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Ao cabo de um ano bem contado a vasculhar as catacumbas do
orçamento, as luminárias governativas decidiram que, afinal, as gorduras do
estado se encontram, não nos célebres consumos intermediários, mas nas PPP e
nas fundações.
Sobre as PPP, já sabemos no que deu o exercício, mas a
operação “desperdício nas fundações” ameaça um desenlace ainda mais ridículo.
Parece claro que o trabalho do governo consistiu basicamente
em incumbir um bando de garotos de recolher alguns dados que não entendiam e
incluí-los numa folha de excel. No final, foi produzido um pomposamente chamado
“relatório”, que, a bem dizer, nem define o seu propósito nem apresenta
recomendações.
Desde a prometedora revelação de que a Gulbenkian seria uma
fundação pública, a cada hora que passa são revelados mais dislates constantes
da informação divulgada à imprensa.
O que, porém, não faltava a essa informação era sound-bytes
prontos a usar, que certos media prontamente abocanharam, entre eles a denúncia
de que metade do dinheiro entregue pelo estado às fundações fora despendido
pela “fundação do Magalhães”, pouco interessando esclarecer que, tendo a verba
origem nas empresas de telecomunicações e não podendo ser gasta noutra
finalidade, ela de facto não foi financiada pelo estado.
Acresce que a própria decisão de confinar a análise ao
triénio 2008-10 se justifica principalmente pela possibilidade de nela incluir
o Magalhães. Acrescentar-lhe mais anos reduziria drasticamente a percepção de
que o estado gastara fortunas com a fundações.
Ora a verdade é que, retirando às transferências para as
fundações o Magalhães e o financiamento do ensino superior, quase nada fica,
sobretudo se raciocinarmos em termos anuais (e não de triénios, opção mansamente
acolhida pelos media que serviu apenas para confundir a opinião pública).
De modo que, sabe-se agora, para além de se reduzir a
algumas dezenas de milhões de euros anuais (estamos outra vez na escala dos
0,01% do PIB), o essencial dos cortes incidirá no financiamento de actividades
culturais. O terreno foi preparado com a revelação do apoio a uma tal Fundação
do Carnaval de Ovar, calculada para indignar os pategos, mas as baterias
acabaram por ser apontadas a coisas como o museu de Cascais que reúne obras de
Paula Rego. De facto, se os Mirós da colecção do BPN vão ser vendidos, que fica
cá a fazer a Paula Rego?
Estou com o Tio Patinhas: um cêntimo mal gasto é um cêntimo
mal gasto. Se esquecermos por um momento a demagogia em torno das “gorduras do
estado”, faz todo o sentido eliminar todas as transferências injustificáveis,
mesmo que insigificantes. Mas, então, o que é preciso é começar por definir
“mal gasto” e, depois, saltar a pés juntos sobre tudo o que encaixe na
definição. É preciso definir objectivos, é preciso traçar prioridades, é
preciso seleccionar prioridades, por outras palavras é preciso ter uma política
clara, que é o que não tínhamos nem temos.
Sem isso, talvez o estado venha a gastar menos, mas não está
garantido que gaste melhor. No final, ganhará quem tiver mais poder para
influenciar as decisões discricionárias dos poderes públicos, como certas
declarações de gente influente vindas a público nos últimos dias já começaram a
revelar.
Não vamos, pois, ter nenhuma melhoria na racionalidade da
distribuição dos dinheiros públicos, pela simples razão que não era isso que se
pretendia, mas apenas fazer notícias para os jornais, uma forma de fazer
política que indiscutivelmente fica muito cara ao país.
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