31.12.09

Morreu David Levine, colaborador habitual deste blogue

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Rembrandt, por David Levine.
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Boas leituras para 2010

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30.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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29.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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28.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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27.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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Convalescença adiada

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Confesso a minha surpresa pelo artigo de Ricardo Reis no i de sábado em que se queixa de ser vítima de um maldoso boato propagado, entre outros, por João Rodrigues e por mim mesmo, segundo o qual ele teria afirmado em Agosto de 2007 que, “dentro de um mês a crise estaria esquecida”.

E onde reside, afinal a nossa mentira? Segundo Ricardo Reis, quem tiver lido toda a entrevista ao Diário Económico (e não apenas o título, que, presumo, considera pouco rigoroso), compreenderia que o que disse foi outra coisa, a saber, que nessa altura haveria apenas uma crise de liquidez, a qual, a menos que se convertesse numa crise financeira e depois numa crise real, rapidamente se varreria da nossa memória.

Concede que isso pode ser considerado um tanto oco (“pode ser grave, pode não ser, quem sabe”), mas que, admitida a sua vaguidade, a previsão até se revelou correcta. Tanto lhe basta para acusar de “preguiça”, “burrice” ou “desonestidade” quem assim não pense.

Postas as coisas nestes termos, não me resta senão voltar ao assunto. Em primeiro lugar, não fomos só eu e o João Rodrigues que interpretamos mal Ricardo Reis. O mesmo sucedeu com Tavares Moreira no Quarta República e André Azevedo Alves no Insurgente. Convenhamos que já é muita a gente a treslê-lo, mas compreendo que não os mencione para evitar insultar publicamente gente de quem, ao que parece, se encontra ideologicamente mais próximo.

Em segundo lugar, Ricardo Reis erra ao afirmar que a sua entrevista foi concedida em Julho de 2007, com o que parece querer justificar a sua percepção de que, nessa altura, se estaria ainda apenas perante uma crise de liquidez. Não o digo por ter sido publicada em 29 de Agosto, mas por nela ser comentada uma declaração de Teixeira dos Santos de 1 do mesmo mês. Não resta, pois, a mínima dúvida que a entrevista é de Agosto.

Recordo que as bolsas caíram com fragor a 7 de Agosto. Logo, resta a hipótese de a azarada entrevista ter sido concedida entre 2 e 6 (sem esquecer que, de permeio, ainda houve um fim de semana) para o álibi do nosso opinante se manter de pé. Mas seria legítimo pretender-se, na primeira semana de Agosto, que a crise de liquidez não se convertera ainda em crise financeira? A meu ver, não era: como poderia alguém supor que, dada a sua dimensão, a crise do subprime, então já bem evidente, não teria graves repercussões sobre o sistema financeiro americano e mundial?

Por tudo isso me surpreendeu o modo como Ricardo Reis decidiu repegar no assunto. Poderia ter admitido que se exprimiu mal, ou argumentar que à data da entrevista as coisas ainda não estavam claras, ou, mesmo, reconhecer que se enganou, mas não tem argumentos para pretender que a sua previsão se revelou correcta e que quem não o reconhece (muita e variada gente, como vimos) padece de uma grave falha de carácter e espalha “mentiras”.

Eu acho normalíssimo que alguém se engane, e estou certo de que já me enganei mais vezes e com mais gravidade do que Ricardo Reis. Aflige-me apenas a ideia de que tantos economistas se apeguem com o afinco que podemos constatar a concepções cujas limitações a presente crise revelou à evidência e que, por conseguinte, lhes custe tanto reconhecer (como, por exemplo, fez Alan Greenspan) que, a dado momento, elas lhes toldaram a capacidade de juízo, a ponto de continuarem a negar o desastre quando ele já era evidente para tanta gente.

A terminar, deixo-vos com mais duas judiciosas previsões de Ricardo Reis:

“O efeito na economia real dos problemas nos empréstimos ‘subprime’ deve ser pequeno.” (…) “O verdadeiro perigo é que os bancos estejam em piores sarilhos do que descobrimos nos últimos dias despoletando uma crise financeira. Mas, os bancos centrais estão vigilantes, pelo que este ainda é um cenário improvável” (DE, 16.8.07).

"Por um lado, a macroeconomia sugere uma manutenção das taxas de juro. Por outro lado, os mercados financeiros esperam que as taxas caiam 0,5% para restabelecer a calma e reactivar o mercado dos CDO. Manter as taxas pode levar a falências em catadupa e causar uma crise financeira; descê-las deve aquecer a economia e gerar inflação". (DE, 11.9.07)

Fiquem aí à espera do aquecimento e da inflação, que eu volto já.
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26.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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25.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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24.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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23.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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Simples bom senso

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Também eu não acredito que o sistema monetário europeu seja, na sua actual configuração, produto de uma conspiração de ideólogos neo-liberais, mas é óbvio que os princípios que o informam foram fortemente influenciados pelo espírito do tempo.

