10.8.12

Mais uma caçada aos gambozinos


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Ao cabo de um ano bem contado a vasculhar as catacumbas do orçamento, as luminárias governativas decidiram que, afinal, as gorduras do estado se encontram, não nos célebres consumos intermediários, mas nas PPP e nas fundações.

Sobre as PPP, já sabemos no que deu o exercício, mas a operação “desperdício nas fundações” ameaça um desenlace ainda mais ridículo.

Parece claro que o trabalho do governo consistiu basicamente em incumbir um bando de garotos de recolher alguns dados que não entendiam e incluí-los numa folha de excel. No final, foi produzido um pomposamente chamado “relatório”, que, a bem dizer, nem define o seu propósito nem apresenta recomendações.

Desde a prometedora revelação de que a Gulbenkian seria uma fundação pública, a cada hora que passa são revelados mais dislates constantes da informação divulgada à imprensa.

O que, porém, não faltava a essa informação era sound-bytes prontos a usar, que certos media prontamente abocanharam, entre eles a denúncia de que metade do dinheiro entregue pelo estado às fundações fora despendido pela “fundação do Magalhães”, pouco interessando esclarecer que, tendo a verba origem nas empresas de telecomunicações e não podendo ser gasta noutra finalidade, ela de facto não foi financiada pelo estado.

Acresce que a própria decisão de confinar a análise ao triénio 2008-10 se justifica principalmente pela possibilidade de nela incluir o Magalhães. Acrescentar-lhe mais anos reduziria drasticamente a percepção de que o estado gastara fortunas com a fundações.

Ora a verdade é que, retirando às transferências para as fundações o Magalhães e o financiamento do ensino superior, quase nada fica, sobretudo se raciocinarmos em termos anuais (e não de triénios, opção mansamente acolhida pelos media que serviu apenas para confundir a opinião pública).

De modo que, sabe-se agora, para além de se reduzir a algumas dezenas de milhões de euros anuais (estamos outra vez na escala dos 0,01% do PIB), o essencial dos cortes incidirá no financiamento de actividades culturais. O terreno foi preparado com a revelação do apoio a uma tal Fundação do Carnaval de Ovar, calculada para indignar os pategos, mas as baterias acabaram por ser apontadas a coisas como o museu de Cascais que reúne obras de Paula Rego. De facto, se os Mirós da colecção do BPN vão ser vendidos, que fica cá a fazer a Paula Rego?

Estou com o Tio Patinhas: um cêntimo mal gasto é um cêntimo mal gasto. Se esquecermos por um momento a demagogia em torno das “gorduras do estado”, faz todo o sentido eliminar todas as transferências injustificáveis, mesmo que insigificantes. Mas, então, o que é preciso é começar por definir “mal gasto” e, depois, saltar a pés juntos sobre tudo o que encaixe na definição. É preciso definir objectivos, é preciso traçar prioridades, é preciso seleccionar prioridades, por outras palavras é preciso ter uma política clara, que é o que não tínhamos nem temos.

Sem isso, talvez o estado venha a gastar menos, mas não está garantido que gaste melhor. No final, ganhará quem tiver mais poder para influenciar as decisões discricionárias dos poderes públicos, como certas declarações de gente influente vindas a público nos últimos dias já começaram a revelar.

Não vamos, pois, ter nenhuma melhoria na racionalidade da distribuição dos dinheiros públicos, pela simples razão que não era isso que se pretendia, mas apenas fazer notícias para os jornais, uma forma de fazer política que indiscutivelmente fica muito cara ao país.
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