17.4.13

Queimar dinheiro na praça pública

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Depois de ler o meu artigo de ontem no Negócios, um amigo fez-me chegar um extracto de algo que encontrou no New Statesman:
This year’s initiation ceremony to join the Bullingdon Club, disclosed an Oxford student who has a chum in that oafish society, was to burn a £50 note in front of a beggar.
Queimar o dinheiro que se diz não haver na cara de quem mais dele precisa parece fazer parte do zeitgeist.
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8.4.13

O que significa sair do euro?

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Após a conclusão do acordo de resgate a Chipre, foi instituído na ilha o controlo de capitais, o que significa que as pessoas e as empresas não podem transferir livremente euros de ou para o estrangeiro.

As PMEs italianas muito dificilmente conseguem hoje obter financiamento a taxas inferiores a 10%; do outro lado da fronteira, na Áustria, o crédito custa metade desse preço.

O estado português financia-se - quando consegue financiar-se - a taxas não inferiores a 6%; em contrapartida, a Alemanha consegue financiamento a 1%.

A ideia de que a saída do euro é um acontecimento instantâneo e que se trata de uma opção de "tudo ou nada" revelou-se equivocada, como estes três exemplos demonstram.

Não se sai do euro - vai-se saindo. O que torna essa perspectiva simultaneamente mais provável e menos dramática.

Última hora: o eventual  pagamento do subsídio dos funcionários públicos com títulos da dívida é mais uma forma de começar a sair do euro sem grandes fanfarras, porque equivale à emissão de dinheiro numa moeda cujo valor estará indexado à capacidade esperada de o país pagar a sua dívida.
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6.4.13

A defensiva estratégica na resistência à troika



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Quando Aníbal invadiu a península itálica e impôs uma série de derrotas humilhantes às legiões romanas, Fabius Maximus foi designado ditador com poderes ilimitados para assegurar a salvação da pátria.

Mas Fabius optou pela estratégia impopular de evitar o confronto directo com o inimigo, preferindo segui-lo à distância, dificultar-lhe os abastecimentos e as comunicações e atacá-lo apenas em pequenos recontros de cada vez que uma parte das suas forças se deixava isolar. Isso valeu-lhe a alcunha de “Cuntactor” (contemporizador) e motivou não poucos conflitos com oficiais que, embora nominalmente sob as ordens, optaram, sempre com resultados trágicos (mormente na batalha de Canas), por desobedecer-lhe.

No final, porém, a estratégia de defesa activa de Fabius acabou por obrigar o enfraquecido e desmoralizado exército de Aníbal a retirar para o Norte de África.

Uns dois mil anos depois, os generais Barclay de Tolly, primeiro, e Kutuzov, depois, repetiram com êxito o estratagema de Fabius perante o exército napoleónico que, no Verão de 1812, atravessou o rio Nieman e avançou sobre Moscovo. Aplicando uma política de terra queimada, o exército russo recuou continuamente à frente de Napoleão, frustrado por não lograr uma batalha decisiva e obrigado a caminhar por um território deserto abandonado pelas populações, tornando muito difícil o dia a dia dos seus 285 mil homens.

Quando a Grande Armée se encontrava já consideravelmente enfraquecida, Kutuzov aceitou travar batalha em Borodino. Após um resultado inconclusivo, o exército russo continuou a retirar, abandonando inclusive Moscovo ao invasor. O caos que se seguiu obrigou à retirada precipitada de Napoleão em pleno Inverno, sendo o seu exército metodicamente dizimado e perseguido até Paris.

Já no século XX, Mao teorizou os princípios da defensiva estratégica nos seus escritos militares. Tanto na guerra contra o Kuomintang como, poucos anos depois, na guerra contra a invasão japonesa, foi forçado a reconhecer que a fragilidade dos seus efectivos, a insuficiência do seu equipamento e a vulnerabilidade da sua posição o impediam de bater-se frontalmente contra o inimigo. Nessas condições, inspirou-se em Sun Tzu para caracterizar a estratégia mais indicada: “O inimigo ataca, nós recuamos; o inimigo pára, nós flagelamo-lo; o inimigo cansa-se, nós atacamos; o inimigo cansa-se, nós perseguimo-lo.”

Portugal encontra-se numa situação de grande fragilidade política e financeira perante os seus principais parceiros internacionais. Aderiu ingenuamente a uma zona monetária mal concebida que, em vez de o proteger perante as tempestades internacionais, o condena a ainda maiores penas. Não estava nem está ainda em condições de recusar liminarmente as condições do resgate que foi forçado a pedir em 2011. Nenhum dos seus mais importantes parceiros europeus está disponível para defender uma solução diferente. A narrativa moralista e punitiva da Alemanha é todos os dias imposta sem contraditório. Extravasando as suas competências, o BCE permite-se ditar opções políticas aos países membros. Os países em dificuldades têm relutância em assumir posições comuns. Finalmente, a opinião pública europeia permanece em larga medida alheada destes problemas, em parte por sentir que a sua voz não conta.

