31.8.04



George Herriman.

Citadino

Identifico perfeitamente eucaliptos e pinheiros e até percebo quais destes são mansos e quais são bravos. Acho que sei distinguir um carvalho, um choupo, uma oliveira, uma azinheira, um cipreste ou um castanheiro. A partir daqui, as coisas começam a complicar-se um bocado: ulmeiros, faias, acácias, azaleias (será uma árvore?), zimbros, cerejeiras, nespereiras, ameixoeiras, amendoeiras (desde que não estejam em flor), araucárias, jacarandás, cedros, zimbros, e por aí fora, não passam para mim de referências literárias mais ou menos misteriosas.

Porque é que este pensamento me veio agora à cabeça? E porque é que isso me há-de preocupar?

Rapidez de raciocínio

Tenho uma profunda admiração por esses tipos geniais que nos anunciam com ar triunfante soluções maravilhosas e indiscutivelmente correctas para os nossos problemas de há 30 anos.

Pensando melhor

Richard Pipes, um reputado académico anti-soviético que se especializou na história soviética, desafiou sistemática e persistentemente ao longo dos anos aqueles que considera serem os preconceitos mais difundidos sobre o tema: que 1917 foi uma revolução social; que a chave para entender a União Soviética é o marxismo e não a tradição russa.

Já pensaram bem nas profundas consequências desta interpretação, caso ela seja a correcta?

Boa ideia

«I never write on any subject unless I believe the opinion of those who have the ear of the public to be mistaken»

Samuel Butler

27.8.04





Vá para dentro lá fora

Os portugueses, quando vão de viagem, do que gostam mesmo é de países e lugares completamente diferentes que os ajudem a esquecer completamente a mãe pátria.

Como o Brasil, por exemplo, ou qualquer outro sítio onde haja grandes praias de areia fina e branca, onde possam preguiçar ao sol e olhar o mar azul, deixando para trás as execradas grandes metrópoles onde multidões de turistas se acotovelam à porta dos museus.

E não levam livros, nem revistas, nem jornais, nem guias, nem folhetos turísticos, nem nada que possa confundir-lhes as meninges atormentadas por longos invernos de aturado trabalho intelectual.

O reitor Sérvulo Correia

João Bénard da Costa recordou há uma semana no Público o lendário reitor Sérvulo Correia, que, a partir dos anos 50 dirigiu, durante duas décadas, o liceu Camões.

Segundo Bénard da Costa, um episódio que relatou provaria que o estilo autoritário e prepotente de Sérvulo Correia se justificava pela convicção profunda de ser essa a melhor forma de cuidar da educação dos jovens a cargo do Liceu que dirigia. Logo, ele seria, no fundo, uma pessoa bem intencionada que sem hesitar teria sacrificado tranquilidade pessoal e reputação para fazer aquilo que acreditava ser o melhor para os alunos. Não receara ser impopular, como agora se diz, para assumir plenamente as suas responsabilidades perante a comunidade escolar e o país.

Vistas as coisas à distância, achei a história curiosa, mas não inteiramente surpreendente, talvez porque sempre tive a percepção de que, sendo Sérvulo Correia um homem inteligente, as coisas muito estúpidas que dizia e as figuras tristes que fazia só poderiam resultar de um apego irracional a crenças absurdas em que, todavia, apegadamente acreditava.

Permitam-me, todavia, que recorde uma outra história, também ela pessoal, acerca do mesmo personagem. Em meados dos anos 60 (creio que precisamente em 1965), três quartos dos alunos da minha turma do Liceu Camões, secção do Areeiro, faltaram à exibição de ginástica programada para o dia 10 de Junho, Dia da Raça, no Estádio Nacional.