É isso que explica que o mandato do BCE se limite ao controlo da inflação, sem qualquer preocupação com o desemprego ou com a taxa cambial do euro, situação que julgo singular em todo o mundo, tal como é único o grau de independência que lhe foi concedido.

Ora, a crise financeira demonstrou já que a concentração exclusiva na taxa de inflação não é sequer viável, quando mais recomendável. E, quanto mais completa a independência do banco central em relação às instâncias políticas, maior a sua dependência em relação a um grupo restrito e particular de interesses.

Estaremos ao menos de acordo nisto?

Os outros pontos levantados por João Ferreira do Amaral - papel reservado à política orçamental, financiamento monetário dos défices em situações especiais e admissão de medidas excepcionais para combater défices persistentes - parecem-me eminentemente razoáveis tendo em conta a experiência da última década.

Isto, é claro, se quisermos salvar o euro sem arruinar metade dos europeus.
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Contra o governo pelo "sentimento do mercado"

Excelente artigo de Robert Skidelsky no Financial Times:

"Why on earth should we take this market sentiment any more seriously than that which led to the great debauch of 2007? Markets, it is sometimes said, may not know what they are talking about, but governments have no choice but to do what they tell them. This is unacceptable. The duty of governments is to govern in the best interests of the people who elected them not of the City of London. If that means calling the bankers’ bluff, so be it."

22.12.09

O neo-liberalismo e eu

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É possível que ninguém tenha reparado, mas eu jamais utilizei a expressão "neo-liberalismo" naquilo que escrevo neste blogue ou fora dele.

Primeiro, porque a considero uma espécie de fato para marrecos, utilizada nas mais diversas circunstâncias e nos mais variados sentidos. Para alguma pessoas, entre as quais julgo incluirem-se os Ladrões, neo-liberalismo é praticamente tudo aquilo de que eles discordam.

Segundo, porque, embora seja avesso a algumas modalidades de liberalismo (designadamente nas suas variantes dogmática e interesseira) eu não só não tomo o epíteto como um insulto, como simpatizo genericamente com a ideia. Mais: entendo que o nosso país, em particular, necessita urgentemente de programas de liberalização em várias áreas.

O facto de eu subscrever o conjunto das propostas apresentadas por João Ferreira do Amaral a propósito da necessária refundação do sistema monetário europeu não implica que tenha que concordar com a fraseologia utilizada.

Somos, por enquanto, muito pouquinhos a pensar assim - ou pelo menos, a manifestar publicamente tais opiniões. Era o que faltava que nos dividissemos por questões de semântica.
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Os absurdos não se reformam, anulam-se

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Concordo com o que o Carlos Santos escreve sobre o total absurdo que subjaz ao impropriamente chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento. Como tal, não vejo interesse em reformá-lo.

Por isso é que, se o Carlos reparar bem, não propus reformar o PEC, mas reformar o sistema monetário europeu.
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21.12.09

E se o Parlamento deixasse de fazer crochê?

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Concordo com tudo o que João Ferreira do Amaral aqui diz sobre a necessária reforma do sistema monetário europeu e pergunto-me por que é que a Assembleia da República, em vez de se entreter a produzir programas de televisão, não toma iniciativa de promover um debate sério e aprofundado sobre o assunto:

"A política monetária deveria ter como objectivos, em pé de igualdade com a estabilidade de preços, o combate ao desemprego, o crescimento económico e a taxa de câmbio do euro;

"A total independência do Banco Central Europeu face ao poder político deveria ser eliminada;

"O papel macroeconómico da política orçamental no estimulo ao crescimento e no combate ao desemprego deveria ser reconhecido, levando a uma reformulação profunda do Pacto de Estabilidade e Crescimento;

"O financiamento monetário de défices públicos deveria ser admitido em situações de crise declarada;

"Deveria ser instituído um mecanismo processual que permitisse ao países da zona euro tomar medidas excepcionais para reequilibrar as suas contas com o exterior em caso de acumulação perigosa de dívida externa;

"Tudo o que é necessário fazer a nível macroeconómico será, afinal, abandonar os dogmas neoliberais que informaram Maastricht."

(Via Ladrão de Bicicletas.)
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O lado negro da "transparência"

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Há algum tempo que ando a pensar escrever algo na linha do artigo de Robert Skidelsky donde retirei estes extractos:
"The market logic of individual choice has been busy destroying the social logic of community. Formerly, leaders of the people were leaders of their communities, often personally known to those whom they served, and jealous of their reputations for probity and fair dealing. Trust was based on local knowledge fortified by continuous contact. The erosion of these powerful constraints on bad behavior was bound to produce a growing demand for public “accountability.”

(...)

"A low-trust society is the enemy of freedom. It will produce a juggernaut of escalating regulation and surveillance, which will reduce trust further and encourage cheating. After all, human nature is not only inherently gainful, but also takes satisfaction in gain cunningly achieved – for example, by finding ways round regulations. A free society requires a high degree of trust to reduce the burden of monitoring and control, and trust requires internalized standards of honor, truthfulness, and fairness.

