes para as massas.

De modo que optou antes por sacar do seu ficheiro de lugares comuns a velha ameaça da decadência do Ocidente, a qual, ainda por cima, lhe permite repisar a ladainha da alegada degradação dos nossos costumes por comparação com os das esforçadas nações de pele escura ou olhos em bico que se preparam para tomar conta dos nossos mercados, das nossas terras, das nossas casas e das nossas mulheres.

Para mal dos seus pecados, a realidade encaixa mal nessa tese apocalíptica, a menos que estejamos dispostos a adotar um conceito de Ocidente muito peculiar.

Gostaria que ele nos explicasse, por exemplo, se o Japão integra agora o Ocidente, trocando com o imparável Canadá o lugar cativo que outrora ocupava no Oriente. Ou, alternativamente, se o Brasil - uma recente estrela no firmamento da economia global - se deslocou para as imediações da China.

O Ocidente é, por definição, o lugar da queda, por oposição ao Oriente onde todos os dias se ergue o sol que nos traz a luz e a vida. Invocar a decadência do Ocidente não passa, afinal, de uma inepta redundância que cai sempre bem entre quem quer furtar-se a pensar seriamente os problemas do nosso mundo.
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22.9.11

O que faz falta

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"Pois é, faltam medidas para fazer crescer a economia..."

De maneira que saca-se da gaveta a estafada lenga-lenga das "reformas estruturais" e estará o caso resolvido: teremos crescimento a rodos em resultado de coisas tão simples como a liberalização dos mercados laborais e a venda de umas quantas ações que o Estado ainda detém numa mão cheia de utilities.

Acreditar nisso equivale a supor que o crescimento pode ser decretado no Diário da República, resultando automaticamente de certas alterações legislativas.

Ora o crescimento permanece um processo relativamente misterioso ou, pelo menos, muito mal compreendido. Sabemos que certas condições o favorecem e que outras o inibem, mas ninguém sabe provocá-lo carregando num botão.

Coisa bem diferente - e mais fácil - é restaurar um certo nível de desenvolvimento que já tivemos e entretanto perdemos, por exemplo, por insuficiência de procura. Essa parte está ao nosso alcance, mas não se chega lá - bem pelo contrário - com a obsessão da austeridade.

A gestão da procura agregada foi inventada e teorizada vai para 80 anos, numa circunstância semelhante à atual, por um conjunto de políticos e economistas entre os quais se destacou John Maynard Keynes. Que tal ir recuperá-la ao baú?
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Estes gajos ainda matam alguém

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21.9.11

Hoje acordei assim

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de Kooning: Pink Angels.
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20.9.11

Hoje acordei assim

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de Kooning.
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Uma estratégia para sair do euro

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Diz-se que sairmos do euro teria hoje consequências catastróficas para nós.

Se não podemos sair teremos então, por assim dizer, que ficar. Mas, para ficarmos, seremos obrigados a eliminar o défice orçamental e a reduzir drasticamente o défice da balança de pagamentos.

Muito bem. Façamos então isso, mas com um propósito muito explícito: sair do euro.

É que, nessa altura, estancado o processo de endividamento, sair do euro só terá vantagens.

Poderemos inclusive anunciar desde já que faremos tudo para eliminar os défices tendo em vista a criação de condições para nos vermos livres desta casa de malucos que dá pelo nome de zona euro. Tal anúncio contribuirá para reforçar a credibilidade do nosso empenho no controlo da dívida.

Será o preço que pagaremos para deixarmos de ser governados por quem não elegemos. Podemos considerar isso uma espécie de luz ao fundo do túnel.
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19.9.11

Europa: mais tamanho que juízo

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16.9.11

O choque do óbvio

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Quem recorda os rudimentos da microeconomia que se aprende nas escolas sabe que o preço de um bem ou serviço deve ser igual ao seu custo marginal.

Ora o custo marginal da passagem de mais um carro numa auto-estrada não congestionada é zero; logo, nessas circunstâncias, o preço deve ser zero. A cobrança de portagem não tem racionalidade económica.

