31.5.08

Cisão ao ralenti

O PSD estava dividido em dois. Agora, está em dividido em três. Não me parece que haja grande motivo para regozijo.

Gosto desta gaja



Entretanto, não deixem de ler o que o Lutz escreveu sobre Amy.

30.5.08

Tudo aquilo de que o país precisa

Abertura de espírito

Visão

Criatividade

Viagem no tempo



Imaginem o espanto, a ansiedade, a confusão. Imaginem as exaltadas discussões no seio da tribo ao longo das últimas horas. Imaginem o esforço de adequação dos mitos ancestrais ao acontecimento que para sempre mudará as suas vidas. Imaginem os feitiços e os esconjuros.

Europeus e não só

Certas observações ao meu post “Europeus de segunda” pressupõem que, para um sujeito ser europeu, tem que deixar de ser português ou algarvio.

Ora, eu não acredito numa identidade europeia assente na negação das identidades nacionais e regionais. Direi mesmo que tentar ir por aí é uma receita segura para minar os alicerces do projecto europeu.

Nada impede - e muita coisa recomenda - que as múltiplas lealdades dos cidadãos europeus sejam respeitadas e acarinhadas. Nós hoje em dia somos mesmo assim: pessoas multi-dimensionais que não se deixam encaixar em classificações simplistas e limitadoras.

Os inquéritos regularmente realizados pela União Europeia confirmam que os europeus de hoje se vêem desse modo.

The Rolling Stones: Love in Vain (Robert Johnson)

Inovação

Audácia

Levar a sério o desporto

A propósito das questões levantadas no meu artigo desta semana no Jornal de Negócios, faz sentido recordar o que escreveu David Goldblatt em Dezembro de 2007 na Prospect inglesa:

In sport, as in so many other areas, we seem to have accepted the triumph of private capital and global markets as irreversible. The private ownership of British football clubs, often by foreign billionaires, may appear to be a fait accompli, but it remains a flawed model. After all, what is a club? Stadiums, players, coaches and directors can and do change, and yet Arsenal is still Arsenal. What gives Arsenal continuity is the accumulated social capital amassed by generations who have attached significance to the narratives generated by the team's performances. This network of memories, meanings, identities and rituals constitute a precious form of value which cannot be owned by anyone and should not have its fortunes exclusively linked to the vagaries of private capital—just ask people in Brooklyn how they feel about the Dodgers' flight to Los Angeles in 1958.

At least in the US, private ownership of franchises is coupled with the regulatory mechanisms of the major leagues—salary caps, revenue-sharing agreements and a player draft system that favours the weak. British football has fewer of these safeguards and, as a result, both the English and Scottish premier leagues are among the most unequal and therefore predictable in the world; the same small group of teams that can afford to pay the ever-rising wage bill win every year. (The Premier League does redistribute about £128m a year to the lower divisions, but this is a tiny proportion of its £2.2bn television deal.) Meanwhile, ticket prices soar—an average Premier League ticket costs around £30—and many ordinary fans are priced out; witness the empty seats at clubs like Bolton and Middlesbrough. Even the US supreme court, hardly a bastion of social democracy, has recognised that sport cannot be regulated as a normal economic sector.

Michel Platini's Uefa and the EU have sought to address some of these problems with proposals for salary restrictions, limits on foreign players, spreading Champions League money more evenly and enshrining sport's distinct status in EU legalisation. But we also need to re-examine the whole question of ownership in sport. We should consider placing stricter limits on private investment in clubs (as in France and Germany) or making it easier to experiment with other forms of ownership, such as the fan-owned model in Spain, where senior club officials are elected. Terrified of appearing too influenced by a European initiative, the British government has been dismissive of the Platini plan, yet it shares many of the same concerns. It has, for example, been promoting supporters' trusts to give the ordinary fan a voice in the boardroom of clubs both big and small. It has also been backing innovative study centres at professional football clubs, with the clubs providing the space and glamour—but not the teaching—to help engage the hardest to reach children.

We need to balance private capital's opportunity to make profits from football with its duties of care. The argument begins with the link between professional sport and the wider sporting culture of society—pub teams, school sports, youth leagues, participating, watching, following and talking. Without this sub-stratum, sport at the highest level would be impossible. All professional sports organisations should bear considerable responsibility for their bases.

29.5.08

Arrojo

Com que se ocupam os nossos tribunais

Segundo o Público de hoje, Carlos Alves, utente do Metro do Porto, pediu a substituição de dois bilhetes de 50 cêntimos cada que não funcionavam.

Não vendo satisfeita a sua pretensão, levou o caso ao Tribunal do Porto, que, em Outubro de 2005, condenou a empresa a pagar-lhe um euro. Carlos Alves, leitor assíduo do Diário da República, vai agora receber 23,55 euros, incluindo juros, custas e taxas de justiça.

Aguardo ansiosamente os comentários das entidades competentes.

O nosso problema

José Manuel Fernandes afirma no seu editorial de hoje que o facto de o custo unitário do trabalho ter crescido em Portugal 10% entre 1999 e 2007 significa que "Portugal perdeu produtividade".

Onde é que ele terá aprendido isto? A evolução do custo unitário do trabalho depende de dois factores: o crescimento dos salários reais e o crescimento da produtividade. Logo, o aumento desse indicador significa apenas que os salários reais cresceram mais rapidamente do que a produtividade, não que a produtividade diminuiu.

Ora, o nível salarial é genericamente determinado pelo jogo da oferta e da procura no mercado laboral, ao passo que a produtividade depende antes de mais do investimento e da capacidade de inovação das empresas.

Por que é que a nossa produtividade cresce pouco de há muito tempo a esta parte? A explicação fundamental encontra-se, muito provavelmente, na fraca concorrência que prevalece em muitos mercados de produtos ao nível interno e na protecção que os poderes públicos concederam e continuam a conceder a actividades económicas ineficientes.

É por isso que tudo o resto que José Manuel Fernandes escreve - nomeadamente sobre "o nosso problema continuar a ser o mesmo" do século XIX - não faz qualquer sentido.

Azar dos Távoras

Leio no Público que estão avariados os radares da GNR no distrito de Leiria. Azar dos azares: significa isso então que fui recentemente apanhado em excesso de velocidade perto de Leiria por um radar avariado.

Se calhar, em vez de "Radares da Brigada de Trânsito avariados em cinco distritos do país" o Público queria antes dizer: "Alguns radares da Brigada de Trânsito avariado em cinco distritos do país".

Eu sentir-me-ia menos infeliz, mas tenho que compreender que a manchete, embora mais verdadeira, seria muito menos impactante.