"Systems in which people are trusted to behave well are more likely to produce good behavior than systems in which they are compelled to do so by regulation or fear of legal sanctions. Liberal societies must tolerate some degree of crime and corruption. But there will be less of it than in societies run by bureaucrats, courts, and policeman. In the former communist countries, private crime was virtually non-existent, but state crime was rampant."

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Vamos todos rezar para que a Grécia não arribe

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O problema da Grécia é um problema da Europa. Digam todo o mal que quiserem dos mercados, mas eles já perceberam isso. De modo que sucedeu o que tinha suceder: nos últimos dias, o euro perdeu valor face ao dólar.

Haverá alguma exportador que não fique contente com a notícia, tanto mais que ela implica, simultaneamente, uma desvalorização em relação à moeda chinesa?

Judas condenou-se à eterna perdição para assegurar o cumprimento da profecia. A Grécia sacrifica-se em prol de todos os europeus acumulando os défices que os restantes não ousam assumir.

Não se concebe atitude mais nobre. Sem o excessivo consumo deles, o que seria da excessiva produção alemã?

Oremos para que, tão cedo, não consigam voltar ao bom caminho.
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18.12.09

Massa cinzenta, precisa-se

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Tocam os sinos a rebate face à eventualidade de uma empresa brasileira adquirir uma participação dominante na Cimpor.

O Presidente da Caixa, detentora de quase 10% do capital da empresa, é citado pelo Jornal de Negócios como afirmando-se desinteressado em vender visto estar preocupado em "defender os centros de decisão nacionais".

Eu não acho que seja indiferente a nacionalidade dos proprietários das empresas, e acredito que, em certos casos bem definidos, a aquisição de uma empresa por investidores estrangeiros pode ter consequências muito negativas para um país. Estou a pensar, por exemplo, na venda da sua transportadora aérea.

Mas o que eu gostaria que Faria de Oliveira (ou o governo por ele) nos explicasse é que concretos interesses nacionais estão em causa na venda da... Cimpor?

Há receio de que a empresa seja deslocalizada? Absurdo.

Acaso desenvolve a empresa actividades de investigação cuja eventual eliminação empobreça o potencial científico e tecnológico do país? Duvido.

Ocupa a produção de cimento um lugar chave nalguma cadeia de valor que o país necessita de dominar? Não me façam rir.

Quer-me parecer, pois, que a invocação dos centros de decisão nacionais para defender os actuais proprietários da empresa não passa disso mesmo: utilização do poder político e da capacidade financeira do Estado para defender interesses privados sem ponta de relevância nacional.
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O estranho caso do Banco Central Europeu

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Quando, em 1942, Keynes começou a meditar no plano de reforma da ordem económica e financeira mundial no pós-guerra, uma das suas principais preocupações era prevenir e penalizar a ocorrência de sistemáticos excedentes comerciais nalguns países.

Na época, eram os EUA que se encontravam nessa situação; hoje, são a China, o Japão e a Alemanha, mas é claro que o problema chinês sobreleva todos os restantes.

Como se sabe, não triunfou o entendimento de Keynes, para quem o excesso de poupança devia talvez ser considerado o problema número um. De jeito que o FMI, a instituição central do sistema monetário internacional que emergiu após 1945, penaliza os devedores mas não os credores.

Esse preconceito contra a despesa e a favor da frugalidade não assenta em sãos princípios económicos, mas num bacoco moralismo de inspiração calvinista que, na altura, ia de encontro aos interesses dos EUA.

Sucede que, como a pouco e pouco se está a tornar claro, o BCE é uma espécie de FMI não só para os países da zona euro, como para todos os que integram a UE, e, ainda, para outros que a ela estão mais associados (ex: Islândia).

Ora, também no nosso FMI continental, prevalece a mesma despreocupação em relação ao comportamento daqueles governos cujas políticas mercantilistas alimentam em paralelo poupança interna excessiva e superávites externos colossais e crescentes, como é o caso da Alemanha.

Subsiste então na opinião pública e em muitos comentadores a pueril ficção de que é possível penalizar a Grécia sem ao mesmo tempo penalizar os bancos alemães, austríacos, ingleses e franceses que lhe emprestaram dinheiro.

Não é o caso. Se acaso a Grécia viesse a declarar a impossibilidade de pagar atempadamente o que deve, não tenhamos dúvidas de que, aí, a UE e o BCE interviriam.

Mas, então, o que faz sentido é intervirem imediatamente, caso contrário não só a crise grega poderá continuar a agravar-se, como crescerá a percepção de risco de outros países em dificuldades.

Os arranjos que subjazem ao espaço monetário europeu não fazem sentido. É altura de começar a pensar em reformá-los.
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Por que é que antigamente se lia mais?

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Red Bull não lhes deu asas

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Os salários são mais baixos e o desemprego mais alto no Norte do país, e a tendência é para a situação piorar.

Ontem, alguns distraídos souberam pelos jornais que o produto per capita da região de Lisboa é superior à média da UE (o que já é verdade faz tempo), ao passo que o Norte ficou para trás.

