23.7.04

Modesta proposta para resolver o problema da Segurança Social

Está tudo errado.

As pessoas deveriam ir para reforma enquanto são jovens e têm saúde para gozar a vida, digamos, logo a seguir a concluirem os seus estudos.

Mais tarde, chegados aos 40, quando já não sabem fazer mais nada, aí sim, devem trabalhar, e não serem autorizadas a parar até caírem para o lado.

À consideração superior.

O meu Tour




A gente levantava-se com as galinhas, faziamos cinquenta quilómetros apertados dentro do carro, discutiamos acaloradamente qual seria o melhor sítio para ficar, esperávamos uma hora e meia à torreira do sol e depois, durante breves segundos, viamos desfilar perante nós uma molhada de ciclistas em grande velocidade. Era como um animal gigante de vento que passava, composto de apenas pressentidas partes humanas, farrapos coloridos deslocando-se rapidamente pela estrada rumo à meta distante.

«Viste o Alvez Barbosa, viste o Ribeiro da Silva, viste o José Pacheco, viste o Pacheco Alves, viste o Agostinho?» Ninguém vira nada. O único que viamos claramente visto era - ironia das ironias - o gajo que antecedia o carro vassoura.

O ciclismo está muito mudado por causa da televisão. É mesmo o desporto mais telegénico que eu conheço. A gente liga o aparelho à hora que imagina que eles vão começar a subir os Pirinéus sob um calor de anazes. Tenho a impressão que vou tomar um duche. Se a coisa está pouco animada, interrompemos para almoçar e voltamos uma hora depois.

Os bravos rapazes lá continuam a dar ao pedal como se nada fosse, alheios aos tormentos das nossas digestões. Por pouco não passo pelas brasas. Vai um whisky? Prefiro um cafezinho.

Agora, ver as grandes etapas da Volta à França é como estar no meio do pelotão. Perdão: vê-se muito melhor e sofre-se incomparavelmente menos. Na frente, já só sobra uma dúzia. Olha, o Ulrich está fraquejar - sempre me saíu um cromo! Força, Azevedo! Não está certo, andar ali a fazer de criado do marmanjão do americano... Só servimos mesmo é para isto.

Tocam à porta. Querem ver que vou perder o momento decisivo? O Armstrong sempre limpa isto? Limpa, não limpa?



Walt Kelly.


Direitos do blogue

Um blogue tem o direito de errar. Um blogue tem mesmo a obrigação de errar.

O crepúsculo de uma ideia

Quando Santana Lopes é nomeado primeiro-ministro em nome da estabilidade, ninguém tem o direito de duvidar que a era em que esse valor determinava o resultado das eleições chegou ao fim.

A arte da guerra

 
Qual é a admiração? Ser-se filha e neta de militares também é uma boa recomendação para dirigir a cultura. Nunca ouviram falar da arte da guerra?

22.7.04



Milton Caniff.

Quem não ouve é como quem não vê

Santana Lopes tem razão. Andando por essas ruas e escutando as conversas nos cafés e nas paragens dos autocarros, verifico que ele é de facto uma pessoa muito caluniada.

No entanto, ainda há pelo menos 38 pessoas no país que, até hoje, nunca ouviram falar de nada.

Grandes mistérios do universo

Dei-me hoje subitamente conta de que, nos restaurantes chineses, quando um empregado está quase a conseguir falar português, vai-se embora e é substituido por outro.

A apodrecer

As bandeirinhas, os milhões de bandeirinhas descoradas a apodrecerem lentamente às janelas sob o sol impiedoso, de Norte a Sul do país - daqui a muitos anos, creio eu, recordá-las-emos ainda como a mais expressiva imagem que seria possível conceber-se para representar estes dias que estamos vivendo.



Milton Caniff.



Se

 
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires;
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais - tu serás um homem, ó meu filho!

(Tradução do poeta brasileiro Guilherme de Almeida)


21.7.04

Oxalá ele não se esqueça

Faz amanhã precisamente 25 anos que pela primeira vez Sá Carneiro disse a Santana Lopes: «Ó homem, francamente, você às vezes tem coisas!»

Lembro-me como se fosse hoje.




Milton Caniff

Estes cérebros que nos governam

Quando finalmente se tornou irrefutável a inexistência de armas de destruição massiva no Iraque, alguns «especialistas» explicaram-nos pressurosamente que esse era, afinal, um argumento ad usum delphini, exclusivamente concebido para impressionar as pobres crianças que nós somos.

