30.4.08



David Lachapelle.

Notícias da América

Segundo dados hoje divulgados, o produto norte-americano cresceu no primeiro trimestre deste ano à taxa anual de 0,6%, afastando para já o fantasma de uma recessão.

Não é seguro que se trate de uma boa notícia, porque pode ser apenas sintoma de uma estagnação prolongada.

O jovem, esse desconhecido

Incumbe-nos a todos a responsabilidade cívica de tirar a limpo as motivações ocultas d' O jovem, esse desconhecido, tema da minha colaboração de hoje no Jornal de Negócios.

“Aquele Vaz lá se suicidou profissionalmente”

Quem disse? Descubra aqui. E, já agora, não deixe também de ler este post.

Conselheiro Acácio

"Ferreira Leite estará certa quando admite, perante as circunstâncias do país, que não há margem para grandes variações de políticas públicas. Falta-lhe o passo seguinte: reconhecer que, sendo as coisas assim, o principal terreno de oposição terá de ser o dos princípios e o dos valores."

Rui Ramos

A suspeita

Dia difícil o de hoje para José Mourinho. Se, depois de ter derrotado o Manchester no sábado passado, o Chelsea ultrapassar mais logo o Liverpool e se qualificar para a final da Liga de Campeões, é inevitável a suspeita de que, afinal, com aquele orçamento e aqueles jogadores, qualquer lateiro teria feito o que ele fez.

29.4.08



Helmut Newton.

Casos de polícia

Um amigo chamou a polícia por telefone para pôr termo a um desacato na sua rua à uma da manhã.

Resposta do lado de lá: "Não podemos mandar ninguém porque não temos aqui nenhum carro-patrulha".

Como o meu amigo lhe fizesse ver que a ocorrência tinha lugar a apenas duzentos metros da esquadra, não sendo por isso necessário virem de carro, o polícia prometeu que iria ver o que seria possível fazer.

Cansados de tanta desordem, os desordeiros retiraram-se um quarto de hora depois, e toda a gente foi dormir.

Passada uma hora, tocaram à campainha da casa do queixoso. Era a polícia que finalmente chegara e que o acordava para saber que era feito dos prevaricadores.

O que mais me impressionou nesta história foi o profissionalismo do atendimento telefónico. Quando eu quiser assaltar um banco, ligarei primeiro para a esquadra inquirindo se têm um carro-patrulha à mão. Caso não haja veículo, fico a saber que posso avançar com segurança.

Portugal tem mais polícias por habitante do que qualquer outro país da Europa Ocidental, o que explica que depois não haja dinheiro para carros e demais equipamento.

Onde estão então tantos polícias, que ninguém os vê? Até ontem, eu suspeitava que se encontravam barricados nas esquadras empenhados em assegurar a sua protecção. Sei agora que, afinal, também não estão lá.

Solução de Paulo Portas, a que o actual Ministro aderiu, apoiado pelos sindicatos do sector: contratar mais polícias. Se eu fosse bandido, ficava preocupadíssimo.

Alarme do dia

A SIC acha que a dependência alimentar do país em relação às importações nos torna mais vulneráveis ao aumento dos preços dos cereais.

Porquê? Onde é que estes tipos terão estudado economia, admitindo que algum o fez?

Voltando ao assunto

Sim, talvez este seja o momento indicado para voltarmos ao tema da privatização da segurança social, como muito bem lembra Robert Reich:
"Sure, the stock market has done well over the past half century. But there have been decades like the 1970s and this one, so far, where it’s been a disaster. That’s why we have Social Security - so that if your timing is bad and you get caught in a downdraft, you still have something to fall back on in retirement.

"If we had privatized [Social Security], you’d have had nothing to fall back on. You’d crash."
Por outras palavras, se não existisse a segurança social pública, muitos americanos que agora estão a reformar-se ao cabo de uma vida inteira de trabalho teriam ficado sem nada.

Cavaco, os jovens e a política.

Mais alguém que reparou. E outro.

Costa e as suas "ideias"

Temos todos o direito de esperar mais de António Costa, sobretudo tendo em conta as circunstâncias em que foi eleito para chefiar o município da capital.

Mas o Presidente da Câmara de Lisboa começou com o pé esquerdo, e desde então nunca mais encontrou o rumo. Os pragmáticos e adequados projectos para tornar a cidade simplesmente habitável pintando passadeiras para peões e faixas de rodagem e limpando ruas e jardins foram rapidamente preteridos em favor de ideias megalómanas, dispendiosas e sem sentido, todas elas orientadas para o emparedamento da frente ribeirinha da cidade.

O Pedro Magalhães assinou ontem no Público um artigo notável sobre as estrambólicas "ideias" de António Costa, que todos os lisboetas deveriam ler. Se não teve oportunidade de fazê-lo, esteja atento porque, mais tarde ou mais cedo, ele vai reaparecer aqui.

28.4.08

Que estudo leu Cavaco Silva?

Cavaco Silva insistiu repetidamente no seu discurso de 25 de Abril no alegado distanciamento e alheamento dos jovens em relação à política, invocando em defesa do seu ponto de vista o estudo "Os Jovens e a Política" realizado pelo CESOP da Universidade Católica Portuguesa.

