Cavaco chegou a primeiro-ministro de Portugal em 1984 tirando partido do vazio de poder no PSD e no país. Os portugueses detestam intimamente sujeitos sérios e mentalmente disciplinados, pelo que só em desespero de causa se resignam a aceitá-los como governantes.
Volvidos vinte anos, há outra vez a sensação de que quem nos governa não sabe o que quer nem para onde ir. Nova oportunidade para Cavaco voltar a triunfar?
Cavaco Silva ainda não anunciou se é ou não candidato, mas uma insigne pléiade de comentadores - alguns muito experientes no métier de aconselhar príncipes - já teve a bondade de vir a público explicar-lhe o que deverá fazer.
O programa que o incitam a adoptar explica-se em duas palavras. Segundo eles, o regime está pronto a cair de podre. Aproveitando a renovada expectativa popular em relação aos poderes presidenciais suscitada pelo oportuno afastamento de Santana, é altura de promover uma candidatura cujo propósito confesso será pôr fim à presente balbúrdia e refundar a democracia.
O que se quer é eleger um Presidente-Rei suficientemente forte e determinado para organizar um putsch constitucional visando uma alteração da Constituição que, longe de se ficar pelos arranjinhos de circunstância a que já estamos habituados, abale nos seus mais fundos alicerces a actual estrutura do poder e a substitua por uma democracia musculada.
Mas é claro que, como estes temas constitucionais não mobilizam os cidadãos eleitores, a candidatura de Cavaco terá de escolher uma bandeira mais susceptível de entusiasmar o povo. Por exemplo: a luta contra a corrupção, um artigo que vende sempre bem.
Aceitará Cavaco Silva estes conselhos? E, se o fizer, conseguirá chegar a Belém com esse programa?
Algo me diz que os portugueses, vítimas nos anos recentes de um excesso de realidade, poderão optar antes pela fantasia.
31.8.05
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