Falta acrescentar que a crise económica do país é, na verdade, a crise do Norte, cuja posição relativa não tem parado de degradar-se na última década. Distante dessa realidade, muita gente na capital não se dá conta de como pioraram as condições de vida de muitos portugueses.

No Norte estava e está instalada uma boa parte da capacidade industrial do país. Logo, a decadência das indústrias tradicionais (têxtil e vestuário em primeiro lugar), assentes em trabalho muito pouco qualificado e barato, fez-se sentir lá mais que em qualquer outro lado.

É estranho que, num país tão obcecado com a divergência em relação à UE, ninguém note a divergência interna que em boa parte explica essa divergência externa. Ou talvez eu devesse antes estranhar que as elites dirigentes do Norte não reconheçam nem enfrentem essa situação.

Ao que parece, a única coisa que as incomode e mobiliza é a Red Bull transferir um evento do Porto para Lisboa, ainda por cima em circunstâncias que confirmam a sua estranha apatia.

É a altura de o povo do Norte começar a perguntar-se se uma parte das desgraças que o afligem não se deverá em grande medida à parlapatice dessas elites, sempre mais prontas a debater o 4-3-3 na televisão do que o relançamento da região cujos destinos tão negativamente influenciam.
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17.12.09

Estado de catástrofe semiótica e mistérios da produtividade

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Vendo bem, o caos da sinalização instalada nas nossas ruas e estradas não é muito grave, porque a gente safa-se com o GPS.

O problema é que a mesma falta de lógica rege o funcionamento das nossas empresas e instituições e, para isso, ainda não há remédio à venda no centro comercial.

É disso que trata o meu artigo desta semana no Jornal de Negócios.
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15.12.09

Pesadelo encadernado

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Tive ontem um pesadelo. Sonhei que o mentecapto que traduz os títulos dos filmes era autorizado a fazer o mesmo com os livros. Eis alguns resultados do seu tresloucado labor:

A Ilíada - Rapto Sangrento

O Vermelho e o Negro - Ambição Sem Limites

Os Três Mosqueteiros - Os Quatro Mosqueteiros

Em Busca do Tempo Perdido - Memórias de Um Homossexual

O Processo - Erro Judicial

Os Maias - Incesto na Alta Sociedade

Amor de Perdição - Perdidos de Amor

Moby Dick - A Baleia Assassina

Os Irmãos Karamazov - Uma Família de Gritos

Dom Quixote - Sancho Pança

A Ilha do Tesouro - A Ilha do Tesouro
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Kubler-Ross

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A psiquiatra suíça Elisabeth Kubler-Ross (1926-2004) sustenta que, quando alguém é confrontado com a iminência de uma tragédia inelutável, o seu estádio de espírito passa por cinco fases distintas: recusa, raiva, negociação, depressão e aceitação.

Pelas minhas contas, estamos presentemente a assistir à fase da raiva. Com a discussão do orçamento para 2010 virá a negociação. Seguir-se-lhe-ão a depressão e, finalmente, a aceitação.

Há que respeitar o sofrimento alheio.
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Playlist 19 - The Shadows: Apache

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Nos anos que antecederam o aparecimento dos Beatles, o que estava a dar era os grupos puramente instrumentais do género dos Shadows, com três guitarras e uma bateria. Aliás, a dada altura, antes de se tornarem conhecidos, os Beatles também funcionaram como mero grupo de suporte do Tony Sheridan, uma imitação razoável do Cliff Richard (por sua vez acompanhado pelos Shadows), mas não muito inteligente, porque achava que os quatro de Liverpool não eram suficientemente bons para ele.

Outra lenda interessante - mas não forçosamente verdadeira - pretende que os Beatles foram rejeitados por uma editora discográfica porque, no modo de ver de um outro crâneo cujo nome se me varreu, a moda dos grupos de três guitarras e uma bateria estaria prestes a chegar ao fim.

O que ninguém parece ter previsto foi que a música popular puramente instrumental nunca mais depois dos Shadows voltou a ter a mesma saída. Já lá vai meio século. E por quê, meu Deus, por quê?

Enfim, meus senhores e minhas senhoras, aqui ficam então os Shadows, liderados pelo prodigioso Hank Marvin na guitarra solo.
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14.12.09

Uma daquelas brincadeiras estúpidas...

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Tu cá, tu lá

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Reencontrei surpreendentemente o livrinho de Lindley Contra "Sobre Formas de Tratamento na Língua Portuguesa" publicado pelos Livros Horizonte em 1972, que nos diz mais sobre a nossa maneira de ser do que grossos tratados de sociologia.

O autor sustenta que a exasperante complexidade das formas de tratamento que usamos no quotidiano terá nascido no século XIV como subproduto do esforço de afirmação social dos parvenus que ascenderam ao poder após a revolução de 1385 atrelados ao Mestre de Aviz. Baseia a sua opinião sobretudo na súbita evolução que nota dos escritos de Fernão Lopes para os de Zurara.

A partir daí, nunca mais nos deixou a obsessão nacional com a utilização dos títulos e das formas de nos dirigirmos uns aos outros como sinais de demarcação social, a ponto de Filipe II e João V terem promulgado leis - sim, leis! - determinando que classes e cargos poderiam ou não ser tratado por alteza, excelência, senhoria ou reverência.