Manifestamente, Portugal não dispõe de grandes trunfos neste confronto com forças incomparavelmente mais poderosas. Significará isto que não há nada a fazer?

Sustento que a alternativa é entre a capitulação e a resistência. A teoria e a prática da capitulação é ilustrada na perfeição pelo comportamento do governo português nos últimos dois anos. A total identidade de pontos de vista entre Vítor Gaspar e a troika assegura que a receita definida em conjunto pela UE, pelo BCE e pelo FMI é aqui aplicada na sua versão mais extrema. “Ir além da troika” significa, na prática, que as condições impostas a Portugal são mais graves do que as aplicadas à Grécia, à Irlanda, à Espanha, à Itália ou a Chipre. Não pode haver negociação pela simples razão de que o ministro das finanças português partilha por inteiro as concepções da troika.

Poderia ser diferente? Note-se, primeiro, que, com excepção de Portugal, nenhum – repito: nenhum – dos países sob assistência fez tudo aquilo que a troika lhe mandou fazer. A Irlanda, por exemplo, frequentemente apresentada como um caso exemplar, não só não procedeu à privatização do seu sector eléctrico, como nem sequer separou a produção da distribuição – medidas explicitamente exigidas no respectivo memorando de entendimento.

Depois, os governos desses países não se coíbem de criticar publicamente a concepção dos programas implantados pela troika e de exigir melhores condições. Inversamente, Gaspar critica em voz alta como irrealistas as iniciativas da Irlanda que poderiam também beneficiar-nos a nós.

Finalmente, tanto a Espanha como a Itália se uniram internamente para impedir a declaração oficial de um resgate, camuflando-o sob vestes que, sendo em parte formais, não deixam de ser menos humilhantes e atentatórias dos direitos dos seus povos.

Em resumo, apesar das condições de debilidade prevalecentes, é possível fazer-se muito mais e melhor – desde que se queira.

Por outro lado, Portugal tem algumas cartas que pode e deve jogar. Sendo membro do Conselho de Segurança da ONU, o seu voto tem relevância para a UE; porém, no caso da admissão da Palestina na UNESCO, o país submeteu-se prontamente à vontade dos alemães sem obter nada em troco. Algo semelhante se passa na NATO: apesar de traído pelos seus aliados, Portugal continua a despender recursos escassos com a sua presença militar no Afeganistão e na Bósnia, quando poderia legitimamente retirar-se invocando as dificuldades financeiras criadas pela teimosia da troika. Chama-se a isto fazer política internacional, algo que Paulo Portas deve achar muito cansativo.

Apesar de a situação permanecer desfavorável, é indiscutível que tendeu a melhorar no último ano, principalmente porque a política de austeridade favorecida pela Alemanha e pelo Partido Popular Europeu se encontra cada vez mais descredibilizada, dado que não só a saída da crise foi adiada, como a UE voltou a entrar em recessão a partir de meados de 2012.

Cada vez mais vozes autorizadas – incluindo as de Olivier Blanchard e Paul de Grawe – criticam a punição sem sentido a que Portugal está a ser submetido e demonstram que, se não ocorrerem modificações de fundo na atitude da UE, a estagnação e o desemprego não têm fim à vista. Além disso, aumentando os riscos de catástrofe em grandes economias europeias e de contágio a cada vez mais países, incluindo alguns do centro, até Christine Lagarde, Durão Barroso e Mario Draghi procuram distanciar-se de Angela Merkel.

Por outras palavras, a causa da troika perde adeptos na mesma medida em que a nossa ganha apoios. Pode-se legitimamente esperar que o tempo jogue a nosso favor.

Entretanto, a estratégia adequada à nossa presente circunstância continua a ser a defensiva estratégica, ou seja: recuar quando o inimigo avança; conspirar quando se detém; moer-lhe o juízo quando procura descansar; desacreditá-lo quando comete erros ridículos; persegui-lo quando se mostra desorientado; exigir a renegociação quando se torna evidente para todos que não sabe o que anda a fazer. Um dia, com muita persistência, chegará finalmente a hora de passar à ofensiva estratégica.

Tudo isto exige, porém, como condição prévia, um povo unido em torno de uma ideia do que tem direito a exigir, a começar pelo respeito pela sua vontade livremente expressa através do voto.

Fim da segunda lição sobre como fazer face à troika.
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5.4.13

Tempo de balanço

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Conjecturo a existência de uma correlação negativa entre o número de economistas portugueses doutorados nos EUA e o crescimento do nosso PIB per capita. Por outras palavras, quantos mais economistas dessa extracção temos, pior se comporta a economia portuguesa.

Qualquer pessoa sensata dirá que se trata de uma correlação espúria. Eu, porém, que não tenho que fingir sensatez quando escrevo num blogue, não estou tão seguro disso.

Ora vejamos. Ao longo do século XX a economia portuguesa recuperou uma boa parte do seu atraso em relação ao núcleo dos países europeus mais desenvolvidos.

