28.8.10

Discernimento e ausência dele

.
Vasco Pulido Valente leu no jornal que mais portugueses confiam em Bruxelas do que no seu governo nacional para resolver a crise. Deduziu disso (v. Público de hoje) que "a Europa serve de conforto ao desespero do indígena", que "a democracia levou os portugueses à irresponsabilidade" e que esperamos que "a salvação venha de uma força superior estranha à mísera realidade portuguesa".

Se tivesse consultado o Eurobarómetro que cita, saberia que, tirando a Roménia e o Reino Unido, em todos os restantes países da União Europeia se acredita que Bruxelas tem mais condições para resolver a crise internacional do que os respectivos governos nacionais. O que, diga-se, só abona em favor do discernimento popular.

(VPV reproduz levianamente uma série de outras mentiras constantes do artigo de jornal que leu. É normal, num patarata que não tem qualquer preocupação de se informar previamente do que fala.)
.

Contos de fadas irlandeses

.
No For a fistful of euros, P O Neil propõe uma interessante análise sobre a evolução no longo prazo do défice público irlandês: nem baseada na redução da despesa, nem sustentável. E os últimos dois anos terão bastado para eliminar a redução do endividamento conseguida entre 1994 e 2006.
.

27.8.10

Um povo de gente esperta

.
Segundo o DN de hoje, 28% dos portugueses acreditam que a UE está melhor habilitada a resolver a crise, contra 11% que acham ser o governo português.

Não sei o que pensam os restantes 61%, porque o artigo (um modelo de manipulação da informação, diga-se) não o esclarece.

Mas os respondentes ao inquérito do Eurobarómetro têm razão: só os ignorantes do estado do mundo podem acreditar que há uma crise portuguesa distinta da internacional e que dispomos dos meios necessários e suficientes para resolver sozinhos a situação.

Nota: Lendo directamente na net o relatório do Eurobarómetro, verifico que, com excepção da Roménia e do Reino Unido, em todos os países da UE se confia mais nas instituições comunitárias do que nos governos nacionais para resolver a crise. Confirmei também que a notícia não assinada do DN é uma vergonhosa peça de desinformação.
.

Koo e Shiller, dois tipos que sabem do que falam, prevêm que EUA voltarão à recessão

.




Notem que, embora Koo e Shiller sejam dois distintíssimos economistas com importantes obras publicadas, ambos estes videos (o primeiro de 2009, o segundo muito recente) têm um muito baixo número de visualizações no YouTube.
.

26.8.10

The 2010/11 season at the Berliner Philharmoniker's Digital Concert HalI

.

.

Desemprego de palermas continua a diminuir

.
O INE informou ontem que, após um início de ano algo hesitante, o desemprego entre os palermas voltou a baixar no 2º trimestre, encontrando-se agora nos 3,5%, muito abaixo portanto dos 10,8% que afligem os trabalhadores em geral.

Segundo os economistas contactados, 3,5% nem pode ser considerado propriamente desemprego. "É aquilo a que tecnicamente se chama desemprego friccional", confidenciou-nos um deles, "trata-se de palermas que se despedem de um patrão porque estão certos que a breve termo encontrarão uma ocupação melhor remunerada noutro lugar."

A televisão é o sector que maior número de empregos cria anualmente para palermas, seguida a grande distância pela imprensa escrita.

"O Governo não está consciente da gravidade da situação", acusou o director de programas de um canal que declinou identificar-se, "pura e simplesmente, o sistema de ensino não está a formar palermas em quantidade e qualidade suficientes para fazer face à crescente procura. Os prejuízos são incalculáveis, e ninguém parece preocupar-se com isso".

E acrescentou: "Lamentavelmente, já fomos forçados a contratar gente esperta e sensata para fazer reportagens. É muito desagradável." A situação é ainda mais grave no segmento dos apresentadores de programas, o que segundo a mesma fonte, contribui para inflacionar os salários do escasso número de palermas de grande nível disponíveis no mercado. Felizmente para as televisões, não tem havido nem tampouco se antevêem dificuldades de recrutamento na área do comentário político.

Na imprensa escrita, os palermas mais qualificados ocupam-se a seleccionar as frases do dia. "É um trabalho exaustivo e exigente escolher as melhores de todas as inúmeras palermices que se escrevem diariamente no país, tanto mais que os nossos palermas já estão a trabalhar ao nível do melhor que se faz lá fora. É muito muito muito difícil", disse-nos alguém que se dedica a essa tarefa há mais de uma década.
.

25.8.10

E se o crescimento tivesse chegado ao fim?

