28.3.12

A existência de oposição interna reforça a posição negocial externa de um governo

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Já ouvi argumentar que, sendo a regra de ouro do equilíbrio orçamental exigida pela Alemanha uma bizarria inócua, não faz mal que o PS vote a seu favor.

Assim como assim, ninguém sabe exatamente o que significa e como poderá ser operacionalizado o limite de 0,5% ao longo do ciclo, de modo que mais valeria o país continuar a transmitir para o exterior uma imagem de unidade.

Sucede que isto é errado, mesmo do ponto de vista do governo (admitindo tratar-se de um governo empenhado em proteger os cidadãos que ele é suposto servir). Efectivamente, um executivo ganha margem de manobra negocial quando, nos fóruns internacionais, pode resistir a pressões argumentando que "lá em casa" será difícil conseguir fazer aprovar esta ou aquela medida.

Veja-se, por exemplo, como a necessidade constitucionalmente imposta de referendar decisões importantes tem ajudado vários países, mormente a Irlanda, a dar-se ao respeito ao mesmo tempo que conquista espaço de manobra. Dir-se-ia que, afinal, a democracia continua a ter as suas vantagens.

Se outras razões não houvesse para o PS votar contra a regra de ouro - e há-as em abundância - acredito que esta bastaria.
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24.3.12

Coup de tête

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Adel Abdessemed: Coup de tête, recordando a célebre cabeçada com que Zidane assinalou a sua passagem à reforma, um gesto que muita gente gostaria de poder imitar.
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22.3.12

As vozes e as nozes

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Uma mesa-redonda organizada esta semana pela SAS dedicada ao tema: "Inovação, Exportação e Competitividade" teve como oradores:
Ivo Antão, Administrador da Espírito Santo Saúde
Carlos Matias Ramos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros
Nuno Fernandes Thomaz, Administrador da Caixa Geral de Depósitos
Francisco Cardoso dos Reis, Presidente do CA do Metropolitano de Lisboa
Competitividade? Inovação? Exportação? Seria impensável arranjar-se um grupo de gente mais qualificado para falar sobre isso.
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19.3.12

Todo o poder aos investidores

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Ao cabo de uma semana de conversa da treta sobre as rendas excessivas da EDP, o advogado Agostinho Pereira de Miranda explica hoje no Negócios o que está em causa na eventual revisão dos subsídios à produção de energias alternativas:
"O Tratado da Carta de Energia (TCE) prevê uma gama de garantias para investidores estrangeiros como poucas vezes se viu num tratado internacional. De entre elas destaca-se a cláusula de nação mais favorecida e da igualdade de tratamento com os investidores nacionais. Mais radical ainda, estabelece-se a possibilidade de qualquer litígio entre o investidor estrangeiro e o Estado do país receptor poder ser dirimido num tribunal arbitral internacional.
Ora,
"Em Novembro do ano passado o governo espanhol foi confrontado com um pedido de arbitragem internacional feito por 14 empresas estrangeiras gestoras de fundos e que haviam investido no sector da geração de energia fotovoltaica. O pedido resulota de uma decisão unilateral de Madrid no sentido da redução das tarifas de venda da electricidade à rede."
Sucede que Portugal é não só um dos 46 países subscritores do TEC, como, tendo ele sido assinado em Lisboa em 1994, se tornou seu depositário. Isso passou-se no tempo do Prof. Bom Aluno, o qual assim assumiu, com a habitual leviandade, um compromisso que agora nos deixa de pés e mãos atados.

Vivemos, como é sabido, num estado de direito, onde todos são iguais perante a lei. O problema é que se acaba sempre por descobrir que alguns são protegidos por leis que têm precedência sobre as que protegem os outros.
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15.3.12

Queimar dinheiro

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14.3.12

Recarnagem e repescagem

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Tendo desistido temporariamente de rezar o terço, aquela ministra que transporta em permanência atrás de si uma equipa de televisão lá enunciou algumas ideias para proteger a agricultura da seca persistente.

A primeira da lista pôs-me os cabelos em pé e o pé atrás. Consiste ela em permitir que os produtores de carne biológica alimentem os seus animais com rações. Espanto: mas então é precisa uma autorização ministerial para não se deixar morrer o gado à fome?

Obviamente, não é bem isso. Do que se trata é de permitir que seja comercializada como carne biológica - logo, a um preço mais alto - carne que não o é. Em suma, a primeira ideia da ministra foi sancionar uma aldrabice.

Concordo que os criadores sejam protegidos, não concordo que os consumidores sejam levados a comer gato por lebre.

Por outro lado, é reconfortante saber-se que o pitoresco espírito trampolineiro de Cristas está vivo e recomenda-se. Foi isso que pensei mais tarde, ao saber do originalíssimo arranjo congeminado na Liga de Futebol para evitar a despromoção de dois clubes na presente temporada.

Para salvaguardar os regulamentos, eles são de facto despromovidos, mas logo de seguida repescados. Quem não se sente confortável com estas coisas está a mais neste país.
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5.3.12

Regras da UE feitas à medida da Alemanha

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Isto é uma coisa extraordinária:
You may recall that the EU fiscal pact included at least some warm words about the idea of limiting excessive trade surpluses (as well as deficits) within the eurozone. This is progress, but of course the devil is in the detail. The European Commission’s demonologists were called in to work out the detail. Jean Quatremer reports:

Ainsi, la balance des comptes courants est censée être comprise entre –4% et +6% du PIB au cours des trois dernières années. Et, miracle, celle de l’Allemagne est de +5,9%!

I.e. the reference range is defined as a three-year moving average of the current account balance between -4% and +6% of GDP. Why is it not symmetrical around zero? Not that there’s a specific argument that it should be, but it’s telling…because Germany’s CA surplus is exactly +5.9% of GDP. Trebles all round.
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2.3.12

Esta foi uma semana Bowie, sei eu lá bem porquê

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Raio dos velhos

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Já todos ouvimos dizer que o número de óbitos aumentou subitamente em Janeiro deste ano, mas deixem-me contar-vos em pormenor o que de facto se passou.

O número de mortes ocorridas em Portugal e registadas pelo INSA oscila permanentemente de semana para semana, de modo que, após a necessária correção do fator sazonal, se calcula a média e o desvio padrão da série temporal. Se as observações ficarem dentro de um intervalo de mais ou menos três desvios padrões em torno da média, as variações serão consideradas normais no quadro de um processo aleatório estável.

Pelo contrário, suspeita-se que algo estranho aconteceu quando se regista uma observação fora desse intervalo, dado que a sua probabilidade é igual ou inferior a 0,3%. Se, como agora foi o caso, a situação se repete em quatro semanas consecutivas, estaremos perante uma circunstância verdadeiramente invulgar que só pode dever-se a causas especiais e que deve ser investigada.

Tem sido adiantada a hipótese de que o súbito agravamento dos óbitos, com especial incidência na população com mais de 75 anos de idade, poderá dever-se à vaga de frio que atingiu o país. Não me parece crível, dado que, para além de o frio só ter sido mais intenso no final de Janeiro, não julgo que as condições climatéricas tenham sido particularmente dramáticas em relação ao que é usual.

Alguns especialistas entendem que o empobrecimento brusco conjugado com crescentes dificuldades de acesso ao SNS podem explicar boa parte do que se passou. Talvez. Mas não se esqueçam que as pessoas também morrem de abandono, desesperança ou simples tristeza. São assim, os velhos.
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