E lamentaram que na devida altura não tivesse sido apresentada pela parelha Bush & Blair a verdadeira razão dos seus actos, reconhecendo embora, na sua infinita sabedoria, que talvez ela fosse demasiado complexa para os nossos espíritos.

E a razão, ao que parece, poderia ser assim resumida: Os dois principais focos de instabilidade no Médio Oriente são o conflito israelo-palestiniano e a fragilidade do poder da dinastia Saud na Arábia Saudita. O primeiro mantém os espíritos permanentemente inflamados e cria apoio popular para os grupos radicais terroristas. A segunda, ao pôr em perigo a principal fonte mundial de petróleo, condena paradoxalmente os países ocidentais a apoiarem um regime sem futuro.

Para desatar o nó górdio seria preciso, dada a impossibilidade prática de fazer algo de imediato em Israel ou na Arábia, atacar primeiro no Iraque, com o objectivo de alterar radicalmente a correlação de forças no Médio Oriente instaurando nas margens do Tigre e do Eufrates um regime amigo democrático, progressivo, respeitador da lei internacional e pró-ocidental, ainda por cima ele próprio um grande produtor de petróleo capaz de suprir por algum tempo alguma falha resultante da eventual ruina da casa de Saud.

Este seria, portanto, o master plan anti-terrorista que justificaria a invasão do Iraque. A partir daí, a guerra contra o terrorismo tornar-se-ia uma brincadeira de crianças.

E o que vemos nós afinal? O conflito no Iraque eterniza-se, com a insegurança nas ruas a inviabilizar na prática a organização de eleições, ao mesmo tempo que o país se torna numa das principais bases de operações da Al-Qaeda. O terrorismo directamente fomentado pela Al-Qaeda alastra na Arábia Saudita. A Autoridade Palestiniana, submetida a uma pressão crescente dos radicais terroristas, ameaça implodir e perder definitivamente o controlo sobre a situação. Em Israel, uma população massacrada por décadas de brutalidade cega perde a esperança na via negocial e deixa-se conduzir para um beco sem saída por Sharon.

Não há dúvida: qualquer problema, por mais complexo que se afigure, pode ser resolvido de forma simples, rápida, decidida – e errada.


Força, força, amigo Santana, aguenta aí que a muralha abana

É preciso recuar até ao último executivo de Vasco Gonçalves, no longínquo ano de 1975, para encontrarmos um governo tão desacreditado decorridos apenas breves dias desde a sua posse.

19.7.04



Paula Rego.

If

 
If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream--and not make dreams your master,
If you can think--and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings--nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And--which is more--you'll be a Man, my son!

--Rudyard Kipling



Milton Caniff.

Porque é que Marcello falha onde Santana triunfa

Marcello e Santana são dois dos mais destacados carreiristas da República.
 
No entanto, Marcello falha sistematicamente, enquanto que Santana vai trepando inexoravelmente de degrau em degrau.
 
Porquê?
 
Marcello perdeu a Câmara de Lisboa contra Sampaio. Em seguida, perdeu a Presidência do PSD, primeiro para Durão, depois para Santana. A sua arrevezada tentativa de posicionar-se como candidato a Belém não deu em nada. Apesar de todo o tempo de antena de que dispõe, a ninguém pareceu que fosse uma boa alternativa a Santana para a chefia do Governo. Por este andar, nem a Presidente do Sporting de Braga poderá aspirar.
 
Os raciocínios de Marcello são demasiado rebuscados, fazem lembrar aqueles futebolistas tão habilidosos que acabam por se fintar a si próprios. O seu jogo não tem objectividade porque, acima de tudo, ele tem sempre que provar a todos como é inteligente. Que querem, foi um tique que lhe ficou de pequenino. Pode ser um intelectual de pacotilha, mas sempre é um intelectual; talvez por isso, dá demasiada importância ao que se passa dentro da sua cabeça.
 
Toda a gente, excepto ele, percebe que não merece confiança. Está bem assim como está: entertainer principal dos serões dominicais da TVI.
 
Santana deve-se rir com os seus botões quando o Professor lhe dá más notas: «Tá bem, filho. Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina!»
 
