27.2.07

60s Crash Course - Georgie Fame & The Blue Flames: Yeh Yeh

A seguir: Haverá futuro para a imprensa diária?

26.2.07

Outra vez os binóculos de Amir Peretz, agora em video

O que é que ele estará a ver?



O Ministro da Defesa israelita Amir Peretz (segundo a contar da direita) observando manobras militares. (Fotografia encontrada no blogue de Brad de Long).

24.2.07

O meu reino por um hino!



Pode um simples mas sublime hino vindicar toda a merda que foi e fez a RDA? Deixo aqui a questão para os sábios resolverem, que eu confesso-me sem forças para tanto.

(Os meus agradecimentos ao João Sedas Nunes por mo ter dado a conhecer.)

23.2.07

60s Crash Course - Janis Ian: Society's Child



Aguardei durante meses que alguém se lembrasse de colocar um video com esta canção da Janis Ian, então com 16 anos de idade, no YouTube. Aconteceu esta semana, mais precisamente no dia 19 de Fevereiro. É aproveitar, não vá dar-se o caso de ser retirado por problemas de direitos de autor.

O grande promotor do lançamento de "Society's Child" foi nada mais nada menos que Leonard Bernstein em pessoa.

Billie Holiday: Fine and Mellow



A cantora e os músicos estão visivelmente encantados uns com os outros durante toda esta execução de Fine and Mellow. Durante oito minutos o tempo pára e sentimo-nos a pairar uns bons metros acima do solo.

Para além de Billie, ouvimos também neste encontro de luxo Lester Young, Coleman Hawkins, Ben Webster e Gerry Mulligan.

Sobre a crise da imprensa diária

Um jornal é um instrumento facilitador da conversa que um país mantém consigo próprio.

A aldeia não precisa de jornais: as pessoas informam-se directamente no lavadouro ou na tasca do estado de saúde da burra da Ti Jaquina. Nas cidades, em contrapartida, os diários eram indispensáveis para estruturar as conversas em torno de temas partilhados.

Os tempos passaram, e aumentou a variedade dos intrumentos utilizados para essa finalidade. As pessoas habituaram-se a recorrer simultaneamente a várias fontes alternativas de informação, tais como diários, semanários, revistas mensais, rádio e televisão.

A proliferação dos media levou à fragmentação de experiências e interesses. A multiplicação dos espaços públicos liquidou a uniformização do espaço público. A sociedade é hoje uma nebulosa composta de sub-grupos vagamente conectados: os media também. Os diários não podem subsistir isolados da nebulosa mediática que os envolve. Mas tampouco podem deixar-se dissolver nela.

Um diário é antes de mais um agregador de uma comunidade de leitores. Porém, o que a une não é o jornal, mas uma identidade de interesses, estilos de vida e pontos de vista.

Que factores asseguram a coesão dessa tribo? - Mitos fundadores, sinais de identidade, rituais, instituições e canais de comunicação.

Há sérias razões para duvidar que a cultura própria dos leitores de diários se encontre ameaçada. Por exemplo, com a decadência dos cafés desapareceram os vespertinos. Onde é que as pessoas podem hoje ler o jornal da manhã? As que não usam os transportes públicos não podem, na maioria dos casos, fazê-lo no local de trabalho.

Depois, à medida que o espaço público vai ficando restringido aos centros comerciais deixa também de haver locais onde se comentam as notícias do dia. Este processo de des-socialização da vida quotidiana afecta os diários, visto que eles serviam exactamente de instrumento de lubrificação do convívio social.

As pessoas encontram-se crescentemente remetidas para três espaços específicos: a) a família; b) a profissão; e, quando existe, c) o hobby. Ora, o que interessa a umas profissões não interessa a outras, e o mesmo se passa em relação aos hobbies. Daí a proliferação de media especializados.

O caso das famílias é algo diferente, na medida em que, tirando as disfuncionais, quem viu uma viu-as a todas. Daí os assuntos relacionados com a vida doméstica - desde a educação dos filhos à decoração do lar - se terem tornado presença obrigatória nos mass media.

Vemos assim que tende a reduzir-se a base de clientes da imprensa diária com interesses vastos por tudo o que se passa no mundo. Que espaço resta para a imprensa diária "séria"?

A resposta a esta pergunta só pode ser encontrada descobrindo um sistema de alianças na nebulosa meditica que permita associar os diários a forças em expansão.

A imprensa popular é tributária da televisão, das revistas do coração e dos jornais desportivos. Prolonga a discussão desses temas de uma forma apelativa para o seu público.