Agora, leiam isto:
Segundo se pode ler nesta peça do Público, “Governo remete resposta sobre portagens nas ex-SCUT para estudo do executivo “, as receitas obtidas com as atuais Ex-Scuts portajadas correspondem a 1/3 do esperado, pondo em causa a razoabilidade da nova modalidade dado que as infraestruturas, por um lado ficam claramente sub-utilizadas (diminuindo o seu potencial impacto positivo na atividade económica das respetivas regiões) e, por outro, não geram receitas significativas que permitam ajudar a financiar as compromissos assumidos pelos Estado junto das concessionárias. No estado atual as ex-scuts portajadas parecem representar uma situação de perda global para o Estado e para os utentes, eventualmente manter-se-á indiferente para as concessionárias.
Vêem o que acontece quando a estupidez toma conta de um país?
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Volta e meia aprende-se qualquer coisa de jeito nos blogues

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Ensinaram-nos que no princípio era a troca direta, depois veio o dinheiro para simplificar as relações comerciais e finalmente emergiu o crédito. Mas a evidência empírica recolhida por antropólogos e historiadores desmente essa narrativa: primeiro tivemos o crédito, depois o dinheiro e só no fim apareceu a troca direta. Tudo isto é muito bem explicadinho por David Graeber no seu Debt: The first 5,000 years.

Há dias, o autor resolveu responder no blogue Naked Capitalism a uma crítica de Robert Murphy, e o resultado foi um instrutivo post de que retirei os seguintes extratos:
The persistence of the barter myth is curious. It originally goes back to Adam Smith. Other elements of Smith’s argument have long since been abandoned by mainstream economists—the labor theory of value being only the most famous example. Why in this one case are there so many desperately trying to concoct imaginary times and places where something like this must have happened, despite the overwhelming evidence that it did not?

It seems to me because it goes back precisely to this notion of rationality that Adam Smith too embraced: that human beings are rational, calculating exchangers seeking material advantage, and that therefore it is possible to construct a scientific field that studies such behavior. The problem is that the real world seems to contradict this assumption at every turn. Thus we find that in actual villages, rather than thinking only about getting the best deal in swapping one material good for another with their neighbors, people are much more interested in who they love, who they hate, who they want to bail out of difficulties, who they want to embarrass and humiliate, etc.—not to mention the need to head off feuds.

Even when strangers met and barter did ensue, people often had a lot more on their minds than getting the largest possible number of arrowheads in exchange for the smallest number of shells. Let me end, then, by giving a couple examples from the book, of actual, documented cases of ‘primitive barter’—one of the occasional, one of the more established fixed-equivalent type.(...)

Economists always ask us to ‘imagine’ how things must have worked before the advent of money. What such examples bring home more than anything else is just how limited their imaginations really are. When one is dealing with a world unfamiliar with money and markets, even on those rare occasions when strangers did meet explicitly in order to exchange goods, they are rarely thinking exclusively about the value of the goods. This not only demonstrates that the Homo Oeconomicus which lies at the basis of all the theorems and equations that purports to render economics a science, is not only an almost impossibly boring person—basically, a monomaniacal sociopath who can wander through an orgy thinking only about marginal rates of return—but that what economists are basically doing in telling the myth of barter, is taking a kind of behavior that is only really possible after the invention of money and markets and then projecting it backwards as the purported reason for the invention of money and markets themselves. Logically, this makes about as much sense as saying that the game of chess was invented to allow people to fulfill a pre-existing desire to checkmate their opponent’s king.

