29.11.11

O dia antes

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Segundo algumas fontes, há sinais de fuga de capitais não só da periferia para o centro (aqui) como para fora da zona euro (aqui).

Isto explica as dificuldades de financiamento do Tesouro alemão: não se trata de qualquer perceção de risco agravado da dívida alamã, mas de um receio de desmoronamento da zona euro que leva os investidores a preferirem, para já, ativos denominados noutras moedas, com o dólar e o franco suíço a desempenharem o papel de divisas de refúgio.

Por outro lado, o perigo de uma rápida desvalorização do euro motivou a disponibilização dos bancos centrais americano e suíço para virem em socorro da moeda europeia, designadamente por via de um forte empenhamento numa operação de emrgência destinada a garantir o financiamento do Estado italiano.

Entretanto, fiel à sua crença natural, Merkel ocupa-se a congeminar planos impraticáveis e de nulo efeito no curto prazo, o único que presentemente conta.
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28.11.11

O silêncio dos inocentes



Soube ontem por um amigo irlandês de uma história chocante divugada na imprensa europeia no passado dia 18 de Novembro, mas que não me lembro de ter sido noticiada nos nossos media.

O caso é que o OE 2012 da República da Irlanda chegou primeiro ao conhecimento do Bundestag do que ao do Parlamento Irlandês. Assim, os deputados irlandeses só ficaram inteirados pelos jornais de que os deputados alemães estavam a analisar a possibilidade de um aumento do IVA na Irlanda.

Após algum embaraço inicial, a Comissão Europeia e o Governo alemão vieram a terreiro explicar nada haver de anormal no sucedido, visto que apenas foram seguidas as regras de funcionamento do FEEF impostas pela Alemanha.

Para quem ainda tinha dúvidas, fica defiinitivamente esclarecido que a união fiscal de que agora se fala consiste apenas e só na definitiva e completa transferência de poder dos parlamentos dos diversos estados nacionais para o parlamento alemão. Pergunto-me como podem os governos europeus ficar calados perante um tal atropelo à legalidade democrática tanto nacional como europeia, não suportado por qualquer tratado livremente negociado.

Estamos agora todos à espera que, no dia 9 de Dezembro, a chanceler Merkel apresente à União Europeia o seu ultimato político-financeiro: ou os países-membros da União Europeia aceitam submeter-se incondicionalmente à autoridade alemã ou não haverá euro-obrigações para ninguém e a zona euro será desmantelada.

A astúcia da Srª Merkel é virtualmente indistinguível da estupidez, visto o poder do seu bluff assentar apenas na frágil hipótese de todos os povos europeus estarem dispostos a cederem a sua soberania a troco de algo que na verdade é nada.

De facto, as euro-obrigações já nada resolvem neste fase tão adiantada da crise, a menos que venham associadas à assunção do BCE como emprestador de última instância e ao abandono das políticas suicidas de austeridade e destruição da capacidade produtiva. O principal obstáculo à resolução da crise europeia é a própria Srª Merkel, tornando-se indispensável que seja prontamente apeada do poder ilegítimo que exerce sobre o conjunto da União Europeia.

Entretanto, não entendo como os jornalistas dos vários países permitem que os seus governantes permaneçam calados.

Por que não perguntam a Passos Coelho o que pensa do que já se conhece da proposta franco-alemã que vai ser formalmente apresentada na cimeira de 9 de Dezembro? E por que não dirigem a mesma questão aos restantes dirigentes partidários, a começar por Portas e Seguro? E, já agora, não faria sentido inquirir também o sentimento dos sindicatos e associações patronais?

E o Presidente da República, a quem incumbe a defesa da Constituição, não deveria falar antes que seja tarde?

E não seria bom o parlamento português antecipar-se e suscitar de imediato a discussão da projetada limitação dos seus poderes?

Pela minha parte, gostaria de saber quem defende o quê e com quem poderemos contar nos meses e anos que nos esperam. Além disso, a forma inteligente de derrotar este ultimato é assegurar que seja destroçado pelas opiniões públicas europeias ainda antes de 9 de Dezembro.

26.11.11

Que fazer com a greve geral?

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Vi a greve de ontem essencialmente como uma oportunidade perdida de impulsionar uma viragem decisiva na política nacional e – quem sabe? – europeia.

Tenho perguntado repetidas vezes qual era o objectivo da greve geral. Ninguém sabe responder-me. No melhor dos casos, cada qual diz-me o que acha que deveria ser.

Olhando para a propaganda difundida constata-se imediatamente que não foi definida nenhuma palavra de ordem ou reivindicação unificadora. “Contra as injustiças”, “Assim não” ou “Basta!” são apenas algumas das muitas frases que por aí li em cartazes, numa anarquia comunicacional que não permite fixar uma só ideia-chave.

