10.1.13

"O FMI a dar razão a Sócrates"

Helena Garrido escolheu um ângulo original para discutir o relatório do FMI sobre a racionalização do Estado:

“As grandes orientações das medidas propostas pelo FMI seguem aquilo que o primeiro governo de José Sócrates começou a fazer no seu primeiro Governo. Na saúde, na educação e na segurança social o sentido das políticas é o mesmo. Hoje temos de as concretizar mais depressa e num ambiente recessivo. O que dói mais.”

Parece-me justo recordar que a reforma do estado não é uma preocupação nova. Reformar o estado foi, afinal, o que o anterior governo fez com resultados genericamente positivos, embora sempre com a acérrima e muitas vezes desleal oposição tanto da direita como da esquerda.

Note-se porém que, ao contrário do que a Helena afirma, na saúde a reforma não começou com o primeiro governo de Sócrates, mas com a primeira experiência governativa de Correia de Campos no último governo de Guterres. Continuou depois com Luís Filipe Pereira nos governos PSD-PP e prosseguiu, de novo com Correia de Campos, agora com Sócrates ao leme. Tudo indica que, no essencial, Paulo Macedo manteve o rumo.

Como seria de esperar, ao cabo de quase uma década e meia de esforços coerentes, os ganhos de eficiência são evidentes, embora insatisfatórios.

Já em relação à educação e à segurança social, a Helena está certa ao situar o início das reformas no primeiro governo de Sócrates. Faltou-lhe apenas recordar a reforma dos procedimentos da administração pública.

Porém para sermos exactos, é preciso lembrar que, com excepção da saúde, a reforma do estado foi interrompida, adiada, entravada, esquecida ou definitivamente cancelada com a subida ao poder da coligação liquidatária actualmente no poder. Manifestamente, o tema foi posto de parte pela coligação PSD-PP durante um bom ano e meio.

E aqui chegamos ao cerne da diferença entre as reformas de Sócrates e as “reformas” de Passos. No primeiro caso, foram identificadas ineficiências e oportunidades de melhoria do serviço prestado, de preferência associáveis a programas de redução de custos. Foi por isso que iniciativas como a concentração de escolas ou de serviços de saúde não prejudicaram, antes melhoraram, a qualidade do serviço ao cidadão. (Convém recordar que na altura se encenaram partos à entrada de maternidades fechadas para incitar a opinião pública contra o governo, episódio que mereceu ampla cobertura mediática.)

É a isto que eu de facto chamo reformar o estado.

Por contraposição, não pode ser mais distinto o método aplicado pela coligação PSD-PP. A análise cuidadosa das situações foi em regra substituída por uma inventariação de rubricas de custos significativas, feita à distância e, de preferência, a partir do estrangeiro. (Lembram-se dos ridículos episódios das gorduras do estado, dos gastos intermédios, das fundações e das PPP?)

Tudo isto é feito sem ir ao terreno ou conhecer as causas reais da existência das despesas e da formação dos respectivos custos. Inspira-se este procedimento naquela modalidade de consultoria manhosa consistente em recolher à toa números cujo significado se desconhece e em aplicar reduções inspiradas por comparações destituídas de sentido.

Peço muita desculpa, mas isto não é reformar o estado, é destruí-lo à martelada. A diferença de método oculta uma diferença mais essencial de propósito. Não é, pois, verdade que "o sentido das políticas" seja o mesmo.

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