Santana, pelo seu lado, põe o pé na porta, vai entrando sempre, distribui piropos e lisonjas, beija a mão às senhoras, não hesita em impôr a sua presença em todos os momentos e em todos os lugares. O seu estilo é muito mais simples, descarado, ignorante e directo. Diz claramente ao que vem e o que quer.
 
Ele aprendeu que o atrevimento atrapalha as pessoas mais ponderadas, que ficam literalmente sem saber o que dizer perante as suas investidas. A timidez nunca compensa, ou, por outras palavras: «Quem não chora, não mama» - daí ele fazer tão bem aquele beicinho.
 
Por sobre os cadáveres de adversários mais púdicos, ele avança, avança sempre, sem nunca curar de olhar para trás. Não perde tempo com balanços, interpretações ou análises, porque o passado não interessa a ninguém. O que lá vai, lá vai.
 
Embora tenha pouco jogo de cabeça, não hesita em rematar à baliza sempre que vê uma oportunidade. Muitas vezes marca golos só porque o guarda-redes está distraído e dá um frango de todo o tamanho.
 
Se tivesse cultura para isso, faria sua a divisa de Frederico da Prússia: «De l'audace, toujours de l'audace.»
 
 

Amigo Frank, o cheque já vai a caminho

«Como primeiro-ministro, terei de ser justo e equitativo para todo o país, mas tenho a obrigação especial de conhecer bem os problemas de Lisboa e de ajudar a resolvê-los.»
 

17.7.04



Goya

Santana anuncia candidatura à Presidência da Comissão Europeia

«Temos que ser um país ambicioso», afirmou hoje Santana Lopes à saída da cerimónia em que o seu Governo foi empossado pelo Presidente da República.
 
«Por um lado, todos os comentadores  internacionais elogiam o modo como o Dr. Durão Barroso está a desempenhar o seu cargo de Presidente da Comissão Europeia, o que é uma honra para todos nós. Por outro lado, o Governo a que presido já pôs em marcha praticamente todas as reformas com que se compromteu. Por conseguinte, é este o momento indicado para dizermos que não há razão nenhuma para que o próximo Presidente da Comissão, já em 2009, não seja também português. Como de costume, eu, pela minha parte, estou disponível para todas as missões que contribuam para engrandecer o nosso país.»
 

Quem explica?

Os dados disponíveis mostram que a tímida retoma em curso assenta perversamente no crescimento do consumo privado alimentado pelo aumento do endividamento das famílias.
 
Tendo em conta que, segundo a teoria económica ortodoxa, o comportamento dos consumidores é racional, o que é que eles sabem que nós ignoramos?
 

Espírito positivo

Digam o que disserem, os próximos dois anos prometem ser uma era de ouro do humor em Portugal.
 

O Expresso e eu

Confesso que em tempos li o Expresso. Mas nunca inalei.
 

Eis a táctica

Este governo faz lembrar a selecção do Scolari: alguns nomes sonantes, um ou dois putos maravilha, muitos erros de casting e toda a gente a jogar fora do seu lugar.
 

Despreocupado

Este ano irei de férias mais tranquilo, porque sei que Sampaio fica por cá a vigiar o Governo.
 

O populismo explicado ao povo

Vejo por aí muita gente entretida a discutir definições de populismo para cabal esclarecimento das massas ignaras.
 
Cá para mim, mais do que uma doutrina, o populismo é um sintoma de uma doença.
 
Em vez de esgrimirmos definições, estejamos atentos ao que se está a passar.
 

16.7.04

Prova dos nove

Discutem quantos ministros tem cada partido. Esquecem-se de contar quantos ministros tem cada grupo económico.
 
(Uma coisa é certa: o Belmiro fica sempre de fora.)
 

Viva a concorrência!

O blogspot anda a mimar-nos: agora pode-se colorir o texto.
 

15.7.04

Para mudar de assunto



Klee: Sindbad o Marinheiro.

Este é o primeiro quadro de Klee que me lembro de ter visto. À primeira, parece uma ilustração para um livro infantil ou uma imagem de desenho animado, e provavelmente é mesmo isso.

A cena tem um ar cómico, embora duas grandes gotas de sangue jorrem do monstro que a comprida lança de Sindbad perfura e o marinheiro enfrente claramente um grande perigo. O mar é, em torno do herói, inocentemente azul claro e amarelo, porém a escuridão que o cerca ameaça avançar dos limites da tela para o centro e engolir tudo.