Eis senão quando, a partir da década de 80, um escol de economistas portugueses recém-regressados ao país após o seu doutoramento na América veio explicar-nos que até aí tínhamos feito tudo errado e que eles é que sabiam o caminho para uma prosperidade para além dos nossas mais loucos fantasias.

Como por cá valorizamos muito o que vem “lá de fora”, muitas dessas pessoas lograram alcandorar-se rapidamente a lugares de destaque no governo, na administração pública, no banco central e na academia, o que lhes concedeu a oportunidade de porem em prática as suas ideias.

O que eles fizeram basicamente foi combater o chamado “intervencionismo estatal”, na convicção de que o livre jogo dos mercados encontraria automaticamente as melhores soluções para assegurar o crescimento para todos. Por outras palavras: nada de entraves ao comércio externo, nada de limitações aos movimentos de capitais, nada de política cambial, nada de política industrial, comercial ou agrícola, nada de promoção de novas actividades económicas, nada de selecção de sectores estratégicos para investimento, nada de empresas públicas, nada de intervenção directa do estado na economia, nada de regulação dos mercados de trabalho. A lista poderia continuar, mas creio que já ficou claro o receituário dos economistas da escola “não te rales”.

O advento do Mercado Único e do Sistema Monetário Europeu deram a esta corrente o apoio externo de que precisava para se impor sem contestação, de modo que, desde então, o país prescindiu voluntariamente de praticamente todos os instrumentos de política económica que contribuíram durante mais de oito décadas para a prosperidade da economia portuguesa.

Passados vinte anos, dir-se-ia que já vai sendo tempo de se fazer um balanço, não?
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4.4.13

A virtude do Norte

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Após constatar que em vários países europeus existe uma narrativa popular que opõe, dentro de cada um deles, o norte ao sul, sendo o primeiro sinónimo de trabalho, seriedade e progresso e o segundo de ócio, despreocupação e atraso, Theodor Adorno confrontou este mito com duas pequenas dificuldades.

Em primeiro lugar, como explicar a virtude do norte italiano, se ela está ao sul da negligência do sul alemão?
Em segundo lugar, como explicar que em vários casos, de que valem como exemplos a Grã-Bretanha e Portugal, o sul é mais desenvolvido do que o norte?
Adorno não tenta sequer resolver o paradoxo, deixando-nos por conseguinte o encargo de pensar melhor no assunto.
Sabe-se que, no hemisfério norte, existe uma elevadíssima correlação entre latitude e produto per capita, sugerindo que a geografia conta muito na explicação de níveis díspares de desenvolvimento.
Todavia, o que Adorno faz notar é que o preconceito anti-meridional ocorre mesmo quando tal correlação inexiste.
Isso leva-me a pensar que a valorização ética do norte é no essencial do domínio do simbólico. Os infelizes povos do norte, castigados com invernos mais rigorosos e privados durante boa parte do ano da luz e do calor, tendem a fantasiar o sul como uma espécie de paraíso terrestre onde todos são eternamente felizes e abundantes fluem o leite e o maná.
Em contrapartida, consolam-se acreditando que o seu sofrimento lhes assegura, nesta vida, o monopólio da virtude, e, na outra, quem sabe se um lugar privilegiado à direita de Deus Pai.
O fundo do mito do sul preguiçoso por contraste com o norte industrioso proviria, assim, do ressentimento ou da inveja.
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Olhar para o lado errado

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Uma das coisas que mais confusão me fazem nas discussões sobre as políticas dos governos de Sócrates antes da eclosão da crise internacional, ou seja até 2008, é a excessiva ênfase colocada nos temas financeiros.

Quem conhece e respeita os números dificilmente pode aceitar as acusações de "despesismo". Em primeiro lugar, nunca o controlo das contas públicas foi tão efectivo em Portugal como nesses anos. Em segundo, o investimento público situou-se a níveis historicamente baixos e com tendência para baixar. Finalmente, o acréscimo do défice em 2009 em mais de 6 pontos percentuais deveu-se em cerca de 80% à quebra das receitas fiscais, tendo o resto a ver sobretudo com o aumento das prestações sociais decorrente da recessão, principalmente o subsídio de desemprego.

Em conclusão, eu diria que não há muito a criticar do lado da política financeira dos governos Sócrates e que o desempenho de Teixeira dos Santos merece nota 18.

Inversamente, sou de opinião que se errou - e muito - na frente económica. Muito resumidamente, o país foi confrontado em meados dos anos 90 com a necessidade imperiosa de acelerar a transformação da sua estrutura produtiva, caso contrário ficaria condenado a competir directamente com outros que beneficiam de uma mão de obra incomparavelmente mais barata.

Assim sendo, a pergunta que eu faço é esta: o estado português ajudou de facto esse processo de requalificação das empresas e dos trabalhadores? E a minha resposta é: muito pouco.

De modo que a concentração do debate na política financeira - onde. a meu ver, se fez o que razoavelmente poderia ser feito - desvia as nossas atenções da política económica - onde pouco se fez e ainda tanto resta por fazer.
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