Europeus de segunda

Os êxitos europeus do Benfica nos longínquos anos 60 fizeram os portugueses sentir pela primeira vez que não só eram parte da Europa, como até poderiam esperar vir a ter nela um papel de algum relevo.

Durante três décadas da Taça dos Campeões, qualquer equipa com talento podia aspirar ser a melhor da Europa, de modo que não só as mais poderosas nações, mas também os portugueses, os holandeses, os escoceses, os romenos e os jugoslavos puderam nalgum momento vencer, sem falar que também gregos, belgas e suecos atingiram a final da competição. Esqueceu-se hoje a importância que o futebol teve no desenvolvimento de uma consciência europeia.

Mais ou menos na mesma altura em que o Tratado de Maastricht entrou em vigor, as regras do futebol europeu foram alteradas, reduzindo drasticamente as chances dos clubes não originários dos países mais poderosos da União. Desde então, apenas FC Porto e Ajax chegaram à final.

Clubes que nunca foram campeões nos seus países são admitidos na competição, ao mesmo tempo que muitos campeões nacionais são deixados à porta. Uma maioria de europeus assiste de fora, pagando para ver os outros jogar. De ano para ano restringe-se o núcleo dos candidatos à vitória. Franceses e alemães já não conseguem chegar às meias-finais, e, nos últimos dois anos, três dos semi-finalistas foram ingleses. Pior, a crescente concentração do poder económico favorecida pelas competições europeias cava também ao nível nacional um fosso entre os da frente e os restantes. Nalguns países, emergem campeões crónicos; noutros, as ligas são, na prática, disputadas entre apenas dois clubes.

Como existe uma elevada correlação entre as despesas dos clubes com jogadores e o seu sucesso desportivo, é grande a tentação de gastar acima das posses. Chegámos assim ao ponto em que o prejuízo anual do Chelsea é superior às receitas somadas de todos os clubes portugueses de todos os escalões. Todavia, não existe qualquer correlação entre sucesso desportivo e sucesso financeiro, o que explica a insolvência de um número crescente de clubes. Farense, Salgueiros e Boavista não são excepções na Europa do futebol: são, cada vez mais, a regra num sistema que caminha a passos largos para a ruína.

Algumas soluções aventadas para resolver os problemas financeiros dos grandes clubes institucionalizam a distinção entre europeus de primeira e europeus de segunda. A saúde financeira do futebol de topo pode ser assegurada pela criação de uma Super Liga reservada aos principais clubes dos maiores países, em que eventualmente entrará um clube português (mas só um, notem bem!). Quem achar que o futebol é um entretenimento semelhante ao circo, poderá gostar deste modelo em que os párias se orgulham por verem os Nanis, os Robens ou os Ibrahimovics a jogar nos clubes da casta superior europeia.

Mas isso é esquecer que o envolvimento popular com o futebol vai muito para além do mero espectáculo. Participação, pertença, identidade, rituais, experiências partilhadas, memória colectiva – eis o que o futebol significa para os povos europeus. É degradante imaginar-se sequer que um portista se resigne a torcer pelo Chelsea só porque lá jogam ex-futebolistas do seu clube.

Muito poucas pessoas entendem verdadeiramente o que está em causa no Tratado de Lisboa, mas, no fundo, há uma grande similaridade entre os rumos da Europa política e os da Europa do futebol. Num e noutro caso, a ausência ou diluição das instâncias verdadeiramente europeias de poder conduz ao triunfo sem freios dos poderes fácticos, mesmo os menos respeitáveis.

O presente estado do futebol interessa a um reduzido número de futebolistas de topo e aos interesses obscuros que se movimentam em torno da compra e venda dos seus passes. Mas prejudica os adeptos, os investidores, a quase totalidade dos clubes e a esmagadora maioria dos jogadores de todos os escalões.

Também no futebol, são necessários novos caminhos para a Europa.

(Artigo publicado no Jornal de Negócios de 28.5.08)

28.5.08

Europeus de segunda

"Haverá vida depois do défice?" - essa pergunta estará na mente dos sportinguistas que, hoje, terão que decidir em Assembleia Geral se o seu clube perderá daqui a cinco anos o controlo da respectiva SAD.

O que é que isso tem a ver com o meu artigo "Europeus de segunda", hoje publicado no Jornal de Negócios? Ora, muita coisa.

Robert Johnson: Crossroads

Jornais para quê?

O blogue que é preciso ler todos os dias nos tempos que correm desmonta o título principal do Diário de Notícias de hoje.

Conselheiro Acácio

Pergunta hoje o Público aos quatro candidatos à presidência do PSD:
"No primeiro trimestre de 2008 morreram 17 mulheres por violência doméstica, contra 22 ao longo do ano de 2007. O Estado deve empenhar-se mais na solução deste problema? Como?"
Ora leiam a resposta da Conselheira de Estado, que parece apostada em monopolizar a série "Conselheiro Acácio" do Bl-g--x-st-:
"Esta questão tem preocupado até a nível internacional e este ano é o ano europeu contra a violência doméstica. Portanto, é um problema internacional, que preocupa as pessoas. Não creio que ele se resolva. Tem de ser acompanhado e tem sempre de ser tido em atenção que é um fenómeno que existe. Deve ser fomentada a sua denúncia, especialmente dar formação às entidades que se debruçam sobre estas questões, nomeadamente às entidades de segurança, aos polícias, que têm tido já acções de formação."
Espero que não se tenham deixado enfeitiçar pelo conteúdo, porque o estilo também é notável.

27.5.08

É só nervos

De repente, descobre-se que em Portugal toda a gente está imensamente preocupada com os pobres. Mas não há razão para alarme: mais uma ou duas semanas e isto passa.

Robert Johnson: Sweet Home Chicago

Descredibilização a alta velocidade

Manuela Ferreira Leite falou verdade quando afirmou desconhecer os dossiês do TGV? Ler aqui.

Grande lata

Pergunta Nogueira Leite, muito indignado: "Por que é que o Governo não paga o que deve?"

Por que é que, enquanto Secretário de Estado do Orçamento do Governo de Guterres, Nogueira Leite não aproveitou essa oportunidade irrepetível para pôr o Estado a pagar o que devia?

26.5.08

O quê?

No Prós e Contras discute-se, como de costume, não se sabe bem o quê.

Nos dez minutos em que estive a assistir debateu-se se a indústria portuguesa foi ou não aniquilada, se há ou não especulação com os preços do petróleo, se a segurança social foi ou não reformada, se temos ou não condições para resistir à crise internacional, se é preciso ou não rever as leis laborais e por aí fora.