Com que aliados de poder equivalente poderá associar-se a imprensa dita de referência? A resposta parece-me óbvia: a internet e os blogues.

Estabelecido isto, resta pensar como fazê-lo.

(To be continued)

22.2.07

John Cage: 4' 33''



Aqui fica a peça de John Cage que menciono no meu post de hoje sobre a entrevista de Vasco Pulido Valente à RTP1. Nesta interpretação, a orquestra é superiormente dirigida por Lawrence Foster, actual maestro da Orquestra Gulbenkian. Reparem como o público aproveita os intervalos entre os andamentos para tossir.

Chet Baker: Time After Time

Desmontar Vasco Pulido Valente é mais fácil que roubar chuchas a meninos

Esta entrevista (ver post anterior) comprova que o pior castigo que se pode dar a Pulido Valente é obrigá-lo a falar durante uma hora sobre um qualquer assunto. O primeiro terço é, como sempre, brilhante, mas a partir daí o discurso vai-se tornando progressivamente mais trapalhão.

Vasco começa por explicar que gosta de Portugal e dos portugueses. Não em abstracto, entenda-se, mas em concreto. Em abstracto só não grama mesmo os franceses.

A dada altura, chega a ameaçar-nos falar durante 2 horas sobre Os Maias, o que não se compreende, porque toda a sua vida de autor não passa precisamente de uma longa glosa a esse livro.

Tudo isto para chegar rapidamente ao seu tema favorito, ou seja, o de Portugal como país falhado - um estranho falhanço, convenhamos, que dura vai para novecentos anos.

E falhado, porquê? Ora, porque não encaixa no conceito de Vasco sobre o que o país deveria ser. Desde logo, um falhanço porque não produziu uma única ideia própria, nem na política nem na cultura. E exemplifica: pode-se conceber Flaubert sem Eça, mas não Eça sem Flaubert.

E Pessoa, não tinha ideias próprias, na limitada medida em que essa expressão faz algum sentido? E Fielding, faria sentido sem Cervantes? E Liszt, faria sentido sem Beethoven? E Picasso, faria sentido sem Cézanne? E Wittgenstein, faria sentido sem Russell?

O que não fez sentido, na verdade, é imaginar-se que a cultura de um país pequeno como Portugal (ou a Holanda, ou a Dinamarca, ou a Checoslováquia) alguma vez poderia deixar de ser tributária das culturas dos restantes países europeus.

Se quisermos um exemplo de uma cultura que se bastasse a si própria, não a encontrariamos sequer na França, na Inglaterra ou na Alemanha, mas talvez na China, e, mesmo assim, só até ao século XIX e com os resultados deploráveis que se conhecem.

De modo que, de asneira em asneira, chegamos, a propósito de política cultural, à patética discussão sobre as especificidades do cinema e do teatro em relação às outras artes. Vasco é taxativo: o que torna tão risível o resultado da subsidiação do cinema e do teatro é a falta de critérios exclusivamente técnicos (semelhantes aos que existem na música) que permitam distinguir um trabalho artístico profissional de uma brincadeira irresponsável de amadores.

Como tantas vezes sucede, ele não tem a mínima do que está a falar. Para o comprovar, nem é preciso invocar a peça 4’ e 33'' do John Cage. Bastaria perguntar que espécie de critérios técnicos permitem asseverar que Ascension, de John Coltrane é música competente. Naturalemente, Vasco ignora que ainda hoje, tantos anos passados, se discute se Schumann sabia ou não orquestrar, se Bruckner era ou não capaz de conceber uma verdadeira melodia ou se Boulez tem ou não alguma coisa a ver com música.

Onde estarão, então, os standards rigorosos da música que ele invoca? É claro que ninguém é obrigado a ter sensibilidade artística, mas ao menos o nosso bonzo escusava de dar-se ares de entendido.

Como se vê, condenado a falar mais do que 5 minutos de enfiada, o discurso de VPV enreda-se num novelo de contradições que praticamente se desmontam a si próprias. Ele é incapaz de articular ideias num todo coerente: obrigado a explicar-se em detalhe, espalha-se ao comprido.

Mas não se pense que ele é um ciníco sem ambiçoes. Não, ele tem uma ideia grandiosa para o nosso país, e é com ela que conclui a entrevista.

Segundo ele, deveríamos limitar-nos a tentar organizar Portugal de uma maneira que seja compatível com a Europa. Não se trata nem de modernização, nem de desenvolvimento - apenas de compatiblidade. Vendo bem, nada impede Portugal de a longo prazo ser um país pobre numa Europa rica. Nada o impede de se acomodar na cauda da Europa. Nós podemos perfeitamente viver aqui pobremente e infinitamente.

