29.2.08

Homens honrados

Segundo Nuno Morais Sarmento, entrevistado na SIC Notícias por Mário Crespo, o arranjinho do governo em que ele participou com a Sociedade Estoril-Sol impediu eficazmente que o Casino de Lisboa caísse nas mãos do Cartel de Medellin. O perigo que todos nós corremos sem sequer o suspeitarmos! Eterna gratidão a estes homens honrados, cujo nome tem sido tão injustamente arrastado na lama.

Mal-estar confuso

Grande lição de história nos oferece Vasco Pulido Valente no Público de hoje:
"No meio desta persistente desgraça, Portugal julgou três vezes que se aproximava da Europa: durante os primeiros tempos da "Regeneração", durante o "fontismo" e durante o "cavaquismo". Ao todo, trinta e tal anos de uma ordem política "civilizada" e de um crescimento económico razoável. Mesmo assim, os fundamentos destes raríssimos milagres não eram sólidos. Nos três casos (embora com um ligeiro atraso), uma crise financeira pôs fim à festa (...)"
E, noutro passo:
"A sociedade ia, como é óbvio, mudando: devagar, aos sacões. Só que a distância que nos separava da Europa não diminuía."
Fascinante. Mas será verdade? Vejamos então como evoluíu ao longo do tempo a proporção entre o produto per capita português e o inglês:
1870 - 30,6%

1913 - 25,4%

1950 - 30,0%

1973 - 58,7%

2003 - 64,8%
A posição relativa de Portugal melhorou progressivamente e de forma muito acentuada na segunda metade do século XX. A evolução comparada com outros países mais desenvolvidos revela a mesma tendência, pelo que não vale a pena continuar. Logo, Vasco Pulido Valente está errado quando pretende que não tem diminuído a distância que nos separa da Europa.

Está também errado quando enumera os três períodos de alegada convergência. Nem a Regeneração nem o Fontismo produziram resultados notáveis, e foi nos anos 50 e 60 do século passado, não durante o consulado de Cavaco, que o país mais cresceu tanto em termos absolutos como relativos.

Os dados que utilizei foram retirados de Contours of the World Economy (1-2030 AD), um livro publicado em 2007 por Angus Maddison - provavelmente a maior autoridade mundial na matéria - na Oxford University Press.

É claro que a metodologia adoptada por Maddison para construir as suas séries estatísticas pode ser discutida, e que quanto mais se recua no tempo maior é a probabilidade de erro. Mas não só não se afastam muito do que os historiadores económicos já sabiam como, representando o estado da arte, ninguém tem o direito de ignorá-las.

Este é apenas mais um dos muitos casos em que, comprovadamente, Vasco Pulido Valente não sabe do que fala.

28.2.08

Flower Power 2.0



All across the nation/ such a strange vibration/ people in motion/ there's a new generation/ with a new explanation/ people in motion/ people in motion.

Digam lá se isto não casa na perfeição com o discurso messiânico do Obama? Com um ou outro retoque, até poderia tornar-se no hino da candidatura.

Vão ver: em sendo Obama nomeado, teremos este ano um novo Verão de Paz e Amor.

O método psicológico de fazer contas

Foi assim há tanto tempo? Que humilhação: anda um sujeito a dizer mal dos políticos e a propor receitas para salvar o país e depois descobre-se que nem sequer sabe contar os meses, quanto mais não seja pelos dedos!

Quase me senti tentado a argumentar que, para além do método aritmético, também há o método psicológico de fazer contas, mas depois o Desidério Murcho podia dar-me na cabeça, e suponho eu que com toda a razão.

27.2.08

Previsão



Já repararam? Pelo caminho que as coisas estão a levar, parece cada vez mais provável que a economia europeia venha de facto a confirmar-se como a mais competitiva do Mundo em 2010, cumprindo-se o principal objectivo da Estratégia de Lisboa traçada em 2000. Aparentemente, foi tudo muito mais fácil do que se imaginara. Bastou não se fazer muitas asneiras, coisa de que os EUA não podem gabar-se.

Há festa na aldeia



A D. Quixote acaba de editar quase em simultâneo dois dos melhores livros de economia dos últimos anos: "Por que Funciona a Globalização", de Martin Wolf; e "A Empresa Moderna", de John Roberts.