Muito bem disposta, a moderadora anuncia que depois do intervalo se esclarecerá se a reforma da administração pública foi ou não suficiente.

Ora então muito boa noite.

Lindo serviço



Passive Aggressive Notes é uma ideia fabulosa: um blogue que colecciona as mensagens escritas mais variadas, do irritado ao absurdo, do neurótico ao burlesco, do terno ao pedagógico, registos instantâneos de pequenos e grandes dramas quotidianos. A foto acima foi de lá extraída.

Correcção

Ontem, citei aqui uma declaração atribuída pelo Mar Salgado a Luís Pedro Nunes. Hoje, o próprio corrigiu as afirmações que lhe foram imputadas num email que me enviou:
Mal citado, contudo

1- Não sou jornalista do Público há dez anos
2- Disse "garoto propaganda" e não de "programa", como foi escrito

Parece-me que faz toda a diferença, não?
A ter sido assim - não assisti ao programa - é claro que faz toda a diferença, pelo que lamento ter reproduzido palavras que afinal não terão sido ditas.

Investir em ilusões

Basílio Horta e Manuel Pinho reagiram prontamente à notícia da quebra drástica do investimento estrangeiro em 2007 anunciando hoje que a Renault vai fazer novos investimentos na fábrica de Cacia.

Mas não adiantam valores. E asseguram que a coisa é já para este ano. Dois indícios seguros de que se trata de coisa de pouca monta.

Isto é para iludir quem?

Conselheiro Acácio

Pergunta o Público de domingo aos quatro candidatos à Presidência do PSD: "O problema orçamental está ultrapassado ou serão necessárias medidas adicionais de controlo da despesa? Quais?"

Responde Manuela Ferreira Leite:
"O problema está ultrapassado com base fundamentalmente nas receitas e não na despesa. Serão com certeza necessárias medidas de controlo de despesa para dar margem a poderem reduzir-se os impostos."
É notável que Ferreira Leite se tenha esquecido de responder à segunda parte da pergunta: "Quais?", que era o que verdadeiramente interessava.

Outra coisa: Patinha Antão apresenta-se como deputado, Passos Coelho como gestor, Santana como deputado e Ferreira Leite como conselheira de Estado. É essa a sua principal actividade profissional: conselheira de Estado? Tem piada, estava convencido de que ela é administradora não-executiva do Santander Totta...

O problema dos pobres é falta de dinheiro, não falta de combustível

Escreve o economista Robert Frank, criticando a proposta de McCain e Hillary de uma redução temporária do imposto sobre os combustíveis como forma de aliviar as dificuldades do povo americano:
Of course, when millions of voters feel the pinch of rapidly rising prices, politicians find it hard to stand idly by. But as the late economist Abba Lerner once remarked, the main problem confronting the poor is that they have too little money. The best solution is not to reduce the prices they pay, but rather to bolster their incomes — for example, by selectively reducing the payroll tax for low-income workers or increasing the Earned Income Tax Credit.
Traduzindo para português: em vez de subsidiar, genérica ou selectivamente, o preço dos combustíveis, o nosso governo deveria antes, caso para tal tenha condições, baixar os impostos socialmente mais injustos, a começar pelo IVA.

25.5.08

Frase da semana

Declaração reproduzida pelo Filipe Nunes Vicente:
Luís Pedro Nunes, jornalista do Público, acaba de dizer o seguinte (no programa "Eixo do Mal" da SIC-N): Quando as empresas portuguesas vão negociar ao estrangeiro, levam "um garoto de programa" que é o José Sócrates. É para correr no calçadão. Dizem assim: "Ó Zé, corre aí! " E ele corre.
Decididamente, não há, em certos quadrantes, limites para a grosseria.

Willie Dixon: The Seventh Son

Dia da asneira

A publicação mensal dos indicadores coincidentes de conjuntura do Banco de Portugal é sempre pretexto para os comentários mais disparatados na imprensa, como aqui faz notar o A Pente Fino.

Com que direito se arrogam certos jornalistas económicos analisar informações estatísticas que nem sequer entendem? Talvez fosse boa ideia o Banco de Portugal organizar um curso relâmpago de um dia para ensinar-lhes-á o bê-á-bá sobre o tema.

Ricos e pobres

O Público de hoje opina (com destaque na primeira página) que o crescimento das lojas discount e das marcas próprias dos retalhistas em Portugal se deve ao agravamento da situação económica das famílias.

Se essa inferência fosse legítima, os EUA e a Alemanha seriam os países mais pobres do Mundo.

22.5.08

Georgie Fame: The Seventh Son

Conselheiro Acácio

O Público perguntou aos candidatos à liderança do PSD: "Portugal atravessa, há vários anos, um período de fraco crescimento económico. Quais as três principais medidas que propõe para inverter esta situação?" Eis a resposta de Manuela Ferreira Leite, reproduzida ontem naquele jornal:

"Não é um problema de medidas, é um problema de políticas. As políticas são conhecidas e são óbvias em relação àquilo que fomenta o crescimento económico. As medidas só são susceptíveis, quando têm efeitos, se inseridas no contexto global da situação económica do momento. Não creio que honestamente alguém possa responder a uma pergunta destas, porque, neste momento, ninguém é capaz de prever qual é o cenário macroeconómico de 2009. Com todas as [sic] imponderáveis que existem, não é possível, com correcção, dizer-se que medidas é que na altura sejam adequadas para executar a política que nesse momento é necessária."

21.5.08

Nova previsão

Esqueçam as previsões da OCDE, do FMI, da União Europeia, do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças.

Estou em condições de adiantar - e notem que não cobro nada por isso - que a economia portuguesa crescerá em 2008 entre 1,8 e 2,2%.

Aposto uma mini e uma sandes de torresmos. Se houver novidade eu aviso.

Fazer bem o nosso trabalho (3)

Há dias, escrevi aqui:
Olhando para os gráficos [da Síntese da Conjuntura do INE], o período [1º trimestre de 2008] até parece um outlier só explicável por causas especiais, não podendo descartar-se a hipótese de, após um ajustamento brusco, as coisas regressarem em seguida à normalidade.
Pareceu-me a mim na altura que esta ideia ocorreria a qualquer pessoa habituada a analisar séries estatísticas.

Sei agora, depois de ler este post do Câmara Corporativa, que eu estava absolutamente certo: os dados do 1º trimestre deste ano são mesmo um outlier, por razões que aí se explicam e que, inacreditavelmente, ninguém notara até aqui.