.
Quase todos nós tendemos a encarar a presente crise como uma breve pausa no processo de crescimento a que nos habituámos de há 200 anos a esta parte.

Mas não é impossível que, mais tarde ou mais cedo, ele chegue ao fim. E pode ser que seja agora.

Que consequências decorreriam do esgotamento permanente do crescimento económico para as sociedades contemporâneas? É este o tema do meu artigo desta semana no Jornal de Negócios.
.

Petróleo a 71 dólares

.

.

24.8.10

Quem sou eu para opinar sobre isto?

.


Fez-me muita confusão descobrir que toda a gente ansiava por possuir um telemóvel. Só nos últimos anos me habituei a enviar mensagens por SMS. Por mim, ainda hoje tiraria fotos analógicas. Os LPs eram fantásticos, os CDs excelentes, não senti nenhuma urgência de aderir ao iPod.

Logo, quem sou eu para avaliar que espécie de malucos poderiam ver algum tipo de utilidade neste Rolly, lançado pela Sony em 2007? Mas confesso que o facto de o produto ter sido um fracasso me deixa mais confiante nas minhas capacidades de discernimento.

O video de demonstração é divertido, mas o gozo que proporciona decerto não justifica as fortunas dispendidas no desenvolvimento do dispositivo. Digo eu.
.

23.8.10

O ciclista que impediu uma guerra civil

.


Extracto da auto-biografia do filósofo italiano Gianni Vattimo (Non Essere Dio):

"Recordo bem o 14 de Julho de 1948, porque a minha irmã estava de férias em Cetraro no dia em que Antonio Pallante abriu fogo sobre Palmiro Togliatti [secretário-geral do Partido Comunista Italiano]. Distúrbios em Roma, mortes em Nápoles, Livorno, Génova.

"Aqui em Turim um grupo de operários aprisionou Vittorio Valletta , Presidente da FIAT, no seu escritório. O exército preparava-se para avançar. No dia seguinte, 15 de Julho, os telefones não funcionavam e os comboios não circulavam. A Itália estava partida em duas em Bolonha. Então De Gasperi e o Papa Pio XII telefonaram à equipa de ciclismo italiana que disputava o Tour de France. Gino Bartali estava vinte e dois minutos atrás do camisola amarela, mas escapou-se nesse dia na montanha e ganhou o Tour. A gigantesca manifestação convocada para as cinco e trinta na Piazza Duomo em Milão transformou-se - quando a rádio anunciou a vitória de Bartali - num grande festejo nacional. Todos falavam de Bartali. Togliatti e a revolução podiam esperar. Comecei a entender vagamente em que país vivia."
.

20.8.10

O milagre do dia

.
Houve um tempo em que os milagres económicos se contabilizavam à década: foi a época do milagre italiano, do milagre alemão e do milagre japonês.

O grau de exigência baixou depois progressivamente para acomodar os milagres irlandês, finlandês ou espanhol.

Chegámos agora à era do milagre trimestral: americano de Janeiro a Março, alemão de Abril a Junho.

Próximo passo: o milagre diário.
.

As coisinhas no seu sítio

.

.

19.8.10

Coisas que um estagiário tem que suportar

.

.

33 + 10 minutos não é muito tempo para ficar a perceber qualquer coisa de redes sociais

.


Em vez de assistir ao telejornal e ler o diário, recomendo antes que invistam hoje o vosso tempo neste video.
.

12.8.10

Playlist - Nino Ferrer: Les Cornichons

.

.

11.8.10

A essência do génio atlético

.
A leitura de uma autobiografia idiota da tenista Tracy Austin inspirou a David S. Wallace estas linhas:
"The real secret behind top athletes' genius, then, may be as esoteric and obvious and dull and profound as silence itself. The real, many-veiled answer to the question of just what goes through a great player's mind as he stands at the center of hostile crowd-noisw and lines up the free-throw that will decide the game might well be: nothing at all. (...)

"It may well be that we spectators, who are not divinely gifted as athletes, are the only ones able truly to see, articulate and animate the experience of the gift we are denied. And that those who receive and act out the gift of athletic genius must, perforce, be blind and dumb about it - and not because blindness and dumbness are the price of the gift, but because they are its essence."
Poucas pessoas têm esta capacidade de transformar merda em pérolas. É desesperante saber-se que Wallace faleceu em 2008.
.

10.8.10

Martin Fucking Heidegger

.

.

9.8.10

Lamento, mas não sou fá do Tony Judt

.
Na versão do Tony Judt, a história da Europa desde 1945 quase só existe como reflexo e episódio da Guerra Fria. Percebo que essa perspectiva venda bem nos EUA, mas é pobre e, em última análise, falsa.