E, com este projecto mobilizador, dá por findo o sermão.

Eis o retrato fiel de um homem sem outra fantasia para além dele próprio.

21.2.07

Tu cá, tu lá

Se tiverem uma horita disponível, vejam esta entrevista do Rui Ramos ao Vasco Pulido Valente que há dias passou na RTP 1 e que fui desencantar no Caderno I do Vasco Barreto.

Eu já volto para dizer qualquer coisinha - se me sentir capaz, claro.

60s Crash Course - Dylan: Only a Pawn in Their Game



Dylan interpretando uma das suas melhores canções de sempre na manifestação que culminou a marcha sobre Washington pelos direitos cívicos em Agosto de 1963.

A minha equipa

A minha equipa para hoje seria:

Baliza: Vítor Baia

Defesa: João Pinto. Fernando Couto, Geraldão, Branco

Meio campo: Sousa, Oliveira, Deco

Ataque: Madjer, Jardel, Futre

Banco: Zé Beto, Jorge Costa, Andersen, Jaime Magalhães, Cubillas

Nove a zero, sem dúvida alguma.

O que vale o PIB?

John Kay, num artigo publicado no Financial Times há duas semanas que por pouco me passava despercebido:

Output seems like a hard number - and would be if it were simply a matter of counting the widgets that leave a production line. But the output of a modern economy is made up of thousands of differentiated products of changing quality and composition. The US productivity miracle was in part created, not by finding new facts about the US economy, but by reclassifying software expenditure as investment and adopting aggressive assumptions about falling computer prices.

The key number used to measure economic performance is gross domestic product. But few politicians or traders could actually define it. GDP is not, exactly, a measure of either business output or consumer welfare, although it is loosely related to both. It is safest to say that GDP is the number you arrive at if you follow an internationally agreed set of statistical conventions.

So long as everyone follows these conventions, movements in GDP tell you something about national prosperity and economic progress, even if it is not entirely clear what. But no economic data, hard or soft, can ever tell the whole story. Prosperity and progress are soft concepts and official statistics are at best a supplement, not a substitute, for evidence of eyes and ears.

Note-se, em particular, a observação sobre o milagre económico americano, assunto sobre o qual já aqui escrevi um comentário semelhante.

Fantasia e realidade

Os piores fantasistas são aqueles que se julgam imunes a toda e qualquer espécie de fantasia. Podem ser o mais perigosos também, se se lhes meter na cabeça que a sua intimidade com o real lhes dá o direito de impôr aos pobres tolos que somos nós todos as suas concepções e modos de vida preferidos.

20.2.07

60s Crash Course - David Bowie: Space Oddity

60s Crash Course - Al Kooper & Mike Bloomfield: Stop

19.2.07



Turner: Dido Construindo Cartago ou a Ascensão do Império Cartaginês, 1815.

17.2.07

60s Crash Course - Martin Luther King: I Have a Dream


Eis a versão completa do discurso que, a meu ver, melhor ilustra o poder arrasador da palavra quando a palavra é mais do que palavra. Passados 40 anos, ainda não consigo ouvi-lo sem sentir um arrepio.

Imagino que falariam assim os profetas do Antigo Testamento - com esta voz, esta sonoridade, esta entoação, esta ênfase - e percebo porque, perante oradores como este, as pessoas se sentiam inclinadas a acreditar que não eram eles que falavam mas que, na verdade, algo de superior falava através deles.

16.2.07

Referendar o referendo

De hora para hora ganha adeptos a ideia de que, para evitar fracturas na sociedade portuguesa, deveríamos agora referendar o referendo do passado dia 11. Com Alberto João à frente das tropas, este movimento não pode falhar.

Deverá o voto ser pago?

Fará sentido, tendo em conta que a grande maioria dos eleitores não tem uma opinião relevante sobre o que quer que seja, permitir que o voto dessas pessoas contribua para hipotecar o nosso futuro colectivo?

O voto gratuito contribui para alimentar a ilusão de que a democracia não tem custos, quando, bem pelo contrário, ela é um bem de luxo. Primeiro, custa muito dinheiro organizar eleições democráticas. Segundo, o parlamento, os municípios e, sobretudo, o governo ficam caríssimos. Terceiro, e mais importante ainda, decisões erradas tomadas por votantes incompetentes podem arruinar o país.