A triste conclusão é que nem o INE, nem os jornalistas económicos, nem os economistas, nem os políticos fazem bem o seu trabalho.

Aparentemente os únicos sujeitos competentes no meio disto tudo são os profetas da desgraça. Mas é claro que o trabalho deles é mais fácil, não é verdade?

20.5.08



Rauschenberg.

Acudam!

Estão a entrevistar um doido na SIC-Notícias.

Parece que fala em sonhos com Sá Carneiro e que tem obra espalhada por todo o país, de Lisboa à Figueira da Foz.

Está agora a dizer que o país tem que manter a lucidez. Que Deus o oiça!

Não lhe puxem pela língua, que é uma maçada...

Contra a filosofia tablóide

Há por aí agora uns conferencistas de feira que se empenham em arrebanhar grandes e néscias audiências atiçando os preconceitos do homem da rua contra qualquer pensamento um poucochinho mais complexo.

O João Galamba escreveu hoje um post muito oportuno sobre este tema no Cinco Dias.

Fazer bem o nosso trabalho (2)

Na abertura do Jornal da Noite de ontem da SIC-Notícias, Mário Crespo anunciou que, confrontado com a baixa do investimento estrangeiro em 2007, o Presidente da República defendera que Portugal deveria tornar-se fiscalmente mais competitivo.

Escutadas as declarações do Presidente da República, verifica-se que ele não disse nada disso.

Fazer bem o nosso trabalho

Três títulos do Jornal de Negócios de ontem:
Primeira página: "Jovens qualificados em risco de viver pior que os pais"

Página 19: "Jovens com empregos mais precários e salários em queda"

Página 20: "Uma geração qualificada que vive pior do que os pais"
A primeira impressão geral é apocalíptica, e sabe-se a importância das primeiras impressões. Será ela correcta?

Note-se, para começar, que o primeiro e o terceiro título dizem coisas diferentes: o primeiro anuncia uma possibilidade, o segundo afirma um facto. Onde está a verdade? Difícil de saber, quando os artigos dos jornais se dedicam mais a expor opiniões do que a dar conta do que efectivamente se passou.

Lendo o corpo destas notícias, constata-se que os títulos se baseiam em meras impressões e não em dados estatísticos. Segundo o jornal, as estatísticas do INE (que não tive oportunidade de confirmar) revelariam que, em 2007, o salário médio dos jovens entre os 25 e os 34 anos representaria 87% do salário médio nacional contra 96% em 1999.

Duas conclusões:
1. Esses dados referem-se à totalidade dos jovens, não aos mais qualificados

2. A queda dos salários relativos não implica a queda dos salários reais em termos absolutos
É muita imprecisão para tão pouca informação. Há várias outras no artigo, mas creio que não vale a pena continuar.

Vemos os jornais criticarem dia após dia o estado do país, mas é raro topar-se com um jornalista apostado em fazer um bom trabalho. Não terá isso algo a ver com o estado do país?

19.5.08

Concorrência

Há pouca concorrência no mercado dos combustíveis? Em Portugal, há pouca concorrência em quase tudo.

Sabiam que quase todas as marcas de margarinas à venda nos nossos supermercados são produzidas pela mesma empresa?

Falso alarme?

Tem-se ouvido muito a esquerda argumentar que o aumento dos preços das matérias-primas a que estamos a assistir se deve principalmente à especulação. Também eu cheguei a afirmá-lo aqui, apoiado numa afirmação do actual Presidente do FMI.

Mas acontece que, se isso fosse verdade, deveriam estar a crescer os stocks constituídos com fins especulativos, o que, ao que parece, não está a acontecer. Até agora, pelo menos, ninguém os descobriu ou conseguiu sugerir onde poderão estar escondidos.


Rauschenberg.

Grande lata

Paula Teixeira da Cruz na SIC-Notícias: "Os nossos filhos vão viver pior do que nós".

Noite de asneira na SIC-Notícias

Máripo Crespo acha que o site do IDT deveria pura e simplesmente dizer: "A droga é má, a droga mata", sem se perguntar se, assumindo esse ponto de partida, teria capacidade para influenciar alguém. E, em seguida, questiona o seu Presidente, entre o surpreso e o indignado: "Mas pode haver um uso recreativo das drogas?" Ó santa ignorância! A finalizar, escandaliza-se que o Instituto afirme que "não há receitas para prevenir a toxicodependência". E há?

Decididamente, a intolerância de alguns em relação aos comportamentos que não entendem está entre os factores que mais dificultam o combate eficaz às drogas.

16.5.08

Infantilidades

O Expresso desta semana fala de "infantilização da política" a propósito do pedido de desculpas de Sócrates pela violação da lei que proibe o fumo nos transportes aéreos, atribuindo o caso a "uma clara importação das práticas da política norte americana".

Ora eu aplaudo todas as importações americanas que tenham em vista sublinhar a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Por isso espero que o pedido de desculpas não proteja o Primeiro-Ministro de sofrer a penalização correspondente à infracção que cometeu, de nada lhe valendo alegar que desconhecia ter agido erradamente.

Dito isto, eu gostaria que os media portugueses revelassem um poucochinho mais de sentido de responsabilidade na avaliação dos actos próprios. "Infantilização da política"? Certamente, mas da parte do Público - e temo que, também, da parte do Expresso - ao fazer manchetes com conversas da treta deste jaez.

Há coisas que se admitem no Correio da Manhã ou nos gratuitos, mas não na imprensa que faz gala em ser chamada "de referência".


Rauschenberg.

Choque de expectativas

Parece-me justo afirmar-se que o mau desempenho da economia no primeiro trimestre apanhou toda a gente de surpresa (Presidente da República incluído, por muito que lhe custe admiti-lo). Olhando para os gráficos, o período até parece um outlier só explicável por causas especiais, não podendo descartar-se a hipótese de, após um ajustamento brusco, as coisas regressarem em seguida à normalidade.

Os números ontem divulgados são tanto mais inesperados quanto é facto que os dados até então disponíveis sugeriam que as exportações estavam a crescer bem (pelo menos até Fevereiro), que o turismo progredia a bom ritmo e que o desemprego estava em baixa.

Teremos que esperar mais três semanas para saber como evoluiram as diferentes componentes da procura, mas é provável que o principal problema esteja, não na procura externa, mas no consumo privado e no investimento.

A eventual retracção do investimento será pouco preocupante, na medida em que poderá indiciar apenas uma demora no arranque de projectos que aguardam a sua aprovação no âmbito do QREN. Quanto ao consumo privado, o pior ainda poderá estar para vir, tendo em conta as crescentes pressões inflacionistas.

