30.7.06

Férias



David Hockney.

28.7.06

Hoje em dia todo o cuidado é pouco: a gente levanta uma pedra e sai de lá de baixo um anti-semita

Call a stop now, without conditions

The right thing for America is to call for an immediate stop to the fighting, postponing its plans for the reordering of Lebanon until the period after the guns fall silent. This may not lead soon, or ever, to the disarming of Hizbullah, which means that Lebanon will remain unstable and Israel will still feel threatened. Nor would such an ending deal the desired blow to Hamas and Iran, which will continue to work against a negotiated Israeli peace with Palestine. But the truth is the Israel’s military campaign shows little sign of being able to achieve these goals either. And it is just possible that once this pointless war is over Hizbullah will come under growing political pressure within Lebanon to avoid provoking another. Mr Nasrallah may of course feel strong enough to ignore a call for an immediate ceasefire. The war would go on. But then at least it would be plain who was to blame for the misery.

(Leader do The Economist de ontem.)

"Se não param com as bombas ainda me engano a virar a página"

Estados Unidos para o Líbano, já!

Deve ter sido rara a semana em que, nos últimos anos, não ocorreu uma escaramuça na fronteira entre Israel e o Líbano. Bomba para cá, fogachada para lá, eis por aquelas paragens o pão nosso de cada dia.

No dia 12 de Julho, porém, algo de especialmente grave sucedeu quando o Hizbolá matou quatro soldados israelitas e raptou outros dois. O exérdito israelita ripostou imediatamente para tentar recuperar os soldados capturados e o Governo israelita declarou que se tratava de um acto de guerra.

Seguiu-se uma fase de retaliação. Antes de continuar, é necessário destacar que, por estranho que pareça, nem todas as capturas de soldados israelitas deram no passado lugar a retaliações. Se Israel optou desta vez por esta via, terá sido porventura devido à situação escaldante que se vivia já na faixa de Gaza.

De todo o modo, as regras da retaliação são estas: uma parte porta-se mal, a outra pune-a para tornar claro que não admite que aquele risco seja pisado, e as coisas ficam-se por aí. Por outras palavras, do ponto de vista estratégico, a retaliação serve o propósito de marcar os limites da tolerância das duas partes em confronto.

Neste caso, porém, não foi isso que aconteceu. Por razões que não são para mim inteiramente claras, as acções e reacções de ambos os lados desencadearam uma rápida escalada e a situação ficou fora de controlo.

Ao cabo de poucos dias, vários observadores independentes apelaram a um cessar-fogo imediato fazendo notar que ninguém tinha a ganhar com o agravamento do conflito. No estado a que as coisas haviam chegado, porém, a grande dificuldade consistia em convencer as partes a recuarem sem sentirem que perdiam a face.

Entrou então em acção Condoleezza Rice. Surpreendemente, porém, começou logo por dizer que o cessar-fogo não teria interesse se as coisas ficassem na mesma. Ou seja, trocou o objectivo do cessar-fogo imediato pelo de um acordo negociado para pôr cobro à presença militar do Hizbolá junto à fronteira Norte de Israel.

Uma vez boicotado o cessar-fogo pela sua alegada campeã, as estratégias militares alteraram-se imediatamente. Na prática, as declarações de Condoleezza equivaleram a lançar gasolina sobre as chamas.

O exército de Israel ficou a saber que tinha tempo para prosseguir a sua campanha, pelo que alterou o seu objectivo estratégico. Onde até aí se falava apenas de retaliação e de recuperação dos soldados levados pelo Hizbolá, passou a falar-se de eliminação da presença do Hizbolá no Sul do Líbano. Do lado do Hizbolá, a refrega transformou-se numa luta sem recuo pela sobrevivência política e militar da organização. Não admira que a violência tenha evoluído para novos patamares.

Foi este, em síntese, o extraordinário resultado da intervenção da diplomacia norte-americana.