O Presidente tem todo o direito à sua opinião, só que ela não é suportada pelo citado documento. De facto, eis o que se lê nas conclusões sintéticas do trabalho orientado por Pedro Magalhães:

1. A insatisfação dos jovens portugueses em relação à política é "algo menos pronunciada que entre os mais velhos".

2. No que toca às atitudes de baixo envolvimento com a política, verifica-se que "as diferenças entre os jovens adultos e o resto da população activa são reduzidas".

3. Os jovens "tendem a ser menos cépticos do que os mais velhos em relação à eficácia de todas as formas de participação política, convencionais ou não".

4. Os jovens não se distinguem do resto da população "do ponto de vista dos comportamentos participativos", mas os seus "níveis de disponibilidade para a participação e de participação real" podem ser vistos "como sendo comparativamente elevados".

5. Apesar de serem baixos os níveis de envolvimento activo em movimentos associativos, "os índices de participação social dos jovens são mais elevados do que os da restante população".

6. Os jovens são mais adeptos do que os portugueses em geral da democracia directa, mas acreditam menos na eficácia do voto.

Que estudo leu e citou então o Presidente da República? O que é que lhe permite afirmar que há um problema especial de relacionamento dos jovens com a política, se o estudo conclui exactamente o contrário?

Pela minha parte, quero sublinhar quatro pontos positivos no que respeita às atitudes dos jovens portugueses em relação à política tal como reveladas pelo estudo:

1. Acreditam que a política democrática não deve esgotar-se no voto.

2. Estão mais disponíveis para a participação activa em iniciativas de índole política.

3. Apoiam transformações do sistema eleitoral que facilitem a responsabilização dos eleitos perante os eleitores.

4. São a favor de reformas limitadas e incrementais na sociedade portuguesa.

Nada mau.


Helmut Newton.

Previsões credíveis

Recordou há dias Paul Krugman no New York Times:
Nine years ago The Economist ran a big story on oil, which was then selling for $10 a barrel. The magazine warned that this might not last. Instead, it suggested, oil might well fall to $5 a barrel.

In any case, The Economist asserted, the world faced "the prospect of cheap, plentiful oil for the foreseeable future".

Last week, oil hit $117.
É difícil prever, principalmente o futuro.

26.4.08

Conselheiro Acácio

"Tirando as leis que instituíram a democracia, o PREC não deixou uma única reforma necessária e durável".

Vasco Pulido Valente

25.4.08

A descoberta

Escreve Carlos Fiolhais no Público de hoje:
"Gasta-se mais energia a fazer biocombustíveis do que se obtém no final à custa deles."
Eu diria que esse é um princípio geral da termodinâmica que, como tal, se aplica a qualquer forma de energia. Mas, enfim, o Professor Carlos Fiolhais é que sabe...

24.4.08



Helmut Newton.

Democracia a sério



Aparentemente, também o Expresso desta semana se irrita um bocadinho com a teimosia de Hillary Clinton em travar o seu combate até fim, aproveitando de passagem para fazer uma comparação descabida com a polémica vitória de Bush nas eleições que o opuseram a Al Gore.

Acreditam alguns que o confronto Hillary-Obama enfraquece o Partido Democrático, argumento que espanta não provindo de inimigos da liberdade.

Bem pelo contrário, a entusástica mobilização popular em torno das duas candidaturas tem contribuido para impor na praça pública a agenda democrática, particularmente no que toca à urgência de reduzir as desigualdades acumuladas nos últimos anos e alargar a cobertura dos cuidados de saúde.

Será isto perigoso?

Além disso, a alegada acrimónia entre Hillary e Obama reduz-se de facto a algumas picardias pontuais que os media sem grande êxito se esforçam por acirrar. O que acima de tudo tem ressaltado é o carácter altamente civilizado do confronto, sobretudo se comparado com os níveis de má educação que pautam a actual polémica no interior do PSD.

Ir até ao fim não é sinal de egocentrismo, mas de saudável persistência no combate por aquilo em que se acredita. Se os apoiantes de Hillary não acreditassem nisso, abandoná-la-iam à sua sorte.

Decididamente, há quem só tolere a democracia quando as potenciais divergências são abafadas pela pressão do unanimismo.

Por ocasião da votação pelo parlamento do Tratado de Lisboa

É possível que o conteúdo do Tratado de Lisboa seja impenetrável para a esmagadora maioria dos portugueses, mas muitos deles entendem o que é e como funciona a Liga dos Campeões.

Ora, como muito do que está errado na organização da Liga dos Campeões - o peso excessivo dos grandes países e a marginalização dos pequenos - é também o que está errado na organização política europeia, eu diria que os portugueses sabem o suficiente sobre o assunto para formularem um juízo.

A alienação de uma grande maioria de cidadãos europeus não é um caminho recomendável, mas também ninguém acha que desmantelar a Liga dos Campeões seja a solução.


Helmut Newton.

A palavra

Ocorreu-me uma simples palavrinha que, caso seja pronunciada, é suficiente para fazer em cacos as hipóteses da candidatura de Ferreira Leite.

É a palavra regionalização.

23.4.08

Modesta proposta



Um ex-banqueiro reconvertido à actividade editorial repetia ontem na SIC-Notícias pela enésima vez a enjoativa pergunta: "Por que é que os portugueses são muito produtivos no Luxemburgo e não no seu país?" A que logo se seguiu a explicação tranquilizadora: "Trata-se de um problema de liderança e organização, não de um defeito dos trabalhadores".