Que queriam os grevistas? Cada qual decidiu por si, o que é tão reconfortante como escassamente mobilizador.

Entendo que as centrais sindicais encararam a iniciativa de modo burocrático. Dir-se-ia que, no fundo, se tratava antes de mais de desenferrujar a máquina e fazer prova de vida. O objectivo, como de costume - para quê especificá-lo se já toda a gente o sabe? – consiste tão só em embaraçar o governo, seja ele qual for.

E de que serve, nas presentes circunstâncias, dificultar a vida ao governo, cercá-lo, preparar o seu derrube, se, como é óbvio, a sua margem de manobra é extremamente reduzida?

Carvalho da Silva afirmou ontem que a Intersindical nunca no passado recebeu tantas mensagens de apoio de tantos países como ontem. Esse simples facto deveria tornar evidente que estamos antes de mais perante uma questão de política europeia, e que talvez os sindicatos estejam melhor posicionados que ninguém para torná-lo claro.

Que devem então reivindicar os sindicatos? Compreendo que queiram forçar o governo a sentar-se à mesa das negociações tendo em vista a correcção de algumas das medidas mais iníquas constantes do OE 2012. Porém, sejamos francos, nas presentes circunstâncias os resultados previsíveis serão sempre exíguos e, como tal, decepcionantes para quem trabalha.

É vital que os sindicatos raciocinem no plano da política económica e laboral europeia e que, por essa via, se coloquem na primeira linha de um combate transnacional às políticas de liquidação do legado da social-democracia europeia.

Portugal está encurralado. Felizmente para nós, cada vez mais países estão-no também. Em breve todo o continente mergulhará na estagnação económica e no desemprego generalizado, o que cria condições para uma regeneração do projecto europeu.

Os sindicatos deveriam ser capazes de se posicionar acima da pequena política doméstica. Isso significa, antes de mais, denunciar as políticas destrutivas e punitivas promovidas pela UE e executadas país e país por governos submissos, que se aproveitam da crise internacional para operar um retrocesso civilizacional em larga escala.

Os sindicatos precisam de ter uma posição clara em relação à crise de financiamento das dívidas públicas porque, sem que ela seja resolvida, não terá fim à vista a degradação do rendimento disponível, do emprego, da saúde e da educação.

Assim, eles podem e devem exigir: no plano nacional, a renegociação da dívida e o controlo apertado sobre o processo de recapitalização dos bancos; no plano internacional, a reforma do euro e do BCE, a reestruturação do sistema bancário europeu e o lançamento de euro-obrigações destinadas a financiar projectos de investimento público em infra-estruturas, em educação e em investigação. Por último, deveriam tornar clara a sua oposição ao crescente chauvinismo que procura opor povos a povos, centro a periferia, nativos a imigrantes.

Quando ao governo português, deve primeiro que tudo ser criticado por se prestar a ser cúmplice desta política, um instrumento dócil ao serviço do programa traçado pelas forças que presentemente controlam a UE.

Acredito que uma tal plataforma teria condições para reunir uma larga base social de apoio, condição indispensável para começarmos a construir uma solução política sólida e viável. Ainda estamos a tempo.
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20.11.11

Delors, o mestre

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Foi em 1969 que pela primeira vez se assumiu na CEE o propósito de criar um sistema monetário europeu. O relatório Werner, apresentado em 1971, propunha que a união fiscal precedesse a monetária, evoluindo-se gradualmente para a redução da margem de variação das cotações das diversas moedas e para a coordenação das políticas macroeconómicas. Não estava prevista a constituição de um Banco Central Europeu, mas a de um “sistema de bancos centrais”.

Em 1978 a questão renasceu pela mão de Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt, sendo o Sistema Monetário Europeu oficialmente criado em 1979. Os acordos então assinados indicavam explicitamente que os países cujas moedas se valorizassem deveriam adoptar políticas expansionistas para facilitar o reequilíbrio cambial.

Mas o Banco Central Alemão opôs-se e as coisas ficaram por aí.

No final dos anos 80, a comissão Delors cedeu em toda a linha às pretensões da Alemanha: os países com políticas excessivamente restritivas não seriam forçados a fazer ajustamentos; seriam impostos limites aos défices orçamentais nacionais; os movimentos de capitais seriam totalmente liberalizados sem restrições logo no início do processo; o banco central europeu não seria autorizado a financiar directamente os défices dos países membros; a autoridade monetária seria completamente centralizada no banco europeu.