Se o voto tem um custo, então deve ter um preço, e esse preço só pode resultar do livre jogo da oferta e da procura. A fixação de um preço desincentivaria o voto daqueles que não se encontram suficientemente motivados para o fazer, assegurando que só acorreriam às urnas aqueles cidadãos que simultaneamente: a) estão tão interessados em votar que até estão dispostos a pagar para poderem ter acesso a esse direito; b) estão suficientemente seguros das suas convicções para acharem que vale a pena exprimi-las.

Defendo que a introdução de uma taxa moderadora teria a utilidade de desincentivar a participação eleitoral daquelas pessoas que só votam por verem votar os outros ou que, pior ainda, o fazem em obediência a caciques de diversa índole que as pressionam a fazê-lo.

Gostaria de sublinhar que a principal vantagem desta reforma seria a melhoria da qualidade da democracia. Eleitores motivados e competentes dão mais garantias de que as votações conduzirão a decisões adequadas ao bem-estar da comunidade. As opiniões marginais, que no limite abrangem uma grande quantidade de tolices absolutas, ver-se-iam reduzidas à sua verdadeira expressão, em vez de contribuirem para poluir o debate político.

Dar a palavra a quem sabe - eis o grande benefício que resultaria da introdução do princípio do eleitor-pagador. É tempo de acabar com a utopia segundo a qual todos os cidadãos de um país, pelo simples facto de o serem, estão em condições de produzir alvitres dignos da consideração dos seus concidadãos.

Pensando bem no assunto, necessariamente somos levados a concluir que apenas os preconceitos do politicamente correcto nos impedem de ver que a forma mais racional de organizar eleições consiste em tratar de forma diferente o que é diferente em vez de permanecermos reféns de uma ultrapassada crença supersticiosa na igualdade essencial dos seres humanos entre si.


Manet: O Flautista, 1866.

14.2.07

História de P

"Achaste bonito?" Esta é a forma errada de discutir a reformulação gráfica do Público. Presumindo que os designers que a conduziram serão minimamente competentes, o natural é que o resultado seja minimamente "bonito".

Para avaliar seriamente este projecto é preciso entender-se as ideias que o enformam e verificar se elas constituem uma resposta adequada às pressões competitivas a que o jornal se encontra sujeito.

No Diário Economico de ontem encontrei a seguinte declaração de um responsável do Público: "Pensámos no novo Público como se não houvesse Público." Que quer isto dizer?. No mesmo artigo, lemos também: "A remodelação é mais uma refundação."

Eis, pois, a ideia orientadora da transformação. Infelizmente, não me parece uma boa ideia.

Muita gente acha que o activo mais precioso que uma marca possui é a sua base de clientes. A Direcção do Público, pelo contrário, acha que os seus leitores são descartáveis e, por conseguinte, prepara-se para os deitar fora. É como se o jornal - que, no fundo, não passa de uma comunidade de leitores - nunca tivesse existido - e tivesse que ser refundado - ou seja, reconstruído sobre novas fundações.

Já escrevi noutra ocasião que este desprezo pelos seus leitores de que o jornal tem dado repetidas provas nos últimos anos me parece uma loucura. O Público existe porque há pessoas - aparentemente cada vez menos - que gostam dele. Mas a Direcção acha que existe porque ela assim o quer. Eis um projecto jornalístico verdadeiramente neocon.

Em Portugal, já se sabe que, quando uma marca não sabe mais que fazer, muda o logotipo. Trata-se, evidentemente. de uma forma de superstição como qualquer outra.

Neste caso, porém, parece-me que, mais do que mudar de logo, o Público muda de nome - para P. É normal: um jornal que teve suplementos chamados Xis, Dia D e Y, e que se prepara para lançar o épsilon, mais cedo ou mais tarde teria mesmo que adoptar o nome de P.

Por conseguinte, o jornal quer alijar os leitores do Público e angariar novos clientes para o P. Quem serão eles? Talvez as promoções lançadas pelo jornal nos ajudem a esclarecer este ponto. Informa-me o Diário Económico de que são elas: a) sampling junto de empresas; b) projecção do logotipo em edifícios e c) ofertas de viagens em balões de ar quente.

Sampling, recorde-se, quer dizer amostragem. É muito recomendada para lançar novos produtos junto de novos clientes. Os gestores ainda não conhecem o Público? Não estão disponíveis para esportularem uns cêntimos em troco da P?

A ideia de projectar o logo parece-me boa: sempre que se tem algo insignificante entre mãos faz sentido ampliá-lo.

Finalmente, a quem interessarão as viagens de balão? Ah, é claro, aos jovens! Mas não nos dizem todos os dias que a população está a envelhecer? Mesmo admitindo que os jovens estarão disponíveis para adquirir hábitos de leitura de jornais diários, serão eles em número suficiente para substituir os velhos leitores que a refundação do jornal decidiu ignorar?