Os tempos mudaram, é claro. Cintra julgava poder identificar ao longo da década de 60 uma progressiva ampliação da utilização do "tu" e do "você" (neste último caso acompanhado da perda da conotação depreciativa) a par do acantonamento do "Excelência" a situações de particular cerimónia. Mais optimisticamente, ele acreditava estarmos a assistir ao desaparecimento de formas de tratamento acintosamente classistas.

É verdade que, hoje, tratamos a mulher a dias por "senhora" ou "senhora dona", mas parece-me que Lindley Cintra ficaria surpreendido com a utilização contemporânea do "doutor", "engenheiro" ou do "professor" como pouco mais ou menos equivalentes do tradicional "excelência". E nem é precido recordar como dizer "o" Cavaco Silva ou usar o pronome "ele" para mencionar Sócrates continua a ser considerado má educação em determinados contextos.

No que toca a gente importante, o tratamento por Tu continua reservado a Deus.
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Paul Samuelson (1915-2009)

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Breve extracto de uma recente entrevista de Paul Samuelson, ontem falecido, à Atlantic de Junho:

What would you say to someone starting graduate study in economics? Where do you think the big developments in modern macro are going to be, or in the micro foundations of modern macro? Where does it go from here and how does the current crisis change it?

Well, I'd say, and this is probably a change from what I would have said when I was younger: Have a very healthy respect for the study of economic history, because that's the raw material out of which any of your conjectures or testings will come. And I think the recent period has illustrated that. The governor of the Bank of England seems to have forgotten or not known that there was no bank insurance in England, so when Northern Rock got a run, he was surprised. Well, he shouldn't have been.

But history doesn't tell its own story. You've got to bring to it all the statistical testings that are possible. And we have a lot more information now than we used to.
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13.12.09

Playlist 18 - Tornados: Telstar

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Esquecera-me completamente desta musiquinha até recentemente ter voltado a escutá-la no final de um episódio da série Mad Men. O Telstar foi o primeiro satélite comercial de telecomunicações, permitindo, por exemplo, a transmissão em directo de programas de televisão para todo o mundo. O tema exprime de forma ingénua o contangiante optimismo da primeira fase da conquista do espaço. Com ele, uma banda britânica atingiu pela primeira vez o Top One nos EUA.
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11.12.09

O Princípio de Peter não é uma mera anedota

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A seguinte citação, extraída de um estudo mencionado por Chris Dillon, é aqui reproduzida não só pelo seu mérito intrínseco de pôr as cabeças a funcionar mas também por ser uma forma garantida de irritar certas pessoas que, embora saibam inglês, se sentem muito condoídas pela implícita exclusão dos ignorantes seus conhecidos:
"Competitive career systems have an inherent tendency to promote the least productive individuals, thus leading to mediocracy.
The intuition for this result comes from the fact that more productive people have better fall-back positions than less productive ones when failing in the competition for top positions. Hence, highly productive people have only moderate incentives to win the competition for top jobs, whereas individuals with low productivity have strong incentives to avoid their rather unattractive fall-back positions."
Já que chegaram até aqui, leiam o resto para conhecerem as surpreendentes mas lógicas conclusões que Chris Dillon daqui tira.
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10.12.09

Brincando à beira do precipício

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Isto é actualmente verdade em muitos países, incluindo o nosso:
"If we had a reasonable bipartisan politics, many good ideas would become politically possible which are now aborted by the duty of the Opposition to oppose everything that the Government do. I only hope that this duty does not abort the recovery."

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Teoria do ciclo de vida musical

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0-10 This sound makes me go bouncy and I can shout it.

10-13 This music is good for dancing and singing and it reminds me of telly.

13-15 What music do my friends like? I must like the same music.

15-17 If I like the right music then girls will like me.

17-25 Nothing is more important in the world than [insert band] and only I and Paul Morley understand their significance. I don't care that girls don't like me.

25-30 What is it with [insert band]? They are ridiculous, strutting sell-outs. Music is just a rip-off man.

30-35 There's more to music than pop you know. This jazz stuff is fascinating, and there's music from round the world and have you heard some of those blues guys and John Cage and everything.

35-40 I'm still very much aware of today's music, there are a lot of incredible bands out there, even these days. I'll never get caught in some retro trap.

40-45 I only really listen to the music I liked when I was 17.

(I'm assuming that fairly soon I will revert to 'this sounds makes me go bouncy and I can shout it'.)

Dão-se alvíssaras a quem tiver uma experiência acentadamente diferente desta.
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8.12.09

Playlist 18 - Baden Powell: Samba Triste

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Enquanto viveu, tudo o que Baden ganhava, dizia Vinicius, ia para a Escócia.
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7.12.09

Um keynesiano condicional

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Quem terá inventado essa superstição absurda segundo a qual, para entender uma obra, não é preciso conhecer o seu autor? Falso, mil vezes falso.

