21.8.05
Dilemas da globalização
Pessoalmente, não precisava que alguém me convencesse de que a globalização é genericamente uma boa coisa. Para quem tiver dúvidas, porém, este livro é excelente para ficar a saber porque não fazem sentido os argumentos mais correntes dos movimentos que se lhe opõem.
Mas Martin Wolf vai mais longe, discutindo pacientemente as posições a favor e contra a internacionalização da economia assente na liberalização dos mercados. E com tal seriedade o faz que, para falar com franqueza, me encontro agora mais reticente do que estava antes.
Eis algumas razões:
1. O teorema das vantagens comparativas de David Ricardo, base da defesa do comércio livre, não é uma verdadeira teoria científica, dado que não pode ser verificado directamente, tal como tampouco pode ser verificado directamente se a liberalização do comércio tem um impacto positivo sobre o crescimento. Suponho que Lakatos preferiria chamar-lhe um programa de investigação científica.
2. É algo perturbador verificar-se que a melhoria da situação dos países sub-desenvolvidos nos últimos 20 anos se restringe praticamente à China e à Índia, sendo que nenhum desses dois países se pode considerar exemplar do ponto de vista da liberalização económica, quer interna quer externa.
3. A liberalização dos movimentos dos capitais não tem praticamente nenhum argumento prático positivo a apresentar a seu favor.
4. Como o próprio Wolf admite, todos os países que até hoje conseguiram arrancar para níveis elevados de desenvolvimento (Japão, Coreia e Taiwan) recorreram em maior ou menor grau a políticas industriais activas, incluindo a protecção de indústrias nascentes.
5. A Organização Mundial de Comércio tem tido uma actuação frequentemente criticável na defesa dos países mais poderosos, designadamente na imposição da protecção indevida da propriedade intelectual. Wolf também concorda com esta opinião.
Nada disto permite questionar globalmente a bondade da liberalização do comércio para o mundo em geral e para os países mais pobres em geral. Apenas mostra que, como seria de esperar, há muitos problemas por resolver.
A questão essencial, para mim é outra. Wolf afirma que, no início do século XX, o mundo atingiu já níveis de internacionalização idênticos aos de hoje, mas depois ocorreu uma regressão geral desse processo entre o início da 1ª Guerra Mundial e o final da 2ª.
Porquê? Wolf atribui a responsabilidade exclusiva desse recuo à ascensão das ideologistas colectivistas, tais como o nacionalismo, o fascismo, o nazismo e o comunismo, e não lhes poupa críticas em diversos capítulos do livro.
Esta explicação não me parece satisfatória, pois falta saber por que razão tanta gente aderiu de boa vontade a essas ideologias se o mundo se encontrava no limiar de uma era de prosperidade e felicidade global. Wolf não tem nenhuma resposta para isto, pela simples razão de que concebe a globalização como um movimento puramente económico, sem se deter nas suas consequências sociais e políticas, e particularmente sem cuidar dos problemas do poder.
Por muito benéfica que se revele a prazo, a liberalização dos mercados acarreta por vezes enormes perturbações sociais. Populações inteiras perdem as suas terras ou os seus empregos, sendo obrigadas a deslocar-se para outras regiões ou outros países distantes. São arrancadas dos seus lares, implantadas em ambientes urbanos agressivos onde se sentem estranhas. Perdem as suas referências culturais, ideológicas e religiosas. Milhões de indivíduos sentem-se sós, desenraízados, angustiados e abandonados. Numa palavra: entregues à sua sorte.
Não admira, por isso, que tenham aderido com tanto entusiasmo a movimentos que lhes restuituiram o sentimento de pertença de que haviam sido privados.
É precisamente este o mesmo risco que corremos hoje. Ou criamos instituições supra-nacionais capazes de governar eficazmente o processo de globalização, ou entraremos de novo numa época de sangrentos conflitos à escala nacional e internacional.
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