Desisto. Decididamente, não consigo entender a estratégia de marketing do P.

13.2.07

Achamentos

Sou um blogger que não frequenta muitos os blogues. Por isso, passa-me despercebida muita coisa que não devia. A recente campanha foi uma oportunidade de descobrir nova gente e gente nova. A ampla revisão da lista de links aí ao lado é uma das consequências desses achamentos.

Amadorismo

Foi visível durante a campanha a incomodidade que se gerava nas hostes do Sim cada vez que o lado contrário afirmava ter-se verificado um aumento geral do aborto nos países que procederam à sua despenalização.

A causa da atrapalhação era esta: ninguém jamais vira as tais estatísticas do Eurostat invocadas pelo Não sobre a evolução da interrupção vountária da gravidez.

Posso testemunhar que os colaboradores do blogue Sim no Referendo só tiveram acesso a esses dados na 5ª feira da semana passada, ou seja, a pouco mais de 24 horas do final da campanha.

Imediatamente se constatou que o Não fizera batota, tomando como termos de comparação o ano mais baixo e o ano mais alto das séries estatísticas e seleccionando cuidadosamente os países que lhes dava mais jeito. Pelos vistos, para os responsáveis por essa grosseira manipulação, a verdade não é um valor relevante que deva ser respeitado.

Seja como for, o facto indesmentível é que as estatísticas que teriam permitido desmontar o embuste chegaram tarde de mais. E eu dei comigo a interrogar-me que raio de aparelhos partidários são estes que só conseguem desencantar os dados do Eurostat quando já nada de útil é possível fazer com eles.

Amadorismo, é evidente...

Abstenção e democracia

A abstenção é por vezes abusivamente interpretada como um voto de protesto contra um estado de coisas globalmente considerado. Por muito que pese a Saramago, essa opinião não é corroborada pelos factos.

Em geral, as pessoas que não votam agem assim porque a votação não lhes interessa ou porque não têm suficiente confiança no seu próprio discernimento.

Porque tem então aumentado a abstenção na generalidade das democracias? No passado, os eleitores encontravam-se esmagadoramente enquadrados em grupos de referência que orientavam ou mesmo impunham um sentido de voto. À medida que a influência desses grupos se dilui, os indivíduos ficam entregues a si próprios. Em consequência, não sabem como votar - e abstêm-se.

Por regra, quanto menos socialmente enquadrada uma pessoa se encontra, maior a probabilidade de que se abstenha.

A aprofundar-se esta tendência para o aumento da abstenção, é possível que a prazo possa daí resultar um perigo para a democracia. Mas é preciso considerar a outra face da moeda: na medida em que os abstencionistas não têm qualquer opinião válida que valha a pena ser expressa, o aumento da abstenção traduz na realidade a libertação dos indivíduos em relação aos grupos de pressão organizados (fossem eles a Igreja ou os sindicatos) que anteriormente manipulavam os votos das pessoas.

Mais abstenção pode, por isso, traduzir-se em decisões mais informadas e, portanto, em aumento da qualidade da democracia.

Voto e razão

Uma votação democrática não serve para decidir quem tem razão, mas tão somente que uma pessoa, um partido ou uma opinião beneficiam a dada altura do apoio de uma maioria.

No caso da votação de Domingo, porém, é possível argumentar-se que o seu resultado contribuíu para reforçar ainda mais as razões do Sim, na medida em que demonstrou que uma fracção largamente maioritária dos eleitores apoia uma concepção ética diferente daquela que a lei ainda em vigor impunha à generalidade dos cidadãos.

Pode dizer-se - e é verdade - que mesmo as concepções minoritárias devem ser respeitadas, e que, aliás, é precisamente nisso que a verdadeira liberdade consiste. No caso vertente, porém, tínhamos uma situação especialmente grave em que as pessoas podiam ser punidas por praticarem um acto em relação a cujo carácter criminal, como agora ficou claríssimo, não existia qualquer consenso social.

É também por isso - ou seja, porque desde Domingo a questão referendada deixou sequer de fazer sentido - que podemos dizer que foi virada uma página.

60s Crash Course - Laurindo de Almeida e o Modern Jazz Quartet: Samba de Uma Nota Só

12.2.07

Ganhar é melhor do que perder

Perder e ganhar, como diz o filósofo, é tudo futebol. Mesmo assim, de vez em quando sabe bem sentir o cheiro a napalm pela manhã.


