5.12.04

Sobre o programa económico alternativo de Manuel Pinho

Manuel Pinho, um economista muito próximo de Sócrates, assina no Expresso de ontem um interessante artigo onde se propõe apresentar uma alternativa de fundo à política económica da actual maioria.

Eis, em síntese, o seu raciocínio:

1. Cavaco Silva tem razão quando diz que é necessário aumentar o peso das exportações de bens e serviços no produto, mas esquece-se de investigar porque é ele actualmente tão baixo, tendo inclusivamente baixado um pouco ao longo da última década.

2. Para Manuel Pinho, a causa dessa situação encontra-se na «falta de competitividade do nosso sector exportador» e na «grande voracidade que temos por produtos importados».

3. «As empresas tomam decisões em função de incentivos,(...) e o incentivo principal é dado pelo sistema de preços». «Numa pequena economia aberta [como a nossa], o preço mais relevante é a taxa de câmbio real, ou seja, a relação entre o preço dos bens transaccionáveis [nos mercados externos] (têxteis, automóveis, DVD) relativamente aos bens não transaccionáveis [nos mercados externos] (imobiliário e a maioria dos serviços)».

4. Como, em Portugal, os preços dos bens não transaccionáveis têm evoluído mais favoravelmente do que os dos bens transaccionáveis, as empresas orientam a sua produção para o primeiro sector, ou seja, desinteressam-se dos mercados externos e da exportação.

5. Por consequência, a alternativa proposta por Manuel Pinho é por ele assim resumida: «Período relativamente longo de contenção da despesa privada e pública, acompanhado de um projecto mobilizador destinado a encurtar a distância que nos separa da fronteira do conhecimento com base num forte impulso ao nível tecnológico, em políticas microeconómicas activas direccionadas para tentar reorientar a oferta para o sector dos bens transaccionáveis, no ataque à burocracia e no investimento humano.»

Embora haja aqui muita coisa que mereça o meu apoio, creio que este programa passa ao lado do essencial. Eis porquê:

1. Pinho presume que as empresas optam entre produzir bens transaccionáveis ou não transaccionáveis, quando usualmente não é assim. Quem fabrica automóveis não vende crédito à habitação, e quem vende gás natural não fabrica têxteis. É claro que há excepções: a construção civil pode construir casas para residentes (bens não transaccionáveis) ou para turistas (bens transaccionáveis), mas nem elas são importantes nem passa por aí o essencial do problema.

2. Por conseguinte, as empresa não optam entre produzir bens transaccionáveis ou produzir bens não transaccionáveis, mas entre investir em sectores em que predominam bens transaccionáveis ou investir em sectores em que predominam bens não transaccionáveis. Acontece que a primeira é uma decisão de curto e médio prazo, a segunda uma decisão de longo prazo.

3. Tal como Cavaco, Pinho também não vai ao fundo do problema, que é o de saber porque crescem mais os preços do sector de bens não transaccionáveis do que os dos bens transaccionáveis. A resposta é que nos mercados dos segundos há muita concorrência, e nos primeiros há pouca ou nenhuma.

4. O problema é que, na sequência das nacionalizações, foi autorizada uma elevada concentração empresarial em importantes sectores da economia portuguesa protegidos da concorrência internacional, de onde a tendência para praticarem preços excessivamente elevados. Resultam daí duas consequências principais negativas.

5. A primeira é que as empresas portuguesas que competem nos mercados externos pagam preços elevadíssimos pelas telecomunicações, pela electricidade, pelo gás natural, pelos serviços financeiros, pelos imóveis, etc., o que contribui para torná-las menos competitivas.

6. A segunda é que, como podem investir em sectores protegidos da concorrência com boas taxas de lucro e riscos nulos, os grupos económicos portugueses estão praticamente ausentes dos sectores de bens transaccionáveis. Essa situação, ao que creio única em países da Europa Ocidental, significa que uma boa parte dos nossos melhores recursos humanos, financeiros e tecnológicos não dá qualquer contributo para a competitividade externa do país.

7. É bom recordar que não só os governos de Guterres fracassaram em toda a linha na regulação dos sectores económicos mais concentrados, como predominou uma política económica, protagonizada por Pina Moura, orientada para o reforço da concentração económica sem qualquer consideração pelas suas consequências negativas para os consumidores e para as empresas portuguesas exportadoras.

8. Por conseguinte, a resolução dos nossos problemas económicos actuais exige: a) que se tome muito a sério a questão da regulação dos mercados; b) que se promova a inovação (que não se reduz à inovação tecnológica, mas isso é outra conversa). A regulação corrige as actuais disfunções dos mercados e melhora a eficiência do aparelho económico existente, o fomento da inovação visa o desenvolvimento futuro de actividades de maior valor acrescentado. Esses dois eixos de actuação encontram-se intimamente interligados. Regulação e inovação: rima e é verdade.

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