Do primeiro já aqui falei há um ano e meio. As suas qualidades permanecem indiscutíveis, mas vale a pena destacar que a presente crise financeira internacional conduziu o autor a alguns ajustamentos na sua forma de pensar, particularmente no que respeita à necessidade de dispormos de instrumentos de regulação financeira mais eficazes à escala mundial.

"A Empresa Moderna", de John Roberts, foi classificado em 2006 pelo Economist como o Melhor Livro de Gestão do ano, o que pode criar alguma confusão, visto que não se trata de facto de uma obra de gestão, mas de uma análise económica da gestão de empresas, o que é um pedaço diferente.

A maior parte da teoria económica existente é irrelevante para as ciências empresariais, uma circunstância infeliz que empobrece as duas disciplinas e confunde os leigos. Felizmente, esse hiato tem vindo a ser preenchido nas últimas décadas por investigadores mais interessados na realidade empírica do que na validação de teorias brilhantes mas de escasso poder tanto explicativo como prático.

Roberts fez-nos a todos o favor de condensar neste volume as principais descobertas do ramo da economia em que se especializou, especialmente relevantes para quem, por exemplo, quer entender como os incentivos ao desempenho afectam os comportamentos e os resultados obtidos por empresas e outras instituições. Tive já a oportunidade de citar aqui o livro de John Roberts a propósito do modo como a opção por incentivos errados para motivar as escolas e os professores pode provocar resultados diametralmente opostos aos pretendidos.

Um editor mais interventivo poderia ter melhorado a legibilidade do livro; mesmo assim, tal como está, não hesito em recomendá-lo.

26.2.08

Curiosidade

Alguns juízes decidiram que os professores devem receber horas extraordinárias por cumprirem o horário normal de trabalho. Fico curioso por conhecer o regime de pagamento de horas extraordinárias em vigor nos tribunais, mas se calhar é querer saber demasiado.

Barack Obama e Ronald Reagan

Greg Mankiw, um dos mais proeminentes conselheiros económicos da administração Bush, está a ler com muito interesse o livro de Barack Obama, "The Audicity of Hope", que classifica como "divertido, astuto e bem escrito". Apreciou especialmente a seguinte passagem:
"The conservative revolution that Reagan helped usher in gained traction because Reagan's central insight--that the liberal welfare state had grown complacent and overly bureaucratic, with Democratic policy makers more obsessed with slicing the economic pie than with growing the pie--contained a good deal of truth."

25.2.08

Educação sentimental

Estava na cara, mas as deficiências do nosso ensino na área das humanidades não preparam as pessoas para entenderem estas coisas:
Na explicação da traição de Judas, Zizek socorre-se de uma ideia que vale a pena resgatar. Essa ideia fica sintetizada numa citação de John Le Carré: "o amor é tudo o que ainda podemos trair". Invertendo, só pode haver traição quando existe uma relação sentimental a sacrificar. Quando não, tudo o que existe e calculismo, logro, deslealdade porventura, mas sem os pináculos da traição, sem o agonismo de de alguém que violenta o que deveras sente. Carolina amava ainda Pinto da Costa quando percebeu que só se libertaria da dor desse amor quando ela própria fizesse o luto. Portanto, ao denunciar Pinto da Costa como corrupto, quis matar o que sentia: desembaraçou-se da esperança que sempre teima e transferiu o anelo passional para o campo da vingança.
Ler Bruno Sena Martins: "Pinto da Costa e John Le Carré".

O poder da propaganda

Um inquérito conduzido pela Gallup nos EUA informa-nos que à pergunta:

"Qual é a potência económica líder no Mundo de hoje?"

Os americanos responderam assim:
  • A China (40%)
  • Os EUA (33%)
  • O Japão (13%)
  • A União Europeia (7%)
Na verdade, a UE é a maior potência económica mundial, seguida pelos EUA. A economia alemã isolada é maior do que a chinesa, ao passo que a francesa e a inglesa são apenas ligeiramente mais pequenas. Finalmente, a economia japonesa é 60% maior do que a chinesa.

22.2.08



Guercino: Vénus e Adónis, c. 1595.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Lorenzo Lotto: Vénus e Cupido, 1525.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Rubens: União da Terra com o Fogo.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Boucher: Vénus Desarmando Cupido, 1751.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Rubens: Venus e Adonis (e algumas visitas).

