24.2.11

Estado de calamidade cinematográfica

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O cinema que hoje se faz vive de efeitos especiais, fábulas simplistas e interpretações óbvias. Já nem sequer o sexo o recomenda, visto que as últimas cenas de cama poderosas datam do século passado.

Dá ideia de ser feito por garotos e para garotos intelectual e sentimentalmente adolescentes que produzem filmes com a mesma profundidade de espírito com que espremem borbulhas. A infantilização do cinema é tão completa que se tornou inútil tentar aplicar-lhe padrões de exigência equivalentes àqueles que utilizamos, por exemplo, para julgar uma obra literária.

O que se vê nas salas é aliás tão bera que as pessoas, quando vêem um filme mais jeitozinho, comovem-se até às lágrimas. Dizem-me que, há dias, romperam em aplausos numa sala de Lisboa no final de O Discurso do Rei - uma historieta elementar que falsifica grosseiramente a verdade histórica, ainda por cima com prejuízo para o seu impacto dramático.

Inversamente, confrontadas com algo um bocadinho mais complexo como O Cisne Negro, sentem-se perturbadas por levarem para casa alguma coisita para pensar - e muitas (críticos incluídos) reagem mal à invulgaridade da experiência. Num mundo de cisnes brancos, faz uma certa confusão. Não estou a dizer que é um grande filme, muito menos uma obra-prima. Mas, ao lado da concorrência, até parece.
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4 comentários:

Anónimo disse...

Qual é a grosseira falsificação da verdade histórica? (A pergunta não é crítica, mas genuína curiosidade)

João Pinto e Castro disse...

Ao contrário do que se vê no filme, Churchill não se opôs ao projectado casamento de Eduardo VIII com Wallis Simpson, e isso apesar de estar a par das simpatias do rei por Hitler e pelo nazismo.

Anónimo disse...

Ah, isso! Não será por esse pequeno desvio que se poderá considerar o filme assente numa grosseira mentira, até porque a mesma é uma imprecisão que não é relevante para a dramatização dos factos que constituem o núcleo duro da história. Obrigada pela resposta.

João Pinto e Castro disse...

É relevante, sim, porque neste caso a realidade é mil vezes mais interessante que a ficção, porém embaraçaria o patrioteirismo do filme, que é o que faz chorar as pessoas no fim.