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At this point, it’s easier to understand why economists feel so defensive about challenges to the Myth of Barter, and why they keep telling the same old story even though most of them know it isn’t true. If what they are really describing is not how we ‘naturally’ behave but rather how we are taught to behave by the market—well who, nowadays, is doing most of the actual teaching? Primarily, economists. The question of barter cuts to the heart of not only what an economy is—most economists still insist that an economy is essentially a vast barter system, with money a mere tool (a position all the more peculiar now that the majority of economic transactions in the world have come to consist of playing around with money in one form or another) [10]—but also, the very status of economics: is it a science that describes of how humans actually behave, or prescriptive, a way of informing them how they should? (Remember, sciences generate hypothesis about the world that can be tested against the evidence and changed or abandoned if they don’t prove to predict what’s empirically there.)

Or is economics instead a technique of operating within a world that economists themselves have largely created? Or is it, as it appears for so many of the Austrians, a kind of faith, a revealed Truth embodied in the words of great prophets (such as Von Mises) who must, by definition be correct, and whose theories must be defended whatever empirical reality throws at them—even to the extent of generating imaginary unknown periods of history where something like what was originally described ‘must have’ taken place?
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15.9.11

É muito chato, mas basicamente Thatcher estava certa

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Mr. Terence Higgins (Worthing) Will my right hon. Friend [the PM, Mrs Thatcher] take time between now and the conference in December to explain to her European colleagues what any first-year economic student could tell them, which is that the imposition of a single currency, as opposed to a common currency, would rule out for all time the most effective means of adjusting for national differences in costs and prices? Will she explain that that in turn would cause widespread unemployment, which would probably exist on a perpetual basis, and very serious financial imbalances?

The Prime Minister Yes, I agree entirely with my right hon. Friend. It would do just that. It would also mean that there would have to be enormous transfers of money from one country to another. It would cost us a great deal of money. One reason why some of the poorer countries want it is that they would get those big transfers of money. We are trying to contest that. If we have a single currency or a locked currency, the differences come out substantially in unemployment or vast movements of people from one country to another. Many people who talk about a single currency have never considered its full implications. (...)

The Prime Minister: I think that I would put it just a little differently from the right hon. Gentleman [Tony Benn], although I recognise some of the force of some of the points that he makes. When the Delors proposals for economic and monetary union came out, it was said immediately by my right hon. Friend [ Nigel Lawson ] the then Chancellor of the Exchequer that this was not really about monetary policy at all but about a back door to a federal Europe, taking many democratic powers away from democratically elected bodies and giving them to non-elected bodies. I believe fervently that that is true, which is why I shall have nothing to do with their definition of economic and monetary union.

We shall continue the co-operation that we have come to establish, as nation states. The Act that enabled us to go into Europe was passed on Second Reading by eight votes and it was made very clear then that we would not surrender our national identity, that it was a matter of co-operation. It was on the strength of that that many people went in. I am afraid that it would be quite different if we went for a single European currency and a central bank and for their definition of economic and monetary union.

Mr. Churchill (Davyhulme): Will my right hon. Friend tell the House how far she believes that, when the moment comes, Germany will be prepared to see the transfer of its monetary policy from the Bundesbank to a European central bank on which it will have one voice out of 12?

The Prime Minister: I think that it is wrong to think that all the Twelve have similar votes or influence in these matters. I think that some in Germany—only some—are backing the scheme because they know that the dominant voice, the predominant voice, on any central bank would be the German voice. If we did not retain our national identities in Europe, the dominant people in Europe would be German. The way to balance out the different views of Europe, as we have traditionally done throughout history, is by retaining our national identity.

Encontrado aqui.
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14.9.11

O que fazer em circunstâncias de incerteza radical?

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Há cerca de um ano alvitrei aqui a possibilidade de o Mundo estar a entrar numa nova época de crescimento baixo ou mesmo nulo. Uma apreciação benigna sugere que a ideia não despertou grande interesse.