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)

21.2.08



Carracci: Plutão, 1557.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Angelo Bronzino: Alegoria do Triunfo de Vénus, 1540-45.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Boucher: Diana Saindo do Banho, 1742.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Boucher: Odalisque Brune, 1743.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)


Boucher: L'Odalisque Blonde, 1752.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)

20.2.08



Giorgione: Vénus Adormecida, c. 1510.

(John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar".)

Os Eçinhas

Desabafa o Maradona, e que bem que eu o entendo: "Há anos e anos que ando a ler aspirantes a eças de queiroz, uma pessoa aborrece-se."

Cheias no Atlântico

Bem observado. Em 1967 morreu tanta gente que nunca se chegou a saber quanta. Na tragédia de muito menores proporções desta semana morreu uma pessoa e há mais duas desaparecidas (quase certamente mortas também) e, segundo informação do próprio hoje na TSF, o Dr. António Pires de Lima demorou umas horas para vir de Cascais a Lisboa. Helena Matos acha que está tudo na mesma: "Nos mesmos locais onde nos anos 60, 70, 80, 90 e 2000 as estradas ficaram cobertas de águas e as vidas correram risco tudo se repetiu, como de costume, nesses sítios do costume." Haja paciência.

No reino da Fantasia



"Algo de extraordinário está a passar-se na América", fantasia a Teresa de Sousa no Público de hoje.

"Extraordinário" é, de facto, o adjectivo mais adequado para caracterizar o enorme esforço de mobilização que os Democratas estão a levar a cabo para entregarem de mão beijada a presidência aos Republicanos quando tudo faria prever o contrário.

Na América contemporânea, passa-se rapidamente de uma psicose colectiva para outra.

19.2.08

Como se atrevem?



O Metro de Londres impediu a afixação nas suas instalações de um cartaz anunciando uma exposição na Royal Academy of Arts. Motivo: a figuração de uma mulher nua susceptível de excitar a líbido dos transeuntes.

Li a este propósito muito comentário indignado de lusitanas criaturas preocupadas com a inexorável decadência das liberdades públicas na pérfida Albion. Como se atrevem? - exclamam elas de todos os lados.

Acontece que a empresa que gere o Metro de Londres se encontra apetrechada com um código de princípios e de conduta que regula com a necessária minúcia que tipo de publicidade pode ser exibido no espaço à sua guarda, tendo em conta que por ele circula toda a espécie de gente, incluindo obviamente crianças.

Podem estar certos que regulamentos desses existem em todos os países civilizados, embora seja duvidoso que existam entre nós. Tal como podem estar certos que, nesses mesmos países e ao contrário do que por cá sucede, as cadeias de televisão respeitáveis fazem aplicar códigos de ética estritos no que à publicidade respeita.

De modo que, face a qualquer campanha que este ou aquele anunciante se propõe exibir, das duas uma: ou está conforme com os regulamentos - ou não está.

Chama-se a isso auto-regulação, lembram-se? Algumas pessoas nunca se lembram, nem sabem ao certo o que seja, excepto quando temem que o Estado tome a iniciativa de legislar para proteger os cidadãos.

É verdade que, no caso que agora nos ocupa, a mulher desnudada representada no cartaz era a Vénus de Lucas Cranach, uma pintura datada de 1532, podendo ser razoavelmente sustentado que se trata de uma imagem muito distinta daquelas que os regulamentos pretenderiam prevenir.

Pois muito bem: na próxima oportunidade o regulamento poderá ser revisto e aperfeiçoado se assim o entenderem os responsáveis do Underground londrino. Para já, porém, é este que existe, pelo que não há que dar um jeito, mas apenas que aplicá-lo.

A resolução deste tipo de problemas com recurso a critérios antecipadamente definidos com a maior clareza é algo muito estranho para a mentalidade entre nós prevalecente. É por isso que, quando o Scolari agride um jogador adversário, a discussão sobre a eventual sanção a aplicar se centra em pontos laterais, tais como o desempenho do treinador, a sua empatia com o público ou a vontade dos jogadores.

Nada disso seria possível se a Federação tivesse antecipadamente aprovado um regulamento abstracto definindo a pena a aplicar em casos semelhantes. A maçada seria que, nessas circunstâncias torna-se impossível dar um jeitinho, aplicar a justiça com humanidade e outras balelas do género.

