31.12.04

Os primeiros 80 anos



Jovem do ano 2004.

Fazer o bem sem olhar a quem



Artigo do ano 2004.

O herói involuntário



Entertainer do ano 2004.

Hello, goodbye



Fiasco do ano 2004.

Há mais alegria por um pecador que se converte...



Presidente do ano 2004.

Os cães ladram, a caravana passa



Clube do ano 2004.

Quando o sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo



Homem do ano 2004.


Robert Delaunay: Grande painel.

30.12.04

O declínio geral da argumentação

Adoro a expressão«declínio geral do país a todos os níveis». Desqualifica imediatamente tudo o que quem a escreve afirma a seguir.

Rua da Judiaria

Embora com algum atraso, aqui fica o meu obrigado ao Nuno Guerreiro pela simpática distinção.

À conversa

É derivado à vestoria por causa daquela situação que tu dissestes. Não tem a haver com o que tu estás a pensar. Mas eles ainda hádem cá voltar, percebestes?

29.12.04



Cézanne: Crisântemos.

Os cabeças de lista do PS

Os cabeças de lista do PS? Bom, os cabeças de lista do PS... O que é que se há-de dizer sobre os cabeças de lista do PS? São os cabeças de lista do PS, não é verdade? Lá isso são...

Ninguém pode dizer que o partido está a descaracterizar-se. Estes cabeças de lista do PS são mesmo o que seria de esperar de um partido como o PS, não é verdade? Claro que é verdade...

Porque, se o PS tivesse outros cabeças de lista, como, sei lá, por exemplo... Aquele... Vocês sabem... Ou então, por exemplo... Vamos lá a ver... Se calhar não era o PS, se calhar era outra coisa qualquer, e então as pessoas desconfiavam, e então é que eram capazes de não lhe dar a maioria, porque não há nada mais perigoso do que um eleitor desconfiado.... Ora aí está...

Vendo bem, até está bem. Aquela avozinha, por exemplo... Gostei, é claro que gostei. E o outro, o coiso, pois evidentemente que tinha que ser... Já não parece tão bem o que foi lá para... Para... Mas se calhar sou eu que não estou a ver bem... Estou a falar daquele que foi para... Estão a ver?

Há sempre pessoas que falam, que dizem... Mas depois, efectivamente, quem lá está é que sabe como é que é... Porque, se não fosse assim, quem é que pode garantir como é que era?

Porque as pessoas precisam de esperança, certo? Ora, a esperança, a esperança... Por exemplo, ponhamos que o Guterres era cabeça de lista... Sim, o Guterres, só por suposição...

Se calhar não me estou a fazer entender...


28.12.04



Cézanne: Jogadores de cartas, 1990-92.

Desenvolvimento

Haverá coisa mais vulgar do que um caderno de apontamentos?

Mas esperem: este foi usado por Hemingway, Picasso, Van Gogh, Matisse, Céline, Breton e Chatwin! Logo, esta humilde colecção de folhas de papel coladas a uma lombada não é um caderno como outro qualquer.

Registou as impressões do momento de grandes artistas, recolheu as meditações de grandes pensadores, inspirou obras de génio.

Sem ele, quantos instantes de inspiração teriam sido olvidados para sempre, quantos sublimes vislumbres teriam abortado por falta de um instrumento que registasse a sua frágil ocorrência, quantas ideias em germe teriam desaparecido vítimas da cruel pressão dos acontecimentos?

Consciente desses temíveis riscos, Bruce Chatwin, que comprava estes cadernos antes das suas viagens na pequena papelaria da Rue de l’Ancienne Comédie, em Paris, escrevia em todos os eles o seu nome e endereço e oferecia uma recompensa monetária a quem os encontrasse no caso de se perderem.

Um dia, porém, a empresa de Tours que os fabricava encerrou, e Chatwin recebeu uma breve mensagem dizendo: «Le vrai moleskine n’est plus».

A força do Moleskine reside nesta efabulação de marca, na capacidade de transcender a sua aparência trivial por meio de um relato inspirador. O Moleskine apropriou-se, com uma história bem contada, do poderoso mito da criação.

Moleskine é uma promessa de experiência que nos eleva ao nível dos grandes autores cujas obras admiramos. Mas é também, inevitavelmente, uma responsabilidade. Não se nos pede que ascendamos ao nível de Hemingway, mas exige-se-nos que estejamos, pelo menos, ao nível das nossas ambições de criatividade e realização pessoal.

A Modo & Modo, empresa italiana que em 1998 tomou conta da marca, dá-nos um grande exemplo de como um produto banal pode ser diferenciado com alguma imaginação e cultura.

Na capa, uma sóbria badana vermelha recorda-nos em breves palavras a lenda do Moleskine enumerando alguns dos seus ilustres proprietários. A ideia de Chatwin foi apropriada: a entretela sugere o registo de um endereço para devolução em caso de extravio e a indicação da recompensa monetária oferecida. Um pequeno folheto conta a história do Moleskine original em quatro línguas: italiano, francês, inglês e alemão. Atenta às necessidades do mercado, a Modo & Modo disponibiliza uma variedade de moleskines para todos os usos: cadernos de apontamentos (simples, com linhas e com quadrícula), cadernos de esboços artísticos, álbum japonês, livro de endereços, diário de bolso, agenda, etc., tudo isto em vários formatos e encadernações.

O desenvolvimento económico que temos que promover resulta de iniciativas empresariais inovadoras como esta. Não tem que assentar necessariamente em tecnologias de ponta, mas será mais eficaz se explorar as suas possibilidades. Pode consistir em acrescentar valor a produtos tradicionais, eventualmente tornando-os mais apelativos e transformando-os em serviços. Mas exige certamente gente qualificada e empresários com mundo.

(Trabalho de casa: porque é que isto foi feito por uma empresa italiana, e não, digamos, por uma empresa portuguesa? O que é que faltou aqui? Terá sido o papel? Terá sido a ajuda do ICEP? Terá sido o apoio à inovação tecnológica? Será por os impostos serem demasiado altos em Portugal? O que foi?)

24.12.04


Ou, então, o chinês

No tempo em que fomos colegas no liceu, o cantor Jorge Palma era fraquinho em todas as disciplinas menos no inglês. Dizia ele que era por ver muitas fitas de cowboys e ouvir discos do Elvis.

Continua a ser mais ou menos assim que hoje se aprende línguas, com a vantagem de agora os putos terem em casa canais de televisão americanos. Parece-me, por isso, que essa medida anunciada de pôr a garotada (ou a canalha, como se diz no Porto) a estudar inglês já na primária é uma daquelas medidas inúteis mas que custam muito dinheiro. Para inglês ver, creio eu.

Talvez fosse melhor insistir na matemática, que, definitivamente, não se aprende na televisão. Ou, então, pôr os alunos a aprender chinês, visto que, a partir de 2010, a China ultrapassará os EUA como maior país de origem de fluxos turísticos.

Quem sabe, talvez eles achem o Algarve um destino catita...

Hoje fiquei assim...



Não é metáfora, partiram-se mesmo...




Cézanne: Les grandes baigneuses, 1900-05.

Há muito tempo que eu andava com vontade de espetar aqui com o Cézanne, mas depois nunca vinha a propósito. Agora também não vem, mas já não há nada a fazer.

O melhor blogue do ano

Quem quer saber quais os blogues que eu prefiro espreita aí ao lado. A lista é curta, porque inclui apenas aqueles que eu frequento dia sim, dia sim.

Mas, para mim, o blogue do ano foi este.

Durou apenas uns meses e depois acabou - e fez muito bem em acabar, porque a coisa deixaria de ter piada se se eternizasse.

Fazem falta mais blogues como este, praticando um tipo de humor que só neste medium é possível.

23.12.04

Interrupção intempestiva da quadra natalícia para perorar outra vez sobre o déficite

Algumas notas (quase) soltas sobre um debate que não nos vai deixar tão cedo.

1. Não pode deixar de ser considerado espantoso que uma maioria cuja única ideia e cujo único compromisso não renegado com os eleitores foi o combate ao déficite do OGE tenha deixado um déficite efectivamente maior do que aquele que herdou.

2. Para além disso, o crescimento exponencial das dívidas a fornecedores em áreas como a da saúde indicia que o déficite efectivo será ainda muito maior, visto que, dadas as peculiaridades da contabilidade pública, as despesas não pagas só serão contabilizadas como custos em anos posteriores.

3. Se o Estado cortou em tantas coisas (cancelamento de contratos a termo, redução efectiva do rendimento mínimo garantido , quebra do investimento público, etc., etc.) como é que, afinal, a despesa não baixou? Porque, para certas coisas, nunca faltou dinheiro. Por exemplo, o Dr. Portas nunca teve dificuldade em financiar as suas guerrinhas privadas, tais como a compra de material militar, as pensões dos ex-combatentes ou a presença da GNR no Iraque. E a Câmara de Lisboa, sob a direcção do Dr. Lopes, até teve suficiente folga para criar um novo sistema de transportes grátis no centro da cidade. Sem falar da facilidade com que se contrataram estudos a empresas multinacionais de consultoria de gestão sobre tudo o que veio à cabeça dos gabinetes ministeriais. Fiquei a saber esta semana, por exemplo, que uma dessas empresas especializadas em gestão fez um estudo sobre o combate a incêndios!