O propósito da eliminação do Hizbolá é sem dúvida excelente e louvável. Que probabilidades tem ele, porém, de se concretizar?

Talvez seja bom começar por recordar que a liberdade de movimentos de que o Hizbolá tem desfrutado resulta da fragilidade do Governo libanês, o qual, para além de arbitrar as conflituosas relações entre as fracções políticas e religiosas internas, ainda tem que preocupar-se com a sombra tutelar da Síria.

Acontece, porém, que a situação interna do Líbano tem vindo a melhorar. No ano passado, o exército sírio foi forçado a retirar-se do país. Nas eleições parlamentares de Maio e Junho, a aliança pró-síria sofreu uma derrota.

Aparentemente, o panorama político libanês estava a evoluir num sentido desfavorável para o Hizbolá e muito favorável para Israel. E agora, duas semanas depois do início da guerra, em que ponto nos encontramos? A resposta parece incontroversa: o Líbano regrediu anos, senão décadas; os frágeis equilíbrios laboriosamente construídos desfizeram-se; o caos político e militar reinstalou-se; o extremismo ganhou novo fôlego.

Que ganhou Israel com tudo isto? Resta agora como única saída a ocupação militar do Sul do Líbano. Essa ocupação não poderá limitar-se, como no passado, a uma mera operação de policiamento. O exército que vier a instalar-se na região terá que preparar-se para dar caça activamente ao Hizbolá num território onde desfruta de uma apoio popular esmagador.

O exército de Israel não está disposto a desempenhar essa missão, pelo que se fala agora de enviar para lá a ONU, a NATO ou uma força militar europeia. Ou seja, procura-se arranjar quem se disponha a apanhar os cacos da loiça que Israel, incitado pelos EUA, partiu.

Eu tenho uma proposta muito melhor. Se Bush e Condoleeza estão tão firmes na sua política de derrubar pela raiz o statu quo, também estarão sem dúvida dispostos a assumir os custos dessa política. Que melhor prova de coerência, então, do que os próprios EUA se oferecerem para assumirem o controlo do Sul do Líbano?

Como se vê, é muito fácil desmontar o bluff da administração Bush. Basta que a União Europeia, os parceiros da NATO e as Nações Unidas se neguem terminantemente a enviar soldados para o Próximo Oriente. Verão como, confrontando os EUA com essa eventualidade, a guerra acaba no dia seguinte.

Quem conduz a guerra?

"The result is that military considerations have often become more dominant than political ones. Thus, Israel's foreign policies have come to be based on an essentially belligerent perception that favors military considerations over diplomatic ones. Violence is seen not only as a legitimate instrument in international affairs, but almost as the only means that can bring positive results.

"As a result, the chief of staff in Israel is afforded power that exceeds that of his counterparts in other Western armies. He is the one to decide on the policy recommendations that will be presented to the prime minister and his ministers. This, of course, gives him great political power.

"In general, the Knesset and the government do not intervene in the operations of the defense establishment, which enjoys almost full autonomy when it comes to policy-making - beginning with major issues such as the size and content of the defense budget, and including even the formulation of war plans that are presented to the government for approval only after the planning is done.

"Therefore, it is no surprise that to this day, two weeks after the outbreak of the second Lebanon war, the Knesset has not held even one session on the conflict, its objectives, and the IDF operations."

("Prisoners to the generals", por Reuven Pedatzur, no Haaretz de hoje.)

O ...bl-g- -x-st- errou

Com a sua usual amabilidade, o Paulo Gorjão fez-me notar na 3ª feira que, segundo a cronologia dos acontecimentos apresentada pela BBC, os primeiros lançamentos de rockets pelo Hizbolá precederam os bombardeamentos israelitas. Assim, estaria errada a minha afirmação de anteontem.