Os países que tomam a sério a importância do comportamento ético praticam a auto-regulação a todos os níveis, nas empresas, nos organismos públicos, nas agremiações recreativas e nos clubes de futebol. Isso escandaliza muito as tais pessoas que exigem a Vénus de Cranach no Metro de Londres já.

Parece-me claro que a corrupção e, em geral, o crime económico em larga escala são apenas a ponta visível do icebergue, cuja massa submersa é constituída pela miríade de comportamentos não-éticos socialmente tolerados que infectam os clubes de futebol, as associações de bombeiros, os canais de televisão, os bancos, e por aí fora.

Fico por aqui, que já é tarde.

PS - Para a história fica esta declaração imbecil de John Whittingale, presidente da Comissão de Cultura e Media do Parlamento britânico: "É impensável que um quadro clássico possa chocar". Ou a educação artística deste homem deixa muito a desejar, ou o pobre sofre de disfunção eréctil.

O futebol induca

A gente goza muito com os comentadores desportivos, mas eles, ao menos, percebem que cada equipa só joga o que a outra a deixa jogar. Já os comentadores políticos esquecem-se disso quando pretendem que a sorte de Sócrates é ter a oposição que tem.

Coisas que convém saber

Pergunta: Como se explica que a taxa de desemprego tenha aumentado em Portugal quando foram criados 95 mil novos postos de trabalho nos últimos três anos?

Resposta: A população activa aumentou mais rapidamente do que a criação líquida de postos de trabalho.

P: E por que aumentou tanto a população activa?

R: Por um lado, porque há mais gente à procura de trabalho. Isso pode ser uma consequência da própria crise económica: quando o marido perde o emprego, é natural que a mulher e os filhos procurem também eles uma ocupação. Mas a principal razão parece ter sido o afluxo de imigrantes. Aparentemente, quase todos os novos postos de trabalho estarão a ser ocupados por imigrantes.

P: Por que é que os portugueses não aproveitam essas oportunidades de emprego?

R: É difícil saber ao certo, mas dir-se-ia que esses novos empregos não correspondem às suas expectativas, seja em termos de status seja em termos de remunerações.

P: Trata-se, então, de desemprego voluntário?

R: Alguns economistas usam essa expressão para qualificar esta situação. A sua conotação pejorativa é óbvia, pois parece sugerir que as pessoas estão desempregadas porque não querem trabalhar. Não aceitar uma ocupação abaixo dos padrões que fixou para si próprio é um direito que assiste a qualquer pessoa. Mas também é verdade que a sociedade não tem nenhuma obrigação de subvencionar o ócio.

P: Como vai resolver-se esse problema?

R: O mais natural é que, à medida que progrida a retoma económica, suceda uma de duas coisas: ou essas pessoas encontram finalmente o emprego que ambicionam; ou reduzem as suas expectativas e aceitam oportunidades que hoje recusam.

P: Pode concluir-se que os imigrantes estão a roubar empregos aos portugueses?

R: Não, desde que se trate de imigrantes legalizados, que descontam para a segurança social, pagam impostos e beneficiam da mesma protecção legal que todos os restantes trabalhadores. O que parece acontecer, repito, é que, em Portugal como na generalidade dos países que atingem um certo nível de desenvolvimento, as pessoas não querem fazer certos trabalhos que consideram inferiores ou mesmo degradantes. Em toda a parte do mundo a solução tem passado pela contratação de imigrantes.

P: Para concluir: o que é mais importante destacar, o aumento da taxa de emprego ou o aumento da taxa de desemprego?

R: Ambos os indicadores são importantes, porque ambos encerram informação relevante. Mas a taxa de emprego, para além de ser mais objectiva, é talvez um indicador de bem-estar e potencial produtivo mais significativo, visto que mede a proporção da população total que se encontra empregada.

Santa ignorância

Estou a assistir em diferido à entrevista de José Sócrates na SIC e não acredito no que ouço:

1. Os entrevistadores da SIC não sabem que a criação de 95 mil postos de trabalho na presente legislatura foi líquida, não bruta;

2. Os entrevistadores da SIC não entendem que, se foram criados 95 mil postos de trabalho em três anos, a este ritmo serão criados os 150 mil postos de trabalho previstos no ano e meio que falta até ao final da legislatura:

3. Os entrevistadores da SIC não percebem que a taxa de emprego e a taxa de desemprego podem aumentar ao mesmo tempo.

Não é só a oposição que não faz o seu trabalho de casa.