Tanto a figura humana como os monstros marinhos foram depurados até ao limite. Há aqui a alegria incontida da aventura, mas tudo está impregnado da metódica seriedade de que só uma criança é capaz.

O quadro é atravessado em todas as direcções por ritmos de linhas e cores. O fundo é composto por uma trama de quadriláteros ligeiramente inclinados cujo colorido se vai progressivamente transformando, iluminando certas áreas e obscurecendo outras, num claro-escuro cuja riqueza só tem par nas telas dos grandes mestres venezianos. Essa trama é preocupantemente desequilibrada pela sugestão de uma onda que avança sobre a embarcação de Sindbad.

Os personagens são inteiramente abstractos na sua concepção, mero pretexto para a descoberta do que está por detrás deles. Sindbad combate sem esforço físico. É a imagem da tranquilidade: tem um trabalho a fazer e limita-se a fazê-lo bem feito. Os monstros não parecem excessivamente compenetrados do seu papel. São actores sofríveis que aguardam calmamente o momento de serem mortos. Apesar de monstros, são de facto lindíssimos. Estariam bem em exposição num aquário.

Há décadas que olho para esta paráfrase da infância e o meu fascínio por ela ainda não terminou.



Retrato da nação portuguesa



Goya.

A banalidade do mal

Para fazer o mal não é preciso fazer nada de especial.

Basta deixarmo-nos ir na onda.

Pézinhos de lã

Admiram-se alguns: afinal, o governo de Santana Lopes não é muito diferente dos anteriores!

É que o santanismo impôs-se paulatinamente ao longo dos últimos anos na nossa vida política, de modo que pode surgir agora como uma mera evolução na continuidade.

Foi um processo gradual de apodrecimento e cedências que culminou na «decisão» de Jorge Sampaio.

Jogo de sociedade

Anteontem, entre amigos, pusemo-nos a enumerar políticos do PS (incluindo ex-governantes, autarcas e deputados) cujo perfil não se distingue significativamente do de Santana Lopes.

Surpresa: há por aí muito santanista há solta!

O governo mundial pelos serviços secretos

George Bush foi enganado pela CIA acerca da suposta existência de armas de destruição massiva no Iraque.

Tony Blair foi enganado pelo MI5 acerca da suposta existência de armas de destruição massiva no Iraque.

Durão Barroso foi enganado por George Bush e Tony Blair que foram enganados pela CIA e pelo MI5 acerca da suposta existência de armas de destruição massiva no Iraque.

Nós fomos enganados por Durão Barroso que foi enganado por George Bush e Tony Blair que foram enganados pela CIA e pelo MI5 acerca da suposta existência de armas de destruição massiva no Iraque.

Conclusão: como nem Bush nem Blair tiram consequências políticas da desta situação, deduz-se que nós somos de facto governados por serviços secretos que, aparentemente, podem construir os factos que mais lhes aprazem com total impunidade. Afinal, o governo mundial já existe.

Dito isto, levantam-se mais duas questões. A primeira, que se tornou particularmente aguda desde o 11 de Setembro, é que não há maneira de sabermos em que devemos acreditar, dado que não dispomos de critérios seguros para distinguirmos em tempo útil a realidade da ficção. A segunda, é que começam a parecer legítimas, neste contexto, todas as possíveis teorias da conspiração.

Ímpeto reformista

Após alguns meses de intervalo, foi retomada nas nossas florestas a reestruturação fundiária pelo fogo.

14.7.04

Tenho-me lembrado muito desta frase nos últimos dias

«Patriotism is the last refuge of a scoundrel.» (Dr. Samuel Johnson)

«Ninguém me ama...Ninguém me quer...»

Sejamos francos: a recusa de António Vitorino, nas condições em que ocorreu, foi uma coisa um bocado humilhante para o PS.

Apetece-me dizer que foi bem feito.

13.7.04

Irremediável e imperdoável

A decisão de Sampaio foi histórica, porque, com ela, todos sentimos que alguma coisa se quebrou definitivamente cá dentro.

Ana Gomes e Ferro Rodrigues deram, cada um à sua maneira, expressão directa a esse sentimento, sem todavia o nomearem e analisarem. Fizeram-no de uma forma porventura inconveniente e politicamente irrelevante. Paradoxalmente, porém, a pura e não mediatizada expressão de mágoa teve mais impacto exactamente por isso, ou seja, porque deu voz a milhões de pessoas que puderam identificar-se espontaneamente com ela.

