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O ouro do Brasil continua a excitar muito as pessoas, como se prova pelo teor das mensagens que recebi a propósito do meu artigo de ontem no Jornal de Negócios. Depois de 300 anos de lavagem ao cérebro, apresentando o episódio como paradigmático da incapacidade nacional de desenvolver o país, é natural.
Deixem-me explicar o que se passou de uma forma um pouco mais longa e, acredito, mais esclarecedora do que o fiz no Negócios.
Imaginem que, antes da descoberta do ouro, Portugal não tinha comércio externo. ou seja não exportava nem importava nada. Suponham adicionalmente, para simplificar as coisas, que existia na altura um perfeita integração entre as economias portuguesa e brasileira.
Considerem agora que destino poderia ser dado ao ouro quando ele foi descoberto. A primeira opção seria vendê-lo todo no mercado interno. O ouro poderia ser utilizado em objectos de luxo, mas esse mercado era relativamente pequeno. O principal destino era, pois, a amoedação.
Para se ter ideia da procura de ouro e prata na Europa como meios de pagamento naquele tempo, recorde-se que a exportação de metais precioso era por regra proibida. Logo, o afluxo de ouro veio facilitar muito as trocas e, por consequência, expandir o mercado interno e as trocas monetárias. (As estatísticas mostram que o stock de ouro disponível em Portugal aumentou muito rapidamente na primeira metade do século XVIII)
A partir de um certo ponto, porém, o aumento da moeda em circulação impulsionou o aumento dos preços, o que tornou as mercadorias portuguesas comparativamente mais caras do que as estrangeiras. Esse simples facto tenderia a favorecer as importações, desde o momento em que elas fossem livres (o que, de facto, não sucedia).
Excedendo a produção do ouro do Brasil as necessidades nacionais de amoedação, produção de artigos de luxo e entesouramento (lembre-se que ele representava cerca de metade da produção mundial), dir-se-ia que, para evitar a inflação interna e a importação de mercadorias, o mais indicado seria condicionar estritamente a sua extracção e comercialização.
Sucede que isso não era possível nem desejável. Não era possível, porque o controlo da Coroa sobre o território e a população do Brasil, já muito frágil antes da corrida ao ouro, diminuiu ainda mais depois dela, com o súbito acréscimo da população imigrante, o surgimento de novas e enormes povoações, o colapso da administração anterior e, inclusive, uma guerra civil entre bandos de paulistas e emboabas (predominantemente minhotos atraídos pelo ouro). A administração portuguesa não tinha pura e simplesmente possibilidade de proibir ou controlar razoavelmente a actividade, como resulta da dificuldade em cobrar o respectivo imposto.
Mas também não era desejável conter a produção de ouro. Em primeiro lugar, o ouro não foi propriamente o maná que hoje se supõe. Dava muito trabalho e implicava muitos riscos (inclusivamente mortais) pesquisá-lo, extraí-lo, purificá-lo, amoedá-lo, transportá-lo e comercializá-lo. Estima-se que, no seu auge, a actividade terá ocupado umas 400 mil pessoas, algo muito significativo num país cuja população total à época não ultrapassaria em muito os 3 milhões.
Depois, as guerras da libertação haviam deixado o estado português endividado, designadamente com a Inglaterra e a Holanda, e o ouro ajudou a recompor as finanças públicas. Ainda assim, não foi tão decisivo como se julga, porque o quinto do ouro nunca terá rendido mais que 10% das receitas da Coroa.
Finalmente, visto que a exploração do ouro era e é, num certo sentido, uma indústria como outra qualquer, não se compreenderia que um país pobre em recursos não tirasse proveito económico daqueles que possuía.
Havendo portanto excesso de produção em relação à procura interna, era inevitável que ele fosse exportado (quanto mais não fosse ilegalmente, como, de facto, aconteceu). Ora a exportação de ouro implicava o seu pagamento. Como? Com ouro? Isso seria absurdo.
Obviamente, o ouro teria que ser trocado por mercadorias. Logo, era inevitável que, excluindo o ouro, o país importasse mais do que exportava, isto é, era inevitável que registasse uma balança comercial altamente deficitária.
Outra alegação comum em favor da tese de que o país desperdiçou a riqueza gerada pelo ouro do Brasil é a de que deveríamos ter aproveitado a prosperidade para lançar as bases de uma indústria nacional. Ora foi precisamente isso que foi feito, dentro das limitações existentes na época. Construir indústrias a partir de nada (ou de muito pouco) não é uma tarefa fácil. Portugal carecia na época de mão de obra qualificada, de know-how tecnológico relevante e de instituições financeiras modernas, entre outras coisas. Além disso, como atrás referi, a própria abundância doméstica de meios de pagamento contribuía para encarecer a produção nacional. Mas o facto é que, nessa época, aumentou muito a importação de matérias-primas destinadas à indústria, designadamente provenientes da Rússia e da Suécia, países com os quais anteriormente quase não tínhamos relações comerciais.
Do que não há dúvida é que, quando o ouro se esgotou, a estrutura produtiva do país evoluíra imenso, embora, por força do desaparecimento da fonte de financiamento dos défices comerciais, tivesse atravessado um longo período de crise das contas externas.
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18.7.12
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1 comentário:
Esquecer que em 1800 e picos, o déficite comercial inglês com a china era enorme, graças à importação de chá, sem que os chineses quisessem outra coisa senão prata.A guerra do ópio resolveu o problema.
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