Texeira dos Santos esperaria um abrandamento da economia, mas não contaria que fosse tão significativo. O corte drástico na taxa de crescimento projectada para este ano e o próximo pode ter essa explicação, mas também é possível que a perspectiva de poder ultrapassar facilmente uma fasquia colocada tão baixo tenha também influenciado essa decisão.

Outra vez o maldito mercado

Lido no Jornal de Negócios de hoje:
"Resgatar o dinheiro aplicado em fundos é mais caro em Portugal do que nos restantes 18 países analisados. As sociedades gestoras nacionais cobram, em média, 2% em comissões de resgate. O que contrasta com a realidade de outros países europeus, como a Alemanha e a Itália, onde não são cobrados custos pelo resgate. Os fundos portugueses têm ainda das comissões mais altas da amostra, cobrando em média 1,875%. Custos anuais mais elevados, só se verificou na Coreia do Sul, cujos fundos cobram em média 2,199%."
Que se há-de fazer? É o mercado!

15.5.08

O mercado tem as costas largas

Há pouco tempo, a Sonae escolheu o sucessor de Belmiro de Azevedo. Dizia-se que havia vários candidatos com hipóteses, mas, no final, a Presidência do grupo foi previsivelmente atribuida a Paulo de Azevedo.

É provável que ele fosse o melhor homem para o lugar, no mesmíssmo sentido em que é provável que - digo isto sem qualquer ironia - a escolha de Armando Vara para o BCP não tenha tido nada a ver com a sua relação de amizade com José Sócrates.

Perdoar-se-nos-á porém a nós, simples mortais, que fiquemos com algumas dúvidas. É que a experiência mostra-nos que, ao menos em Portugal, grandes empresas cotadas na Bolsa que supostamente deveriam dispor de uma gestão profissionalizada em extremo continuam na prática a ser governadas como coutadas familiares.

A descendência de Picasso não singrou na pintura, nem a de Einstein na ciência. Assim de repente, nas artes, a única dinastia de sucesso que me ocorre é a da família Bach. Na gestão empresarial, porém, parece haver um gene que se propaga de pais para filhos.

Belmiro de Azevedo irritou-se com a hipótese de a União Europeia poder vir a interferir na fixação dos salários dos administradores das empresas, declarando que "os políticos não mandam nos empresários". É certo que os políticos não devem dar ordens aos empresários; mas fazem as leis que a todos obrigam, empresários incluídos.

Logo, a questão, é esta: deve o poder político imiscuir-se neste tema das remunerações? Belmiro, Mexia, Ulrich e outros declararam a sua oposição, argumentando que os salários dos gestores são fixados pelo mercado. Não é exacto, a menos que aceitemos que o mercado são eles.

Ora eles não são os donos das empresas. As empresas são dos accionistas, e eles dispõem usualmente de participações minoritárias em empresas de que pretendem dispor como coisas suas.

A agitação por que passou o BCP revelou até que ponto são quotidianamente espezinhados os direitos dos accionistas em proveito de pequenos grupos de familiares e amigos que na prática detêm todo o poder. Ora é aqui - e não na eventual fixação de salários máximos - que os governos europeus deveriam intervir, defendendos os direitos dos accionistas contra os abusos de minorias entrincheiradas nos postos de comando.

Talvez seja oportuno recordar que Adam Smith levava a sua embirração pelas sociedades anónimas ao ponto de defender a sua interdição, precisamente porque no modo como eram governadas ele não vislumbrava a mão invisível do mercado mas a manipulação de muitos por muito poucos.

Vergonhoso mamarracho



A estátua de Humberto Delgado ontem inaugurada no Porto mais parece um insulto do que uma homenagem. Aquilo é o General sem medo ou um cauteleiro a fazer uma sorte de capote com a bandeira nacional? Foi o Rio quem encomendou o mostrengo?


Rauschenberg.

14.5.08

Em quê?

Depois de escutar parte substancial da entrevista de Manuela Ferreira Leite hoje à noite, pasmado com uma vacuidade e uma incoerência que excederam largamente as minhas piores expectativas, interrogo-me: afinal em que é que, do ponto de vista estritamente político, ela é superior a Luis Filipe Menezes?

Afinal ela diz coisas certas

Manuela Ferreira Leite hoje à noite na SIC-Notícias: "[Os cidadãos] fazem zapping quando nos ouvem falar".

Olhem para mim a fazer zapping. Pronto, já está.


Rauschenberg.

ASAE, cumpre o teu dever

Se, como asseveram os especialistas e me parece lógico, a proibição de fumar se aplica também aos voos fretados, então não resta à ASAE senão aplicar uma pena exemplar à TAP e ao Primeiro-Ministro.

Já viram os problemas que isto resolvia? A ASAE tornava-se de um dia para o outro imensamente popular, e Sócrates humanizava-se ao submeter-se ao império da lei, sem falar de que o país inteiro adquiria uma patine instantânea de civilidade.

13.5.08

Santa ignorância

A mais recente polémica (chamemos-lhe assim) em torno da ASAE demonstrou que os jornalistas não entendem a diferença entre previsões e objectivos.

Não espanta muito, porque, afinal, os jornalistas não precisam de saber quase nada para pastorearem os espíritos.

Acabo de constatar, porém, que António Barreto e José Miguel Júdice - que em breve será presidente de um instituto público - também não fazem a mínima ideia.

Recomendo a Júdice um cursozito à pressa antes que assuma as suas novas funções.


Rauschenberg.

Mudar de vida

Andava com vontade de dar uma volta à minha vida, de modo que comprei uma máquina de barbear eléctrica - um retrocesso civilizacional tanto mais preocupante quanto é facto que desde o 25 de Abril não recorria a essa tecnologia.

Estou encantado. Sem correr o risco de me cortar, não preciso mais de me olhar ao espelho enquanto me barbeio - uma prática responsável pelo alastramento do individualismo narcisista pelo mundo -, de modo que, embora gaste mais tempo a executar a tarefa, posso aproveitar para fazer outra coisa em simultâneo. Agora, faço a barba enquanto tomo o pequeno almoço, leio o jornal, vejo televisão ou recebo visitas - para não mencionar outras situações que poderiam chocar pessoas mais sensíveis.

Para falar verdade, a experiência é tão gratificante que dou por mim a barbear-me apenas porque não tenho mais nada que fazer. No próximo domingo de manhã vou levar a máquina para a esplanada. Deve ser bem agradável, principalmente se o dia estiver bonito.