Em si mesmo, esse baque não é do domínio da política, nem sequer do racional. Há certas coisas em que a gente acredita porque quer acreditar, mesmo quando toda a evidência parece contrariá-las. Até ao momento em que, confrontada com a nua crueldade dos factos, a fé se perde de uma vez por todas.

Muitos sentimos na sexta feira o mesmo que no dia em que nos disseram que não há Pai Natal. Os comentadores que tenho lido não se aperceberam disto.

12.7.04



Milton Caniff.


Milton Caniff.

10.7.04

«A Itália é um país de merda»

1. Só uma grande dose de wishful thinking poderia levar alguém a crer que a decisão de Jorge Sampaio pudesse ser diferente daquela que tomou. Vicente Jorge Silva (no Diário Económico) e Vasco Pulido Valente (no DN), porque o conhecem bem, anteciparam com total rigor o que se passava na sua cabeça.

2. Não sobram dúvidas de que Sampaio deu a Barroso garantias de nomeação de um novo governo da coligação logo na primeira reunião entre ambos. Como sempre suspeitei, Barroso falou verdade. Foi apenas a pública desfaçatez com que Santana começou a formar imediatamente governo que provocou os brios de Sampaio e acabou por retardar o processo.

3. Sampaio não demorou duas semanas a tomar uma decisão, porque ela estava tomada desde o primeiro momento. Demorou quinze dias a preparar uma justificação que, perante si mesmo, lhe permitisse desfazer a trapalhada que ele próprio criara.

4. O discurso de hoje de Sampaio foi um chorrilho de tolices que culminou na promessa de vigilância em relação à continuidade das políticas que o país inteiro já rejeitou. Se Sampaio ainda acredita seriamente que dispõe de algum poder depois do que hoje fez, o seu caso ainda é mais grave do que parece.

5. Quando teve o poder nas mãos, não o usou. Agora que o perdeu definitivamente, ameaça usá-lo.

6. Sampaio é, a partir de hoje, um homem que o PSD e o PP desprezam, porque fizeram dele gato sapato, e que a oposição detesta, porque a traiu. É um homem isolado, que praticamente não pode sair do Palácio de Belém sem correr o risco de ser hostilizado. O que lhe resta é transformar as presidências abertas em presidências fechadas e limitar-se a convidar alguns líderes empresariais para tomar chá - se, é claro, eles acharem que ainda vale a pena ir a Belém perder tempo com ele.

7. Está aberta uma gravíssima crise política na sociedade portuguesa, de consequências imprevisíveis. A conflitualidade vai agravar-se, e o radicalismo infrene tenderá a ocupar o centro da cena política. A confiança nas instituições políticas atingiu o ponto mais baixo de sempre. De nada vale votar nas eleições europeias, de nada vale votar nas eleições presidenciais, e não nos deixam votar para o parlamento quando manifestamente uma esmagadora maioria quer fazê-lo.

8. Não sei o que será da 2ª República, mas sei que, na actual forma, não poderá sobreviver.

9. Tem razão Ana Gomes quando diz que, finalmente, a coligação atingiu o objectivo que prosseguia sem êxito há mais de vinte anos: uma maioria, um governo, um presidente.

10. Vamos ter um governo de gajos e fadistas.

11. Não podemos confiar nos candidatos a PR que o PS nos propõe. Esta conclusão incontornável condiciona tudo o que vai passar-se em 2005. Em particular, abre de par em par as portas a um candidato da direita.

12. Ao demitir-se, Ferro confirmou que é um homem de bem. Mas essa decisão é politicamente errada e vem complicar ainda mais as coisas no campo da oposição. Não se deve responder a duas demissões - a de Barroso e a de Sampaio - com uma terceira.

13. Nanni Moretti tinha toda a razão quando dizia que «a Itália é um país de merda».

9.7.04



Soulages, 1978.

Já me ia esquecendo...

No domindo passado, faltavam três quartos de hora para o início da final do Euro, o pivot da SIC Notícias, cujo nome desconheço, proclamou que há muito tempo o país não se encontrava assim unido «em torno de um ideal».

Ideal? Qual ideal? Saberá ele o significado da palavra ideal? Não há na SIC Notícias um dicionário da língua portuguesa? Não há na Redacção, em alternativa, alguém responsável que lhe puxe as orelhas? E porque é que eu me ralo com isto? Estarei a ficar velho e rabujento?