Hoje, porém, Pedro Lains propõe no Jornal de Negócios um argumento similar e recomenda-nos que, perante tão radical incerteza, pensemos sobre as consequências que a eventualidade de um prolongado período de estagnação deveria ter sobre o modo como pensamos as possíveis respostas à crise internacional:
E se a crise em que estamos atravessados mudar de novo o "steady state" do crescimento da economia internacional? Isso pode acontecer. Podemos estar a chegar a um novo equilíbrio. Ninguém nos diz que daqui para a frente o mundo ocidental não voltará a crescer abaixo de 2% ao ano, ou próximo de 1%. Talvez na Europa, por exemplo, as economias mais pobres cresçam um pouco acima desses valores, pois, afinal, sempre haverá alguma recuperação do atraso a fazer. Mas, mesmo aí, o crescimento pode ser menos do que o que se registou desde meados da década de 1980. (...)

A Europa tem vindo a fazer frente à crise com medidas importantes de injecção de liquidez nos mercados, quer por parte dos governos, através dos défices e do aumento da dívida, quer por parte dos bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu. Essas medidas foram crescentemente acompanhadas por medidas de austeridade e de reestruturação institucional, um pouco por todo o lado, para evitar que as medidas de socorro beneficiassem mais uns do que outros, para evitar beneficiar mais os "pecadores" do Sul do que os "santos" do Norte. Por trás de todo esse grande programa está ainda, todavia, a ideia de que o crescimento económico regressará às taxas conhecidas anteriormente, e de que esse crescimento ajudará os estados a equilibrarem as contas, por via do aumento das receitas, e as economias a diminuir a dependência do financiamento externo, por via do crescimento da produtividade.

Ora, se o crescimento não retomar os ritmos anteriores, todo esse plano cai por água abaixo. E mesmo que haja alguma retoma na rapidez do crescimento, se ela demorar tempo a chegar, entretanto a economia internacional pára às mãos dos problemas financeiros.

O que fazer, perante este cenário? (...) Quando não se sabe o que fazer em política económica e sobretudo em política económica internacional, em que se multiplicam vontades e centros de decisão, a única coisa a fazer é ganhar tempo.
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Incumprimento em italiano tem outra graça

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Sair do euro: um desígnio nacional?

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Imaginemos que uma parte substancial da nossa dívida - digamos, metade - se evaporava no ar.

Ficariam os nossos problemas resolvidos?

Provavelmente não, visto que, permanecendo inalterado o enquadramento institucional da zona euro, a política económica geral europeia permaneceria inalterada. Ora ela tem-nos sido sistematicamente prejudicial.

A Zona Euro manteve até 2007 taxas de juro demasiado baixas para Portugal, que potenciavam o crescimento descontrolado do endividamento. Fê-lo, porque isso era do interesse da Alemanha.

Desde 2007, a Zona Euro impõe-nos taxas de juro demasiado elevadas, que agravam a recessão e o desemprego em Portugal. Fá-lo, porque isso é do interesse da Alemanha.

As duas décadas decorridas desde o lançamento do Sistema Monetário Europeu demonstram à saciedade que nós não estamos aqui a fazer nada. É hoje mais que evidente que a pertença à Zona Euro não tem para nós nenhuma vantagem e tem todos os inconvenientes.

O país deixou de ter política monetária e cambial própria, perdeu controlo sobre a sua política fiscal e ficou muito condicionado nas suas políticas industriais. Numa palavra, prescindiu da sua soberania entregando poder de decisão a quem não acautela minimamente os nossos interesses.

Tudo isto é hoje óbvio, tal como é óbvio que, descontando a eventualidade de uma reforma do Euro cada vez mais improvável, o futuro imitará o passado.

Escusam de me explicar que a saída da zona euro não é de momento possível, porque eu proponho apenas que essa opção seja seriamente encarada e estudada.

