Indignação (1). «Querida, ficas tão linda quando te zangas...» A ira pode ser muito agradável à vista, e essa descoberta não é de ontem.
Logo no princípio da Ilíada, Aquiles, enfurecido com o comportamento indigno de Agaménon, ameaça partir tudo, levantar o cerco, retirar os seus soldados e voltar para casa. O valor estético da indignação é reconhecido, pois, há pelo menos 3 mil anos, remontando às próprias origens da literatura ocidental.
O pior vinha depois. Aquiles passava-se dos carretos com alguma facilidade, mas logo as prosaicas realidades da vida se sobrepunham à emoção e ele era forçado a contemporizar, se necessário aceitando alguma compensação mesquinha. Por exemplo, Agaménon chamava-o à parte e fazia-lhe uma proposta: «Escuta, homem, não vale a pena zangarmo-nos. Eu aumento a tua parcela do saque e ainda levas uma escrava de bónus. Que dizes?» Insinua Homero, sabe-se lá com que secretas intenções, que Ulisses amansava imediatamente.
É este o problema da indignação. Provoca boa impressão, pode ser eficaz para se obter vantagens pessoais imediatas, mas deixa tudo basicamente na mesma.
25.6.03
O passado mora ao lado. Há dias, estive a almoçar num restaurante a três metros do pianista Sequeira Costa.
Ouvi dizer que o Salieri foi professor do Beethoven, do Schubert e ainda, sendo ele já muito velho, de um menino chamado Franz Lizst. Por sua vez, o Lizst foi professor do Viana da Motta, que foi professor do Sequeira e Costa.
Quer dizer: apenas uma pessoa separava aquele homem que estava ali ao meu lado de Lizst; apenas duas de Beethoven e de Schubert; apenas três de Mozart.
Impressionamo-nos quando alguém nosso conhecido conviveu ou convive digamos, com o Papa ou com Mick Jagger. Raramente transferimos este raciocínio de raiz espacial para a dimensão temporal que, no entanto, é bem mais digna de maravilha.
Tal como, contemplando os céus, somos contemporâneos de estrelas extintas há milhões de anos, olhando certos homens podemos pressentir nos seus gestos, olhares e pensamentos a sombra de outros homens há muito desaparecidos que daríamos tudo para ter conhecido. E, afinal, uma parte deles está ainda, num sentido muito físico, entre nós.
Ouvi dizer que o Salieri foi professor do Beethoven, do Schubert e ainda, sendo ele já muito velho, de um menino chamado Franz Lizst. Por sua vez, o Lizst foi professor do Viana da Motta, que foi professor do Sequeira e Costa.
Quer dizer: apenas uma pessoa separava aquele homem que estava ali ao meu lado de Lizst; apenas duas de Beethoven e de Schubert; apenas três de Mozart.
Impressionamo-nos quando alguém nosso conhecido conviveu ou convive digamos, com o Papa ou com Mick Jagger. Raramente transferimos este raciocínio de raiz espacial para a dimensão temporal que, no entanto, é bem mais digna de maravilha.
Tal como, contemplando os céus, somos contemporâneos de estrelas extintas há milhões de anos, olhando certos homens podemos pressentir nos seus gestos, olhares e pensamentos a sombra de outros homens há muito desaparecidos que daríamos tudo para ter conhecido. E, afinal, uma parte deles está ainda, num sentido muito físico, entre nós.
23.6.03
A crise da língua. Lido no site de um banco de investimento português:
«Em termos corporate, o destaque vai para o mid-quarter up-date da Intel após o fecho do mercado para o qual o consensus de mercado aguarda um guidance para o 2T2002 de vendas de Usd 6.4 bn a Usd 6.8 bn.»
Mais adiante:
«Os principais movers na subida são sobretudo alguns títulos da banca alemã. Trazem ânimo ao mercado de equity europeu e tornam a aposta num índice um investimento interessante».
Bem sei que toda a profissão tende a descambar numa conspiração contra os leigos, mas este texto era suposto servir para aconselhar os investidores comuns.
Qualquer comentário adicional seria redundante.
«Em termos corporate, o destaque vai para o mid-quarter up-date da Intel após o fecho do mercado para o qual o consensus de mercado aguarda um guidance para o 2T2002 de vendas de Usd 6.4 bn a Usd 6.8 bn.»
Mais adiante:
«Os principais movers na subida são sobretudo alguns títulos da banca alemã. Trazem ânimo ao mercado de equity europeu e tornam a aposta num índice um investimento interessante».
Bem sei que toda a profissão tende a descambar numa conspiração contra os leigos, mas este texto era suposto servir para aconselhar os investidores comuns.
Qualquer comentário adicional seria redundante.
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