Exaltar os feitos dos emigrantes extra-muros cai sempre muito bem: não só iliba a raça de eventuais suspeitas de inferioridade como nos enche a todos de confiança no futuro da grei.

Infelizmente, não é verdade que os emigrantes portugueses se destaquem "lá fora" pelos seus feitos profissionais ou outros. Anos ou gerações após a partida, os lusitanos continuam maioritariamente a ser biscateiros ou lojistas, perdendo claramente na ascensão social para outras nações, como por exemplo a turca, que eles no entanto tendem a olhar com sobranceria.

É evidente que os nossos compatriotas partem de cá com um sério handicap cultural de origens antigas e complexas, bem ilustrado pelo facto de no nosso torrão se ler proporcionalmente menos jornais diários do que na desprezada Turquia.

Claro que, se formos a ver, os portugueses que constituem a maioria da população activa do Luxemburgo não se destacam, salvo excepções que até são notícia nos jornais, por ocuparem as profissões mais qualificadas e produtivas. Um empregado de café no Luxemburgo só é "mais produtivo" do que um empregado de café em Portugal no sentido em que, possuindo o país um maior nível de vida, o consumo dos clientes dos cafés permite pagar lá salários mais elevados do que cá.

Não deixa porém de ser verdade que a superior capacidade de organização da sociedade luxemburguesa lhe permite aumentar a produtividade inclusive dos trabalhadores menos qualificados entre os quais os portugueses se encontram. E de onde vem essa superior capacidade organizativa? Ora, de uma cultura mais aberta à iniciativa empresarial, ao rigor e ao planeamento.

Chegados aqui, só falta esclarecer como se haverá de transplantar essa cultura para Portugal. Já se sabe que há muitas soluções para este problema, porém todas pouco ou nada práticas.

Ao fim de muito matutar no assunto, ocorreu-me uma ideia cujos méritos me parecem evidentes: por que não trocarmos de lugar com o Luxemburgo, ou seja, por que não mudar Portugal para o espaço geográfico ocupado pelo Luxemburgo e convencê-los a eles a virem para cá?

Em princípio, é concebível a existência de um país atrasado no centro da Europa; na prática, porém, isso não existe. Por outro lado, podemos imaginar nações progressivas posicionadas nas periferias do mundo civilizado; mas as escassas excepções conhecidas devem-se a causas muito especiais.

De modo que, passando nós todos a residir e a trabalhar numa região situada a dois passos de Paris, Londres, Bruxelas, Amesterdão, Berna, Munique e Milão, prevejo que dentro de aproximadamente um século nos tornariamos cultos, educados, produtivos e incapazes de deitar um papel para o chão. Quanto aos luxemburgueses, ficariam também irreconhecíveis, mas por razões opostas; suponho que até deixariam crescer a unha do dedo mindinho.

Moral da história: a localização geográfica é o principal factor explicativo da disparidade de níveis de desenvolvimento de região para região, na medida em que ela condiciona o acesso à cultura, ao know-kow e aos mercados. E, contra isso, batatas.

Se não têm paciência para aturar isto, mudem-se já para o Luxemburgo.

Georges Brassens: Les Copains d'Abord

Tal qual

Ao entrar nalguns blogues temos a sensação de ter sido admitidos ao convívio privado com os seus autores. Os melhores são assim: a cara chapada de quem os escreve.

22.4.08

Insensatez



Se, como se diz, Manuela Ferreira Leite fosse de facto uma amiga muito próxima de Cavaco Silva, decerto não se candidataria à chefia do PSD, pela simples razão de que, caso seja eleita, se transformará numa permanente fonte de embaraços para o Presidente da República.

Resumo do Prós e Contras de hoje

Ângelo Correia é o dono da bola: anunciou enfaticamente que depois do Conselho Nacional terá a bondade de comunicar ao país quem está condenado a vencer.

Manda a caridade que eu ignore as intervenções de Zita Seabra. Afinal, temos todos o dever de respeitar os adversários políticos.

Pedro Passos Coelho e Mário Patinha Antão estão de acordo quanto à importância da colocação da voz em política. Mas o primeiro quer liberalizar muita coisa sem pedir autorização ao segundo, o que não se admite porque, afinal, o catedrático de economia é ele.

Joaquim Aguiar tem o monopólio da lucidez em Portugal, situação que deveria merecer a atenção urgente da Autoridade da Concorrência. Faz-lhe mal à saúde estar tão isolado nessa tarefa insana de olhar a verdade de frente e tratá-la por tu. O homem consome-se nisto.

O André Freire lembra a evidência: para o bem e para o mal, a melhor hora do liberalismo já passou, pelo que a retórica exibida pelos candidatos presentes no debate está desfasada do espírito do tempo. O combate às desigualdades acumuladas será, cá como no resto do mundo, a prioridade dos próximos anos.

21.4.08



Brassai.

O PSD é ele?



Quando ele o quis, Menezes chegou à Presidência do PSD. Quando ele lhe tirou o tapete, Menezes compreendeu que chegara a hora de partir. Quando Menezes imaginou poder engendrar um regresso, ele informou-o publicamente de que estava enganado.