Manet: Olympia, 1863.

Os blogues e o referendo

Convém tem sempre presente que os blogues são lidos por muito pouca gente. Uns milhares de visitas por dia pode já considerar-se um bom resultado.

Mas esses milhares de visitantes, um grupo reduzido mas muito interessado em ideias, falam por sua vez com outras pessoas, e resulta daí um poder multiplicador que não pode ser ignorado.

Durante períodos eleitorais, acredito que muitas pessoas vêm à internet à procura de argumentos que depois utilizarão no seu círculo de amigos e conhecidos. Os bons argumentos são retomados e disseminados; os maus fracassam e são descartados.

Emerge, assim, um processo rapidíssimo de geração e selecção de ideias, cujo efeito consiste em assegurar que só os conceitos mais fortes sobrevivem.

A intensa discussão através dos emails e dos blogues acelera este processo de afinação de argumentos, garantindo a pronta convergência de linhas de raciocínio à partida muito díspares. Mesmo na ausência de uma direcção centralizada, a auto-organização facilita o estabelecimento de consensos em resultado da interacção frequente entre participantes inteiramente autónomos.

Creio que isto também ajuda a explicar a disciplina estratégica que desta vez se fez sentir no campo do Sim.

Dever e prazer

Nunca como desta vez me irritou tanto a ritual referência ao voto como "dever cívico". Como não se entende que essa é uma forma garantida de transformar o acto numa imensa maçada?

O voto deve ser posicionado como um "prazer cívico", algo que as pessoas da minha geração, que tanto tempo esperaram para poder praticá-lo em liberdade, muito bem entendem, e que, espero eu, muitos jovens poderão ontem ter experimentado pela primeira vez.

Duas semanas de debate

Há gente muito estúpida. Por outro lado, há gente tão inteligente que até dói.

Entre um extremo e o outro, centenas ou milhares de pessoas foram responsáveis por um debate vivo e civlizado, de qualidade bem superior àquela que estamos habituados a ver nas campanhas eleitorais.

Naturalmente, a concentração da discussão num único tema facilitou as coisas. É muito mais difícil evitar-se a demagogia quando se misturam assuntos variadíssimos numa mesma campanha, até porque, nessas circunstâncias, muito frequentemente, os próprios intervenientes não sabem do que estão a falar.

Mas foi também importante a emergência de tantos protagonistas não viciados no linguajar rígido e estudado da política as usual. Com isto renasceu o gosto pela política e ficámos todos a ganhar.

10.2.07

Uma campanha

Circunstâncias imprevistas dificultaram ainda mais do que imaginara a minha colaboração no blogue Sim no Referendo.

Resta-me a consolação de constatar que não fiz falta nenhuma - bem pelo contrário.

De todo o modo, foi para mim um prazer militar neste partido que durou o espaço de uma campanha. Fico a pensar, aliás, se um partido que se dissolve ao fim de quinze dias, esgotado o objecto da sua mobilização, não prefigurará de certo modo, o futuro da política democrática nesta era da internet.

Foi também uma honra encontrar-me momentaneamente ao lado de gente não só tão entusiástica, tão capaz e tão dedicada, como ainda, apesar da evidente diversidade de inclinações políticas, capaz de com grande rapidez se entender numa estratégia comum e aplicá-la de forma implacável.

Não foi esta a primeira vez que me encontrei do mesmo lado da barricada que pessoas do outro lado do espectro político, nem será certamente a última, porque a convivência civilizada também passa por aí. Confesso, ainda assim, que esta campanha me deu a oportunidade de pela primeira vez apreciar plenamente o valor de algumas pessoas (incluindo muitas exteriores ao blogue) às quais até agora, por estupidez ou preconceito, não prestara a atenção devida.

Para poder guardar destes dias uma recordação perfeita, só falta agora que os eleitores votem como eu gostaria. Assim seja, que é como quem diz: amen.

9.2.07



Herbert Brandl: Sem Título, 2000.

É tão fácil sair da cauda da Europa...

A recordação da tortuosa história do combate pela despenalização do aborto de 1984 para cá é suficiente para mergulhar no desespero o mais determinado optimista, entre outras razões porque ela atesta a enorme dificuldade do país em operar a transição para uma sociedade moderna, plural e descomplexada.

Em 1998, a lamentável parelha Guterres-Marcello presenteou o país com esta desnecessária trapalhada de um referendo que nos consome as energias sem qualquer sentido útil.