18.2.08

Perder tempo



Boticelli: A Calúnia, 1494.

No seu post de ontem sobre a questão que traz apaixonada a opinião pública mundial, CAA faz uma afirmação à qual já anteriormente dei o meu acordo: "Se a Câmara Corporativa queria desmentir a acusação [que lhe foi dirigida, a sua reacção] foi contraproducente".

Porém, CAA acrescenta: "Caso a acusação seja verdadeira, a artimanha de se fazerem passar por gente comum sem dever de vassalagem de opinião é que irrita um bocado." Aparentemente, como "quem denunciou tem nome e deu a cara", CAA acha possível que seja verdade.

Ora, para mim, este caso só vem confirmar que nem o anonimato é forçosamente condenável, nem dar a cara é atestado de virtude.

Como "quem denunciou" (Luis Pedro Nunes, FAL e Paulo Pinto Mascarenhas) não apresentou qualquer prova do que afirma, até ordem em contrário essas vozes são suspeitas de calúnia, o que, aliás, está na linha do estilo de argumentação a que nos habituaram.

Inversamente, o Câmara Corporativa não foi até hoje, que eu saiba, acusado de ter falseado a verdade ou de ter lançado acusações infundadas contra pessoas ou partidos.

O que há então a apontar ao Câmara Corporativa? Duas coisas:

1. Apoiar o governo do PS

2. Ser (supostamente) anónimo

Sobre 1, Tomás Vasques já disse tudo o que havia para dizer.

Quanto a 2, assumindo que os autores do Câmara Corporativa não assinam com o seu nome verdadeiro, gostaria de fazer notar que não há nada de criticável no recurso a um pseudónimo, na condição de que quem a ele recorre não se aproveite da circunstância para evitar ser responsabilizado por aquilo que afirma.

Todavia, pode-se perguntar o que levará alguém a optar por não assinar um blogue com o seu próprio nome. Assim de repente, ocorrem-me algumas possibilidades:

1. Trabalha para a Sonae

2. Lidera uma empresa que presta serviços à Sonae

3. É primo de Belmiro de Azevedo

4. Trabalha numa empresa dirigida por um destacado militante do PSD

5. Trabalha para uma Câmara do PSD

6. A mulher é deputada do PSD

7. Não quer dar um desgosto ao pai

Chega?

13.2.08

O que pode Hilary fazer?

Tenho-me deparado com alguns debates na internet, às vezes curiosos, outras desarmantes sobre o que Hilary deveria fazer para recuperar o controlo da agenda mediática.

Muitas pessoas recomendam lágrimas cirurgicamente programadas ou, melhor ainda, abraços e beijinhos a crianças de bairros pobres para recordar o muito que algumas dessas comunidades devem à administração Clinton.

Os mais perspicazes fazem notar que o grande problema de Hilary é a sua cobertura mediática. (Quem assiste às transmissões da CNN - já não falo da Fox - nas noites das votações percebe o que estou a dizer.) Mas ela só é notícia quando insulta jornalistas nas conferências de imprensa.

Que fazer então? Eis a ideia mais genial que encontrei: Dump Bill! (Dá um chuto no Bill!)

O mais cedo possível, Hilary convoca a imprensa para anunciar ao país que decidiu divorciar-se do marido. De um só golpe, liberta-se da presença tutelar do trampolineiro e adúltero Bill conservando a experiência que já tem, e assume-se por fim como uma mulher moderna, verdadeiramente independente e livre de uma relação humilhante.

Hilary, uma mulher fria e calculista? Chegou o momento de prová-lo.

Outra maneira de ver a coisa



Alguém que não simpatiza particularmente com a tonalidade mística que Obama tem imprimido à sua campanha criou o blogue Is Barack Obama the Messiah?. Concluam o que quiserem, mas está bem feito e dá que pensar.

A travessia para acabar com todas as travessias



Parece que o Ministro Mário Lino está a pensar convocar um caucus de engenheiros para tomar uma decisão sobre a nova travessia do Tejo.