Para o entender basta mergulharmos nas 850 páginas (na versão reduzida!) da colossal e minuciosa biografia de John Maynard Keynes que Robert Skidelsky laboriosamente redigiu.

A geração de Keynes nasceu e cresceu na última fase da época vitoriana, num clima de transbordante optimismo e auto-confiança, pelo menos no que tocava às classes dirigentes da Inglaterra imperial. O jovem Maynard fazia parte de uma seita de jovens algo lunáticos - o grupo de Bloomsbury, cuja figura mais destacada foi Virginia Woolf - que questionavam a moralidade e os preconceitos vigentes, o que, por exemplo, fez de quase todos os homens homossexuais militantes.

Essa independência de espírito não conflituava, porém, com a crença na intrínseca bondade das instituições centrais da sociedade britânica.

Mas em 1914 - teria Keynes acabado de completar trinta anos, quase tudo o que lhe restava de vida - começou a I Guerra Mundial, que marcou o início de três décadas consecutivas de miséria, caos, guerra, opressão crescente e, sobretudo, desesperança.

A vida de Keynes foi decerto muito diferente do que imaginara. Mas o seu envolvimento nos grandes debates político-económicos domésticos e internacionais do seu tempo, impulsionado por um forte sentido de serviço público, permitiu-lhe transformar a infelicidade em grandeza.

Mais do que um teórico, ele era um homem de acção, em última análise disposto a prescindir de esquemas abstractos em favor de projectos viáveis e sensatos. Toda a sua obra económica deve ser lida e interpretada a esta luz, não restando grandes dúvidas de que, se ainda fosse vivo, só condicional e relutantemente aceitasse o epíteto de "keynesiano".

A sua perspectiva da economia não era compatível com as "ilusões científicas" de que a disciplina hoje quase universalmente padece. Talvez concordasse, por isso, que todas as teorias são erradas, mas algumas são úteis.

Desta exigente leitura, que tanta coisa me ensinou, resulta antes de mais uma grande admiração por uma geração de pessoas decentes e esforçadas que, em todo o mundo, lutou nesse período pela preservação dos fundamentos da civilização, e que, no final, triunfou no seu propósito contra todas as expectativas.
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Enfim, sós

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Pode-se ler no Público de hoje um editorial incitando à tomada de decisões urgentes na cimeira de Copenhagen destinadas a combater as alterações climáticas. Esse texto foi apoiado e publicado simultaneamente em 56 dos mais importantes jornais de 44 diferentes países, entre os quais o Guardian (do qual partiu a iniciativa), o El Pais, o La Republica, o Le Monde e o Liberation.

Nos EUA, aderiram o "Miami Herald" e o "El Nuevo Herald".
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Playlist 17 - Animals: House of Rising Sun

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Os Animals foram o típico grupo de rock working class, cujo primeiro grande sucesso foi também buscar a sua inspiração a Dylan. Neste caso, não a uma canção de Dylan, mas à versão moderna que Dylan fez de um tema tradicional americano que trata das aflições de uma juventude transviada oriunda de meios sociais degradados, por isso condenada a uma vida de crime e expiação. Tudo a ver, portanto, com o background social de Eric Burdon, Alan Price, Chas Chandler e dos outros cujos nomes não recordo.
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6.12.09

Playlist 16 - Byrds: Mister Tambourine Man

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"Mister Tambourine Man" foi, na interpretação dos Byrds, o primeiro grande hit de Bob Dyian, e, por decorrência, também a canção que o projectou para o estrelato. Nos anos seguintes, não seria filho de boa gente um grupo que não incluísse no seu reportório pelo menos uma composição de Dylan. Quanto aos Byrds, o seu aparecimento marcou o início da resposta americana à invasão britânica posterior à irrupção dos Beatles na cena musical.
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A tragédia do povo russo

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Depois de ler "A People's Tragedy: The Russian Revolution (1891-1924)" de Orlando Figes fica-se com a impressão de ter conhecido pessoalmente todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, participaram na Revolução Russa, ou seja, não apenas Nicolau, Lenine, Kerensky, Trotsky ou Denikine, mas também as mulheres que durante dias, ao frio, faziam bicha para comprar pão, os manifestantes de Fevereiro massacrados quando se propunham entregar uma petição ao czar e os fuzileiros checos que, para regressarem a casa, tiveram que atravessar, sempre combatendo, toda a Ásia rumo a Vladivostok.

Onde estava Trotsky quando começou a revolução de Fevereiro? Como ocupou o seu tempo Lenine a bordo do comboio que o trouxe até à estação da Finlândia? Exactamente com quem dormiu Krupskaya em determinado dia? Orlando Figes conta tudo isso e muito mais.

Na véspera do assalto ao Palácio de Inverno, Kerensky abandonou São Petersburgo para ir buscar reforços dispostos a defender o Governo Provisório. Seria essa justificação um mero pretexro para encobrir a fuga, ou terá ele dito a verdade? Figes foi analisar os movimentos da conta bancária e concluíu que, como, antes de partir, o chefe do governo levantou apenas uma pequena quantia, e não, como faria alguém em fuga, a totalidade do seu dinheiro, parece que podemos confiar na sua explicação.