Do projecto de união fiscal proposto no relatório Warren, nem rasto.

Por outras palavras, as primeiras versões do projecto da moeda única europeia incluíam quase tudo o que agora se diz que lhe falta: união fiscal, união política, flexibilidade numa fase de transição, euro-obrigações e um emprestador de última instância.

Quem definitivamente liquidou todas essas boas ideias foi Delors, que muitos teimam em apresentar como o modelo do grande estadista europeu.
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19.11.11

Por que os chineses não descobriram o caminho marítimo para a Europa

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Entre 1405 e 1433, o almirante chinês Zeng He comandou sete ambiciosas viagens marítimas de exploração no Oceano Índico. Na sexta viagem, em 1421, desceu a costa da África Oriental visitando Mogadixo, Mombaça, Melinde, Zanzibar e Quiloa, onde voltou, mais tarde, em 1433. Depois disso, não houve mais expedições chinesas nesta parte do mundo.

Parece provável que estivessem informados de que, passando o cabo mais meridional da África, poderiam depois navegar rumo à Europa. Porém, nunca o fizeram.
Pelo contrário, os portugueses, que nessa mesma época iniciavam a exploração da costa africana rumo ao sul, dobraram em 1487 o Cabo da Boa Esperança e chegaram em 1498 à Índia.

Como se explica esta disparidade de ambição entre chineses e portugueses?

David S. Landes opina, no seu The Wealth and Power of Nations: Why Some Are So Rich and Some Are So Poor, que aos chineses faltavam visão, foco e, acima de tudo, curiosidade. Não estavam interessados em aprender e ver coisas novas, apenas em forçar obediência e cobrar tributos.

Este ponto de vista é genericamente subscrito por Niall Ferguson no seu Civilization: The West and the Rest, um panegírico da suposta superioridade cultural do ocidente sobre o oriente.

Ao invés, Fernandez-Armesto faz notar (1492: The Year Our World Began) que a passagem do Índico para o Atlântico era perigosa e pouco atraente. Porque haveriam os marinheiros chineses de arriscar-se a tornearem a África e a percorrerem um longo caminho marítimo para chegarem a uma região distante do mundo que – sabiam-no bem – pouco tinha que lhes interessasse?

Pelo contrário, uma nação situada situada nos confins da Euroásia e do seu próprio continente, como Portugal, tinha um forte incentivo para curto-circuitar as rotas tradicionais do comércio entre o ocidente e o oriente e, enfrentando grandes perigos, chegar a Índia pela rota do cabo.

Mera análise custo-benefício, pois.

Landes detecta uma diferença de atitude, à qual atribui a responsabilidade decisiva na viragem histórica que conduziu à hegemonia europeia duradoura sobre o planeta. Fernandez-Armesto mostra que essa disparidade é ela própria explicável por um conjunto de circunstâncias geográficas, económicas e sociais.

Qual das duas interpretações é mais profunda: a de Landes ou a de Armesto?

14.11.11

1%

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Descoberto aqui, via Paul Krugman.
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Não liguem, é só publicidade

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13.11.11

Nunca se esqueçam que os abutres também são gente

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Vultures Chose Me from Green Renaissance on Vimeo.


Estranhamente, há países onde os abutres estão em vias de extinção. Felizmente, não é o nosso caso; mas, se fosse, não teríamos dinheiro para os salvar. Não é verdade, Dr. Gaspar?
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11.11.11

Os banqueiros deveriam pensar melhor no que andam a fazer

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Escreve Helena Garrido no Negócios:
Durante demasiado tempo, o poder foi cúmplice do sector financeiro - aqui, como no resto da Europa - e esteve totalmente capturado por ele. Esteve ou está? A resolução efectiva da crise financeira em que mergulhou o mundo ocidental depende, de forma determinante, da capacidade que os Estados tiverem de recuperar o poder sobre o sistema financeiro. Se não o fizerem, outra crise chegará.

Os banqueiros portugueses sabem bem que o Estado, e especialmente este Governo, quer tudo menos nacionalizar os bancos. Ironia das ironias, esta acusação cair sobre Pedro Passos Coelho, que até já defendeu a privatização da CGD.

Acusar o Governo de intenções que são absurdas apenas nos faz suspeitar de que a banca portuguesa estava muito mal-habituada, que viveu num regime de "quero, posso e mando". Hoje é diferente. Não há dinheiro. E quem é pobre não pode ser mal-agradecido.
É verdade que os timings de recapitalização que a UE está a impor à banca são mais uma manifestação de euro-estupidez que, neste momento, só contribui para apertar mais o crédito e agravar a recessão.