Quanto ao momento adequado, ele virá quando se tornar claro que os elevados custos de ficar são afinal superiores aos elevados custos de sair.
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13.9.11

Bem visto

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Matthew Yglesias chama a atenção para duas ou três coisas usualmente descuradas quando se fala dos elevados spreads de algumas dívidas soberanas europeias:
Consider a statement like “Italian 10-year yields, which have recently taken up the mantle of prime eurozone stress gauge, and which at one point hit 5.75 per cent, are trading at 5.67 per cent up 10 basis points on the day.” U.S. 10-year Treasury yields were usually higher than that throughout the 1980s and 1990s. That’s not because the United States in 1997 was a bad default risk, it was just a pretty banal market price for a security in which investors had lots of other options. Our yields ended up consistently below five percent only after the dot-com bubble burst, and were a product of the ensuing recession and Chinese currency policy. Now of course Italy’s bonds aren’t trading in the high 5 percent range because of a strong growth outlook. They really are that high as a risk premium over Germany. But the point about that is that to have large spreads when Italian yields aren’t even especially high, German interest rates would have to be freakishly low.

What you’re seeing here, I think, is not just a reflection of market sentiment that German debt is safer than Italian debt, but also deep pessimism about the growth outlook in even the “healthy” European countries. That’s not to say that the United States is doing much better on this score, but it is a bit of real talk for people who’ve gotten smug about Germany amidst the problems of Italy and Spain. The fact of the matter is that an unworkable currency union plus unworkable austerity policies are not serving any country’s concrete economic interests very well.
Sim, é verdade: o problema não é nem a dívida nem os juros, é o crescimento.
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Digamos, Vítor Gaspar

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"Emolientes são formulações semi-sólidas, viscosas e monofásicas, possuindo combinações de água, óleos e gorduras destinadas a ajudar a hidratar a pele e restaurar a oleosidade perdida devido ao ressecamento da pele.É o principal agente dos cremes hidratantes." (Wikipedia)
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Um gráfico preocupante

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Aqueles que gostam de repetir que em Portugal é escasso o espírito empreendedor e que os portugueses querem é empregos seguros nunca devem ter-se dado ao trabalho de olhar para estatísticas como aquelas que o gráfico acima nos revela.

Temos uma brutalidade de gente a trabalhar por conta própria ou em empresas familiares - essa é que é a verdade - com tudo o que isso implica de baixa produtividade e precariedade. Quando eu estudava chama-se a isso subemprego, uma palavra expressiva que, não sei porquê, caiu em desuso.

Já li argumentos explicando o fenómeno com as leis laborais supostamente rígidas que desincentivam a contratação de novos trabalhadores. Isso é esquecer: a) que em Portugal já tínhamos esta estrutura empresarial atomizada quando ainda não existia legislação protetora do trabalho; b) que países como o México, a Polónia ou a Hungria, próximos de nós neste ranking, têm mercados de trabalho muito pouco regulados.

O facto é que, entre nós, o setor empresarial propriamente capitalista da economia jamais conseguiu criar postos de trabalho em quantidade (e, já agora, qualidade) capaz de dar ocupação a uma parte substancial da força de trabalho nacional. Não é fácil perceber-se por que é assim, mas podemos estar certos que este modelo económico-social é uma receita segura para a improdutividade e a miséria.

A vontade entre nós de criar empresas assegurando aos próprios um posto de trabalho é indesmentível. Sucede que essa modalidade de empreendedorismo não é socialmente desejável nem economicamente recomendável: resulta de um mero expediente para evitar o desemprego e não gera nem economia inovadora nem atividades mais qualificadas.
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12.9.11

Por que é que a esquerda está a perder as eleições em tempo de crise?

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Todos assistimos já a debates em torno desta interrogação: Por que é que a esquerda está a perder as eleições em tempo de crise, quando as circunstâncias deveriam em princípio ser-lhe favoráveis?

Antes de começar a tomar posição, talvez convenha saber que o pressuposto é infundado. Após estudar os resultados de 31 eleições parlamentares em 26 países da OCDE, Larry Bartels concluíu:
"My analyses suggest that voters consistently punished incumbent governments for bad economic conditions, with little apparent regard for the ideology of the government or global economic conditions at the time of the election. I find no evidence of consistent ideological shifts in response to the crisis, either to the left or to the right."
Não ocorreu, por conseguinte, qualquer deslocação sistemática para a direita nos últimos tempos. Pura e simplesmente, os eleitorados têm tendido a punir, desde o início da recessão, os partidos que sucede encontrarem-se no poder.