4. Mas, para além de tudo o mais, o que está aqui em causa é um problema de ignorância pura e simples. Durão Barroso não fazia a mínima ideia do que seria preciso fazer para reduzir o déficite, tal como não faziam Ferreira Leite, Bagão Félix e muitos outros que os acompanharam nesta triste aventura. No Estado como nas empresas, não é possível reduzir custos duradouramente sem ter uma estratégia. Se uma empresa se mete a reduzir custos sem uma perspectiva clara sobre o rumo que pretende seguir, acontece uma de duas coisas: a) a empresa vai à falência; b) os custos que se cortam num sítio reaparecem noutro.

5. Há três anos, uma luzida companhia de sumidades apresentou-se perante o país com a promessa de que resolveria rapidamente, embora com recurso a medidas impopulares, os problemas que, segundo eles, os socialistas haviam criado. O que se provou foi que o que lhes sobrava em jactância faltava-lhes em conhecimento e clareza de espírito. Mas também falta ainda provar que, neste momento, o PS já saiba o que tem que fazer.

6. É preciso dizer e repetir que o déficite não é o problema, é um mero sintoma de problemas mais fundos. Em primeiro lugar, porque o déficite só é relevante na medida em que agrava o endividamento, e em especial o endividamento externo. Em segundo lugar, porque ele resulta da conjugação de dois factores: a) a economia não está a crescer tanto quanto devia; b) a administração pública não está a ser bem administrada.

7. Não se pode confundir o urgente com o importante. Urgente é conter a despesa pública, o que significa, por exemplo, que os funcionários públicos não podem nem devem ser aumentados. (Muitas pessoas parecem não ter consciência de que muitos trabalhadores do sector privado também não são aumentados há vários anos.) Importante é pôr a economia a crescer e o Estado a funcionar.

8. O caminho para pôr a economia a crescer não é baixar impostos, é fomentar a inovação, regular os mercados onde escasseia a concorrência e mobilizar o país todo para expandir a exportação de bens e serviços. (Faço só três perguntas: a) Quantas das grandes empresas portuguesas de que os jornais todos os dias falam contribuem para esse esforço?; b) Com que frequência dedicam os nossos media alguma atenção às empresas exportadoras portuguesas?; c) Que sentido fez lançar na maior confusão o ICEP, único organismo com capacidade para promover as exportações?)

9. O caminho para pôr o Estado a funcionar é reabilitar a função pública, reconstruir a cadeia de comando hierárquico destruida pelas sucessivas interferências partidárias, respeitar o know-how que existe, premiar o mérito e exigir a prestação de contas. Ouço alguns empresários criticarem os organismos estatais por não fazerem análises custo-benefícios dos projectos que promovem. Julgarão eles que na administração pública não se sabe o que isso é? Ignorarão eles que, se não se faz, é apenas porque as chefias nomeadas pelos partidos não o permitem? Chegamos, assim, ao ponto crucial: nenhuma gestão por objectivos, nenhuma avaliação do mérito terão qualquer resultado se não começarem por cima. Mas isso exige que todos os cargos públicos, a começar pelos directores gerais, sejam providos por concurso, e que acabe a prática terrorista da humilhação das chefias da administração pública pelos cretinos que transitam directamente das jotas para os gabinetes ministeriais.

Hoje amansei assim...



22.12.04

Hoje irritei-me assim...


21.12.04

Hoje assustei-me assim...


Hoje rabisquei assim...



Hoje almocei assim...


Hoje acordei assim


18.12.04



Klee: Morte e fogo, 1940.

Blogues do ano

O Portugalidades teve a gentileza de incluir o ...Blogo Existo entre os seus preferidos em 2004. Agradeço-lhe, tanto mais que o colocou em excelente companhia.

Brad Mehldau e Bill Evans



Brad Mehldau não gosta nada de ser comparado a Bill Evans. Quem faz essa comparação, acha ele, não entende nada da sua música.

Entendo o que quer dizer, dado que os estilos dos dois pianistas são suficientemente singulares para não autorizarem confusões.

Mas a intensidade da relação que estabelecem com os temas que interpretam, a profundidade intelectual da sua música - só possível em alguém muito versado na música clássica - a seriedade com que abordam a matéria-prima que lhes serve de base, seja ela um standard de reputação firmada ou uma cançoneta a que a maioria de nós nunca concedera muita atenção, aproximam-nos um do outro.

A maioria dos intérpretes de jazz mainstream confinaram-se durante demasiados anos a um domínio musical excessivamente restrito de standards do tempo da carochinha, às vezes com o argumento explícito de que a música pop contemporânea não possui uma riqueza melódica comparável à produzida por Berlin, Porter ou Ellington. Como se a melodia fosse a única dimensão relevante da música!

Essa auto-limitação entravou o desenvolvimento do jazz e retardou a adesão de novos públicos. Ao retrabalhar composições dos Beatles ou dos Radiohead, Mehldau introduz de uma forma subtil - tudo nele é understatement, outro ponto que o aproxima de Evans - novas dimensões no jazz contemporâneo.

Um exemplo perfeito disso mesmo é a excitante versão de "Things behind the sun" de Nick Drake com que abre o seu recente «Live in Tokyo» que hoje escutei pela primeira vez.

Boas e más notícias

A presença de Valadares Tavares (ex-ministro sombra de Durão Barroso e Presidente do INA) no jantar que ontem congregou independentes apoiantes do PS é, a par da sondagem hoje divulgada pelo Expresso, um sinal decisivo de que está à vista um terramoto eleitoral no próximo mês de Fevereiro.

As implicações deste facto são em larga medida positivas. Em primeiro lugar, porque o país terá garantida uma maioria sólida capaz de formar governo. Em segundo lugar, porque o esmagamento de Santana Lopes dará lugar à sua remoção do cargo de Presidente do PSD, uma missão patriótica que o país inteiro aplaudirá sem restrições.

O reverso da medalha é que, seguro da vitória, o PS sentir-se-á desde já desobrigado a comprometer-se antes das eleições com metas claras de governação, dado que isso não será fundamental para angariar votos. Diminuirá a pressão sobre Sócrates e sobre o PS. Acentuar-se-á a tendência para encher as listas de deputados de gente fiel mas sem qualidade. Reduzir-se-á o esforço de recrutar para o governo os melhores em cada área e de traçar políticas ambiciosas e coerentes.

Muitas pessoas, entre as quais modestamente me incluo, têm recomendado ao PS que aproveite esta oportunidade única para elevar o nível da discussão e resistir à degradação do debate político que Santana e Portas se esforçam por impor.

Até agora, porém, apesar de assegurar que é isso mesmo que pretende fazer, Sócrates tem-se limitado a exibir uma postura de bom rapaz e a flagelar a coligação moribunda.

A nós, meros cidadãos eleitores, o que nos interessa é saber o que o PS será capaz de fazer quando, como parece inevitável, assumir o poder no próximo mês de Fevereiro.

Deve ser por causa disso que os estádios de futebol estão vazios

80 mil pessoas visitaram já a exposição de Paula Rego em Serralves.

(Entretanto, em Lisboa, o suave Jorge Silva Mello irrita-se por ter encontrado a retrospectiva de Pomar no CCB às moscas e faz deprimentes comparações com as multidões que enchem o Rainha Sofia.)


Klee: Parque perto de L (-ucerna), 1938.

17.12.04

Um golo de bandeira

Depois de uma fase de «experiências» desatinadas que, na prática, tornaram o blogue ilegível, o biltre está de volta em grande forma.

Querem saber o que verdadeiramente distingue Mourinho dos treinadores de pacotilha que para aí pululam? Querem entender porque exaltamos a mediocridade auto-convencida e taxamos de arrogantes aqueles que sabem o que fazem e se esforçam continuamente por fazer cada vez melhor? Então, leiam aqui.

16.12.04

Coisas que a coligação PSD/PP fez bem

Agora que está à vista um novo governo do PS, espero que, ao contrário do que fez Barroso, Sócrates resista à tentação de destruir tudo o que os outros fizeram e começar de novo, porque isso é o que caracteriza os países subdesenvolvidos.

Por mim, entendo que há três áreas polémicas em que a maioria cessante fez coisas boas, muito boas mesmo:

1. Actualização das propinas universitárias. Os benefícios do ensino superior vão em grande parte para os próprios estudantes que se licenciam, embora todos ganhemos com o facto de haver mais gente graduada. Por isso, os custos da educação universitária devem ser suportados em parte pelos estudantes, em parte pelo Estado, em proporções a definir. O governo de Barroso fez bem em reafirmar este princípio e em dar passos seguros para consolidar este sistema, que é mais justo do que o anterior.

2. Hospitais SA. Os hospitais devem ser geridos, e para tal devem dispor da necessária autonomia. Este princípio não implica a privatização dos hospitais. Bem pelo contrário: se funcionar bem, permitirá evitá-la. Dito isto, o governo PSD/PP cometeu alguns erros na aplicação desta política e fez muita demagogia. Espero que o próximo ministro da saúde melhore o que há a melhorar sem todavia negar os avanços entretanto conseguidos. De resto, o novo modelo de gestão hospitalar foi, nas suas linhas gerais, traçado por Correia de Campos no último governo de Guterres.

3. Regulação. O legado dos governos de Guterres nesta matéria foi muito pobre porque a tibieza do primeiro-ministro entravou tudo. Nos últimos dois anos e meio avançou-se muito, apesar da contínua resistência dos lóbis visados. Em minha opinião, esta é uma área absolutamente crucial para a melhoria da competitividade das empresas portuguesas. É preciso prosseguir na mesma via.



Paul Klee.