Espero que tomem em consideração esta ideia genial publicada no Womenage à Trois, mas convém falarem primeiro com o Engº Ferreira do Amaral para ver se ele dá o seu acordo.

12.2.08

O Eixo da Asneira



O Eixo do Mal é um programa lamentável da SIC Notícias, que me tenho coibido de comentar pelo respeito que, até nova ordem, me merecem aproximadamente 2,5 dos seus participantes.

No domingo, pudémos assistir a mais uma intervenção inflamada de um tal Luis Pedro Nunes, Director do suplemento humorístico do Público, denunciando com indignação, a propósito das aventuras de Sócrates no domínio da arquitectura rural, certos blogues segundo ele alimentados por "assessores do governo".

No Corta-Fitas, Francisco Almeida Leite encheu-se de coragem e pôs o nome no boi: o tal coio de "assessores do governo" é nem mais nem menos do que o Câmara Corporativa. É evidente para qualquer pessoa que o Câmara Corporativo é um blogue alinhado pelas posições do governo, tal como o é o Causa Nossa, e também, obviamente em menor grau, o Bl-g--x-st- e vários outros.

Será isso um crime? Será sequer estranho que um executivo apoiado por mais de 40% da população seja do agrado de uma meia dúzia de bloggers? Serão as opiniões do Câmara Corporativa excêntricas ao ponto de só interesses inconfessáveis poderem justificá-las? Há, pelos vistos, quem assim pense .

Como se o nível da discussão não tivesse descido já suficientemente baixo, o Câmara Corporativa achou ontem apropriado acusar Paulo Pinto Mascarenhas, do Atlântico, que entretanto se metera ao barulho, de ter em tempos feito aquilo de que agora acusa os outros. Para ser franco, o Câmara Corporativa parece admitir implicitamente ser de facto, como pretende Luis Pedro, um canal de propaganda do governo, considerando-se desculpado pelo facto de alguns dos seus críticos mais acirrados também o terem sido no passado.

Tal como as picardias fazem parte do futebol, também algum destempero argumentativo é admissível nos blogues, desde que em doses homeopáticas. Mas tudo o que é demais é erro. Não será possível discutir política acaloradamente sem se entrar de parte a parte pela via das acusações rasteiras?

Dir-se-ia que a pobreza argumentativa que caracteriza o Eixo do Mal tende a alastrar de forma incontrolável. Dêem lá um beijinho e façam as pazes.

O outro déficite

Por que será que, quanto mais assisto a debates sobre a corrupção, mais me interrogo sobre o real sentido desta vozearia tonta que se apropriou do espaço público?

A indignação jorra em abundância de todos os lados, mas a indignação é apenas uma forma pretensiosa de urro. Bramar contra a corrupção parece hoje uma forma segura de conquistar tempo de antena, mesmo quando (sobretudo quando) a forma prevalece de forma patente sobre o conteúdo. A firmeza no combate à corrupção constrói hoje reputações sólidas, pouco importando que essa firmeza se esgote em declarações perante as cameras de televisão.

Como separar, nesta espessa névoa de palavras, a realidade da ficção? E será que isso interessa? Ou não será o entusiasmo público por estas fábulas precisamente uma forma de compensar o déficite de ficção - seja ela novelística, teatral ou cinematográfica - de que o país obviamente padece?

11.2.08

O crime está apenas a uma palavra do perdão



Ensina-nos Henrique Raposo no Atlântico: "Na guerra, não assassinamos pessoas. Na guerra, matamos o inimigo."

Yes, he can

O João Caetano fez notar que Obama conseguiu as suas maiores vitórias nos Estados em que o caucus é o sistema de voto utilizado. Isso voltou a acontecer neste fim de semana.

Nos caucuses, a votação é feita por braço no ar e em várias séries ao longo de muitas horas. Naturalmente, tende a afastar os eleitores menos militantes.

Pense-se o que se pensar do método, o certo é que é muito diferente daquele que será utilizado quando chegarmos às eleições a sério. Logo, será de esperar também nessa altura resultados bem distintos.

O eleitorado democrático anda a divertir-se à brava, mas o seu candidato corre o risco de repetir, em Novembro, o score de McGovern.

(Ler sobre o tema mais este post do João no Goodnight Moon.)