O mais espantoso, porém, é que a atenção ao detalhe não impede Figes de nos transmitir as grandes tendências subjacentes aos acontecimentos de transcendente importância para o mundo que abalaram a Rússia entre 1891 e 1924. Mais ainda, apesar de o autor não alimentar quaisquer ilusões sobre o sentido geral da revolução russa e as suas consequências - o título "A People's Tragedy" diz tudo - ele não cede nunca à tentação hoje tão comum em historiadores de meia tigela de recorrerem ao acerto de contas com mortos no intuito de exibirem a sua própria suposta superioridade moral.

De longe a melhor, mais completa e mais instrutiva coisa que jamais li sobre a revolução russa.
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5.12.09

Playlist 15 - Judy Collins: Daddy You've Been On My Mind

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As gravações de Judy Collins - a "Judy Blue Eyes" da canção de Crosby, Stills & Nash - tornaram-se incompreensivelmente difíceis de encontrar em CD. Vemos aqui a única verdadeira rival de Joan Baez, no início da sua carreira, num programa de TV de Pete Seeger, cujo cenário sugere um convívio musical entre camaradas no final da reunião da célula. A canção é de Dylan - curioso, este tipo aparece com cada vez maior frequência...
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4.12.09

Playlist 14 - Joan Baez: It Ain't Me Babe

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Bob Dylan outra vez, é claro, numa época em que o seu nome era ainda pouco conhecido fora do círculo restrito dos amantes da folk, aqui pela voz surpreendente de Baez que, por si só, conferiu ao género um acréscimo de prestígio. Uma voz límpida e educada (mas nunca afectada), um discreto acompanhamento de guitarra, letras marcantes e sempre surpreendentes, histórias arrancadas ao quotidiano, melodias sem enfeites, interpretações sem esforço e imunes ao sentimentalisno barato, e ainda a simplicidade da postura em palco, fizeram de Joan Baez o perfeito ícone da contra-cultura da primeira metade dos anos 60 que mais tarde se cristalizaria no movimento hippy.
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3.12.09

Playlist 13 - Peter, Paul & Mary: Blowin' In the Wind

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Dylan começou a tornar-se conhecido através de intérpretes de estilo vocal menos rebarbativo, entre eles Peter, Paul and Mary. A agressão musical era convertida em suave melodia, quase adocicada, mais de acordo com os cânones da época, e até dava para perceber a letra.
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2.12.09

O trabalhador, o homem activo e o organizador

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Há três tipos de energia - a do trabalhador, a do homem activo e a do organizador.

O trabalhador exerce regularmente um mister ou um cargo segundo as normas desse mesmo cargo ou mister. Corre numa calha indefinidamente e com grande utilidade social.

O homem activo nunca tem mister próprio; a simples actividade é indisciplinada por natureza. Exerce ele sempre um cargo ocasional e temporário, uma espécie de molde em que vasa um momento a sua energia constante. Esse momento pode durar toda a vida: esse molde pode nunca quebrar-se.

O organizador trabalha pouco: faz só calhas e moldes.

Os anteriores quatro parágrafos sairam directamente da pena do Fernando Pessoa, não do meu teclado. Não o confessei logo nem os coloquei entre parênteses para vocês ficarem por uns momentos com a impressão de que eu sou um tipo muito inteligente.

Ora bem, o que eu queria sublinhar é que, bem-entendidas, estas linhas contêm as linhas gerais de uma estratégia económica de sucesso para Portugal.

Boa noite.
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Revivendo o passado da acumulação primitiva na Somália

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A Companhia Holandesa das Índias Orientais tinha muitas semelhanças com isto:
(Reuters) In Somalia's main pirate lair of Haradheere, the sea gangs have set up a cooperative to fund their hijackings offshore, a sort of stock exchange meets criminal syndicate.

Heavily armed pirates from the lawless Horn of Africa nation have terrorised shipping lanes in the Indian Ocean and strategic Gulf of Aden, which links Europe to Asia through the Red Sea.

The gangs have made tens of millions of dollars from ransoms and a deployment by foreign navies in the area has only appeared to drive the attackers to hunt further from shore.

It is a lucrative business that has drawn financiers from the Somali diaspora and other nations -- and now the gangs in Haradheere have set up an exchange to manage their investments.

One wealthy former pirate named Mohammed took Reuters around the small facility and said it had proved to be an important way for the pirates to win support from the local community for their operations, despite the dangers involved.

"Four months ago, during the monsoon rains, we decided to set up this stock exchange. We started with 15 'maritime companies' and now we are hosting 72. Ten of them have so far been successful at hijacking," Mohammed said.
Os piratas da Somália chegaram tarde ao processo de acumulação primitiva do capital. Este tipo de actividades tornaram-se entretanto incompatíveis com os valores da civilização ocidental, mas, pelo vistos, eles ainda não foram informados.