No último dia de aulas, fomos todos chamados à presença do Reitor e sumariamente expulsos do liceu. Nas condições política da época, isto poderia até certo ponto ser considerado normal, dado que, no quadro da Mocidade Portuguesa, a nossa ausência equivalia a uma espécie de deserção. Mas agora vem a parte mais curiosa: apesar de, por razões de saúde, eu ter sido nesse ano dispensado da ginástica, fui expulso como os outros sem apelo nem agravo. Nem se pode dizer que essa decisão tivesse resultado de um equívoco ou de um impulso de momento, porque, embora o facto fosse de todos conhecido e explicitamente alegado em minha defesa, ela não foi revogada nas semanas seguintes.

Apenas três meses depois, já em Setembro, o vice-reitor Salvador do Carmo finalmente conseguiu a anulação da pena a todos os alunos.

Este caso serve para mostrar como, apesar de todas as «boas intenções» do Reitor Sérvulo Correia, a estupidez prepotente reinava absoluta no Liceu Camões desses anos. Hoje, porém, está muito em voga a nostalgia do autoritarismo, o que me parece uma irresponsabilidade vinda de pessoas que puderam comprovar no seu dia a dia as suas nefastas consequências.

Argumentar com as boas intenções de alguém pode ser relevante de um ponto de vista exclusivamente pessoal, mas um balanço sério não pode ignorar as consequências práticas dessas intenções. E a verdade é que o sistema vigente no Liceu Camões só servia para fomentar a falsidade, a dissimulação, a mesquinhez, o culto das aparências, a hipocrisia, a subserviência, a ignorância e a ausência de sentido crítico, - para não mencionar outras coisas mais graves, mas que exigiriam uma explicação detalhada. Ora essas eram, e continuam a ser quarenta anos depois, as mais correntes patologias da sociedade portuguesa.

Escadas que não se podia descer, escadas que não se podia subir, corredores por onde só podiam circular os alunos, outros reservados aos professores, obrigatoriedade de usar gravata por baixo da camisola de gola alta, proibição de correr no recreio, proibição de frequentar cafés a menos de cem metros do liceu, proibição de parar no jardim da Praça José Fontana – eis algumas das normas arbitrárias do regime de sistemática e quotidiana humilhação a que alunos e professores eram submetidos sob os mais variados pretextos. O absurdo era planeado ao mais ínfimo detalhe no Liceu Camões desses anos de chumbo.

Alguém com dois dedos de testa acreditará que é esse o caminho para reformar a nossa educação? Não creio que Bénard da Costa pense assim, mas muita gente é capaz de retirar essa consequência do que ele escreveu.

Poderia contar muitas outras histórias sobre esses tempos, designadamente algumas reveladoras de que Sérvulo Correia era alguém que só conhecia e respeitava a linguagem da força, mas hoje fico-me por aqui.

O ...Blogo Existo errou

Uma das aventuras de Aurelio Zen - Lagoa Morta - está já editada em Portugal. Pela ASA, mais precisamente. Já é um princípio.

Várias outras foram traduzidas para português, mas no Brasil.


George Herriman.

26.8.04

A grande corrida ao queijo roquefort

By chance, the closing last week of the auction for Google's initial public offering coincided almost exactly with the fourth anniversary of the closing of Germany's mobile phone licence auction. The corporate value destruction as Europe's telecommunications operators scrambled for the right to offer third-generation services was on a scale rarely seen in business history.

But what goes around comes around. It was in 2008, I think, that the rumour that the moon was made of blue cheese began to circulate. Most people were initially sceptical. It was not, however, the sceptics who started buying the cheese distribution sector, which strongly outperformed the market. When the chief executive of a cheese business said he would wait before investing in rocket technology, his company's market capitalisation fell 10 per cent in a week. The call to spend more time with his family came soon afterwards.

The lesson was not lost on other executives. Only the crotchety boss and dominant shareholder of Bouygues Cheese continued to say it was all nonsense. Big consulting firms established practices to advise food companies on the challenges of change. There were few fees to be earned from telling clients not to be stupid. Conferences entitled "Space the New Frontier for Food" were held almost weekly. They were addressed by consultants and ambitious company men and women, early believers who had earned promotion through their prescience. Investment banks urged the logic of restructuring. If the merger of New Zealand Dairies with Glasgow Buses looked far-fetched to some, the architects of the deal pointed out there were few big transport companies left to buy. Journalists applauded these visionaries. They understood "Moon made of cheese" was a front-page story: "Moon not made of cheese" was spiked. Grocer's Weekly adopted the subtitle "The Magazine of the Space Age". Only the crustiest columnists dared demur.