Isso resulta em parte de o Judt ver os combates ideológicos europeus da época à luz da muito particular perspectiva britânica, onde a esquerda do trabalhismo (basicamente trotskista) conservou ao lngo dos anos 60 e 70 um considerável fascínio pela União Soviética - uma circunstância absolutamente peculiar na esquerda europeia. Decorre inevitavelmente daí uma versão provinciana dos acontecimentos.

A única secção do livro que verdadeiramente apreciei foi aquela que descreve com nostalgia o impacto que o cinema teve na cultura popular europeia.

Por outro lado, não acredito que Ill Fares the Land, o mais recente livro do Tony Judt, marcado de uma ponta à outra por um tom passadista, faça algum bem à social-democracia. Sejamos claros: a social-democracia que ele recorda com saudade não tem futuro, pela simples razão de que as realidades económicas e sociais que lhe deram origem não existem mais.

Desconfio que a sua comovida evocação dos "bons velhos tempos" servirá apenas para confirmar nas novas gerações a suspeita de que a social-democracia não tem nada para nos oferecer no presente excepto desesperadas jeremiadas moralistas.

Os escritos de Judt que mais apreciei foram precisamente os seus mais recentes e derradeiros testemunhos pessoais de gente e circunstâncias que conheceu de perto, sobretudo pela convicção, sinceridade e atenção ao detalhe que a sua sempre notável escrita aí revelam.
.

8.8.10

Como não discutir a política industrial

.
O destaque na capa - "Leviathan Inc., The state goes back into business" - anuncia um desastre de proporções bíblicas. No interior, o título do dossiê dedicado ao ressurgimento da política industrial confessa logo ao que vêm: "Picking winners, saving loosers".

O artigo do Economist desta semana inicia-se com umas quantas anedotas sobre exemplos cómicos de políticas industriais disparatadas. Note-se que é igualmente fácil fazê-lo com grandiosas iniciativas empresariais privadas (exemplo: a tentativa falhada da Ford, nos anos 30, de convencer todos os americanos a comprarem um avião).

São pontualmente citadas algumas afirmações inócuas de Dani Rodrik, um dos mais destacados estudiosos e entusiastas das políticas industriais. Quem tiver pachorra para ler até ao fim a muito custo lá encontrará três sugestões para evitar os aspectos negativos das políticas industriais.

Mas a ideia-chave está explicitada no leader: "Picking industrial winners nearly always fails". Que quer isto dizer ao certo? Terá o Economist procedido primeiro à listagem exuastiva de todos os casos de políticas industriais e depois à de todos os fracasssos para poder afirmar que na esmagadora maioria das ocorrências a coisa falhou? Em caso positivo, importa-se de explicar como o fez?

Nada disto é intelectualmente honesto. Estas ideias feitas são permanentemente repetidas por pessoas que, na verdade, absolutamente nada entendem do assunto. O que sabemos sem margem para dúvidas é que nenhum país (insisto: nenhum, nem sequer a Grã-Bretanha ou os EUA) logrou industrializar-se sem uma consistente e determinada intervenção dos poderes públicos*.

A condenação urbi et orbe da intervenção estatal no desenvolvimento económico é tão insustentável como a da iniciativa privada. É claro que, em muitos casos, ela falhou, mas em muitos mais falharam também as empresas privadas. Logo, isso nada prova. O fracasso é corrente e normal em economia, sobretudo quando as iniciativas se multiplicam e a economia cresce rapidamente.

Uma discussão séria sobre o problema parte do entendimento das razões que determinaram os sucessos e fracassos passados da política industrial. Perceberemos então que o falhou não foi a intervenção do Estado, mas certas e determinadas concepções sobre o modo como essa intervenção deve ser conduzida.

* O papel insubstituível da política industrial no desenvolvimento económico é explicado de modo convincente pelo economista sul-coreano  Ha-Joon Chang em Kicking Away the Ladder ou, a um nível mais acessível, em Bad Samaritans.
.

6.8.10

Todo o poder ao Soviete do Ministério Público?