Mas não é bonito nem inteligente os nossos banqueiros tentarem por-se de fora das dificuldades do país pedindo privilégios que mais ninguém tem. Esperava-se que tivessem aprendido alguma coisa com a história, mas parece que ainda não foi desta.
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Depressão ou inflação

Uma opinião semelhante à que exprimi ontem no Jornal de Negócios foi também agora sustentada por Simon Johnson no blogue do New York Times:

German policy makers and the German public will not do well in the event of a major sovereign-credit disaster. Credit would tighten across the board. German exports would plummet. The famed German social safety net would come under great pressure.

There is an alternative to a decade of difficult austerity. The Germans could agree to allow the European Central Bank to provide “liquidity” support across the board to the troubled governments.

Many things are wrong with this policy – and it is exactly the kind of moral hazard-reinforcing measure that brought us to the current overindebted moment. None of us should be happy that Europe – and the world – has reached this point.

Among others, the bankers who bet big on moral hazard – i.e., massive government-backed bailouts – are about to win again. Perhaps the Europeans will be tougher on executives, boards and shareholders than the Obama administration was in early 2009, but most likely all the truly rich and powerful will do very well.

But if the German choice is global calamity or, effectively, the printing of money, which will they choose?

The European Central Bank has established a great deal of credibility with regard to keeping inflation at or close to 2 percent. It could probably offer a great deal of additional support – through creating money – without immediately causing inflation. And if the bank is providing a complete backstop to Italian government debt, the panic phase would be over.

Mapa europeu do Twitter



Cada cor representa uma língua distinta. Holanda é o país onde uma maior proporção da população online twita (20%), daí a intensidade do colorido no país. Europa do Leste, quase às escuras, é, com exceção da República Checa e da Eslovénia, um deserto para o Twitter.

10.11.11

E tu, que escolha farias?



Dani Rodrik, um economista turco cujas ideias deveriam ser mais conhecidas, sustenta no seu último livro The Globalization Paradox com grande soma de argumentos uma tese tão controversa como decisiva para o futuro de todos nós: não é possível termos ao mesmo tempo globalização, estado-nação e democracia.

Podemos ter simultaneamente duas dessas coisas – globalização e estado-nação, estado-nação e democracia ou globalização e democracia – mas nunca as três.

Se Rodrik estiver certo – e tendo a pensar que está – as nossas posições políticas caracterizar-se-ão principalmente por aquilo que nos resignarmos a dispensar.

Se me tivessem perguntado há dez anos, teria optado por conservar a democracia e a globalização, aceitando o progressivo desaparecimento do estado-nação. Agora porém, creio que mais depressa prescindiria da globalização para guardar a democracia e o estado-nação.

9.11.11

Game over




Que fazer quando todos devem a todos e ninguém consegue pagar? É este o tema do meu artigo de hoje no Jornal de Negócios.

O remédio é conhecido há muito tempo, e só não é aplicado à resolução da crise da zona euro porque preconceitos ideológicos enraízados asseguram a proteção dos interesses que tenderiam a perder muito com a vasta redistribuição de recursos que a reestruturação da dívida implica.

Acredito que lá chegaremos - talvez muito em breve -, mas não antes que todas as receitas enganadoras tenham sido tentadas, assim agravando o problema e espalhando muito sofrimento evitável.

3.11.11

Agora vejam lá se entendem a lógica disto

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Será mesmo verdade que o Brasil tem mais que um sistema?
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2.11.11

Uma questão difícil

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Copiado daqui.
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Tudo o que sempre quis saber sobre o Plano Merkozy mas teve vergonha de perguntar

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1.11.11

PIIGS 1, FUKD 0

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As reações económicas e políticas ao anúncio de um referendo na Grécia provam quatro coisas:

1. A ideia do acordo da semana passada não era de facto perdoar 50% da dívida aos gregos, mas garantir 50% do seu pagamento aos bancos. Com o acordo em suspenso, desceu de pronto a cotação das suas ações.

2. Não é só o governo alemão que tem o direito de se preocupar com a sua opinião pública. Mesmo correndo enormes riscos, são os gregos que mandam na sua terra e é perante eles que o seu governo responde.

3. Mesmo os países em grandes dificuldades dispõem sempre de alguma margem de manobra negocial. Neste momento, tornou-se óbvio que o problema é tanto dos devedores como dos credores, visto que tanto uns como outros cometeram erros de avaliação de risco. Em última análise, ambas as partes terão que ceder alguma coisa.

4. Quando a força se torna a única linguagem reconhecida nas relações internacionais, cada qual usa os trunfos de que dispõe, tendo em vista a maximização do efeito pretendido, quando julga mais apropriado.
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