O Príncipe Eleitor de Aveiro parece seguro de comandar uma maioria de votos das bases, e o seu escolhido é o funcionário Pedro Passos Coelho. Não sei se Manuela Ferreira Leite estará consciente desse facto.

Tretas verdes

Para assinalar o Dia da Terra que amanhã se comemora, o Diário de Notícias imprimirá durante esta semana o seu jornal em papel reciclado acedendo a uma sugestão do incontornável, do eterno, do único arquitecto Ribeiro Teles, tetravô (e não pai, como pretende o DN) da ecologia em Portugal.

Primeira pergunta: porquê só esta semana? Se o papel reciclado de facto protege a Natureza, não seria mais responsável usá-lo sempre? A explicação óbvia é que o papel reciclado é mais caro. Logo, só seria possível adoptá-lo permanentemente se os leitores ou os anunciantes do DN estivessem dispostos a pagar mais. Ora parece evidente que a consciência verde não é suficientemente forte para persuadi-los a fazerem esse sacrifício.

Segunda pergunta: será o papel reciclado efectivamente melhor para o ambiente? A verdade é que há quem ache que sim, há quem ache que não e há quem ache que depende. Na falta de tempo e competência para discutir o assunto com o detalhe que merece, direi apenas que o tema é altamente discutido e discutível. Acrescentarei ainda que os argumentos usualmente brandidos para defender a reciclagem do papel não fazem grande sentido.

Assim, muita gente acredita que a produção de papel de fibra virgem é responsável pela desflorestação do planeta, quando a verdade é que a floresta de produção é regularmente replantada. Acresce que as árvores jovens são mais eficazes a reciclar a atmosfera terrestre do que as árvores velhas.

Depois, há o gasto energético da produção do papel reciclado. Em primeiro lugar, gasta-se muita energia a recolher e transportar papéis velhos. Depois, gasta-se muita energia a separá-lo. Finalmente, gasta-se muita energia a purificá-lo de detritos e materiais diversos.

Qual é o balanço final, tomando em conta tanto as poupanças como os desperdícios adicionais? Digamos, a bem da verdade, que ninguém sabe, ou melhor, que varia de caso para caso e designadamente conforme o tipo de papel de que estejamos a falar.

Uma boa parte dos papéis comercializados são de facto papéis reciclados. Tal é o caso, por exemplo, de muitos papéis de embalagem de transporte, naturalmente porque a relação qualidade-preço obtida é satisfatória. Não é esse o caso, porém, da generalidade dos papéis higiénicos ou de impressão e escrita.

Dir-se-á que o mercado automaticamente define quais são os tipos de papéis que se justifica reciclar, tendo em conta que em muitos casos essa prática permite reduzir os custos de produção. Haverá razões para desconfiarmos de que os mercados possam não estar a funcionar bem? Apenas e só se alguns custos gerados pela produção de papel de fibra virgem não forem suportados pelas empresas responsáveis mas pela comunidade no seu conjunto, ou seja, se elas estiverem a gerar deseconomias externas pagas por todos nós.

Se e quando assim for, o que haverá a fazer será instituir taxas sobre o consumo, por exemplo, de energia que aproximem o custo pago pelos produtores do seu custo real. Dá trabalho e não conduz a resultados perfeitos, mas é muito melhor do que pura e simplesmente desmantelar os mecanismos de mercado e, sobretudo, do que contar histórias da carochinha aos consumidores e esperar que eles se disponham a pagar preços mais elevados por produtos com vantagens altamente duvidosas.

A mim afligem-me muito as ameaças que impendem sobre o planeta, mas estou convencido que aquela que maior perigo representa para a nossa civilização é a conversa da treta, seja ela verde ou de qualquer outra cor.


Brassai.

Lenço branco

O grande craque da equipa é ele, mas a falta de respeito que revela por adversários, colegas e público demonstra que Bosingwa não tem carácter para ser jogador do FC Porto.

Espero que no final da época o vendam bem vendido, e que a receita sirva para comprar mais um dois dois Lisandros.

20.4.08

Não aos monopólios

Abandonando Menezes o espaço público que tão galhardamente ocupava, ficará Rui Santos sem concorrência.

Ora, como os monopólios são nocivos para o bem-estar colectivo, espero que os militantes do PSD tenham em conta este problema ao escolherem o seu futuro líder.

A ética do trabalho

Como qualquer vigarista que se preze, Sérgio Santos, o ex-futuro salvador do Boavista, acredita firmemente que "com trabalho e persistência tudo se consegue".

18.4.08



Brassai: Le Corset, 1933.

17.4.08

Política entretenimento

O bom povo português - ou, pelo menos a parte dele que se entretem a escrever jornais - ainda finge surpreender-se quando o líder do PSD do momento vai buscar ao baú que guarda no sótão um daqueles passes de mágica que fizeram a reputação de enfant terrible de Sá Carneiro.

Partir a loiça duas ou três vezes por ano, lançar cruzadas contra os inimigos internos, conspirar a partir do poder mobilizando os militantes contra os adversários ocasionais, usar a demissão como trampolim para um regresso em força às cavalitas da indignação das bases - tudo isso são tácticas indissociáveis do modo de fazer política do PPD/PSD.

