26.6.03

Indignação (1). «Querida, ficas tão linda quando te zangas...» A ira pode ser muito agradável à vista, e essa descoberta não é de ontem.

Logo no princípio da Ilíada, Aquiles, enfurecido com o comportamento indigno de Agaménon, ameaça partir tudo, levantar o cerco, retirar os seus soldados e voltar para casa. O valor estético da indignação é reconhecido, pois, há pelo menos 3 mil anos, remontando às próprias origens da literatura ocidental.

O pior vinha depois. Aquiles passava-se dos carretos com alguma facilidade, mas logo as prosaicas realidades da vida se sobrepunham à emoção e ele era forçado a contemporizar, se necessário aceitando alguma compensação mesquinha. Por exemplo, Agaménon chamava-o à parte e fazia-lhe uma proposta: «Escuta, homem, não vale a pena zangarmo-nos. Eu aumento a tua parcela do saque e ainda levas uma escrava de bónus. Que dizes?» Insinua Homero, sabe-se lá com que secretas intenções, que Ulisses amansava imediatamente.

É este o problema da indignação. Provoca boa impressão, pode ser eficaz para se obter vantagens pessoais imediatas, mas deixa tudo basicamente na mesma.

25.6.03

O passado mora ao lado. Há dias, estive a almoçar num restaurante a três metros do pianista Sequeira Costa.

Ouvi dizer que o Salieri foi professor do Beethoven, do Schubert e ainda, sendo ele já muito velho, de um menino chamado Franz Lizst. Por sua vez, o Lizst foi professor do Viana da Motta, que foi professor do Sequeira e Costa.

Quer dizer: apenas uma pessoa separava aquele homem que estava ali ao meu lado de Lizst; apenas duas de Beethoven e de Schubert; apenas três de Mozart.

Impressionamo-nos quando alguém nosso conhecido conviveu ou convive digamos, com o Papa ou com Mick Jagger. Raramente transferimos este raciocínio de raiz espacial para a dimensão temporal que, no entanto, é bem mais digna de maravilha.

Tal como, contemplando os céus, somos contemporâneos de estrelas extintas há milhões de anos, olhando certos homens podemos pressentir nos seus gestos, olhares e pensamentos a sombra de outros homens há muito desaparecidos que daríamos tudo para ter conhecido. E, afinal, uma parte deles está ainda, num sentido muito físico, entre nós.

24.6.03

Se Portugal fosse mesmo um Estado Direito, não seria preciso repeti-lo constantemente.

23.6.03

A crise da língua. Lido no site de um banco de investimento português:

«Em termos corporate, o destaque vai para o mid-quarter up-date da Intel após o fecho do mercado para o qual o consensus de mercado aguarda um guidance para o 2T2002 de vendas de Usd 6.4 bn a Usd 6.8 bn.»

Mais adiante:

«Os principais movers na subida são sobretudo alguns títulos da banca alemã. Trazem ânimo ao mercado de equity europeu e tornam a aposta num índice um investimento interessante».

Bem sei que toda a profissão tende a descambar numa conspiração contra os leigos, mas este texto era suposto servir para aconselhar os investidores comuns.

Qualquer comentário adicional seria redundante.