Quem ganha com as prendas de Natal

Segundo o professor Joe Waldfogel da Universidade de Wharton, as compras feitas pelos consumidores para si mesmos geram um nível de satisfação entre 10 a 18% superior por dólar gasto ao dos objetos que lhes são oferecidos de presente. Quer isso dizer que as opções de compra feitas por terceiros tendem a gerar menos satisfação do que as nossas opções pessoais.

Aparentemente, existiria um ganho económico para todos se apenas oferecessemos uns aos outros cheques de compra - uma perspectiva bastante sinistra, em minha opinião.

Todavia, o professor Waldfogel (parece um nome de cientista de banda desenhada) reconhece que, «se acabássemos com a prática de dar presentes, incentivando as pessoas a dar dinheiro no lugar de objetos, o ganhador, de certa forma, seria beneficiado com essa troca, mas a experiência não seria tão boa para o doador.»

O facto é que oferecer algo a alguém contém um simbolismo que a mera transacção económica não capta. Perder tempo a escolher algo significa que nos preocupamos o suficiente com essa pessoa para nos esforçarmos por entender o que lhe vai na alma. Mas é evidente que, quando falhamos redondamente esse desiderato, o efeito pode ser o oposto do pretendido.

Mesmo assim, digo eu, ignorem o conselho do professor Waldfogel e dêem presentes em vez de dinheiro.

15.12.04



Paul Klee: Cativo.

A descoligação

Está confirmado: deitaram fora a água do banho junto com o bébé.

O regresso da Drª Maria de Belém

A Drª Maria de Belém, cuja interminável passagem pelo Ministério da Saúde se limitou a doses massivas de sorrizinhos, resmas de protocolos e total descontrolo do sistema, considera «inadequado» o modelo dos Hospitais SA, porque se trata de «uma forma de organização do sector privado» cujos objectivos «privilegiam o lucro financeiro e a gestão».

A supina ignorância da Drª Belém só tem par no à-vontade com que persiste em perorar sobre o assunto.

Não sei quem é que o PS tem em vista para o Ministério da Saúde, mas quero crer que seja alguém melhor - muito melhor - do que a Drª Belém.

O regresso do Dr. Boquinhas

O Dr. Boquinhas, socialista candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos e conhecido principalmente por aparecer sempre atrás do Engº Guterres quando ele se encontrava perante as cameras da televisão, declarou no Expresso de sábado que «não descansará enquanto não der cabo dos Hospitais SA».

Desconheço quem sejam os outros candidatos ao cargo, mas não duvido de que, comparados com o Dr. Boquinhas, serão todos excelentes.

A receita do Dr. Louçã

O Dr. Louçã exige que os Hospitais SA sejam imediatamente reintegrados no sector público administrativo.

Já temos, pois, duas ideias programáticas claras do Bloco de Esquerda, as primeiras desde que foi criado: o desmantelamento da NATO (que, segundo ele, fazia sentido quando existia o Pacto de Varsóvia, mas agora não, presumindo-se que, nessa época, ele apoiava a NATO) e a integração da gestão hospitalar na administração pública centralizada.

Fico a aguardar ansiosamente mais «ideias» do Bloco, certamente muito criativas, muito modernas e muito estimulantes.

(Louçã bem nos avisara há dias de que não é o Joschka Fischer português. Para falar com franqueza, também nunca pensei que fosse.)

Como foi que diz que disse?

Paulo Portas hoje à noite: «Se eu acreditasse em sondagens, há muito que teria mudado de profissão».

Interessante - não acham? - um sujeito que dirigiu um instituto de sondagens dizer-nos que não acredita em sondagens...

Que vendia ele então? Gato por lebre?

14.12.04



Klee: Insula Dulcamara, 1935.

11.12.04

Parafuso, perdeu-se



Favor contactar o próprio.

Vae victis

É bem certo: não há maior cego do que aquele que não quer ver. A actuação do Presidente está muito longe de poder ser considerada exemplar, mas a verdade é que, quanto à substância, tem o país todo, meio PSD e talvez meio governo incluídos, ao lado dele.

Mas talvez não seja isso. Talvez se trate antes de uma recusa de renegar os companheiros da véspera agora caídos em desgraça.

Se assim for, é bonito e eu aplaudo.

Becker & Posner online

Duas grandes figuras intelectuais americanas, nada mais nada menos que o Nobel da Economia Gary Becker e o juíz Posner, especializado na aplicação da teoria económica ao Direito, lançaram agora o seu blogue.

Concorde-se ou não com eles, o nível da argumentação é de primeira água, e a escolha de temas promete.

Na primeira semana, tomam partido na polémica sobre a aceitabilidade do princípio da guerra preventiva, sendo que ambos se declaram a favor, embora com argumentos ligeiramente diferentes.

Posner entende que a guerra preventiva é o equivalente, no direito internacional, à legítima defesa na ordem jurídica interna. Mas o argumento fundamental de ambos é que a alternativa usualmente proposta à guerra preventiva, a dissuassão, não funciona nas condições da actual ameaça terrorista mundial.

Por mim, concordo que a dissuassão é ineficaz contra «pequenos grupos dispersos com crescente acesso a armas poderosas». Todavia, o mesmo pode dizer-se da guerra preventiva. Creio ser esse o ponto fraco da argumentação de Becker.


Paul Klee: Paisagem com pássaros amarelos, 1923.

Montaigne e Pacheco Pereira

«La plus grande chose du monde, c'est de savoir être à soi.»

Proust e Mira Amaral

«On devient moral dès qu'on est malheureux.»

Cervantes e Morais Sarmento

«El pán comido y la compañia deshecha.»

Dylan e Luís Delgado

«How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?»

Racine e Arnaut

«Sans argent l'honneur n'est qu'une maladie.»

Borges e Guterres

«O original é infiel à tradução.»

Maquiavel e José Sócrates

«As fortalezas mais facilmente conquistadas são as mais facilmente perdidas.»

Alexander Pope e Alberto João

«Go, teach eternal wisdom how to rule -
then drop into thyself, and be a fool!»

Dylan e Sampaio

«Don't think twice, it's allright.»

Heidegger e Luís Filipe Menezes

«O nada nadifica.»

Estaline e Portas

«Há uma lenda eternamente verdadeira: a de Judas.»

Derrida e Louçã

«Il n'y a pas de hors-texte.»

Hegel e Barroso

«O que é racional é real, o que é real é racional.»

Jagger e Cavaco

«Ev'rywhere I hear the sound of marching, charging feet, boy.
'Cause summer´s here and the time is right for fighting in the street, boy»

Dylan e Soares

«Ah, but I was so much older then,
I'm younger than that now.»

Hendrix e Santana

«Purple haze is in my brain
Lately things don't seem the same.»

Wittgenstein e Sampaio

«O que pode ser dito deve ser dito claramente; o que não pode ser dito deve ser silenciado.»

No desaniversário de Mário Soares

Deve ser bom chegar-se aos 80 anos com a consciência compreensivelmente tranquila. Sobretudo quando essa consciência não é excessivamente tolerante com as culpas próprias. Sobretudo quando o envolvimento pessoal em acontecimentos de importância transcendente impôs a tomada de decisões que, pelo seu impacto na vida de muitas pessoas, submeteu a dura prova a capacidade de distinguir entre o bem e o mal. Sobretudo quando o curso da história vindicou no essencial as opções essenciais da sua vida.

Convém não esquecer, porém, que a actual unanimidade em torno de Soares envolve uma boa dose de saudosismo por uma Idade de Ouro que nunca existiu, fruto da nossa humana tendência para idolatrar o passado e desprezar o presente. Há vinte anos, mesmo em vésperas de ser eleito Presidente pela primeira vez, ele era seguramente uma das figuras políticas mais detestadas do país.

Hoje, como no passado, não me impressionam especialmente as opiniões particulares de Soares sobre muitos assuntos. Mas a força dele resulta de que, embora errando muito nos detalhes, é raro equivocar-se quanto ao essencial. Por isso lhe chamam intuitivo.

Diz-se que o seu sucesso deve muito ao facto de ele ser o português típico: extrovertido, despreocupado, convivial e desenrascado, mas também pouco metódico, oportunista, superficial e improvisador. Mas há outras formas de se ser um português típico. Estou a pensar, por exemplo, em Zenha, o alter-ego de Soares, praticamente o seu oposto tanto nas qualidades como nos defeitos. A amizade e a cooperação entre ambos, ao longo de quase quarenta anos, embora desfeita nas circunstâncias que se conhecem, é, para mim, a maior prova da grandeza de Soares. Só alguém profundamente humano e tolerante consegue conceber uma amizade tão profunda por uma pessoa tão diferente dele.

Isso, sim, é divergência

A presença constante de Luís Filipe Menezes na televisão, na rádio e nos jornais é a prova provada de que estamos de facto a divergir da União Europeia.

Hotel Sossego

Há blogues que morrem, há blogues que adoecem, há outros ainda que atravessam fases de depressão. De modo que, quando as companhias habituais começam a maçar-me, meto-me pela veredas da net à procura de outras vozes. Foi assim que descobri o Hotel Sossego, cujo link permanente passa a partir de agora a estar disponível aí à direita. Vão lá, que não se arrependem.

8.12.04



Paul Klee.

O que querem Santana e Portas

A dupla Santana-Portas, à qual falta tudo menos esperteza, está perfeitamente consciente de que não tem qualquer hipótese de ganhar as próximas eleições.