Oito anos volvidos, a situação é a seguinte. Temos simultaneamente a favor da despenalização um governo legítimo, a maioria dos deputados eleitos, a maioria da opinião publicada, e, a crer nas sondagens conhecidas, a maioria dos eleitores. Acresce que os próprios adeptos do Não têm vindo a render-se, lenta mas seguramente, aos argumentos a favor da despenalização.

O Não é hoje, a bem dizer ,uma causa que os seus apoiantes se envergonham de assumir sem subterfúgios. Tudo leva a crer que, mais do que ser derrotada, a penalização cairá de podre.

Apetece então perguntar como foi possível deixar arrastar por tanto tempo esta situação retrógrada, bárbara e socialmente injusta.

Mas não é exactamente isso que diariamente constatamos na sociedade portuguesa, ou seja, uma colossal dificuldade de mudar qualquer coisa, por muito óbvia que se afigure a tarefa e urgente a sua implementação?

Repito: a persistência do aborto clandestino e a incapacidade de encará-lo de frente valem também como uma metáfora do desesperante imobilismo a que o país claramente se aferrou na última década.

Por esse motivo, o Sim pode também ser um passo no sentido de começarmos a desbloquear estes impasses do nosso viver colectivo. Todavia, dizer isto implica também aceitarmos que a eventual derrota do Sim confirmaria a nossa incapacidade para, evoluindo, irmos resolvendo um a um os muitos problemas que nos afligem.

Não podemos admitir que uma tal coisa possa suceder. Afinal, o resultado só depende de nós. Se, repetindo o desastre de há oito anos, nos voltar a pesar o rabo no domingo, depois escusamos de culpar os partidos e os políticos.

6.2.07

A palavra "Não"

Por conseguinte, se bem entendo, neste momento os adeptos do Não defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde não legalmente autorizado.

Só uma palavrinha nos separa, e ela é precisamente a palavra "não".

Post publicado no blogue Sim no Referendo.

A nova estratégia do Não

Sentindo o terreno fugir-lhe debaixo dos pés, o Não fez sua a conhecida máxima: "É preciso que alguma coisa mude para que tudo possa continuar na mesma."

Post publicado no blogue Sim no Referendo.

Há coisas fantásticas, não há?

O Presidente Cavaco Silva convocou um referendo para votarmos a questão que todos conhecemos.

A Drª Fátima Campos Ferreira acha-se no direito de organizar um debate no canal público cujo propósito é convencer o país de que no dia 11 vamos referendar a proposta da Drª Rosário Carneiro.

Post publicado no blogue Sim no Referendo.

4.2.07

Trampolinices

Ao sublinhar que, na sua opinião, a vitória do Sim será a vitória de José Sócrates, do PS e do executivo, Marcello acaba de insinuar na televisão que o voto de dia 11 deve ser transformado num referendo à actuação do Governo.

O escritor que tropeçava nas palavras

Informa-nos Mário Cláudio no DN de hoje:
Voto "não", porque suponho que a solução do problema do aborto não está na condenação do feto. Por outro lado, não me parece incompatível votar "não" com a despenalização das mulheres. Da parte do "sim" ainda não vi a declaração expressa de que ao votar "sim" o aborto clandestino será severamente punido. Voto "não" também por uma questão de ordem ideológica: para mim, existe ser, há uma vida definida, desde o momento da concepção. Não participo na campanha deste referendo.
O escritor Mário Cláudio tem, manifestamente, um problema com as palavras: Ora vejamos:

1. O referendo pergunta aos portugueses se concordam com a despenalização. Cláudio não julga incompatível votar "não" com a despenalização, presumindo-se que, na opinião dele, quem concordar com a penalização deverá antes votar "sim". Que tal voltar a ler a pergunta?

2. Cláudio gostaria que os adeptos do "sim" se comprometessem expressamente a punir severamente o aborto clandestino. Tendo em conta que o voto no "sim" eliminará o aborto clandestino, não tenho, pela minha parte, a mínima hesitação em fazer-lhe a vontade. Penso que deveremos no futuro punir com a maior severidade o crime do aborto clandestino, mesmo que ele já não exista.

3. Cláudio vai mais além em matéria "ideológica" do que qualquer outro defensor do "não". Para ele, "ser" e "vida" são uma e a mesma coisa. Permito-me sugerir que um dicionário talvez ajudasse a esclarecer este ponto.

4. Cláudio recusa-se a participar na campanha. Porque terá então escrito um depoimento para o Diáio de Notícias? Há formas menos trabalhosas - e, acrescentaria eu, menos absurdas - de "não participar".

Post publicado no blogue Sim no Referendo.