Tampouco se trata, porém, de uma mera chicotada psicológica, visto que políticas orientadas para o estímulo à economia parecem merecer o apoio dos eleitorados. Vale a pena ler na íntegra Ideology and Retrospection in Electoral Responses to the Great Recession, até porque inclui um estudo detalhado dos confrontos eleitorais em Portugal nos anos recentes.
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8.9.11

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É bom o défice ficar abaixo da meta?

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Parece cada vez mais óbvio que o propósito do governo ao "ir para além do compromisso com a troika" tem em vista não colmatar desvios que já se compreendeu não existirem mas proteger-se contra eventuais más surpresas, venham elas do lado das receitas ou das despesas.

Decorre daí que, se tudo correr dentro da normalidade, o défice será inferior à meta traçada.

Muita gente parece considerar isto uma coisa boa, na medida em que, ao reduzir as necessidades adicionais de financiamento do Estado português, permitir-nos-á voltarmos a conseguir crédito nos mercados internacionais.

Esta linha de raciocínio enferma de duas falhas.

Em primeiro lugar, o aperto adicional pode ajudar o governo a dormir melhor, mas piora dramaticamente a vida de muita gente, seja por ver o seu rendimento real reduzido, seja, pior ainda, por perder o seu posto de trabalho.

Em segundo lugar, a queda da procura interna provocada pelas medidas adicionais conduzirá a breve trecho à diminuição das receitas e também, nalguma medida, ao aumento dos encargos com prestações sociais, com consequências negativas para a consolidação orçamental.

É isso que em parte está a acontecer na Grécia, agravando os receios de que a ausência prolongada de crescimento desencadeie o incumprimento das suas obrigações financeiras.

Há boas razões para o objetivo do défice não ser mais baixo do que é em 2011. Elas têm a ver com a cuidada gestão dos equilíbrios financeiros, económicos e sociais que a presente situação exige.

Ao contrário do que à primeira vez possa parecer, ficar abaixo da meta pode, portanto, revelar-se tão mau como ficar acima dela.
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7.9.11

Não faz sentido desprezar as pequenas poupanças

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Considerando as coisas com frieza, não há razão para nos sentirmos surpreendidos com a política financeira do presente governo.

As promessas de controlo orçamental sem dor não passavam de evidente música celestial só passível de enganar quem quisesse ser enganado. Chegada a hora da verdade, é evidente que o aumento das receitas é muito mais rápido e fácil do que a redução das despesas, sobretudo se se pretender poupar a sério e não só a fingir.

Os partidos da coligação devem ser criticados por terem ludibriado os eleitores, não por terem metido na gaveta os tresloucados planos de cortes das ditas gorduras do estado.

É claro que há colossais desperdícios e mesmo roubos no Estado português. Mas, se fosse fácil eliminar os primeiros e punir os segundos, isso já há muito teria sido feito.

Cortar custos com critério exige pensamento estratégico e análise fina das situações, caso contrário os serviços prestados ao público degradar-se-ão, as ineficiências manter-se-ão e, mais tarde ou mais cedo, os custos regressarão pela porta das traseiras.

Reduzir custos a sério é uma tarefa de todos os dias. Não devemos, por isso, rir-nos de um corte de um milhão aqui e outro acolá sob pretexto de que são insignificantes, antes perguntar-nos se se integram numa visão consistente e sustentável ou se não passam antes de fogachos destinados a impressionar a opinião pública menos informada.
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Um dique contra a estupidez

Flaubert, um persistente estudioso da estupidez humana, concluíu ao cabo de anos de aturada investigação: "Estupidez, egoísmo e boa saúde são as três condições da felicidade; se bem que, faltando a estupidez, tudo estará perdido." Agrada-lhe esse projeto de vida?

Se respondeu não, leia o resto aqui.