Rauschenberg.

Carole King: The Locomotion

A credibilidade não é um posto

Manuela Ferreira Leite tem carácter, e não serei eu que desvalorizarei essa qualidade, sobretudo nos tempos que correm.

Manuela Ferreira Leite acha-se uma pessoa credível, esquecendo porventura que quem crê, crê nalguma coisa. Ora, em que deve crer quem crê em Manuela Ferreira Leite? Esse é o problema, a dúvida e a dificuldade. Porque Manuela Ferreira Leite exige de nós a crença a troco de nada: nem orientações, nem ideias, nem programa, nada mesmo. Mas é preciso um Obama para levar as pessoas a vitoriarem o Escolhido só porque ele assim ordena.

Manuela Ferreira Leite apresenta-se como alguém sem apetência pela Presidência do PSD, tampouco pelo cargo de Primeiro-Ministro. Está nisto a fazer um frete, por mero sentido do dever. Não tem paciência, desde logo, nem para os jornalistas, nem para os militantes do PSD, aversões aliás eminentemente compreensíveis. Mas todos nós sabemos que uma pessoa contrariada não faz bem o seu trabalho, seja ele qual for.

Não seria melhor dedicar-se a algo de que possa tirar prazer? Por exemplo, a administrar o Banco Santander? Suspeito que ficaríamos todos - ela e nós - a ganhar com isso.

12.5.08

O cisma de 68

Em Agosto de 68 encontrei um destacado comunista português, afastado da militância activa por razões que só mais tarde vim a conhecer e que são irrelevantes para o caso.

Questionou-me sobre as repercussões do Maio de 68 na minha universidade, mas, sem me dar tempo para responder-lhe, declarou-se feliz por, no seu entender, a juventude portuguesa ignorar movimentações insensatas inspiradas por anarquistas e estimuladas pela burguesia.

Eu não ignorava o incómodo do PCF e da CGT perante os recentes acontecimentos em França. Mesmo assim, fiquei chocado com a agressividade evidenciada pelo meu interlocutor - tão chocado, que ainda hoje me recordo perfeitamente do lugar e das circunstâncias em que a conversa ocorreu.

Dias depois, os tanques soviéticos invadiram a Checoslováquia, e, como seria de esperar, ele exultou.

O ano de 1968 marcou, também entre nós, a ruptura definitiva entre a nova esquerda e os comunistas pró-soviéticos. Foi essa a sua principal e mais duradoura consequência política.

Entre os dois sectores da oposição ao antigo regime cavou-se um fosso que não fez senão aprofundar-se nos anos seguintes: bem notório na crise académica de Lisboa de 1970 (mas não na de Coimbra de 1969), ele revelou-se à luz do dia, com uma violência para muitos surpreendente, no imediato pós-25 de Abril.

A sogra de Bill Clinton



No final da primeira década do século XXI já todos os interessados presenciaram um concerto dos Stones ao vivo, escutaram um CD dos Stones ao vivo ou assistiram a um video dos Stones ao vivo.

Que poderia acrescentar "Shine a Light", o filme de Scorsese agora estreado?

Alguns flashes de entrevistas antigas sem particular interesse limitam-se a sublinhar a longevidade da banda. Um ou noutro momento de intimidade com o que se passa no palco - a expressão de cansaço de Watts no final de um trecho mais puxado ou um vislumbre do alinhamento das canções rabiscado na face de um quadro negro invisível para o público, por exemplo - não são suficientes para justificar a empreitada.

À medida que os Stones envelhecem, cresce o protagonismo de Richards em detrimento de Jagger. Este já todos entendemos que é um genial farsante, mas o mistério do primeiro, com a sua impassível máscara de repugnante bardinas, adensa-se de dia para dia.

Só ele parece disposto a jogar o jogo até ao fim, excepto naquele raro momento em que, como qualquer pessoa normal, condescende num beijinho bem comportado à sogra de Bill Clinton, embevecida com aquela oportunidade única de privar com o mafarrico em pessoa.

Agora, que João Paulo II unilateralmente aboliu o Inferno, o diabo já não mete medo a ninguém. E os artistas malditos também não.

11.5.08

Despesismo

Porquê destacar uma guarda pessoal para proteger Ricardo Costa, se Carolina Salgado, a única pessoa que poderia mandar espancá-lo, já se encontra vigiada pela polícia?

O fim do fim da história

Diz-se que o capitalismo venceu o socialismo, mas não foi bem assim: a 2ª Internacional venceu a 3ª Internacional, por isso todo o Ocidente e arredores vive presentemente em social-democracia.

Ao cabo de dois séculos de muitas vitórias e grandes asneiras, a esquerda foi forçada a parar um pouco para retemperar forças. Animada pela queda do Muro de Berlim, que interpretou mal, a direita decretou primeiro o fim da história, para depois se dedicar a inverter a sua marcha.

Apesar de tudo, a Era do Caranguejo produziu relativamente pouco retrocesso histórico, em parte porque o tradicional argumento conservador funciona hoje a favor da social-democracia: se nos pusermos a fazer muitas reformas, o resultado final pode ser bem pior do que aquilo que já temos.

De modo que o passo seguinte da direita foi avançar para o neo-conservadorismo, uma doutrina de transformação revolucionária da situação mundial que de conservadora não tem nada.

Os cacos estão aí à vista de todos, pelo que este deprimente interregno está prestes a chegar ao fim. Quando é que isso sucederá? Logo que o mundo se consciencialize verdadeiramente da dimensão do buraco em que Bush mergulhou a América.

The Crystals: Da Doo Ron Ron

O novo significado da palavra "tentar"

Afirmou Ricardo Costa, Presidente do Conselho de Disciplina da Liga, ao anunciar os castigos ontem aplicados: "Se o regulamento não exigisse o que exige, os clubes [U. Leiria e FC Porto] que hoje perdem pontos seriam punidos com descida de divisão."

Pensem bem: que sentido faz alguém que está encarregado de velar pela aplicação de um determinado regulamento aventar sequer a possibilidade de o seu alto juízo poder sobrepor-se a esse mesmo regulamento? Tudo indica, pois, que, "se o regulamento não exigisse o que exige", este interessante espécimen de "adepto da Académica" teria pura e simplesmente extinguido o FC Porto.

De resto, a lógica que preside ao castigo imposto ao FC Porto é incompreensível. Ora vejamos, não tendo sido possível provar que as arbitragens dos jogos em causa tenham beneficiado o FC Porto (bem pelo contrário) o Conselho de Disciplina decidiu ter havido apenas corrupção na forma tentada.

