O detective italiano Aurelio Zen, personagem criado pelo escritor britânico Michael Dibdin, é um tipo normalíssimo. Do que ele gostaria, era de levar uma vida familiar pachola na companhia de uma esposa amorosa e de uma ninhada de filhos.
Mas Aurelio tem um problema grave. Embora nunca tenha ouvido falar do imperativo categórico (definitivamente, ele não é um intelectual), padece de uma consciência aguda da diferença entre o bem e o mal, de forma que passa o tempo a meter-se em alhadas.
Aurelio desvenda sempre os mistérios cuja investigação lhe é cometida, e ainda mais alguns que ninguém lhe encomendara. Mas, ao fazê-lo, acaba sempre por meter na cadeia sujeitos muito bem relacionados com os seus chefes ou com os líderes políticos a quem os seus chefes reportam. Resultado: Aurelio Zen vai sendo sucessivamente vitimado por promoções para baixo, ou seja, para locais e situações onde se espera que não possa continuar a colocar embaraços aos poderosos.
Assim, a sequência das suas aventuras proporciona-nos uma deliciosa e instrutiva viagem geográfica e social pela Itália contemporânea, cujos vícios são intrigantemente semelhantes aos nossos. Como os escritores portugueses desdenham abordar estes assuntos, eis então aqui uma oportunidade de percebermos melhor como funciona o nosso país, inclusivamente nos aspectos policial e judicial.
No antepenúltimo romance da série (Blood Rain), Aurelio foi deportado para a Sicília, onde descobriu que há mafias piores que a Mafia. Isto, depois de passar sucessivamente por Roma, por Milão, pela Sardenha, por Veneza e por Nápoles. Oficialmente escondido pela polícia de inimigos ocultos que pretendem liquidá-lo para evitar que deponha num processo judicial a decorrer nos EUA, acaba por ir parar à Islândia (And then you die...), onde apenas fica o tempo suficiente para descobrir que possui o dom muito valorizado pelos locais de ver fantasmas.
Muitos dos escritores de thrillers escrevem de uma forma desesperantemente primitiva. Não é esse o caso de Dibdin, acreditem-me. Lamentavelmente, nenhuma das histórias de Aurelio Zen está traduzido para português. (É nestas pequenas coisas que se percebe que não somos verdadeiramente europeus.) Eu descobri-o por mero acaso, misteriosamente atraído por uma capa bem esgalhada. A quem quiser experimentar aconselho, por exemplo, Cosi fan tutti ou Vendetta. Agora desculpem lá, mas tenho de ir ali à Amazon encomendar Medusa, a nova aventura da série, que acaba de sair.
25.8.04
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