O calcanhar de Veloso

Diga-se o que se disser, o momento alto do jogo de ontem foi aquele elegante corte de calcanhar do Miguel Veloso que permitiu ao Benfica por um minuto voltar a acreditar que ainda estava no jogo.

Num clube com outro nível de exigência, o gesto ter-lhe-ia garantido um lugar cativo no banco por um período mínimo de 6 meses.

Cegueira ideológica

Grande noite de televisão. Agora é a vez de Lobo Xavier explicar na SIC-Notícias que a política de restrição do défice orçamental é algo estranho à natureza do PS, e que, pelo contrário, esse tipo de política de equilíbrio financeiro é intrinsecamente cara à direita.

Chama-se a isto cegueira ideológica, dado que, em democracia, não só a direita no poder em Portugal legou sempre aos seus sucessores grandes défices, como coube sempre ao PS resolver esses problemas, incluindo, por uma vez, um problema que um governo seu (o de Guterres) anteriormente criara.

Os campeões do descalabro orçamental foram, não o esqueçamos, Cavaco Silva e Sá Carneiro em 1979-80. A última réplica deste talento financeiro esteve a cargo da prodigiosa Ferreira Leite em 2004.


Brassai.

Sociedade do conhecimento

Ouvido agora mesmo no programa "Quem Quer Ser Milionário" da RTP: "Eu julgo que Camilo Castelo Branco nunca foi preso pela PIDE".

Também tenho essa impressão...

14.4.08

Se calhar, sempre há almoços grátis

O Jornal de Negócios de hoje anuncia que "Analistas recomendam compra de metade das empresas cotadas".

Mas que credibilidade poderão merecer tais recomendações, quando esses analistas se encontram ao serviço de grupos económicos com grandes interesses em muitas das empresas cotadas em Bolsa?

Não é preciso ser-se muito desconfiado para se concluir que isto não parece muito ético e que os investidores se encontram desprotegidos face a eventuais tentativas de manipulação dos mercados.

É que, no fundo, apregoar a uma só voz que os preços das acções estão desvalorizados é indubitavelmente uma forma de estimular o aumento das suas cotações.

Onde está a regulação, que não a vejo?

Não há milagres grátis

Eh pá, é o contrário: na Europa é que os clubes mais poderosos se encontram - e se encontrarão cada vez mais - seguros e protegidos da concorrência, que é precisamente o que eu critico. O chocante é ter de ser eu - um portista objectivamente favorecido pela organização instituída - a dizer isto.

E é claro que eu reconhecço o mérito do Milan, mas não o do Manchester, um dos clubes com pior palmarés internacional por libra gasta.

Também estou consciente de que a minha sugestão tem muitas fragilidades, entre as quais, como indicas, a de não esclarecer como se articulariam as ligas principais com os escalões secundárias. Mas estou disponível para trabalhar na solução mediante remuneração adequada.

11.4.08

"Massacrámo-los"



Declarações ontem à noite de Mohamed Said Sahaf, Ministro da Propaganda de Sadam Hussein:
"Durante 60 minutos estivemos perto da vitória, mas a partir do momento em que fomos atingidos desunimo-nos.

"Nem sempre os melhores vencem e foi isso que aconteceu. Fomos de longe o melhor exército. Tivemos a infelicidade de não os atingir e eles tiveram a felicidade de nos atingirem a nós. O nosso exército massacrou o exército escocês.

"O nosso general merece os parabéns. A capacidade dele está demonstrada, como ainda hoje se viu. Por isso vai no futuro continuar a comandar o nosso exército. Para o ano vamos tentar outra vez."

10.4.08

O direito ao futebol

As vantagens da livre circulação internacional de pessoas e bens assentam no pressuposto implícito de que a exportação de um bem não implica que o país produtor fique dele privado.

Essa condição não é satisfeita no caso do futebol: desde que os clubes europeus passaram a poder contratar sem limites jogadores de qualquer nacionalidade, os melhores futebolistas deslocaram-se em massa para os países que geram maiores receitas publicitária de televisão, ou seja para os maiores países europeus.

Por este andar, quem quiser ver um bom jogo de futebol terá que deslocar-se a Inglaterra. (Suponho que não será preciso explicar por que é que o futebol através da televisão não é a mesma coisa.)

O futebol tornou-se privilégio de alguns poucos países em detrimento de todos os outros, entre os quais muitos dos que produzem mais futebolistas de qualidade e que, no passado, também produziam mais equipas de qualidade.

Desde que a lei Bosman foi promulgada, os únicos clubes de países pequenos mas com grandes tradições que conseguiram ganhar a Liga dos Campeões foram o Ajax e o FC Porto. O troféu é, na prática, disputado apenas entre clubes ingleses, espanhóis e italianos, e o núcleo dos potenciais candidatos reduz-se de ano para ano.

Há múltiplos sintomas de que este sistema prejudica o futebol. Nas ligas nacionais temos em casos limite campeões crónicos como o Porto, o Lyon ou o Bayern; nos restantes, competições a dois (Madrid e Barcelona em Espanha, Manchester e Chelsea em Inglaterra, Celtic e Rangers na Escócia, por exemplo).

Na Liga dos Campeões, até já os clubes franceses e alemães têm dificuldade em chegar aos quartos de final e os espanhóis e italianos às meias finais. Dentro em pouco será normal termos três ou mesmo quatro equipas inglesas sem um único jogador inglês nas meias finais.