Mas sabe também que isso não é essencial para as suas ambições. Na verdade, a eles basta-lhes que o PS não consiga a maioria absoluta para permanecerem no centro da vida política, manterem em cheque os críticos dentro dos seus partidos e prepararem o regresso ao poder.

Se assim acontecer, abrir-se-á um período de instabilidade de que - ninguém duvide! - saberão tirar partido. Tanto mais que, como todos estamos recordados, Portas foi o introdutor da política suja em Portugal nos seus gloriosos tempos de director do Independente.

Tudo o que a dupla já fez, está a fazer e fará assenta neste propósito essencial de impedir a emergência de um governo maioritário e de aproveitar a confusão subsequente.

É evidente, por exemplo, que haverá coligação. É também evidente o sentido da guerrilha institucional entretanto aberta contra o Presidente da República. Tal como é evidente o propósito das movimentações dos últimos dias em torno do SIS.

Santana procurará imitar em 2005 as célebres peixeiradas de Sá Carneiro, o seu grande mestre e inspirador, introduzindo no modelo as necessárias adaptações impostas pelas circunstâncias. Outra vez a história a repetir-se...

Estejam atentos aos próximos episódios.

Como as coisas se fazem



Na sua edição de 2ª feira, o Diário Económico atribui as seguintes palavras a Santana Lopes durante o comício da véspera na Póvoa do Varzim:

«Há uma pessoa [António Borges] que diz no jornal que é preciso renovar o PSD. Recebi-o há duas ou três semanas e foi dizer-me que gostava muito de colaborar comigo e com o ministro do Ambiente na questão da privatização das Águas de Portugal.»

Como se vê, ninguém pode estar tranquilo quando tem conversas privadas com Santana Lopes, porque ele pode sempre vir cá para fora contar tudo.

Mas, neste caso particular, eu gostaria de saber uma coisa. Borges discutiu com Santana a questão da privatização das Águas de Portugal na qualidade de militante do PSD, na qualidade de vice-Presidente de um banco de investimento (o Goldmann Sachs) interessado na operação de privatização ou, o que é mais natural, em ambas?

A insinuação de Santana sobre o que verdadeiramente interessa a António Borges é evidente, de outro modo não teria revelado o episódio. Que cada qual tire as suas próprias conclusões.

7.12.04



Klee: Flora cósmica, 1923.

Está na moda fazer pressões na praça pública

Para ler e meditar sobre a fragilidade do Estado português, o papel de moço de recados a que importantes jornais se prestam e o despudor de interesses mesquinhamente egoistas que ousam arvorar-se em porta-vozes do interesse colectivo. Sairá alguém de peso em defesa de Abel Mateus? Duvido.

5.12.04

A especulação imobiliária e as formas de a combater

Parece-me fazer todo o sentido este texto de Nuno Portas , para o qual fui alertado por uma oportuna referência do Quase em português.

A ser assim, a legislação que se prepara é precipitada, inoportuna e prejudicial. Mais um caso em que se avança sem ponderar seriamente as questões envolvidas, dentro daquele espírito ignorante de que «o importante é decidir».

Sobre o programa económico alternativo de Manuel Pinho

Manuel Pinho, um economista muito próximo de Sócrates, assina no Expresso de ontem um interessante artigo onde se propõe apresentar uma alternativa de fundo à política económica da actual maioria.

Eis, em síntese, o seu raciocínio:

1. Cavaco Silva tem razão quando diz que é necessário aumentar o peso das exportações de bens e serviços no produto, mas esquece-se de investigar porque é ele actualmente tão baixo, tendo inclusivamente baixado um pouco ao longo da última década.

2. Para Manuel Pinho, a causa dessa situação encontra-se na «falta de competitividade do nosso sector exportador» e na «grande voracidade que temos por produtos importados».

3. «As empresas tomam decisões em função de incentivos,(...) e o incentivo principal é dado pelo sistema de preços». «Numa pequena economia aberta [como a nossa], o preço mais relevante é a taxa de câmbio real, ou seja, a relação entre o preço dos bens transaccionáveis [nos mercados externos] (têxteis, automóveis, DVD) relativamente aos bens não transaccionáveis [nos mercados externos] (imobiliário e a maioria dos serviços)».

4. Como, em Portugal, os preços dos bens não transaccionáveis têm evoluído mais favoravelmente do que os dos bens transaccionáveis, as empresas orientam a sua produção para o primeiro sector, ou seja, desinteressam-se dos mercados externos e da exportação.

5. Por consequência, a alternativa proposta por Manuel Pinho é por ele assim resumida: «Período relativamente longo de contenção da despesa privada e pública, acompanhado de um projecto mobilizador destinado a encurtar a distância que nos separa da fronteira do conhecimento com base num forte impulso ao nível tecnológico, em políticas microeconómicas activas direccionadas para tentar reorientar a oferta para o sector dos bens transaccionáveis, no ataque à burocracia e no investimento humano.»

Embora haja aqui muita coisa que mereça o meu apoio, creio que este programa passa ao lado do essencial. Eis porquê:

1. Pinho presume que as empresas optam entre produzir bens transaccionáveis ou não transaccionáveis, quando usualmente não é assim. Quem fabrica automóveis não vende crédito à habitação, e quem vende gás natural não fabrica têxteis. É claro que há excepções: a construção civil pode construir casas para residentes (bens não transaccionáveis) ou para turistas (bens transaccionáveis), mas nem elas são importantes nem passa por aí o essencial do problema.

2. Por conseguinte, as empresa não optam entre produzir bens transaccionáveis ou produzir bens não transaccionáveis, mas entre investir em sectores em que predominam bens transaccionáveis ou investir em sectores em que predominam bens não transaccionáveis. Acontece que a primeira é uma decisão de curto e médio prazo, a segunda uma decisão de longo prazo.

3. Tal como Cavaco, Pinho também não vai ao fundo do problema, que é o de saber porque crescem mais os preços do sector de bens não transaccionáveis do que os dos bens transaccionáveis. A resposta é que nos mercados dos segundos há muita concorrência, e nos primeiros há pouca ou nenhuma.

4. O problema é que, na sequência das nacionalizações, foi autorizada uma elevada concentração empresarial em importantes sectores da economia portuguesa protegidos da concorrência internacional, de onde a tendência para praticarem preços excessivamente elevados. Resultam daí duas consequências principais negativas.

5. A primeira é que as empresas portuguesas que competem nos mercados externos pagam preços elevadíssimos pelas telecomunicações, pela electricidade, pelo gás natural, pelos serviços financeiros, pelos imóveis, etc., o que contribui para torná-las menos competitivas.

6. A segunda é que, como podem investir em sectores protegidos da concorrência com boas taxas de lucro e riscos nulos, os grupos económicos portugueses estão praticamente ausentes dos sectores de bens transaccionáveis. Essa situação, ao que creio única em países da Europa Ocidental, significa que uma boa parte dos nossos melhores recursos humanos, financeiros e tecnológicos não dá qualquer contributo para a competitividade externa do país.

7. É bom recordar que não só os governos de Guterres fracassaram em toda a linha na regulação dos sectores económicos mais concentrados, como predominou uma política económica, protagonizada por Pina Moura, orientada para o reforço da concentração económica sem qualquer consideração pelas suas consequências negativas para os consumidores e para as empresas portuguesas exportadoras.

8. Por conseguinte, a resolução dos nossos problemas económicos actuais exige: a) que se tome muito a sério a questão da regulação dos mercados; b) que se promova a inovação (que não se reduz à inovação tecnológica, mas isso é outra conversa). A regulação corrige as actuais disfunções dos mercados e melhora a eficiência do aparelho económico existente, o fomento da inovação visa o desenvolvimento futuro de actividades de maior valor acrescentado. Esses dois eixos de actuação encontram-se intimamente interligados. Regulação e inovação: rima e é verdade.

Galeria de políticos competentes de Cavaco Silva (1)



João de Deus Pinheiro

(É favor colocar outras sugestões na caixa dos comentários. Por outras palavras: coloquem moedas más na caixa das esmolas.)

A democracia empresarial segundo Nicolau Santos

Alguma da nossa imprensa parece apostada, de há uns tempos a esta parte, em reintroduzir à sucapa a democracia censitária.

Para ela, sempre que ocorre uma crise, o que interessa é saber o que pensam os empresários. Ora, embora eu não tenha nada contra a possibilidade de os empresários terem opiniões políticas e exprimirem-nas na praça pública, recuso-me a conceder-lhes qualquer estatuto especial.

Um dos mais destacados adeptos da democracia empresarial é Nicolau Santos do Expresso, para quem o critério essencial para se determinar se uma decisão é boa ou má consiste em inquirir a opinião dos empresários.

Assim, ele assegura-nos no seu editorial de ontem que, ao passo que, há quatro meses, «a totalidade dos empresários, gestores e economistas que se pronunciaram sobre o tema (com excepção de João Salgueiro)» apoiou a nomeação de Santana Lopes, agora «não há um único empresário que defenda este Governo». Para Nicolau, esse simples facto bastaria para legitimar a decisão de Sampaio, o presidente de todos os empresários.

Notem bem, além do mais, o abuso de linguagem tendente a fazer crer que: a) «os empresários, gestores e economistas» pensam em uníssono; b) só se pronunciam sobre o caso os empresários que Nicolau ou o Expresso entendem dever ouvir. Acontece que a primeira asserção não é verdadeira, nem mesmo entre a restrita e enviezada amostra de empresários de que o Expresso sistematicamente se socorre.