Investment managers were reluctant supporters. They had seen bubbles before. But they were obliged to report to clients that underweight positions in cheese had led to underperformance. Views shifted. Perhaps funds should be entrusted to younger managers, with minds unclouded by experience. As fund managers scrambled to increase their market exposure, shares in cheese distribution rose towards the moon and the sky.

Excitement mounted as the day for the launch of the first exploratory rocket approached. The space agency was auctioning the five seats on board and competition was intense. None of the four established cheese companies could be left out and many other businesses were clamouring for a seat.

The auction raised far more than anyone had imagined. Its sophisticated designers made only one mistake. They assumed participants had some faint understanding of what they were doing. Manchego, the Spanish cheese maker, was a particularly aggressive bidder. As one of its executives explained, it was essential to be a lunar player. If you were not aboard, your stock would fall by more than the cost of the seat. Even if you were yourself thinking rationally and mostly you were not you were in the hands of people who were not doing so or could not act on rational beliefs. "What else could we do?" said the chief executive of Lodacheese, whose career was based on the insight that you won auctions by paying more than anyone else.

A multinational crew climbed aboard the rocket to general applause. What happened next is a mystery. Perhaps it blew up before it reached its destination, perhaps it missed the moon and is off to distant space. At any rate, the astronauts were never heard of again. Nor was the myth that the moon is made of blue cheese.

Half way through this fairy tale I realised it had already been written. By Hans Christian Andersen; whose Emperor's New Clothes explained how vanity and greed can promote large-scale self-delusion. Andersen's only error was to exaggerate the effect of one small boy's voice among the brayings of the self-opinionated and self-interested. His emperor continued to wave to the crowds even after he realised they knew he was naked. Great men surrounded by adulation rarely perceive themselves to be wrong, do not often learn from experience other than their own and never listen to small boys. That is why history so often repeats itself.

(Artigo de John Kay, publicado no Financial Times de 24 de Agosto. O título é meu, espero que não se importem.)



George Herriman: Krazy Kat.

25.8.04

Aurelio Zen

O detective italiano Aurelio Zen, personagem criado pelo escritor britânico Michael Dibdin, é um tipo normalíssimo. Do que ele gostaria, era de levar uma vida familiar pachola na companhia de uma esposa amorosa e de uma ninhada de filhos.

Mas Aurelio tem um problema grave. Embora nunca tenha ouvido falar do imperativo categórico (definitivamente, ele não é um intelectual), padece de uma consciência aguda da diferença entre o bem e o mal, de forma que passa o tempo a meter-se em alhadas.

Aurelio desvenda sempre os mistérios cuja investigação lhe é cometida, e ainda mais alguns que ninguém lhe encomendara. Mas, ao fazê-lo, acaba sempre por meter na cadeia sujeitos muito bem relacionados com os seus chefes ou com os líderes políticos a quem os seus chefes reportam. Resultado: Aurelio Zen vai sendo sucessivamente vitimado por promoções para baixo, ou seja, para locais e situações onde se espera que não possa continuar a colocar embaraços aos poderosos.

Assim, a sequência das suas aventuras proporciona-nos uma deliciosa e instrutiva viagem geográfica e social pela Itália contemporânea, cujos vícios são intrigantemente semelhantes aos nossos. Como os escritores portugueses desdenham abordar estes assuntos, eis então aqui uma oportunidade de percebermos melhor como funciona o nosso país, inclusivamente nos aspectos policial e judicial.