Língua ameaçada

«A Vontade de Poder» de Nietzsche foi recentemente traduzido e editado em português, em três volumes. Cada um custa 14 euros, de modo que o conjunto fica por 42 euros.

Na mesma estante encontrei uma edição espanhola, num só volume, por 7,85 euros.

É isso mesmo, leram bem: a edição portuguesa é 5,35 vezes mais cara do que a espanhola.

Evidentemente, ler em português é muito mais cómodo e agradável para a esmagadora maioria de nós. Mas, com uma diferença de preços desta ordem (tenham em conta que não se trata de um caso isolado), faz sentido perguntar até quando prevalecerá a fidelidade à língua?

Adivinham que edição eu comprei?

8.7.04



Tapiès.

O meteorologista

Escreve hoje n'O Público Eduardo Prado Coelho, o mais eminente e sensível catavento ideológico da nossa praça, sobre Santana Lopes:

«Político brilhante em termos retóricos, com considerável capacidade de trabalho e um evidente gosto de fazer...»

Trabalho? Que trabalho, se o próprio confessa que gosta de trabalhar, mas é «à sua maneira»? «Gosto de fazer»? De fazer o quê?

Aqui há gato.

Feliz desaniversário

Oh diabo! Só quando comecei a ver toda a gente a parabenizar (grande palavra!) toda a gente a propósito do primeiro aniversário do seu blogue dei pela minha gaffe.

Pois não é que não só não dei pelo aniversário do «...Blogo Existo» (foi a 26 de Junho), como também me esqueci do aniversário dos outros? É mesmo meu...

Nestas circunstâncias, não me resta senão seguir o conselho do Chapeleiro Louco e da Lebre Maluca e aproveitar para desejar a todos os amigos e desconhecidos que me têm feito tão boa companhia durante este ano um feliz desaniversário - algo que tem a vantagem de poder ser festejado sempre que um homem quiser.

(OK, admito que é uma solução um bocado oportunista, mas ao menos vem do fundo do coração.)

Cuidado com os rapazes

Concordo. E aproveito para alertar: nas próximas eleições (que parecem cada vez mais prováveis) haverá gente sensata de direita que não votará em Santana; mas haverá também muita gente insensata de esquerda que irá fazê-lo.

Não se esqueçam da significativa parcela do eleitorado francês que se deslocou directamente do PCF para o Front National, uma pirueta muito mais brusca do que aquela que aqui poderá ocorrer.

É conveniente pensar também nisto ao traçar a estratégia para a próxima campanha.

7.7.04



Victor Vasarely

A política e os negócios

Quando eu for grande quero ser como o John Kay, um economista britânico com uma visão larga do mundo e imune às superstições típicas da sua classe profissional.

O artigo que ele hoje publicou no Financial Times analisa a constituição de uma plutocracia na Rússia ao longo da última década, mas muito do que ali se diz é de extrema relevância para Portugal.

Defendamos o lince ibérico e o futebol só para homens

Eu já tinha alertado contra esta ameaça aos nossos valores mais queridos, mas na altura fiquei isolado.

Agora, finalmente,alguém tem a coragem de denunciar o efeito devastador da aficción feminina sobre o nosso futebol.

A má educação

À entrada da reunião com o Presidente da República, o PP distribuíu aos jornalistas cópias do documento que levava para apresentar - antes mesmo de Jorge Sampaio dele ter tido conhecimento.

Eis mais uma esclarecedora amostra do estilo destes garotos que nos querem governar.

6.7.04

Teste a sua cultura

Quem foi que disse: «Devemos poupar o povo a eleições»?

a) António de Oliveira Salazar

b) Santana Lopes

c) Luis Filipe Vieira

d) Zandinga

5.7.04

Ando com pesadelos


Última hora: Santana Lopes recolhe-se a um convento

Santana Lopes acaba de anunciar que pediu uma audiência urgente ao Presidente da República a fim de lhe comunicar a sua decisão irreversível de se recolher a um convento.

«Estou muito chocado com os ataques pessoais de que tenho sido alvo nos últimos dias, quando nada mais faço senão procurar servir bem o meu país», disse o ainda autarca de Lisboa hoje à noite aos jornalistas que o aguardavam à saída da sede do PPD/ PSD.

