24.8.06

Ver mais longe

Não tencionava escrever mais de momento sobre este assunto. Mas este comentário força-me a explicar a minha posição.

1. Recapitulando. Israel entendeu oportuno bombardear e invadir o Sul do Líbano, sem dúvida embalado pela doce ilusão de que outrém se encarregaria depois de concluir o trabalho ocupando o território e desarmando o Hizbolá. Não estou ainda convencido de que Israel e os EUA tenham planeado com antecedência a operação, mas é evidente que, após ela ter sido desencadeada, Bush e Condoleeza tentaram forçar os acontecimentos nesse sentido.

2. Curiosamente, nem os EUA nem o Reino Unido, os únicos apoiantes de peso de Israel nesta ocorrência, estavam ou estão disponíveis para colocar tropas no terreno. Logo, o seu plano, para ser exequível, precisava da cumplicidade da União Europeia. Vai daí, falhou. Ainda assim, o direito de veto dos EUA permitiu-lhe boicotar o cessar-fogo enquanto a resolução a votar pelo Conselho de Segurança não mencionasse explicitamente a constituição da força de interposição e não lhe atribuísse a missão de desarmar o Hizbolá.

3. Convém, por isso, sublinhar que a resolução aprovada reflecte, antes de mais, o ponto de vista e a estratégia dos EUA, e que visa obter por novos meios aquilo que os bombardeamentos não conseguiram. Por conseguinte, nos termos em que se encontra redigida, a resolução é, também ela, mais uma patente tolice congeminada pelo Eixo da Estupidez. Porque não é crível que a força de interposição tenha condições para fazer aquilo que nem o exército israelita durante mais de uma década nem o libanês na última meia dúzia de anos lograram atingir, ou seja, o desarmamento do Hizbolá numa região esmagadoramente xiita e em cooperação com um exército de que 40% dos efectivos são xiitas.

4. Acresce que as partes que acordaram o cessar-fogo não merecem confiança. Israel traíu a sua má fé violando-o logo nos primeiros dias, e o Hizbolá fá-lo-á também logo que o considerar oportuno.

5. A famosa força de interposição corre, por conseguinte, o risco de se ver envolvida no Líbano num combate sem princípios nem saída, a exemplo do que se passa com os americanos e os ingleses no Iraque. É essa a razão pela qual estou contra o envolvimento dos países europeus em geral, e de Portugal em particular.

6. Com os combates de Julho, começou a guerra entre os EUA e o Irão. Devemos apoiar ou opormo-nos a essa via? E queremos ou não que a União Europeia se comprometa com a política belicista da administração americana? A meu ver, é isto que está em causa nesta altura. É preciso ver mais longe, além, muito além, da protecção das fronteiras de Israel ou do desarmamento do Hizbolá.

7. Antes desta guerra, as coisas estavam a correr de feição para Israel no Líbano. Mas o governo israelita, em manifesta divergência com o mandato que recebera nas eleições de há apenas três meses, por razões ainda não inteiramente claras, entendeu trocar a política e a diplomacia pela força das armas. Terá Israel o direito, agora que a sua opção se revelou errada, de colocar a Europa sob chantagem, exigindo-lhe que pague os custos do seu despautério?

8. Repito: cabe aos EUA e ao Reino Unido, que incentivaram Israel a avançar, enviarem agora tropas para o local, porque essa é a consequência lógica da sua política. Se não o fizerem, o mais que posso desejar a Israel nestas circunstâncias é que tenha boa sorte, e que para a próxima vez escolha melhor os seus aliados.

9. Para quem, como eu, não nutre a mínima simpatia pelo Hizbolá e só deseja o melhor ao Estado de Israel, tudo isto é trágico e prenuncia tempos difíceis. Não é essa, porém, a posição dos EUA, que definitivamente seguem no Médio Oriente a política do quanto pior, melhor. Que se amanhem, pois.

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