9.2.08

Alcochete é um barrete

Foi preciso o exilado político João Cravinho vir a Lisboa para conseguirmos ouvir alguém declarar o óbvio acerca do relatório comparativo entre as alternativas Ota e Alcochete elaborado pelo LNEC, ou seja: que algumas das conclusões contidas no documento não são suportadas pelos restantes capítulos que nele se incluem; que a opção Alcochete foi convenientemente aligeirada de importantíssimas rubricas de custos; que a recusa de atribuir uma ponderação aos diversos factores envolvidos na escolha final é a anedota do século; e que o Presidente do Instituto tem invocado em intervenções públicas argumentos que os estudos disponíveis não confirmam.

Não advogo que o dossier do novo aeroporto seja reaberto. Lisboa precisa urgentemente de uma infraestrutura capaz de proporcionar níveis de serviço adequados a todos os interessados, e já se perdeu demasiado tempo.

Mas é indispensável que se compreenda o monumental logro que culminou na escolha de Alcochete e que se medite sobre as condições que, neste caso como noutros, permitiram que, com toda a tranquilidade e com o aplauso de tantos inocentes úteis, se fizesse tábua rasa do interesse nacional. Um Estado frágil, indefeso perante o peso e a capacidade de mobilização dos interesses particulares, é o terreno fértil no qual cresce e alastra a corrupção.

O caso passou-se à vista de todos: ninguém pode queixar-se de falta de transparência. Não podemos, pois, pretender que a culpa é dos outros, que não temos nada com isso, que a responsabilidade é dos políticos. Mas parece que, tirando o Engº João Cravinho, não há no país nem técnicos nem figuras públicas com coluna vertebral.

Serões para trabalhadores



Vejam aqui o Alfred Brendel a tocar o Impromptu nº 3 de Schubert. Sou de opinião que a grande música ganha muito em ser vista: eu, pelo menos, compreendo-a melhor assim, acompanhando as linhas sonoras cruzadas que os dedos do pianista vão desenhando sobre o teclado.

A palavra "impromptu" pretende sugerir improviso, mas é mentira - ou melhor, mentirinha - embora não mais do que muitos "improvisos" de jazz que, na verdade, foram ensaiados e repetidos um milhão de vezes antes de serem submetidos à nossa apreciação. A parte verdadeira é que Schubert, de facto, gostava muito de improvisar entre amigos, e é possível que estas peças que depois registou por escrito tenham tido origem nesses momentos de inspiração ocasional.


Jeff Soto: Fall Waves, 2006.

8.2.08

Tudo o que você sempre quis saber e nunca teve paciência para aprender

Topei há pouco na FNAC com um volume intitulado Chinês em 15 Minutos. Juro.

Dois pensamentos:

1. Deve ter sido num livro deste género que o João Miranda estudou Economia

2. Para quando Física Quântica em 15 Segundos?

Aplauso

Escreveu ontem Vital Moreira no Causa Nossa:
"Está visto que o LNEC se tornou o passa-responsabilidades políticas do Governo em matéria de obras públicas, como se estas fossem um simples problema de engenharia e não também um problema de economia e de ordenamento territorial e urbanístico, com uma incontornável dimensão política. A democracia não pode ser capturada pela tecnocracia. A decisão e a responsabilidade política não podem confundir-se com a decisão e a responsabilidade técnica."
A sensação com que cada vez mais ficamos é que o Estado em Portugal não manda nada.

Sondagens para todos os gostos

Segundo esta sondagem, respigada no blogue de Dani Rodrik, Portugal é um dos poucos países onde uma clara maioria das pessoas acha que a globalização económica está a progredir demasiado devagar. Pode ser... Mas terá a pergunta sido feita em inglês?

Não percebe mesmo nada de bola...

O Maradona está, mais uma vez, redondamente enganado. O McCain, a Hilary e o Obama são todos do FC Porto.

7.2.08

"A really nice speech"

Brad de Long, que serviu na administração Clinton, explica porque votou em Obama:
"So none of the arguments against either candidate seems to me to weigh one way or another. So why did I vote for Barack Obama rather than HRC? Because he gives a really nice speech."

6.2.08

Não, mas sei

– Tu já estiveste em Jerusalém, Alpedrinha? perguntei, enfiando desconsoladamente as ceroulas.