«Assim não vale a pena», acrescentou, «sinto que não posso continuar a pactuar com esta contínua degradação da vida política portuguesa. Sou um político sério e exijo ser tratado com respeito.»

Instado a esclarecer em que ordem irá ingressar e quando isso acontecerá, Santana Lopes adiantou que os seus assessores de imagem já receberam instruções para entabular negociações com as diversas ordens existentes em Portugal - «Não me passa pela cabeça abandonar o meu país nesta hora difícil», esclareceu ele - e confessou ainda que iniciará a sua nova carreira depois do Verão, após umas merecidas férias que tenciona gozar numa ilha das Caraíbas com a sua nova namorada.

Frase do dia

Quem foi que disse hoje numa entrevista à RTP: «Não gosto de me pôr em bicos de pés»?

Não há prémios para quem acertar.

4.7.04



Arte Huichol.

Recapitulando

Caí das nuvens ao descobrir até que ponto os apaniguados de Santana controlam já a máquina do PSD.

A votação no Conselho Nacional (97-3 parece um resultado de básquete em que a equipa derrotada é toda da altura do Marques Mendes) é sintomática. Mas é de crer, pelos sinais que chegam das distritais, do grupo parlamentar e dos TSD, que o resto se encontra no mesmo estado de putrefacção, como se tivesse passado por ali a formiga branca.

Moral da história: num negócio sem precedentes na vida partidária portuguesa, Durão Barroso ofereceu de bandeja a Santana Lopes o controlo do partido a troco do compromisso de não hostilizar o governo.

O que é que isto nos sugere sobre o carácter do personagem?

Tenho que dizer isto

Se em Portugal houvesse uma dúzia de políticos com a independência de espírito e a firmeza de convicções do Pacheco Pereira, viveríamos num país muito melhor.

Novo milagre de Fátima

Tendo em conta a histeria nacionalista dos últimos dias, a derrota face à Grécia deve ser considerada, de um ponto de vista exclusivamente político, o melhor resultado possível.

3.7.04



Juan Gris: Natureza morta, 1917.

2.7.04

Qual é a dúvida?

Começa-me a parecer que o factor mais preocupante de toda esta crise é a intrigante atitude do Presidente da República.

As coisas parecem-me a mim relativamente simples ( mas deve ser por isso que não sou eu o Presidente da República).

Segundo me parece, Durão Barroso, numa louvável atitude de inconformismo, arranjou um emprego melhor. Vai daí, para não deixar o Presidente desamparado, foi ter com ele e propôs-lhe como alternativa um rapaz amigo dos tempos da faculdade.

Acontece que Sampaio tem boa memória, e, por isso, reagiu de imediato: «Quem, aquele tipo que o senhor há pouco tempo classificou como um misto de Gabriel Alves e Zandinga? Não pode estar a falar a sério!»

Apostado em assegurar a salvação da pátria, José Barroso (o artista previamente conhecido como Durão) insistiu. Que o Presidente não estava bem informado, que o rapaz se tinha regenerado, que estava uma pessoa irreconhecível, que já não conseguia trair os amigos chegados mais do que uma vez por dia.

Perante tanto entusiasmo, o Presidente respondeu-lhe que ia pensar e José foi dali preparar o discurso de tomada de posse em Bruxelas.

Quando Sampaio, minutos depois, ligou o rádio, ficou a saber que estava tudo combinado entre ele e José, que Lopes seria o novo primeiro-ministro, e que já estava a tratar com o amigo Paulo de escolher os ministros, este entra, aquele sai. Sampaio comentou para a esposa que aquilo não estava bem, que aquilo não se fazia, que afinal aqueles dois continuavam a ser o mesmo par de trampolineiros de sempre.

O passo seguinte foi dizer isso mesmo cá para fora, embora num tom mais polido, porque, ao contrário dos tais, os dirigentes socialistas são usualmente pessoas educadas.

Todos ficámos a pensar que o Presidente entendera a armadilha que lhe estavam a montar e que se decidira a agir em consequência. Mas, afinal, não: em vez de tomar uma resolução, Sampaio decidiu dedicar-se ao seu desporto favorito, chamado «encanar a perna à rã».

As más-línguas pretendem que o Presidente, a quem normalmente ninguém liga, encontrou aqui uma forma de os jornais lhe prestarem atenção por uns dias, mas quem o conhece sabe que ele não é pessoa para isso.