No antepenúltimo romance da série (Blood Rain), Aurelio foi deportado para a Sicília, onde descobriu que há mafias piores que a Mafia. Isto, depois de passar sucessivamente por Roma, por Milão, pela Sardenha, por Veneza e por Nápoles. Oficialmente escondido pela polícia de inimigos ocultos que pretendem liquidá-lo para evitar que deponha num processo judicial a decorrer nos EUA, acaba por ir parar à Islândia (And then you die...), onde apenas fica o tempo suficiente para descobrir que possui o dom muito valorizado pelos locais de ver fantasmas.

Muitos dos escritores de thrillers escrevem de uma forma desesperantemente primitiva. Não é esse o caso de Dibdin, acreditem-me. Lamentavelmente, nenhuma das histórias de Aurelio Zen está traduzido para português. (É nestas pequenas coisas que se percebe que não somos verdadeiramente europeus.) Eu descobri-o por mero acaso, misteriosamente atraído por uma capa bem esgalhada. A quem quiser experimentar aconselho, por exemplo, Cosi fan tutti ou Vendetta. Agora desculpem lá, mas tenho de ir ali à Amazon encomendar Medusa, a nova aventura da série, que acaba de sair.

24.8.04

Interlúdio



James Buckhouse. Interlúdio, segundo o dicionário, é um pequeno intervalo musical. Não estão a ouvir a música? Tem piada, eu também não.



George Herriman. Este rato é que é o primo do outro que joga às cartas no meu post do dia 18.

Nova definição

Sempre ouvi dizer que um tipo é velho quando tem a idade do Presidente da República, e muito velho quando tem a idade do Papa.

Agora, porém, arranjei uma definição melhor.

Um tipo é velho quando as miúdas lhe abrem a porta do elevador, e muito velho quando as acha todas giras.

20.8.04

Cenas da vida familiar

«Ó Marcelo, anda para a mesa que a sopa está a ficar fria!»

«Querida, são dois minutinhos, que só me faltam 217 páginas para acabar o Guerra e Paz.»

19.8.04

7 pecados mortais

1. Eu sou liberal, o que significa que acho o liberalismo a melhor ideologia à venda no mercado livre de ideias.

2. Eu apoio sem reservas a globalização, e não entendo o que quer dizer «globalização alternativa».

3. Eu considero o New Labour do Blair o melhor partido do hemisfério ocidental.

4. Eu considero o anti-americanismo uma atitude reaccionária.

5. Eu sou a favor da privatização da Caixa Geral de Depósitos, mas contra a das águas.

6. Eu sou a favor dos círculos eleitorais uninominais.

7. Eu penso que a reforma da administração pública que faz falta é a regionalização.

(Dito isto, tenho a impressão de que, para não espantar os leitores, o melhor é eu escrever antes sobre futebol.)

18.8.04





Walt Kelly.

17.8.04



Milton Caniff.

Fahrenheit 19/11

Depois de ver o filme, compreendi finalmente a irritação que ele sucita em tanta gente. É humilhante em extremo para qualquer pessoa que tenha dado o benefício da dúvida a Bush no caso da guerra do Iraque constatar que se deixou enganar por um bando de vulgares trapaceiros capitaneados por um pobre de espírito que repete incansavelmente as mesmas deixas imbecis.

Conversa da treta

Os problemas da educação não se resolvem com mais dinheiro, diz José Manuel Fernandes no Público. Pois, nem com menos...


Milton Caniff. O modo como os americanos vêem a guerra deve muito ao lápis de Milton Caniff. Ainda hoje, os filmes de guerra norte-americanos continuam a repetir incansavelmente os mesmos personagens, os mesmos diálogos, os mesmos enquadramentos inventados por ele.

16.8.04

A natureza está obsoleta



Este é o Ocean Dome, a praia artificial de Miyazaki no Japão. Quando o tempo está melhorzinho, abre-se o tecto e deixa-se entrar a luz. Assim:



Gosto desta solução. Assim já ficava espaço livre para se alcatroar as praias e construir uma auto-estrada marginal de Caminha a Vila Real de Santo António.