Vai daí, ganhou progressivamente respeitabilidade na nossa imprensa uma tese segundo a qual os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre temas económicos, pelo que qualquer solução aceitável deve basear-se nas suas opiniões.

Mas essa mesma imprensa já está agora a começar a ensaiar uma outra versão ainda mais radical: Dada a importância da economia para o bem-estar colectivo, os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre toda e qualquer espécie de tema político, pelo que os governantes competentes devem limitar-se a acatar obedientemente as suas opiniões.

A perversão da vivência democrática opera de forma quase insensível por via da acumulação destes insidiosos abusos de linguagem.

O estilo faz o jornal

«Patrick manda calar Mateus: Monteiro de Barros diz que Abel Mateus é um incontinente verbal com necessidade de aparecer nos jornais»

Pode um jornal sério usar, a propósito de um assunto sério, esta linguagem reles num título de primeira página? Veja a resposta no suplemento de Economia do Expresso de ontem.

4.12.04



Paul Klee: O Niesen, 1915.

3.12.04

A fenomenologia do PPD/ PSD

Instável, volúvel, infiável, contraditório, volátil, superficial, fútil, inseguro, errático... Estão a falar de Santana ou do PSD?

Por mim, encaro a tragicomédia que vivemos nos últimos quatro meses como a conclusão natural e inevitável de um prolongado processo de maturação que se desenvolveu ao longo das últimas décadas.

No decurso dele, esse enigma chamado PSD surpreendeu-nos continuamente com as suas sucessivas e incongruentes piruetas, os seus intrincados labirintos ideológicos, os seus estados de alma maníaco-depressivos, até que, finalmente, a ténue mas persistente verdade logrou esquivar-se por entre a balbúrdia e emergir triunfante à luz do dia.

O jogo interno das contradições refinou progressivamente o partido, depurando-o do acessório e conduzindo-o a uma síntese superior do seu ser íntimo, à perfeição suprema de que ele é capaz.

O PSD atingiu o seu estado de equilíbrio e revelou ao mundo a sua profunda e genuína essência. Do seu seio emergiu então uma luz tão forte que cega quem se atreve a olhá-la.

O espírito do PPD/ PSD, encarnou - quem poderá negá-lo? - na pessoa de Santana Lopes - mas o problema é que ninguém gosta do que vê. Não será tempo de enterrarem este partido e inventarem outra coisa?


Hyeronimus Bosch

O partido sem qualidades

Militantes destacados de um partido que realizou há duas semanas o seu congresso para confirmação do novo líder apelam seriamente à realização de um congresso extraordinário para eleger um outro líder.

Que razão justifica esta reviravolta? Há duas semanas, o novo líder tinha que ser eleito porque assegurava o poder ao partido. Agora tem que ser substituído por outro porque assegura que o partido perderá esse mesmo poder.

A única vocação e ideologia do PSD é a vontade do poder. Ele é o partido das forças vivas que passam o poder de pais para filhos, atravessando séculos e regimes sem sobressaltos de maior.

Já teve muitos nomes. Em vésperas do 25 de Abril separou-se da União Nacional mesmo a tempo de poder aparecer do lado de cá do antigo regime de cara levada e nova designação.

Dizem eles que é um partido originalíssimo, genuinamente português, e eu não consigo conceber maior insulto que se lhe possa fazer.

É um partido povoado de personagens camilianas de todas as tendências e inclinações: tecnocratas, liberais, plutocratas, social-democratas, populistas, fascistas, nacionalistas, regionalistas, reformistas ou conservadores. Agrega em sã camaradagem catedráticos, patos bravos, analfabetos, magarefes, grandes industriais, literatos, advogados de província e cantores pimba.

As diversas facções odeiam-se mutuamente e não fazem segredo disso. Lançam uns sobre os outros, em público e em privado, os insultos mais torpes que se possa imaginar, depois abraçam-se e formam governo como se nada fosse.

Nada disso é importante, desde que seja possível repartir o poder a bem de todos. Enquanto conservam o poder, tudo se vai resolvendo; quando o perdem, falta-lhes o ar, agitam-se constantemente, têm pesadelos horríveis, juram que o mundo vai acabar amanhã. Porque crêem que o poder lhes pertence por direito divino e não concebem que o mundo possa ser de outro jeito.

Eles são o Portugal secular medíocre, manhoso, negocista e autoritário que já cá estava antes de nós e planeia continuar a estar quando todos tivermos desaparecido.

O PSD na verdade não é nada, e só por isso pode fingir ser tudo o que se queira, conforme as conveniências do momento. É o partido sem qualidades, sempre pronto a exibir uma nova máscara, a tirar um novo coelho da cartola, desde que assim o exijam os superiores desígnios da vontade do poder.

Eles ousaram levar Santana a São Bento e agora ousam, com o mesmo descaramento, sugerir que foi só um pequeno desvio de percurso e que, por eles, estão dispostos a retomar a emissão dentro de momentos com outros personagens e outro encenador. Desculpem qualquer coisinha, e siga a marcha.

Qualquer loucura lhes parece razoável sem sequer se aperceberem das figuras que fazem, porque a eles tudo lhes deve ser permitido. Congresso extraordinário um mês após o anterior. Cavaco candidato a primeiro-ministro. Ou, se não for ele, Manuela Ferreira Leite. Ou então Marcelo, ou Marques Mendes, ou qualquer outra coisa.

Faz de conta que Santana, o que levou para S. Bento a malta da discoteca, nunca existiu. Nem Durão, o iluminado que trocou o compromisso com o eleitorado por um lugar confortável em Bruxelas. Nem a promessa do choque fiscal, transformada na subida do IVA. Nem o aumento efectivo do déficite orçamental, apenas camuflado pela delapidação do património estatal. Nem o aumento da dívida pública que levou à degradação do rating da República. Nem o esquecimento da reforma da administração pública. Nem a desorganização do sistema escolar. Nem a promiscuidade entre interesses públicos e privados. Nem a entrega directa de pastas governativas a representantes dos interesses tutelados.

É possível que desta vez, no meio de tantas contorções, tenham acabado por se meter num beco sem saída. Mas é melhor estarmos preparados para tudo.

2.12.04



Max Ernst: L'ange du foyer, 1937.

1.12.04

Outra vez Democracia de Michael Frayn

Tenho lido repetidos elogios ao dispositivo cénico criado pelo Teatro Aberto para esta peça, entre os quais o de hoje no Público.

Lamento dizer que esses elogios não são merecidos, dado que a companhia portuguesa se limitou a cumprir sem imaginação as indicações do autor. Ora vejam o que escreveu Frayn:

Setting

A complex of levels and spaces; of desks and chairs; of files and papers; also of characters, who mostly remain around the periphery of the action when not actually involved in it, listening or unobtrusively involved in their work.


O que verdadeiramente interessa

Aos certeiros comentários do Abrupto sobre o debate de ontem à noite na SIC Notícias sobre a situação política, envolvendo apenas jornalistas (se é que Luís Delgado pode ser assim classificado), gostaria de acrescentar mais uma nota.

Faz-me impressão a nossa tendência para virarmos os debates para o passado em discussões estéreis sobre o que verdadeiramente aconteceu e o que poderia ter acontecido, em vez de olharmos para a frente e colocarmos francamente em cima da mesa os problemas com que estamos defrontados.

A partir de agora, notem bem, a pressão passou toda objectivamente de Santana para Sócrates, e é assim mesmo que deve ser. É o que ele se propõe fazer que verdadeiramente interessa, e não a saga de Santana como primeiro-ministro, que já pertence ao passado.

A derrota do circo mediático

O sentimento dominante no país é de alívio.

Terminaram os quatro longos meses de humilhação a que o país foi submetido, graças ao vasto consenso nacional sobre a necessidade de por-lhe cobro que foi ganhando corpo nas últimas semanas.

Sampaio foi, aparentemente, o último a aderir ao movimento. Em Junho, deixou-se levar pela onda; agora, também. Ele é apenas um medium que se limita a dar expressão ao sentimento geral do país.

Devemos meditar um instante sobre as razões que permitiram a ascensão de Santana ao poder.

Creio que somos, em geral, demasiado tolerantes com a mediocridade. Estamos dispostos a dar todo o crédito a um sujeito só porque é bem falante, beija a mão às senhoras e sabe escolher as gravatas.

Os jornalistas achavam Santana - e muitos, ao que vejo, ainda acham - um político temível, porque corresponde ao estereotipo do que eles acham que é a política mediática. Acreditavam - e muitos ainda acreditam - que Santana é um político muito popular e uma fera a ganhar eleições, apesar de as sondagens terem provado a sua fragilidade quando confrontado com as expectativas que criou e de o seu registo eleitoral ser muito mais fraco do que se pretende fazer crer, dado que nem para presidente do Sporting foi de facto eleito.

Um certo conceito de política, partilhado por uma boa parte dos políticos profissionais e dos teóricos dos media, foi efectivamente derrotado. Provou-se que o povo não é estúpido e que, em particular, é muito menos sensível ao circo mediático do que os arautos do crepúsculo da democracia liberal nos querem fazer crer.

Tudo boas notícias, como se vê, para o futuro da nossa democracia, principalmente se estivermos dispostos a aprender com os erros. Dito isto, é tempo de virar a página e olhar em frente.

Em louvor do PCP

Podemos e devemos criticar os comunistas por muitas razões, mas não por ser serem fiéis as suas ideias e não hesitarem proclamá-las.