A eliminação da Inglaterra na fase de qualificação para o Europeu 2008 foi atribuida por parte da sua opinião pública à invasão de futebolistas estrangeiros, o que determinou a relegação dos jogadores ingleses para equipas menos competitivas da sua liga ,nas quais dispõem de menos oportunidades para se desenvolverem e afirmarem na alta competição.

Amadureceram, pois, as condições para mudar o actual estado de coisas.

O que fazer? Voltar às restrições de circulação de jogadores no espaço europeu não é possível nem desejável. Uma alternativa a considerar seria a instituição de tectos salariais para futebolistas, a exemplo do que se faz no desporto professional americano, mas disposições desse tipo pressupõem uma organização desportiva distinta daquela que existe na Europa.

De modo que só vejo duas soluções possíveis:

1. Organização de ligas multinacionais envolvendo os pequenos países, do género da Liga Atlântica há anos proposta pelos clubes escoceses, no seio da qual competiriam as principais equipas portuguesas, escocesas, irlandesas, holandesas, belgas, dinamarquesas, suecas e norueguesas.

2. Distribuição igualitária das receitas futebolísticas televisivas entre os clubes participantes, tanto ao nível nacional como internacional, imitando o sistema americano no qual a organização económica do desporto está centrada nas ligas e não nos clubes.

Recessão? Uáu!

Os jornais de hoje babam-se literalmente com a possibilidade, aventada pelo FMI, de a economia portuguesa crescer em 2008 significativamente abaixo do objectivo do Governo.

Na sua excitação, esquecem-se que as previsões do FMI para Portugal têm falhado sistematicamente por defeito nos últimos anos. Dir-se-ia que o ónus da prova está do lado do Fundo; mas, ao que parece, as pessoas que fazem as manchetes dos nossos diários não pensam assim.

Preferem apostar e tentar fazer-nos a todos apostar na recessão, descartando a responsabilidade de assim contribuirem para a degradação do ambiente económico.

Sectarismo, ignorância ou estupidez? A escolha fica ao vosso critério.

9.4.08

O lugar da vítima

Pois eu cá sou adepto do Liverpool, mais ainda agora que o planeta corre o risco de assistir à vitória na Champions de agremiações odiosas como o Manchester, o Chelsea ou - cúmulo dos cúmulos - o Barcelona!

O Liverpool é a grande instituição do futebol inglês, tão grande que se está solenemente nas tintas para ganhar qualquer troféu meramente inglês. Para o clube do Mersey, que não pactua com o paroquialismo ilhéu de que por desgraça se encontra cercado, nada que não seja pelo menos europeu vale um esforço.

Não me façam rir com o Arsenal, o clube que pratica o futebol mais mariquinhas à face da terra. O Arsenal tem perfil de vítima: pode ter excelentes jogadores e um jogo de conjunto agradável, mas falta-lhe - e sempre lhe faltará, que estas coisas nasce-se assim - o carácter que distingue as grandes equipas. Nasceu para levar porrada, principalmente e acima de tudo do Liverpool.

Futebol não é patinagem artística, é meter a bolinha entre os pauzinhos.

8.4.08

Irracionalidade militante

O mais espantoso na actual crise financeira com origem nos EUA, é que, apesar de a sua inevitabilidade ter sido correctamente prevista em jornais e revistas de grande circulação (Financial Times e Economist, por exemplo) há vários anos, isso não foi suficiente para travar o desvario especulativo de agentes supostamente racionais.

Vejam, por exemplo, o que este vosso criado aqui defendeu em Novembro de 2004:

Uma razão para o resto do mundo votar Bush

A política económica de George Bush é a maior maluqueira desde que Lenine enterrou o Comunismo de Guerra.

No meio de tanta incerteza, uma coisa me parece segura: a economia americana, actualmente sustentada pela crença supersticiosa dos chineses no dólar, vai com os porcos nos próximos anos. Se Kerry ganhar, poderá começar a inverter lentamente o rumo das coisas, mas talvez não o suficiente para evitar o Dia do Juízo, que vem a caminho. Assim sendo, as culpas do que vai acontecer tenderão a ser assacadas aos Democratas, os quais serão crucificados por terem posto fim ao doce enlevo em que a nação hoje vive.

Este argumento é hoje desenvolvido por John Kay nas páginas do Financial Times para defender, com alguma ironia, que a opção mais sábia é mesmo votar Bush, dado que só assim os neo-conservadores poderão ser em devido tempo confrontados com as consequências das suas políticas desastrosas.

Parece-me que, como bom empirista, Kay confia demasiado na capacidade dos factos para demolir doutrinas. Se ele conhecesse V.W. Quine, por exemplo, saberia que as coisas não são assim tão simples.

(Já agora, uma boa razão para os anti-americanos genuinos votarem Bush é esperarem que ele tenha êxito na sua missão de fazer mergulhar os EUA na mais grave crise da sua história recente.)

7.4.08

Uma aversão pessoal

Luis Fazenda é uma das poucas coisas que pode em certas circunstâncias levar-me a apoiar a direita. Se ao menos conseguisse ver-se ao espelho daria parte de doente nos dias em que, na qualidade de comentador da SIC-Notícias, tem que enfrentar Maria José Nogueira Pinto no Jornal da Noite. É curioso como um partido tão pequenininho como o Bloco dispõe de tanta gente medíocre nas suas minúsculas fileiras.