Adeus a Max Weber ou Três Vivas ao Papado

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Davide Cantoni acredita ter refutado a tese de Max Weber sobre a afinidade entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, que a mim, pessoalmente, nunca me convenceu:
"Many theories, most famously Max Weber's essay on the 'Protestant ethic,' have hypothesized that Protestantism should have favored economic development. With their considerable religious heterogeneity and stability of denominational affiliations until the 19th century, the German Lands of the Holy Roman Empire present an ideal testing ground for this hypothesis. Using population figures in a dataset comprising 276 cities in the years 1300-1900, I find no effects of Protestantism on economic growth. The finding is robust to the inclusion of a variety of controls, and does not appear to depend on data selection or small sample size. In addition, Protestantism has no effect when interacted with other likely determinants of economic development. I also analyze the endogeneity of religious choice; instrumental variables estimates of the effects of Protestantism are similar to the OLS results."

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Todos percebemos mais chinês do que julgamos, vejam até ao fim

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Playlist 12 - Peter, Paul & Mary: If I Had a Hammer

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O nome de Peter, Paul and Mary foi uma excelente escolha para este conjunto vocal. Pelas suas óbvias ressonâncias bíblicas, é claro, mas também pelo programa de despretensiosa simplicidade que encerra.

A indumentária e a postura do trio era neutral, em contraste com a artificialidade do jogo de palco dominante nos anos 50. Os intérpretes apagavam-se voluntariamente para ceder todo o protagonismo à música - essa sim, sofisticada e exigente.

A folk music fora crescentemente adoptada pelos círculos intelectuais da esquerda norte-americana como a forma musical mais adequada à expressão de um pensamento social avançado. Com Peter, Paul and Mary, ela adquiriu uma riqueza polifónica que não podia deixar de encantar mesmo quem fosse indiferente a esses ideais.
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Devagar, devagarinho

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1.12.09

Como negociar a saída da crise

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Uma das crenças centrais dos economistas pacóvios consiste em supor que há uma crise portuguesa distinta da crise internacional.

Decorre daí a ilusão de que não só a nossa salvação é independente da do vasto mundo, como podemos pensá-la à margem do que nele se passa. Uma das consequências nefastas dessa maneira de pensar é não utilizarmos devidamente os recursos diplomáticos que temos ao nosso dispor no quadro da União Europeia.

Ao contrário do que se passava há apenas três anos atrás, é hoje claro que Portugal partilha com um conjunto de países europeus (para já, pelo menos, a Irlanda, a Grécia, a Húngria, a Espanha e a Itália) um certo número de problemas similares.

A primeira conclusão a tirar daí é que não se trata do problema deste ou daquele país, mas de um problema da União Europeia, ou, melhor dizendo, de um problema do modo como a zona euro foi concebida e organizada.

Nestas circunstâncias, Portugal deve adoptar uma de duas estratégias:

a) Fazer valer a sua posição de país relativamente bem comportado - que é o que efectivamente foi nos últimos anos. Necessita, para isso, de continuar a ser um bocadinho melhor do que os outros, de modo a poder ser apontado como o exemplo a seguir pelos países em maiores dificuldades.

b) Concertar com os restantes países do arco da dívida (uma nova expressão de cuja invenção estou muito orgulhoso) uma posição negocial face à UE e ao BCE, que é como quem diz: face à Alemanha. No conjunto, eles representam cerca de um terço da população europeia - algo que não pode ser ignorado, principalmente num contexto de aumento dos poderes do Parlamento Europeu.
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O fado da classe média

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Eu quero que toda a gente se sinta feliz, incluindo o Amorim, o Berardo e, por maioria de razões, a tão lamentada classe média.

Todavia, não perco o sono por causa das aflições dela.

Em primeiro lugar, a classe média é uma daquelas noites imaginárias em que todos os gatos são pardos. Abrange uma multidão de famílias de funcionários cujo vencimento líquido mensal decerto não chega aos 2 mil euros, mas também casais de gestores que ganham à vontade 5 vezes mais.

Uma boa parte dessa classe exige muito do país e dá-lhe pouco em troca. Recupera sob a forma de benefícios variados praticamente cada euro que paga ao Estado. Caso tenha sofrido alguma coisa com a presente crise - o que nem sequer é certo -, o mal não terá sido grande.

A nossa classe média deveria, a meu ver, sonhar menos com o BMW, as férias no Brasil e a casa no Algarve, e mais em ler jornais, adquirir alguma cultura e contribuir para tornar o país mais produtivo.

Quem nos deve preocupar são os miúdos que vão para a escola com fome, os velhos que não têm dinheiro para os medicamentos e os casais que perderam o emprego quando fechou a fábrica de sapatos onde ambos trabalhavam - ou seja, os pobres, não a "classe média".

Acho de muito mau gosto que um governo socialista, adoptando a linguagem do PSD, não encontre maior preocupação do que as supostas agruras da classe média. Se os problemas do país se resumissem aos desse estrato social, um programa liberal seria o mais apropriado para resolvê-los.
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Playlist 11 - Nara Leão: Manhã de Carnaval

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A voz de Nara Leão é frágil e ligeiramente desafinada - um número arriscado de trapézio que nos mantém em constante sobressalto.
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