E, no entanto, é precisamente isso que Eduardo Prado Coelho hoje faz na sua coluna. A ele faz-lhe espécie que alguém se apegue a crenças que, não estando na moda, não o ajudam a singrar na vida, nem sequer se se der o caso de a sua vida se desenrolar nos restritos círculos intelectuais, onde, assegura-nos, o marxismo-leninismo não tem hoje o menor prestígio.

Eduardo Prado Coelho, que em tempos se associou ao Partido Comunista na pior altura e pelas piores razões, quando ele era muito poderoso e prometia vir a sê-lo muito mais, deveria ter ao menos algum pudor.

Esta permanente colagem ao poder parece, de resto ser um dos traços definidores do seu comportamento. Ontem, quando, pela primeira vez em quatro meses, se atirou a Santana com um arreganho sem nuances, pressenti que algo estava para acontecer, porque ninguém se adapta tão rapidamente como ele aos ares dos tempos.


É lamentável que uma pessoa de tão vasta cultura e capacidade intelectual exiba sistematicamente estes tiques oportunistas tão mesquinhos.

O bébé está a salvo



Já ninguém faz mais mal ao bébé. Foi retirado à família que tão mal o tratava e entregue ao cuidado do Tribunal de Menores por intervenção do Presidente da República que, diz-se, se comoveu muito ao saber do caso pela televisão.

Agora, vejam lá, não deixem fugir o bébé, porque ele também não tem juízo nenhum e se, não o controlarem, volta a meter-se com galifões. E depois queixa-se...

30.11.04

Foi com a mão mas foi golo


O detalhe

Tudo se decidiu quando Santana, eventualmente aconselhado pelos seus conselheiros de imagem, se apresentou perante o Presidente da República com um dossiê debaixo do braço.

Santana Lopes com um dossiê debaixo do braço é uma situação que, pelo seu ineditismo, não poderia deixar de inspirar desconfiança. Nenhuma proposta que ele apresentasse nessas circunstâncias poderia merecer qualquer credibilidade.

O que Sampaio de facto disse a Santana

«Mas então o que é isto? Você fala, fala, mas depois nunca acontece nada de concreto e palpável. Ah, e tal, porque é jovem, porque o governo ainda é um bébé na incubadora, porque as televisões o perseguem, e mais isto, e mais aquilo, porque torna, porque deixa, porque frito, porque cozido, até que eu começo a sentir uma impressão aqui, e apetece-me dizer: alto aí. Porque há outros que me dizem, vamos lá a sentar e a conversar, e sim senhor, no efectivo da realidade já é outra conversa! Mas, assim, eu fico chateado, é claro que eu fico chateado! Ora!»

A segunda vinda do messias

No estado em que o país se encontra, parece claro que quem se chegar à frente e apontar um rumo tem todas as condições para levar toda a gente atrás.

Com o seu indiscutível sentido da oportunidade política, Cavaco acaba de dar esse passo. Com o artigo do Expresso de sábado, Cavaco passou o seu Rubicão e assumiu irreversivelmente que, por ele, os dados estão lançados. O projecto, agora, é conquistar a Presidência da República para, a partir daí, refundar o PSD e criar condições para poder voltar a disputar a maioria eleitoral ao PS. Se, por acaso, Santana se aguentar até ao Verão, até pode ser que o PSD, numa das piruetas em que é pródigo, ainda recupere a tempo das legislativas de 2006.

Dito isto, cumpre chamar a atenção para a notável vacuidade política do artigo de Cavaco Silva, o qual se limita a bramar em abstracto contra «os políticos incompetentes». Ora, se o Sr. Lopes aí está para provar que a incompetência de facto existe, é difícil acreditar que ela seja a fonte essencial dos nossos males.

Luís Filipe Pereira, Álvaro Barreto e Bagão Félix, para mencionar apenas alguns dos actuais ministros, não podem com justiça ser acusados de incompetência. Nem parece que, no que toca à competência individual dos seus ministros, o actual governo seja pior do que os de Barroso ou de Cavaco Silva. Será preciso recordar ao professor quantos ineptos povoaram os seus governos ao longo de uma década, ainda por cima em pastas de alta responsabilidade?

É um facto que o governo actual está a cair aos bocados, mas também o de Barroso já estava no início do ano. Aliás, foi por isso mesmo que Durão se pisgou e deixou o partido em herança ao amigo Lopes.

O desvario de Santana é, neste contexto, um mero fait-divers. A coligação está destroçada porque a sua política faliu. Há apenas três anos, um grupo de iluminados apresentou-se perante o país com soluções milagrosas para eliminar o déficite das contas públicas, reequilibrar a balança de transacções correntes e recuperar a competitividade do país. Como estamos bem lembrados, era tudo muito fácil: bastava emagrecer a função pública, eliminar o despesismo e, principalmente, baixar os impostos.

Isso só não fora feito antes, diziam-nos, porque os governantes socialistas eram totalmente incompetentes. Voltamos, assim, três anos volvidos, ao princípio: se os «competentes» substituírem os «incompetentes», o futuro será radioso e não teremos mais que preocupar-nos. Dá para desconfiar, não é verdade?

Ora o caso é que a última rodada de «competentes» propostos pelo PSD fracassou redondamente. Melhor: a sua política falhou redondamente: o déficite é agora maior, a dívida pública aumentou, o desequilíbrio das contas públicas cresceu, a produtividade estagnou, o desemprego disparou, a tão anunciada divergência real finalmente concretizou-se. E não sabem mais o que hão-de fazer.

Perante isto, qual é a proposta de Cavaco? Pura e simplesmente, não tem nenhuma, a não ser que se entenda que a promoção da competência é um programa político. No fundo, ele regressa com a mesma ideia simples que há vinte anos lhe permitiu conquistar o partido e o país.

A história, não o esqueçamos, tem esta tendência estranha para se repetir. Da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa.

O futuro da democracia

Folgo por ver, cara pulga, que te decidiste finalmente a dedicar um post ao notável estudo patrocinado pelo parlamento noruegês sobre o futuro da democracia.

Não tenho conhecimento de que alguém em Portugal se lhe tenha referido até agora, apesar da sua indiscutível relevância para muitos problemas que nos afligem, muito para além da paroquial discussão sobre a «competência» e os caminhos da «regeneração» recentemente despoletada pelo Professor Cavaco.

Concordo sem qualificações com as conclusões do estudo que citas no teu post. As sugestões que há dias adiantei sobre os traços gerais a que deverá obedecer a necessária reforma do nosso sistema político, na sequência de um comentário que fizera a um post do Adufe, não só não as contrariam, como pretendem ir na mesma linha.

29.11.04

Em defesa do liberalismo

Não acreditem no que diz o Blasfémias. O liberalismo não é isto, ou não é necessariamente isto.

A ideologia do Blasfémias é apenas uma versão estridente do liberalismo para pobres de espírito, consistente numa doutrina filosófica e eticamente insustentável que pugna pela liberdade da raposa no galinheiro livre.

Quem tiver dúvidas sobre o que digo poderá tirá-las em autores tão clássicos como John Stuart Mill, ou tão contemporâneos como Rawls.

Desta vez, sim, blasfemaram. Por mim, não estou disposto a permitir que o bom nome do liberalismo seja enxovalhado desta maneira.

27.11.04



Miró: Nocturno, 1940.

Democracia, de Michael Frayn



«Spying is a good metaphor for what we all do most of the time» - Michael Frayn

Na sua peça Copenhaga, os epíritos de três personagens históricos - os físicos Heisenberg e Bohr, e a mulher deste último - são convocados de além túmulo para discutir o que realmente se terá passado no longínquo ano de 1941, quando, em plena guerra, o alemão visitou o dinamarquês em Copenhaga. Heisenberg fora assistente de Niels Bohr, e entre ambos crescera uma sólida amizade, mas agora encontravam-se divididos pelo conflito mundial que envolvia os seus dois países.

Pensa-se que Heisenberg terá procurado persuadir Bohr a colaborar no projecto alemão de construir a bomba atómica, mas nada se sabe ao certo do que ambos terão discutido nesse dia. Michael Frayn, na sua peça, oferece-nos não uma, mas várias conjecturas do que poderá ter acontecido.

Com Democracia, a sua nova peça centrada na ascensão de Willy Brandt a chanceler da RFA em 1974 e posterior queda precipitada pela descoberta de um espião da Stasi infiltrado no seu gabinete, Frayn retoma o esquema de uma construção ficcional envolvendo personagens históricos reais, alguns deles ainda vivos.

Embora não consiga, a meu ver, atingir o mesmo nível de Copenhaga, trata-se de uma peça fascinante sobre os mecanismos do poder e a complexidade que envolve a política e os seus actores em momentos históricos determinantes. A utilização da política como matéria-prima para a ficção não tem, em si, nada de novo. Basta recordar Stendhal, Conrad ou, mais perto de nós, Gore Vidal. Infelizmente, este género não tem actualmente grandes cultores, se exceptuarmos a trilogia teatral recente de Tom Stoppard The Coast of Utopia, cujo tema são os anos de formação do movimento socialista moderno em meados do século XIX, envolvendo personagens como Herzen, Bakunine e Marx.

O ponto mais fraco da peça é o seu título: Democracia. Frayn diz que não lhe chamou apenas Berlim porque, à data, Berlim não era a sede do governo; nem Bona, porque a cidade não tem a grandeza necessária. Optou por Democracia porque lhe pareceu que a peça é sobre isso mesmo: a dificuldade de, na vida privada como na pública, chegarmos a consensos sobre qualquer coisa, tomarmos decisões e pô-las em prática, algo que, acrescenta ele, também se passa dentro de cada um de nós.

