23.5.12

Santa ignorância

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A obra publicada de Miguel Sousa Tavares acaba de ser enriquecida com uma colectânea dos seus "escritos políticos" dispersos, ensejo para algumas entrevistas que lhe permitem de expor o pensamento com maior profundidade.

Ontem, na SICN, explicou-nos via Ana Lourenço que lhe dá vontade de chorar ver o país persistir em seguir por um caminho que ele, desde a sua mais tenra mocidade, avisou conduzir-nos ao desastre.

Os apertos financeiros em que nos encontramos devem-se, na sua essência, a todos nós - desde o poderoso homem de estado ao humilde trolha - não lhe termos dado ouvidos. Se Relvas fosse jornalista e Tavares primeiro-ministro, teríamos jornalistas objectivos e políticos competentes, mas assim está tudo trocado.

Tavares sempre soube que não somos "um país rico como o Brasil", logo não podemos fazer auto-estradas, TGVs e aeroportos como se o fossemos. "Nem estádios de futebol", acudiu Ana Lourenço, para demonstrar que estuda atentamente os escritos políticos de Tavares.

Tavares não sabe que o grosso do custo das auto-estradas foi pago pela UE e convém-lhe esquecer que nem o TGV nem o novo aeroporto chegaram a ser construídos. Por outro lado, nem Ana nem Miguel, questionados, saberiam dizer quanto custaram os estádios do Euro 2004, mas eu sempre os esclarecerei que foi muito menos que a nossa participação em aventuras militares na Bósnia e no Afeganistão.

Muito menos suspeitam que, por muito criticáveis que tenham sido os investimentos que o país fez no último quarto de século em infra-estruturas, isso em muito pouco contribuiu para o crescimento da dívida pública - de resto, muito inferior ao da privada. Se Tavares quer denunciar "loucuras" deveria antes concentrar a sua ira nas despesas com a saúde e a educação - como hoje faz o governo que ele justamente execra.

Tavares tem firmemente implantada nas sinapses uma interpretação da história de Portugal que detecta um fio condutor de ruína e desgoverno ligando o império do oriente ao ouro do Brasil e aos fundos europeus, e não se cansa de repeti-la. Sucede que esse pensamento, plasmado nas centenas de páginas que compõem a sua obra de análise política, sendo partilhado por uma esmagadora maioria de taxistas, professores primários e moços de forcados, nada tem de original.

A única originalidade da nossa condição - se é que alguma existe - reside na santa e atrevida ignorância que, ascendendo das profundezas da massa ignara que sabe pouco e não quer saber mais, chega aos meios supostamente incultos que, na verdade, pouco se distinguem em nível cultural do povinho que se comprazem em desprezar.

(Relevante adenda a este post: É só fazer as contas...)
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1 comentário:

António Parente disse...

Não concordo com a análise do Pedro Lains. O problema não é o que se gastou mas o que se vai ainda gastar, o seu impacto na dívida pública e a contribuição para o agravamento dos problemas actuais. Quando o financiamento era considerado sem restrições e a baixo custo, até podia fazer sentido (continuo a pensar que não fazia). O problema é que sem financiamento, a dívida não é gerível.