Somos todos a favor do livre câmbio enquanto ele não nos bate à porta

O mais recente e intrigante argumento contra a regulação do sector financeiro alerta para o risco de ele poder vir a deslocalizar-se para países mais compreensivos para com a trafulhice, ameaçando a prosperidade das vastas comunidades urbanas que ele directa ou indirectamente emprega.

Duvido que esse receio seja fundado. Afinal, viver em Londres ou em Nova Iorque é bem mais agradável do que viver no Dubai, pelo que será difícil persuadir hordas de quadros bancários a deslocarem-se em massa para paragens longínquas e nem sempre hospitaleiras.

Mas o mais curioso é que os banqueiros não encarem a deslocalização dos centros financeiros para países do terceiro mundo com a mesma naturalidade que afivelam quando estão em jogo indústrias como o têxtil ou o automóvel.

Afinal, a globalização é uma coisa boa e inevitável a que só se opõem aqueles que em vão procuram deter o progresso e o bem-estar dos povos, certo?

6.4.08

Alguns suspeitos são mais iguais do que outros



Jorge Coelho congratulou-se na última Quadratura do Círculo com o processo aberto pela Liga ao FC Porto e a Pinto da Costa por alegada corrupção desportiva, visto que, a seu ver, é indispensável pôr termo ao "clima de suspeição" que rodeia o futebol português.

Coelho presume evidentemente que Pinto da Costa será condenado. De outro modo, como poderia desaparecer a tal suspeição?

Na mesma ocasião, aliás, Coelho repetiu uma lamentação que já ouvi repetidas vezes a outros comentadores, a saber que apesar dos fumos de corrupção no futebol, nunca ninguém foi preso.

Trata-se de um estranho lapso de memória: um Presidente do Benfica foi preso e outro, esse do Sporting, só não o foi porque fugiu para Angola. Sejamos claros: o que inquieta essas pessoas não é a impunidade do crime no futebol, mas a impunidade de Pinto da Costa em concreto.

A alegada suspeição tem, pois, um alvo específico bem personalizado - Pinto da Costa - e uma motivação indisfarçável - os êxitos desportivos nacionais e internacionais do clube a que preside.

Imaginemos, então, que a bête noire dos clubes da capital era finalmente condenada na sequência dos actuais processos. Morreria assim a suspeição? Se isso sucedesse, estaríamos perante uma desgraça de proporções dificilmente imagináveis, a mais terrível catástrofe que poderia atingir o futebol português. Que seria do Benfica e do Sporting sem suspeição? Que fogo alimentaria nessas circunstâncias o amor clubista dos seus adeptos? Como poderiam continuar a vibrar pelos seus clubes? Que motivação restaria para continuarem a deslocar-se aos estádios? A bem dizer, nenhuma.

A verdade, porém, é que nenhuma condenação porá cobro à suspeição no futebol. Como o ciúme de Otelo, ela não tem a sua origem na realidade, mas no distúrbio mental do paciente.

O que mais me surpreendeu, porém, foi que a exaltação irracional das virtudes da suspeição estivesse esta semana a cargo de Jorge Coelho, o homem que acaba de ser nomeado para a presidência da Mota-Engil, uma das principais empresas nacionais de construção e obras públicas. Como seria de esperar, a suspeição da opinião pública abateu-se imediatamente sobre Coelho, especialmente depois de certos jornais nos terem recordado que, na qualidade de Ministro das Obras Públicas, ele fechou múltiplos negócios com a mesma empresa que agora o acolheu.

Imaginemos então que o Ministério Público decidia abrir uma investigação sobre a possível relação entre, por um lado, os contratos firmados no passado entre Coelho a Mota-Engil, e, por outro lado, a sua ascensão à presidência da mesma empresa.

Aplaudiria Jorge Coelho a iniciativa, tendo em conta o seu mérito no que toca à necessidade de se pôr termo à suspeição sobre relações perversas entre políticos e empresas de construção? Francamente, não me parece.

4.4.08

Como defraudar a concorrência nas telecomunicações móveis

A propósito da legislação que proibe as empresas de telecomunicações móveis de arrondarem em excesso a duração das chamadas que facturam aos seus clientes, escreve hoje Ana Brito no Público:
"Ninguém põe em causa que as chamadas têm, de facto, um custo fixo que é preciso ver assegurado."
Custo fixo? Não, uma chamada telefónica não tem, em si mesma, um custo fixo. E custo variável, terá? Tinha, no tempo em que havia operadoras que asseguravam manualmente as ligações - mas há mais de meio século que isso acabou.

Hoje em dia, é o próprio utilizador que programa o sistema ao marcar o número que deseja contactar. Logo, uma chamada telefónica não implica um custo variável e, por conseguinte, também não tem um custo marginal, ou seja, uma ligação individual não acarreta qualquer custo adicional para a empresa prestadora do serviço na condição de que o sistema disponha de capacidade excedentária - o que é evidentemente o caso.