Tentada, como? Segundo o mesmo Conselho, os árbitros terão recebido, com base no testemunho único de Carolina Salgado, favores sexuais e monetários. Assim sendo, a corrupção não foi meramente tentada, mas efectivamente concretizada.

Corrupção tentada acontece quando se procura oferecer algo a alguém e esse alguém recusa, o que, segundo o Conselho, não aconteceu. Logo, na verdade, a corrupção teria sido consumada, mas não teria produzido resultado.

Confuso? Não vale a pena, porque isto também não é para perceber.

9.5.08

O perigo amarelo

Questionado sobre a Revolução Francesa, Chu En-lai, o crónico Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mao, respondeu que ainda era demasiado cedo para fazer um balanço.

Irá a China dominar o mundo, como sugere o Expresso desta semana? Mesmo não sendo Chu En-lai, acredito que ainda é demasiado cedo para o saber.

A China é tão grande que 1% da sua população é muito mais do que a totalidade dos residentes em Portugal. Apesar de continuar a ser um país muito pobre, em breve terá mais milionários do que a Europa Ocidental. Permanecendo uma potência económica de segunda ordem, é já o segundo maior exportador mundial.

Um mundo sem a China era uma coisa estranha, como um corpo privado de um braço e de uma perna, ou mesmo de alguns órgãos vitais. Um mundo com a China - ou melhor, com mais umas centenas de milhões de trabalhadores a produzirem para o mercado mundial - parece um lugar congestionado, onde não há lugar para todos, principalmente quando se é um operário pouco qualificado num país desenvolvido.

Conseguirá a China manter as altas taxas de crescimento do último quarto de século? No final dos anos 80 previa-se que o Japão em breve ultrapassaria os EUA, mas desde então, como que para desmentir o prognóstico, o Império do Sol Nascente parou de crescer.

Os milagres económicos não duram sempre. Pior: quanto mais milagrosos, mais propendem a desembocar em períodos de estagnação prolongada.

A revolução económica operada na China partiu o país aos bocados. Cavou-se um fosso entre ricos e pobres, cidade e campo, litoral e interior. A isto há a acrescentar as tensões étnicas, linguísticas e culturais, que não só permanecem como se agravaram. A prazo, duvido que a histeria nacionalista seja incapaz de contê-las, tanto mais que a ausência de mecanismos democráticos de negociação entre as partes inibe a resolução pacífica dos conflitos.

Acresce que a irracionalidade económica é manifesta no domínio das obras públicas e do investimento público em geral. Tampouco o sistema financeiro assegura uma distribuição eficiente dos recursos. Os sistemas de incentivos às empresas são confusos e excessivamente politizados. Pior ainda, os direitos de propriedade e a protecção contra a fraude económica não se encontram suficientemente protegidos.

Desconfio que, quando as coisas derem para o torto - e, mais tarde ou mais cedo, as coisas dão sempre para o torto - o partido único, fiel à sua natureza nacionalista, reagirá excitando os sentimentos chauvinistas contra os inimigos estrangeiros.

Vamos esperar para ver, com paciência de chinês.

Valor acrescentado auto-referencial

Visto hoje no Campo Pequeno: um cego sentado num banquinho desarmável de lona, com um acordeão pousado no chão do seu lado esquerdo e um rádio ao colo a tocar música de acordeão.

Porca miseria!

A selecção prepara-se para fazer figura de ursa no Europeu. Mourinho, o melhor treinador do mundo, transformou-se num desempregado de longa duração que só encontra trabalho como caixa de supermercado. O FC Porto é o único clube nacional com as contas em ordem. Diz que vai subir o preço da cerveja.

Rolling Stones: Carol

Rolling Stones: Get Off My Cloud

8.5.08

Rolling Stones: Time Is on My Side

Não há direito

Júlio Gomes, docente da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto, abandonou a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais antes da conclusão dos seus trabalhos por divergências com a orientação adoptada.

Na 3ª feira, dia 6 de Maio, concedeu uma entrevista ao Jornal de Negócios que, inexplicavelmente, não foi publicada na sua versão online. Eis um resumo das opiniões que aí exprimiu:
"O que se passa é que, na óptica das empresas, é frequentemente apelativo contratar os mais jovens. (...) Porque são os que têm menos encargos familiares; porque são os que estão numa fase da sua vida mais elástica, o que pode permitir mais flexibilidade; porque acabam de sair das universidades e têm um saber mais fresco. E, depois, porque à medida que os trabalhadores vão trabalhando numa empresa, vão adquirindo direitos e antiguidade. É claro que é muito conveniente para as empresas dizer: 'Coitadinhas de nós, não podemos contratar os mais jovens!'. O que, no fundo, querem dizer é: 'Não podemos despedir os mais velhos.

"Às vezes, os problemas são muito mais graves é para quem perde emprego em determinada idade. Só que ninguém fala deles. Agora, é evidente que também é verdade que os jovens têm muita dificuldade na inserção no mercado de trabalho. Até porque se transformaram gradualmente em carne para canhão, por força de alguma legislação de criação de emprego, como as regras da contratação a termo.

"(...)Enquanto tivermos este sistema que só dá aos trabalhadores subordinados a possibilidade de se sindicalizarem, a tutela de maternidade e paternidade ou o direito de férias, vai ser uma tentação irresistível para os empregadores abusar do falso trabalhador autónomo. E não vai ser mais 1% ou 2% de contribuições sociais que vão alterar a enorme vantagem que isso representa.

"(...) Às associações de empregadores interessa bastante que a situação se mantenha. Os trabalhadores a recibo verde são trabalhadores dóceis, extremamente precários e que sabem que não têm qualquer garantia de emprego. Do lado do Governo, nunca houve coragem para resolver o problema. (...) [É preciso] reconhecer que os trabalhadores, mesmo que não sejam juridicamente subordinados, se trabalharem em exclusivo mais de 50% do seu tempo para uma certa entidade, esta tem que lhes garantir certos direitos elementares: tutela na doença, maternidade e paternidade, eventualmente também férias. Enquanto não evoluirmos para aí, vamos ter um fosso que vai servir para toda a espécie de destruição do direito ao trabalho.

"(...) Um dos lugares onde há claro abuso de recibos verdes e de contratos a termo é na Administração Pública e em certas empresas públicas. São dos maiores violadores das leis laborais. Há empresas públicas que encontramos sistematicamente nos tribunais condenadas por uso abusivo de contratos a termo."
Concordo com muito - embora não com tudo - do que aqui se diz.

7.5.08



Banksy.