.
Numa democracia representativa, o poder está nas mãos dos representantes eleitos pelo voto popular ou de quem eles nomeiam para esse efeito.
Ao contrário do que afirma o PGR, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público não age como um partido em defesa dos projectos pessoais de algumas pessoas. Apropria-se indevidamente de um poder que a lei não lhe confere e que exerce em proveito não se sabe bem de quem ou de quê.
Beneficiando da cumplicidade de dirigentes políticos coniventes ou imbecis e de jornalistas sem princípios, o Soviete do Ministério Público logrou com êxito politizar a justiça, interferir publicamente no curso das investigações judiciais, ditar a agenda mediática, influenciar o combate político, condicionar os resultados eleitorais e, por consequência, intrometer-se na formação de maiorias governamentais.
Todas estas actividades, cuja gravidade não pode escapar ao mais apalermado dos observadores, ocorrem há anos em plena luz do dia e beneficiando de total impunidade.
Agora, que a guerra aberta está declarada no interior da PGR, é impossível adiar por mais tempo a solução do problema.
Por razões compreensíveis, quase todos os políticos temem ser vítimas das manigâncias do Soviete do Ministério Público; mas, a bem da defesa do regime democrático, chegou a hora de agir, pondo cobro aos desmandos perpetrados por uma pequena clique que mantém o país refém dos seus caprichos (chamemos-lhes assim).
Ou nós ou eles.
.

5.8.10

Fui eu que escrevi isto?

.
Publicado no blogoexisto em 14.5.09:

Cenas dos próximos episódios

Os media entenderam rapidamente que Pinto Monteiro adora ouvir-se. No seu gabinete, à saída de uma conferência, à entrada de uma audiência ou de passagem para sítio nenhum, o PGR tinha sempre um esclarecimento a dar ou uma clarificação a fazer. Imagino a família a dizer-lhe, ao vê-lo diariamente na TV: “Hoje estiveste bem”.

No auge do entusiasmo com a sua própria pessoa, proclamou o combate aos condes, duques e marquesas que pululavam na Procuradoria, e aí terá começado o seu calvário. Nesse dia, alguns terão pensado com os seus botões: “Deixa-o pousar…”

Os acontecimentos dos últimos meses terão mostrado a Pinto Monteiro quem de facto manda na casa que superiormente não dirige. Talvez ele continue a inquirir-se se o seu telefone estará sob escuta, mas não pode ignorar que o segredo de justiça é quotidianamente violado sob as suas barbas ao sabor das conveniências de alguns e na mais completa impunidade.

Com o caso Freeport, a Procuradoria tomou definitivamente o freio nos dentes. De Janeiro para cá, Pinto Monteiro é queimado em lume brando na praça pública. Todos podemos ver que a sua autonomia de juízo e acção compara-se à de uma punching-ball atirada continuamente de um lado para o outro por jornalistas e magistrados.

Mais recentemente, o folhetim Freeport reanimou-se com o episódio das alegadas pressões sobre os investigadores do caso. Significativamente, os supostamente atingidos, em vez de se queixarem aos seus superiores hierárquicos, e antes de mais a Pinto Monteiro, impeliram o seu Sindicato a convocar a imprensa e a pedir uma audiência ao Presidente da República. Ficou assim clara perante todos a relevância do PGR na instituição que lhe está confiada.

Sob a pressão dos media, ele determinou então a abertura de um inquérito acerca de “pressões” do poder político que, por definição, e dada a autonomia do Ministério Público, não podem existir, e cujo conteúdo se resume a pedir uma investigação expedita, coisa que o próprio Sócrates fizera publicamente algum tempo antes.

“Não me toques, que me desafinas”, eis o grito angustiado de investigadores que se sentem ofendidos por alguém lhes sugerir que cumpram com diligência os seus mais elementares deveres profissionais.

No estilo a que a PGR nos habituou, não há caso, mas há ruído, muito ruído para consumo público. Como também seria de esperar, foram ouvidos amigos e conhecidos dos queixosos e produziu-se um volumoso relatório cujas conclusões mais uma vez chegaram primeiro às redações do que aos seus destinatários naturais, com a agravante de que, nesta circunstância, é muito mais fácil inferir quem promoveu a fuga.

Vale a pena notar que a mesma metodologia de inquirição incompetente e facciosa que nos ofereceu os maravilhosos dossiês Casa Pia, Maddie, Apito Dourado ou Operação Relâmpago, para citar apenas alguns, foi agora virada para o interior da organização. Encontramo-nos, pois, em plena intriga palaciana fomentada por um sindicato que parece arrogar-se o direito de comandar a investigação do país.

Na prática, estamos a assistir à tentativa de afastar alguém que parece não concordar inteiramente com a orientação que o Sindicato entende ser a mais adequada à condução de um caso de grande impacto público. Se a coisa pega, é de temer que os investigadores adiram a esta nova moda de se queixarem uns dos outros e conduzirem investigações uns sobre os outros – se é que não o fazem já.

Trata-se de uma evolução comum em instituições dominadas por uma lógicaconspirativa e revanchista: concluída a eliminação dos inimigos externos, Estaline promoveu a condenação dos seus camaradas do Comité Central.

A implosão pode estar próxima.
.