Ora, segundo a teoria económica, o preço deve ser igual ao custo marginal. Se o custo marginal de uma chamada for nulo, o seu preço só pode zero. Em mercados deste tipo, a concorrência, quando existe, tende a estabelecer uma taxa mensal fixa pela utilização do serviço, independetemente da sua intensidade.

É o que hoje se passa em geral com o acesso à internet: o cliente paga uma assinatura e usa o serviço à descrição. O sistema já foi estendido, de resto, à oferta simultânea de chamadas telefónicas, internet e televisão por cabo.

Por que é que as operadoras móveis não só não fazem o mesmo, como ainda por cima obrigam com a taxação ao minuto os consumidores a pagarem tempo de rede em excesso daquele que utilizam? Só vejo uma resposta: existe um entendimento tácito entre as empresas que inibe a concorrência e nos prejudica a todos nós.

3.4.08



Salavon: 74 Cores, 2007.

Por uma Liga competitiva

Parece-me bem o FC Porto dar seis pontos de avanço à concorrência. Não por excepção, mas como regra.

Pensando melhor, doze pontos seria mais justo.

Raciocínios complicados

Escreveu Francisco José Viegas no Correio da Manhã de ontem (não encontro o link para o artigo):
"Os portugueses reservam apenas 14% do seu orçamento familiar para a alimentação, contra os 18,7% contabilizados em 2000. (...) Pelas previsões dos anos oitenta, hoje viveríamos na abundância. Afinal, os portugueses limitam-se a fazer dieta. Comer é supérfluo."
No princípio do século XX, os portugueses dedicavam uns 3/4 do orçamento à alimentação. Significará isso que hoje vivem pior?

Nestes momentos chego a desconfiar que a economia é uma ciência muito complicada.

1.4.08

Curto prazo, longo prazo

A resposta das autoridades monetárias americanas à crise financeira tem consistido em injectar dinheiro no sistema para satisfazer as necessidades de liquidez dos bancos em apuros e em baixar a taxa de juro.

Mesmo que a estratégia funcione, esconjurando a ruptura financeira que todos acima de tudo temem, a longo prazo ela deixa os EUA em má situação, porque agrava o seu problema de fundo, que é o baixíssimo nível de poupança assegurada pelos particulares, pelas empresas e pelo Estado.

Quando situações idênticas ocorrem noutros países, o FMI impõe a subida dos juros, dos impostos e das taxas dos serviços públicos, muitas vezes acompanhada do corte das despesas estatais. Os EUA estão a fazer o oposto, o que levanta a questão de saber como tencionam financiar o seu crescimento futuro.

Ao longo de uma década e meia, o mundo inteiro - países pobres incluídos - canalizou as suas poupanças para a América. Primeiro para financiar investimento, depois, cada vez mais, para financiar consumo. Não faltaram profetas da nova economia a proclamar que o ciclo de económico havia acabado e que, devido à importância do dólar, os EUA nunca enfrentariam uma crise de solvabilidade semelhante à que anteriormente afligira tantos outros países.

Entretanto, o dólar perdeu metade do seu valor. Particulares, empresas e governos que haviam apostado no crescimento ilimitado da economia americana suportaram perdas colossais. A gestão irresponsável da economia é directamente responsável pela perda de confiança no dólar.

Os tempos mudaram, mas as autoridades americanas não querem entender isso. Continuam a pensar que não é necessário estimular a poupança. Por isso respondem à crise baixando a taxa de juro, uma política de curto prazo que hipoteca o seu futuro económico no longo prazo.

A ASAE e a Reserva Federal

Em Outubro, recebeu um telefonema do banco avisando-o de que o fundo UBS em que colocara algum dinheiro já perdera um terço do seu valor. Aconselharam-no a tirar de lá o que sobrara, antes que a situação piorasse ainda mais.

Aparentemente, tudo normal: quem investe em acções ganha e perde, e às vezes perde muito. Só que aquele não era um fundo de acções. Tinha-lhe sido vendido como uma aplicação de baixo risco, incluindo obrigações, títulos do tesouro e coisas assim. Acontece que as "coisas assim" incluíam crédito hipotecário, mais concretamente - embora ele obviamente o não soubesse - crédito bancário subprime, ou seja, crédito de alto risco.

Por outras palavras, fora vigarizado, comprando como investimento de baixo risco um investimento de grau de risco desconhecido.

Imaginem que alguém que tem carne estragada pica-a e revende-a para ser misturada com outras carnes picadas de diversas procedências - umas boas, outras ruins. Depois de misturada, a carne picada resultante dessas trafulhices é revendida a empresas que com ela fabricam croquetes que os consumidores finais adquirem para a sua alimentação.

Alguns croquetes recebem pouca carne estragada; quem os come passa um mau bocado, mas safa-se. Em contrapartida, os croquetes feitos apenas de carne estragada podem matar quem os come.

Quando uma empresa vende croquetes estragados pode ser penalizada por esse facto e obrigada a indemnizar os consumidores. Se não sabe que comprou carne avariada, deveria saber. Pelo contrário, um banco que vende instrumentos de investimento inquinados não é forçado a assumir a responsabilidade perante os seus clientes.

No primeiro caso, a vigarice é castigada, quando não fiscalizada preventivamente pelas ASAE da vida; no segundo, é protegida por entidades reguladoras enfarpeladas e bem-falantes como a Reserva Federal norte-americana.