– Não senhor, mas sei... Peor que Braga! - Irra!
Em matéria de eleições americanas, eu estou como o Alpedrinha: não tenho nenhuma prova de que McCain derrotará inevitavelmente Obama - mas sei.

4.2.08

Simon Rattle dirige e comenta o 4º andamento da Sinfonia Turangalila de Oliver Messiaen

Despresidencializando Tony Blair

A candidatura de Tony Blair à Presidência da União Europeia tem quatro grandes argumentos a seu favor:

1. É inglês. Sendo a opinião pública britânica tão dominada pelo eurocepticismo, a presença de um inglês à frente dos destinos da Europa constituiria uma oportunidade única para transformar o sentimento geral no seu país.

2. Fala francês. Nos tempos que correm, o chauvinismo francês satisfaz-se com estas pequenas vitórias.

3. É atlantista. Blair é o líder europeu mais apreciado em Washington, embora não necessariamente por falar francês.

4. É católico. Sabe-se como as boas graças do Vaticano podem ajudar, principalmente - mas não só - na Europa meridional.

Em contrapartida, a candidatura de Blair apresenta quatro grandes inconvenientes;

1. É inglês. Hoje, ser-se inglês confere a qualquer mediocridade uma vantagem injusta, inclusive na culinária e no futebol. É tempo de serem instituídas quotas máximas para ingleses, a começar pela política.

2. Fala francês. Sim, mas não fala muito bem. E, depois, que se lixem os franceses!

3. É atlantista. A influência dos EUA foi muito benéfica para a Europa na segunda metade do século XX. Mas, com a democracia americana a degenerar em populismo mediático, o melhor é fugirmos às más companhias.

4. É católico. Com Bento XVI, a Igreja parece apostada em reconquistar influência política directa, conforme o comprova a presente campanha eleitoral em Espanha.

Os bons velhos tempos

"O capitalismo não parece a mesma coisa que em tempos já foi." A que tempos se refere precisamente Luciano Amaral, nos quais o Estado não intervinha para dar a mão às grandes empresas financeiras em crise? Como dizia o outro, não há paraísos senão os perdidos.

Finlândias que cantam

Para enquadrar melhor este oportuno comentário do Eduardo Pitta, faço notar que, ainda hoje, temos uma taxa de analfabetismo semelhante à dos países escandinavos no final do século XIX. E depois querem produtividade!

3.2.08

Revisionismo histórico

Prevejo que, em 2075, um historiador do Instituto de Ciências Sociais sustentará não só que Vasco Gonçalves foi afinal um governante assisado e competente, como também que, se não tivesse sido inopinadamente apeado em 1975, Portugal teria por certo entrado num prolongado período de paz, florescimento cultural e prosperidade.

Gostos não se discutem



Gente que habita bairros como deve ser ficou muito chocada ao tomar conhecimento de que ainda há portugueses vivendo em casas como a que pode ver-se acima. Felizmente para todos nós, temos uma elite do gosto que concebe, aprova ou constrói obras de categoria como esta que abaixo podem admirar:

Uma vitória à Benfica

Bulhão Pato, acerca do inolvidável Sporting-Porto de Domingo passado:
"Durante 90 minutos, a equipa do Sporting foi tratada pelo adversário como o calceteiro normalmente trata as pedras da rua: com marretadas persistentes e dolorosas. Mesmo assim, ganhámos.(...) Experimentei assim, pela primeira vez em tantos anos de sofrimento, a sensação de ganhar à Benfica. Confesso que é muito agradável. A teoria que sustenta que as recompensas sabem melhor depois de árduo trabalho não passa de um mito capitalista, que visa impedir que os meninos copiem ou que os pastores abusem repetidamente das suas ovelhas. Por isso, adoptei novo lema: façamos ovelhas moucas... ahem... orelhas moucas e paremos de assobiar o Farnerud. Habituem-se, já lá dizia o Vitorino: ganhar à Benfica é muito reconfortante."

1.2.08



Yayoi Kusama: Fear of Dots, 2004.

Linha de rumo

A nova Ministra da Saúde é médica; o seu novo Secretário de Estado, também.

Para a remodelação governamental ser coerente, falta pôr um juíz na Justiça, um banqueiro nas Finanças, um general na Defesa e um sindicalista no Trabalho.

Também em matéria de corporações há filhos e enteados?