Bob

É sempre mais fácil denunciar bandidos estrangeiros ou com quem não temos negócios. A acreditar no que lemos nos jornais, também a Irlanda terá sido governada até ontem por um bandido.

Palpites

Lido aqui:
"Ao contrário da opinião dominante bem pensada e bem falada, acredito que o Pedro Passos Coelho e não a Dr.ª Ferreira Leite pode vir a ser (caso seja eleito) a maior insónia de Sócrates."
Também acho. Só retiraria o condicional: ele será eleito.

Brad Mehldau: Exit Music (for a film)

6.5.08

Leningrad Cowboys & Coro do Exército Vermelho: My Way

Violações da concorrência

Nalguns países, as declarações de dirigentes de associações empresariais a que temos assistido nos últimos dias, anunciando publicamente dramáticos aumentos dos preços de bens alimentares, seriam muito justamente interpretadas como tentativas ilícitas de influenciar o mercado e distorcer a concorrência, conduzindo eventualmente à prisão daqueles que as proferiram. E desconfio que os media que de forma tão irresponsável os reproduzem poderiam ser acusados de cumplicidade na manobra.

O crime talvez compense

Nick Leeson, o trader cujas transacções fraudulentas levaram à falência o Barings Bank, está de volta à vida activa depois de ter cumprido quatro anos de cadeia.

Ao que parece, ganha a vida proferindo palestras sobre ética empresarial, tema em que é um reputado especialista. Se estiverem interessados, a sua participação num jantar-debate custa qualquer coisa entre 7.600 e 12.700 €.

5.5.08

Julie Driscoll, Brian Auger & the Trinity: Season of the Witch

O estado da nossa democracia

O facto de não ter sequer folheado o notável estudo The Everyday Democracy Index da Demos, hoje mencionado pelo Diário de Notícias, não inibiu Filomena Mónica de ir à SIC-Notícias comentar o que lá se diz.

Seria lamentável que um trabalho tão relevante não fosse aproveitado para suscitar uma discussão séria sobre as graves limitações da nossa democracia, não servindo senão para alimentar meia dúzia de sound-bites.

Igualdade, a nova agenda

Escreve Larry Summers no seu artigo de hoje no Financial Times ("A strategy to promote healthy globalisation"), que deve ser lido inteirinho.
"The domestic component of a strategy to promote healthy globalisation must rely on strengthening efforts to reduce inequality and insecurity. The international component must focus on the interests of working people in all countries, in addition to the current emphasis on the priorities of global ­corporations."
Decididamente, estamos a entrar numa nova era económica. Assim haja juizinho para não deitar fora o bébé com a água do banho.

A pente fino

O A Pente Fino, que para minha desgraça só agora descobri, dedica-se a desmontar algumas das mais chocantes asneiras de jornais e políticos, com particular ênfase para aquelas que se referem à economia. Eis um exemplo:
"Preço da comida na Europa sobe 39% este ano" diz o Diário Económico na capa.

1. A tal subida é medida em dólares não em euros. Até ontem o Pingo Doce aqui do bairro só aceitava pagamentos em euros (pode ser que tenha mudado), e dada a constante desvalorização do dólar, não é correcto falar deste valor para a Europa.

2. Este valores nem sequer são valores na Europa, mas nos mercados internacionais.

3. Por enquanto os consumidores europeus ainda não vão comprar comida nos mercados financeiros, e comê-los nos contentores dos navios, logo é um disparate autêntico confundir preços de produtos alimentares negociados nos mercados internacionais com comida daquela que compramos no supermercado, tal como faz aquele título ao usar explicitamente a palavra comida. E isto é especialmente importante, porque um aumento de 39% na matéria-prima não implica de maneira nenhuma um aumento da mesma ordem nos preços ao consumidor, porque há muitos outros factores com um peso bem maior a determinar o preço final. Ou seja, aqueles 39% só servem para sensacionalismo à tablóide.
Com tanta desinformação, é cada vez mais difícil conseguirmos saber o que se passa no país.

Julie Driscoll, Brian Auger & the Trinity: Road to Cairo

4.5.08

E o vencedor é...



Tenho lido alguns argumentos excessivamente inteligentes ou arrevezados explicando porque Manuela Ferreira Leite vai perder e Pedro Passos Coelho vai ganhar.

Ora! Passos Coelho vai ganhar porque Ângelo Correia diz que sim.

2.5.08



David Lachapelle.

Um momento mau?

A queda de 7,4 pontos percentuais da popularidade de Cavaco Silva revelada no Expresso de amanhã parece mostrar que, afinal, os portugueses se interessam o suficiente por política para penalizarem um Presidente da República que se revelou incapaz de defender a unidade nacional perante os dislates de Alberto João Jardim .

É possível que nos próximos meses a cotação de Cavaco regresse aos valores normais. Mas eu não estou assim tão certo, visto que novas gaffes de razoável gravidade se seguiram prontamente ao seu chocante comportamento durante a viagem à Madeira.

Assim, no dia 25 de Abril, o Presidente, armado de um estudo especialmente encomendado para o efeito, proclamou o "alheamento" dos jovens face à política. Mas logo se descobriu que o estudo encomendado e pago pelo Estado português sugere afinal precisamente o contrário. Estranha maneira de fazer política de alguém que, apesar de se apresentar como um pragmático, concede na realidade mais importância aos preconceitos doutrinários do que aos factos.

Logo de seguida, em viagem pela Áustria, o Presidente que "não faz comentários sobre política interna" quando se encontra no estrangeiro deixou cair algumas opiniões depreciativas sobre o estado da economia portuguesa, sem dúvida para ajudar a atrair investimento estrangeiro.

O que vem a seguir será mais complicado do que até agora, sobretudo tendo em conta a dificuldade que Cavaco Silva tem revelado em adequar o seu comportamento à função não-executiva que presentemente desempenha.

Se Manuela Ferreira Leite perder, Cavaco deixará definitivamente de poder influenciar a orientação interna do PSD, e deverá resignar-se a colaborar até ao final do seu mandato, mais ou menos contrariado, com o governo José Sócrates.

Se Ferreira Leite ganhar, porém, a delicadeza da sua situação não será menor, visto que, conhecida a proximidade entre os dois, tudo o que Cavaco disser de mais relevante ou não absolutamente inócuo poderá ser mal interpretado e, por conseguinte, usado contra ele.

Se não tiver muito cuidado, arrisca vir a ser o primeiro Presidente da República não re-eleito desde o 25 de Abril.

Seatrain: Song of Job

1.5.08

Creedence Clearwater Revival: Bad Moon Rising