Parece-me isto não só muito pobre, como totalmente lateral aos reais e sérios problemas que hoje de facto ameaçam o futuro das democracias. Logo, a peça de facto não está à altura de um título tão grandioso, o que tem como resultado algum defraudamento das expectativas.

Uma nota final para lamentar o fraquíssimo nível da representação do Teatro Aberto. Só o actor que interpreta o papel do hábil e tortuoso Herbert Wehner consegue minimamente compor um personagem. Os restantes não só não parecem fazer ideia do que isso seja, como falham a níveis muito mais elementares. Gelou-se-me o sangue quando ouvi um dizer: «isso tem a haver» e outro: «não percebestes». Percebi, sim.

Antes que me esqueça...



Convinha não ter perdido No Papel da Vítima, dos irmãos Presniakov (os rapazes do retrato), uma ferocíssima sátira encenada e representada pelos Artistas Unidos. Mas agora já é tarde...

«Olhem para mim a dizer coisas!»



Poucas pessoas terão feito tanto como Bagão Félix para destruir a sua própria credibilidade nos últimos dois anos e meio.

Depois de anunciar com grande fanfarra a intensificação do combate à fraude fiscal e de prometer a eliminação dos injustificáveis benefícios fiscais que favorecem a banca, começou agora a bater precipitadamente em retirada.

Decididamente, para satisfazer a sua própria vaidade, o ministro diz n'importe quoi. A única coisa importante é conseguir ter os holofotes dos media permanentemente sobre si.

(Não se esqueçam nunca: «Apoiante crítico de Vale de Azevedo».)

Pró e contra

Fiquei contente por ver Sócrates afirmar na sua entrevista desta semana a sua oposição à integração do gás natural na EDP, principalmente porque este imbróglio começou com o alto patrocínio de Pina Moura e contou com a cumplicidade de António Guterres. Fiquei ainda mais satisfeito por ouvi-lo dizer que a ausência de regulação de vários sectores excessivamente concentrados é um dos principais factores explicativos da fraca competitividade da nossa economia e que a desculpa de que o Estado deve favorecer o aparecimento de empresas portuguesas de grande dimensão não o comove.

Mas fiquei preocupado quando Sócrates disse que, em sua opinião, a oposição não tem a obrigação de sugerir formas de reduzir o déficite do OGE. Este tipo de afirmações deixa-me de pé atrás. É possível que, para o PS e os seus militantes, a única coisa importante seja chegar ao poder, e provavelmente estarão convencidos de que, nas actuais circunstâncias, o conseguirão mais facilmente se não fizerem muitas ondas. A mim, porém, como a muitas outras pessoas, o que interessa é saber o que farão quando lá chegarem. Já perdemos tempo que chegue com conversa da treta e o mais seguro é que, sem compromissos pré-eleitorais claros, o futuro governo PS volte a fazer mais ou menos o mesmo que fez anteriormente.

Outra vez o utilizador-pagador

Enquanto Presidente da Câmara de Lisboa, Santana Lopes criou um serviço de transporte público de mini-buses no centro histórico da cidade que, além de gratuito, faz concorrência à Carris.

Apesar de atravessarmos um período de aperto orçamental, o poder laranja continua, pois, a inventar formas de gastar dinheiro ao arrepio de todos os princípios proclamados de moralização da despesa pública, com o mau exemplo a ser dado pelo actual primeiro-ministro em pessoa.

Curiosamente, não vi até agora ninguém referir este facto.

Os negócios do senhor Lopes

A Comissão Europeu reafirmou há dias, contra a vontade do governo português, a sua oposição à integração do negócio do gás natural na EDP, e isso, note-se, apesar de o Presidente da EDP ter ameaçado sentar-se à porta da Comissão até conseguir o seu sim.

É uma excelente notícia tanto para os consumidores como para a indústria portugueses, obrigados pela ausência de concorrência no sector da energia a pagar preços elevadíssimos que degradam o nível de vida da população e prejudicam a competitividade das empresas. Só me admiro que nem as organizações de defesa dos consumidores nem as associações industriais tenham até agora mexido uma palha num assunto de tão grande importância.

Poderemos estar então descansados?

Não. Espantosamente, o Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, um tal Manuel Lancastre, explicou no Diário Económico de 4ª feira, logo a seguir ao chumbo da Comissão, qual é o célebre plano alternativo congeminado pelo Ministro Álvaro Barreto. E qual é ele?

Cito o DE:

«A nova proposta deverá envolver, em vez da EDP, a Parpública, posicionando-se a Eni como segundo accionista. Isto implicaria a retirada da GDP (Gás de Portugal) da esfera da Galp e a procura de uma solução indirecta para que a EDP continuasse a ter uma palavra a dizer sobre o negócio do gás.

«Outra alternativa é a entrada da própria Galp Energia no capital da GDP com 51%. Os restantes 49% ficariam nas mãos da Eni, que manterá como já acontecia antes, o presidente da comissão executiva da GDP. A intervenção da EDP far-se-ía apenas a nível da holding Galp Energia, onde continuaria a participar enquanto accionista (actualmente detém 14,7%), e através da nomeação de homens de confiança para a comissão executiva da GDP.» (sublinhados meus)

Por outras palavras, o Governo prepara-se com todo o descaramento para respeitar a letra mas não o espírito da decisão da Comissão Europeu, contando talvez que uma cunha oportuna a Durão Barroso será suficiente para deixar passar este artifício manhoso.

Como se vê, a Comissão Europeu zela melhor pelos interesses dos portugueses do que o Governo que eles elegeram, o qual acha que a sua primeira obrigação é montar negócios rentáveis para os grupos económicos cujos representantes presentemente enxameiam os gabinetes ministeriais.

É também por isso que eu sou cada vez mais europeista.


Franz Kupka: Complexo, 1912.

A coruja de Minerva chora ao entardecer

Pulido Valente manifestou há dias inclinações neo-hegelianas que eu lhe desconhecia. Sustentava ele que será melhor deixar a parelha Santana-Portas ir até ao fim do que afastá-la agora do poder, porque só assim poderão os portugueses ficar definitivamente vacinados contra a peçonha.

Por outras palavras, é preciso dar tempo para que os processos históricos, desenvolvendo-se e mostrando sucessivamente as suas diversas facetas, revelem a sua verdadeira natureza, porque o seu pleno entendimento só pode ter lugar quando chegam à sua conclusão natural. Como dizia Hegel: a coruja de Minerva voa ao entardecer.

Acontece, porém, que fenómenos como este não são inteiramente reversíveis. Uma vez afastados os dois auto-designados líderes da nação, ficará sempre connosco, como um dos mais baixos pontos da nossa história contemporânea, a suprema ignominia de nem o país nem os seus representantes eleitos terem sido capazes de evitar que a degradação atingisse um tal ponto.

E estas coisas não podem deixar de ter um poderoso efeito desmoralizador.

O que a palavra confiança quer dizer

O agora comissário europeu Barrot apropriou-se indevidamente de uns dinheiros e foi em devido tempo condenado pela justiça francesa. Barroso declarou publicamente ter toda a confiança em Barrot. Há escassos meses, Barroso afirmou também a sua total confiança no sr. Lopes, com base na qual lhe confiou, aliás, o partido e o país.

Pergunta-se: o que será que, para Barroso, a palavra confiança quer dizer? E que espécie de ciscunstâncias poderiam, no seu alto juízo, levá-lo a perder a confiança em alguém?

Barroso ainda não se apercebeu de que já não exerce a sua actividade política na parvónia. É de esperar que esse equívoco venha a trazer-lhe problemas.

Holliger



A Orquestra Gulbenkian transfigurou-se esta semana sob a direcção de Hans Hollinger.

Parte do público, cuja incultura musical não lhe permite apreciar nada que saia do cânone mais tradicional, foi insensível aos cinco lieder compostos pelo próprio Holliger sobre poemas de Trakl, mas pareceu render-se às interpretações da 44ª de Haydn e da 8ª (dita Incompleta) de Schubert. Por mim, apreciei sobretudo a subtileza da execução de Haydn: permitiu-me captar nuances nunca antes apercebidas numa peça que já escutara em múltiplas ocasiões.

25.11.04



Francis Picabia: O menino carburador, 1919.

Escondam a Musa na barraca que isto vai dar pancada

A crítica literária está de volta.

No desaniversário de Mikail Bulgakov



Num momento de desespero, Mikail Bulgakov escreveu a Estaline em Março de 1930 pedindo-lhe que o autorizasse a emigrar para o estrangeiro, já que era impedido de trabalhar na União Soviética.

Já quase esquecera a sua carta quando, uma noite, o telefone tocou às quatro da manhã do dia 18 de Abril, sexta-feira santa, quatro dias depois do suicídio de Maiakovski. Era Estaline.

Bulgakov ficou siderado. Ele sabia que Estaline assistira sete vezes à sua peça Os Turbine, versão para o teatro do romance A Guarda Branca, e ouvira inclusivamente dizer que se comovia com ela até às lágrimas. Mas não estava à espera de uma coisa destas.

Estaline perguntou-lhe o que gostaria de poder fazer. Bulgakov respondeu-lhe que o seu desejo era poder voltar a trabalhar no teatro, mas que todas as suas peças tinham sido proibidas, a começar por Os Turbine, na sequência de uma crítica arrasadora publicada pelo próprio Lunacharski nos Izvestia, denunciando-a como uma tentativa de humanizar os contra-revolucionários.

