1. Como os meus companheiros do Super-Mário bem sabem, sempre achei a candidatura de Soares uma causa perdida - o que só aumentou para mim o seu encanto. Aliás, em 22 de Fevereiro do ano passado eu previra aqui a vitória de Cavaco Silva nas presidenciais.
2. A primeira causa do triunfo de Cavaco expu-la eu nessa altura. A votação global obtida nas legislativas pelos partidos de esquerda não correspondia ao sentimento do país. Mais uma razão para os portugueses quererem na Presidência alguém que servisse de contrapeso ao PS de Sócrates, um governante que ainda tem que fazer prova do seu real valor.
3. A segunda decorre do estado de desespero que se abateu sobre o país. O que atrai em Cavaco é a fantasia do regresso a uma mirífica Idade de Ouro. Cavaco é um sintoma do desespero reinante. Como uma esponja ele soube absorver e condensar em si todas as frustrações que andam por aí. É a própria confusão ideológica que alardeia o alegado candidato da não-esquerda que lhe permite pretender representar todos.
4. Estou seguro que há uma terceira causa, mas de momento não me ocorre...
5. Ah, já sei, a terceira causa é a própria fragilidade da candidatura apresentada pelo PS, agravada pela forma como foi lançada. Dê-se as voltas que se der, o PS não tinha nenhum candidato em condições de bater Cavaco Silva nesta conjuntura. Soares apareceu aos olhos da opinião pública como um candidato de recurso, e essa era de facto a verdade.
6. Não se falou muito disso de há três meses para cá. Nem era preciso, pois estava no subconsciente de toda a gente. Refiro-me, obviamente à idade de Soares. É um facto que ele se apresentou em excelente forma, mas quem pode estar seguro de que permaneceria assim durante um mandato de cinco anos?
7. Acredito que Soares estava consciente da situação. Suponho também que sabia quão escassa era a probabilidade de ganhar. Apesar disso, tomou a valente decisão de avançar. Provavelmente, nunca foi ele tão generoso como agora.
8. Acrescento, de passagem, que os pretensos "erros" de Soares não desempenharam qualquer papel de relevo na derrota. No essencial, acho que esteve bem.
9. Sendo essa a situação, que sentido fazia então apoiar esta candidatura? A resposta prende-se com a importância do que esteve em jogo nestas eleições. Acreditava e acredito que Cavaco é uma má escolha para o país. A geografia da votação que recebeu mostra que a sua candidatura não só não representa a modernidade, como é o seu oposto. Acresce que por detrás de Cavaco se perfila o cavaquismo, nesta fase animado por um projecto de reconquista do poder através de Belém, numa reedição revista e actualizada da tentação eanista. A ver.
10. O impacto político de umas eleições não se esgota na escolha final. Uma campanha é também uma oportunidade de marcar o terreno em que o combate político se travará após a sua conclusão. Neste sentido, a campanha foi útil. Cavaco não teve o seu passeio tranquilo. Em primeiro lugar, porque uma vitória que era anunciada com margens esmagadoras (há poucas semanas falava-se de mais de 60%) acabou por ser tangencial. Depois, e principalmente, porque a denúncia dos propósitos dos seus apoiantes mais assanhados forçou Cavaco a assumir compromissos de que agora terá dificuldade em desfazer-se.
11. A terminar, uma confissão: a votação relativa de Alegre foi para mim uma surpresa, cujas causas não estou certo de ter entendido. É provável que Alegre tenha sido o Cavaco da esquerda, ou seja, que, tal como ele, tenha beneficiado simultaneamente do populismo, do discurso anti-partidos, do ressentimento social, do descontentamento em relação ao Governo e da falta de confiança no futuro. Seja como for, é preciso fazer um esforço para entender o que se passou aqui.
23.1.06
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