Pergunta-se, então, por que raio suporta ele por mais tempo os comentários impertinentes dos jornalistas empregados do governo e a grosseria crescente dos dirigentes do PPD entretanto reconstruído?

Ao contrário do que se insinua ou diz abertamente, o Presidente tem uma legitimidade própria, ainda por cima adquirida através de uma eleição directa, a única em que os portugueses indiscutivelmente escolhem uma pessoa para um cargo.

A Constituição não obriga o Presidente a nomear ninguém contra sua vontade, muito menos alguém que o próprio proponente publicamente rotulou de Zandinga. Fazê-lo seria, tendo em conta todas estas circunstâncias, pior que uma humilhação, um total contra-senso.

O Presidente é politicamente responsável pelo Governo que empossa, porque é ele que nomeia o seu chefe. Isto quer dizer que se, com a sua passividade, abrir portas à instauração em Portugal de um regime inspirado à Berlusconi, será ele quem de facto deveremos culpar.

Algumas pessoas, too clever for their own good, alvitram que talvez o melhor seja deixar Santana ir para o governo, para que todos possam finalmente ver como ele é. Pobres tolos! Imaginam porventura, que, uma vez que ele lá se apanhe, será fácil apeá-lo.

Santana é um perito na manipulação dos media, e Portas introduziu a política suja em Portugal no tempo do Independente.

Nos últimos dois anos passaram-se em Portugal coisas estranhíssimas, que ainda não se encontram totalmente esclarecidas. O chefe da oposição esteve sob escuta telefónica, e o Presidente da República também, o que mostra como as instituições são frágeis neste país. Sampaio deveria ter aprendido qualquer coisa com isto.

Outra coisa curiosa é que, ao que parece, praticamente todas as pessoas que o Presidente tem ouvido se têm pronunciado no mesmo sentido, a saber, que as eleições antecipadas são a melhor solução para a crise. Além disso, a esmagadora maioria dos comentadores moderados, incluindo os que têm apoiado criticamente o governo, dizem a mesma coisa.

Que espera, então Sampaio? Que receios tem ele? Que riscos o preocupam?

Que riscos pessoais corre, ele que se encontra no segundo mandato e não pode ser re-eleito? Estará preocupado com a imagem que deixará para a história?

E que imagem quer ele deixar para a história? A de um homem que, para sublinhar bem a sua isenção e sentido de Estado, abriu o caminho ao populismo e à subversão generalizada dos princípios da sã convivência democrática dura e penosamente introduzidos ao longo dos últimos trinta anos?

O felicitómetro impossível

Por estes dias, com esta irresistível, absurda e intrigante onda de emoções desencadeada pelo Euro, os portugueses vivem literalmente com os pés no ar.

Filósofos e moralistas discutem com afã se essa felicidade é recomendável, mas, a menos que sejam cegos, não podem negar que ela existe.

Se o PIB medisse rigorosamente a felicidade dos povos, o nosso produto per capita ultrapassaria este ano largamente o dos países mais avançados da União Europeia.

Os economistas não compreendem estas coisas, porque se obstinam em tomar a nuvem por Juno.

O olímpico

Desta vez concordo com a Joana.Não fica bem a Jorge Sampaio dizer que «não há pressa» de pôr um ponto final na crise política. O que ele pode e deve dizer é que uma decisão destas deve ser devidamente ponderada, e que isso é o mais importante - não que a urgência é em absoluto irrelevante.

A rapidez é ela própria um factor de eficácia da decisão, visto que a incerteza tem custos de diversos tipos - económicos, sem dúvida, mas também políticos. Protelar a crise sem justificação plausível, como está a acontecer, é uma atitude incompreensível e preocupante.

Por outro lado, a afirmação do Presidente revela insensibilidade em relação aos problemas comezinhos dos seus pobres súbditos. Hoje em dia todos estamos condenados a ter pressa, quanto mais não seja para preservamos os nossos arduamente conquistados postos de trabalho. Um Presidente socialista deveria entender e respeitar isto.

Ao afirmar que, por decreto auto-imposto, ele (e só ele) disfruta do privilégio de não ter pressa, Sampaio pretende talvez pôr-se num pedestal reservado aos deuses do Olimpo e sublinhar a sua própria importância. Na realidade, apenas contribui, da pior maneira e nas piores circunstâncias, para aprofundar mais um pouco o fosso entre eleitos e eleitores.

Bem prega Frei Tomás...