Há 500 anos a dar novos mundos ao mundo

O que as recentes embaixadas à Índia e à China mais uma vez comprovaram é que, em termos gerais, os nossos políticos não são apresentáveis no estrangeiro.

Em Fornos de Algodres, ainda se safam razoavelmente. Mas, passando Badajoz, é o desastre que se vê - se, por acaso, alguém estivesse a ver, o que é duvidoso.

Queixam-se da comida picante que lhes é servida, compensando com uns pastelinhos de bacalhau que levaram na bagagem, oferecem-se para apresentar a China à Europa, pregam sermões aos indianos sobre a importância de terem sido descobertos pelo Gama, distribuem aos indígenas uns gadgets com "software português", oferecem, enfim, camisolas do Ronaldo e fotos do Figo.

Comparado com este pretensiosismo saloio, o simpático senhor Oliveira de Figueira - para muitos estrangeiros o Maior Português de todos os tempos - não só nos deixava mais bem vistos, como ainda, ao trocar panos vermelhos e contas de vidro por ouro ou marfim, sempre fazia melhores negócios.

Andamos há 500 anos generosamente ocupados a dar novos mundos ao mundo, de modo que não nos sobrou nenhum para uso próprio.

Por favor, elucidem-nos

Certos iluminados do lado do Não - entre eles alguns dirigentes partidários - têm feito constar nalguns debates que têm um plano infalível para eliminar o aborto clandestino sem para isso cederem um milímetro em matéria de penalização.

Segundo fontes geralmente bem informadas, essa iniciativa passaria por garantir o apoio económico do Estado às mães que desistissem de abortar, proporcionando-lhes condições condignas para criarem e educarem os seus filhos.

Ora não parece a essas cabeças que seria este o momento ideal para exporem em detalhe o seu plano? Não se esquecendo de indicar, naturalmente, de quantos anos necessitariam para erradicar definitivamente o aborto clandestino e qual o custo estimado dessa operação para os cofres do Estado.

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Outra ética

Apercebi-me ao ouvir o Lobo Xavier na Quadratura do Círculo desta semana até que ponto pessoas nadas e criadas no dogma ficam genuinamente surpreendidas ao tomarem conhecimento de que há concepções sobre a vida e, designadamente, sobre a vida humana, distintas das suas.

Manifestamente, não lhes passa pela cabeça que, ao abortar, uma mulher possa estar a comportar-se de acordo com princípios que nem por serem distintos daqueles em que eles acreditam deixam de ser igualmente éticos.

Há décadas ou mesmo séculos que os partidários do Não procuram impor pela força a sua particularíssima crença. Apesar disso, como se constata pelo elevado número de mulheres que, aqui como noutros países, recorrem ao aborto, uma parte substancial - talvez maioritária - da sociedade tem outra visão do problema.

Apenas um sentimento arreigado de superioridade moral impede os adeptos do Não de entenderem que também os que pensam de outro modo se regem por princípios que lhes permitem distinguir o bem do mal.

Que a adesão a esses princípios não é apanágio de doutrinas excêntricas, eis o que se prova pelo facto, recordado no excelente artigo do Professor Alexandre Quintanilha no Público de sábado, de eles serem partilhados por uma maioria de cristãos em geral e de católicos em particular num grande número de países (incluindo os EUA, o México e a Itália) onde têm sido realizadas sondagens de opinião sobre este assunto.

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Por uma campanha maçadora

O propósito do Sim é pôr termo ao aborto clandestino e, por decorrência, ao sofrimento tão estúpido quanto desnecessário de quem a ele é forçado a recorrer.

Naturalmente, o que nesta campanha interessa é o resultado, não a exibição. Este debate não deve ser confundido com jogos florais: não queremos alardear sapiência, esperteza ou brilhantismo, queremos resolver um problema.

Para vencermos, necessitamos antes de mais de não deixar dúvidas sobre a natureza da pergunta a que vamos ter que responder, repetindo-a tantas vezes quantas for necessário até que ela esteja clara.

E necessitamos também de recordar por que é tão importante votar Sim.

Numa votação, seja ela qual for, os dois slogans mais utilizados são: a) "É preciso manter o rumo"; e b) "É tempo de mudar". Neste referendo, o Não optou pelo slogan a), o Sim pelo slogan b).

"Manter o rumo" é uma excelente proposta quando as coisas estão a correr bem. Ora, não é manifestamente esse o caso. Por isso, a ideia de que "é tempo de mudar" tem cada vez mais apelo para cada vez mais gente.

Talvez o resultado seja uma campanha algo chata, mas é nesse argumento que teremos que continuar a insistir nesta semana que falta até ao dia 11.

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