Estaline prometeu-lhe que iria «tentar usar a sua influência para resolver o assunto». Pouco depois, conseguiu emprego como assistente de produção no Teatro de Arte de Moscovo. No romance Neve Negra, Bulgakov satiriza esses anos de trabalho com Stanislavski, que considerava um oportunista sem escrúpulos.

As perseguições a Bulgakov recomeçaram durante os ensaios da sua peça sobre Molière, que se arrastaram por quatro anos, entre 1932 e 1936, dizendo-se que só a misteriosa protecção pessoal de Estaline impediu a sua prisão. Mas o facto é que ficou de novo sem trabalho e a sua saúde deteriorou-se progressivamente.

A partir de então, dedicou-se unicamente à conclusão da sua obra-prima: O Mestre e Margarida, um estranho romance em que três histórias distintas, uma visita do Diabo a Moscovo, a Paixão de Cristo e o amor entre o Mestre e Margarida, se entrelaçam de uma forma surpreendente que combina ainda a sátira política com a meditação filosófica e religiosa.

Quando cegou, em 1939, continuou a ditar alterações à sua mulher Elena. Bulgakov morreu em Março de 1940, mas o romance só pôde ser publicado pela primeira vez mais de um quarto de século depois, em 1967.

Hoje, quando de novo se agita a sua Ucrânia natal, lembrei-me dele e percorri em imaginação as ruas da velha Kiev, que apenas conheço de A Guarda Branca. Os Turbine aguardam ainda o seu dia.

24.11.04



Giacomo Balla: Rapariguinha correndo sobre um balcão, 1912.

Recapitulação da matéria dada

Foi já no sábado que o José Luís Saldanha Sanches escreveu isto no Expresso. Mas, como pode acontecer que alguém não tenha lido, a minha obrigação de bom português é reproduzir aqui a luminosa sugestão:

«Mostre ao país e a essa canalha que rosna pelas esquinas que nada deve e que nada teme.

«E para isso dê ordens para que essas brigadas em formação e essas falanges do bem e da justiça que vão acabar de vez com a fraude fiscal comecem por demonstrar o seu engenho e a sua arte examinando a sua situação fiscal: as suas declarações, as suas contas bancárias ou seus rendimentos, as suas despesas nos últimos anos.

«Não digo desde o Sporting mas ao menos desde a Figueira. Tudo.

«Para que fique de vez demonstrado perante o país e o mundo quem é Pedro Santana Lopes.»

Política a sério

Em todos os debates e encontros que se fazem por aí, só ouço gente a dizer que todos concordamos com o diagnóstico dos problemas e com o que há a fazer, mas que, inexplicavelmente, o que falha sempre é a implementação.

Ora eu não vejo ou não aceito esse alegado consenso, cuja perpétua invocação apenas revela desinteresse, quando não receio, pelo debate de ideias.

Vejo muitos a apontarem, isso sim, os mesmos sintomas, mas isso é algo diferente de um diagnóstico e muito distinto ainda de uma estratégia. O que há para aí em abundância são desabafos, estados de espírito e listas intermináveis de medidas que, todas juntas, não chegam a ser uma estratégia.

Se o diagnóstico fosse perspicaz e a estratégia certeira, caberia perguntar porque será tão difícil aplicá-la, porque uma estratégia que não cuida das condições da sua própria aplicabilidade não pode estar certa.

Eu acho que o erro de muitas discussões políticas é que passam ao lado da política porque não discutem as questões do poder, as únicas que verdadeiramente interessam. Nós temos hoje em Portugal uma plutocracia, sendo o populismo a cortina de fumo que oculta a crua realidade do perpétuo negocismo conduzido à sombra do aparelho de Estado.

Ora a plutocracia, para quem não tem paciência para ir ver ao dicionário, é o governo do dinheiro, pelo dinheiro e para o dinheiro.

As pessoas bem intencionadas que discutem as reformas da economia e da administração pública não entendem que essas coisas não se fazem porque não interessam a quem detém o poder. Tampouco entendem que o que hoje determina a condução da vida pública é a corrupção e o tráfico de influências.

Estes problemas têm que ser atacados com a criação de mecanismos de controlo democrático a todos os níveis (os famosos checks and balances), ou seja, com reformas do sistema político. São elas, por ordem de prioridade:

1. Alteração do regime de financiamento dos partidos políticos, hoje reféns de interesses obscuros.

2. Introdução dos círculos uninominais nas eleições para a Assembleia da República, para responsabilizar directamente os deputados perante os eleitores e acabar com essa multidão de representantes de não se sabe bem o quê que os partidos enfiam à surrelfa nas suas listas.

3. Provimento dos lugares de Directores Gerais por concurso público, única forma de reconstituir uma função pública competente e prestigiada.

4. Executivos camarários mono-partidários, para que as autarquias deixem de ser máquinas de distribuição de benesses na proporção dos votos de cada um.

5. Transferência de responsabilidades para as autarquias nos domínios da saúde e da educação

6. Criação das regiões político-administrativas.

Não é de esperar que os partidos tomem a iniciativa de aplicar este programa, embora já se tenham declarado favoráveis a vários pontos dele.

Está aqui um bom programa para um candidato a Presidente da República. Se aparecer alguém a defênde-lo, seja ele Guterres, Cavaco ou o Rato Mickey, terá o meu voto.



Marcel Duchamp: Nú descendo uma escada nº 2, 1912.

23.11.04

A pergunta

Jorge Miranda explica hoje no Público que, ao contrário do que se tem dito, não haveria qualquer necessidade de rever mais uma vez a já tão martirizada Constituição para propor aos portugueses uma pergunta sobre o tratado constitucional da UE que não fosse inteiramente imbecil.

E diz mais Jorge Miranda:

«(...) Passados alguns meses [desde a última revisão] já se fala em abrir nova revisão, para, diz-se, se tornar possível a realização de um referendo sobre aquele tratado. É algo de espantoso, pelo que representa: ou inépcia e incúria dos autores da revisão de Abril, ou leitura estrita do artigo 115º da lei fundamental, ou exacerbada vontade de a pôr constantemente em causa.»

Ámen. Tanta incompetência também cansa.

Os amigos do Sr. Lopes

A atribulada vida financeira do Dr. Gomes da Silva, hoje relatada pelo Público e não desmentida pelo próprio, tem que se lhe diga.

Rápido a endividar-se, lento a pagar o que deve, habilidoso a litigar com o banco do Estado, rápido a esquivar-se aos oficiais de diligências ao tempo em que era deputado da Nação, o que já se sabe de Gomes da Silva, actual ministro dos Assuntos Parlamentares, faz dele um personagem inquietante.

Os pensamentos do Sr. Lopes

«Eu sou daqueles que pensam que, quando nos esbofeteiam numa face, não devemos dar sempre a outra face.»

22.11.04

Numa galáxia distante



Levei a sério as avaras estrelinhas dos críticos, e ía perdendo este filme, cujo principal personagem não é Vincent (Tom Cruise, numa das suas melhores interpretações), mas Los Angeles, obsessivamente filmada ao longo dos seus free-ways, boa parte do tempo vista de dentro de um táxi, como de facto deve ser vista, correndo sobre um fundo de milhões de luzinhas eléctricas e sob um céu nocturno permanentemente sobrevoado por aviões.

Quem a conhece sabe que LA é uma cidade notoriamente mais difícil de filmar do que Nova Iorque. Não só mais difícil de filmar, mas também mais difícil de gostar. Por isso são precisos filmes que, ao ensinarem-nos a vê-la, nos persuadam a gostar desta cidade, que deliberadamente se afastou dos padrões das cidades europeias e do leste americano a que estamos habituados, para abrir espaço aos automóveis e às amplas vias pelas quais eles circulam.

LA foi a primeira cidade feita à medida do automóvel. Nem a cidade nem quem lá vive fazem sentido sem ele. Esta cidade sem centro, sem narrativas pré-traçadas, a primeira urbe pós-moderna, com o seu labirinto infinito de possibilidades, inacreditavelmente hostil ao forasteiro que nela ousa penetrar, que exige ser aceite ou rejeitada em bloco, é a mais incómoda de todas as que conheci. Ontem, voltou a mexer comigo.

17 milhões de habitantes, e nenhum interessado em Vincent, um mero dano colateral.

19.11.04



Manuel Amado.

No 95º aniversário de Peter Drucker



Diz-se às vezes que toda a história da filosofia ocidental não é mais do que uma sucessão de notas de pé de página aos escritos de Platão. Do mesmo modo, e com maior propriedade, poderíamos dizer que todo o corpo teórico da gestão desenvolvido ao longo dos últimos cinquenta anos não passa de uma adenda às ideias inspiradoras de Peter Drucker.

Cohn-Bendit



A polícia gaulista fez dele o símbolo de Maio de 68 porque, sendo alemão e judeu, era a prova viva de que a rebelião fora desencadeada por agitadores a soldo do estrangeiro.

Essa circunstância fortuita concedeu-lhe o imerecido mas duradouro estatuto de celebridade. Há 36 anos que vive dela.

Às tontices que ritualmente profere não é atribuida excessiva importância, exactamente do mesmo modo que o que dizem os jogadores de futebol ou as modelos não afecta significativamente o seu estatuto.

Mas é uma vergonha para o Parlamento Europeu que uma criatura desmiolada como ele se apresente a falar em nome de um grupo parlamentar.