Esta informação surpreendeu-me, dado ser a primeira vez que vi mencionado esse facto. Fui verificar, e constatei que nem a cronologia da CNN, nem a da MSNBC, nem a da CBC News referem qualquer lançamento de rockets anterior à retaliação do exército de Israel. Pude inclusive constatar que uma outra cronologia difundida pela BBC News também não o menciona.

A disparidade informativa intrigou-me. Onde estaria a verdade?

Para aprofundar o assunto fui ver o que disse o próprio Governo israelita. Ora, curiosamente, a declaração de Ehud Olmert do dia 12, reproduzida no Jerusalem Post, classifica de "acto de guerra" a morte e o rapto dos soldados, mas omite qualquer referência aos tais rockets. Todavia, a notícia do jornal refere-os na última frase. Por outro lado, o site do Ministério dos Negócios Estrangeiros fala deles, embora não fique claro se o seu lançamento precedeu ou antecedeu a resposta israelita.

Seja como for, não tenho hoje dúvidas de que o Paulo Gorjão tem razão no que diz. Não sei ao certo se o Hizbolá disparou rockets sobre povoações fronteiriças israelitas no próprio dia 12 de Julho, mas não há dúvidas de que já o fez várias vezes no passado recente, por exemplo no dia 11 de Maio do corrente ano.

Por conseguinte, o meu comentário demasiado espontâneo ao post do Paulo de há dois dias estava factualmente errado.

Além disso, acho que errei também no plano da argumentação. Discutir "quem bateu primeiro" num conflito como este, que dura há décadas, acarreta uma regressão ao infinito que não nos leva a lado nenhum. Qualquer uma das partes pode invocar sempre uma violência anterior do adversário para justificar as suas. (Por exemplo, no dia 9 de Maio deste ano, as forças armadas israelitas dispararam um rocket sobre o Líbano, tendo posteriormente alegado que fora um engano.) Por conseguinte, a forma como respondi à questão colocada pelo Paulo Gorjão foi absolutamente inadequada.

Apesar da falta de tempo que tenho tido nos últimos dias - como vocês compreendem, também eu não sou um político profissional - não queria deixar de dizer isto. Quanto às questões de fundo, infelizmente creio que terei oportunidade de voltar a elas antes que a guerra termine.

26.7.06

Posso mudar de opinião?

Retiro o que disse: afinal prefiro que a Fernanda Câncio escreva sobre futebol.

Factos são factos

A resposta à sua pergunta, caro Paulo Gorjão, é neste caso muito simples: Israel bombardeou populações e alvos civis antes que o Hizbolá tivesse disparado um único rocket. E é aí que está o problema.

25.7.06

O que está em causa na guerra do Líbano

Desde que este blogue existe, nunca até agora me sucedeu criticar as acções do Governo de Israel. Deixam-me indiferente, portanto, as gratuitas acusações de anti-semitismo que os auto-denominados amigos da causa judaica por estes dias disparam em todas as direcções.

Obviamente, não acho normal que um exército irregular mate e rapte soldados israelitas a partir de um país vizinho. Mas ainda menos normal me parece a reacção sem precedentes do governo israelita, visto que, diga-se o que se disser, do que se trata desde o primeiro dia é de um brutal e, na prática, indiscriminado bombardeamento sobre áreas residenciais, instalações fabris, estradas, portos e aeroportos destinado a aterrorizar as populações do Sul do Líbano. Se, por acaso, algum militar inimigo for morto, tratar-se-á, aí sim, de um autêntico dano colateral.

Ao contrário do que alguns cómicos têm alegado (e hoje o próprio Shimon Perez afirmou no Knesset), não está em causa neste conflito a sobrevivência de Israel. Actualmente, nem o Egipto, nem a Jordânia, nem o Líbano contestam o direito à existência do Estado de Israel. A Síria está remetida à defensiva. A Autoridade Palestiniana encontra-se esfrangalhada. Internacionalmente, o Hizbolá apenas é apoiado pelo Irão.

Ademais, em termos puramente militares, está demonstrado que a imensa artilharia do Hizbolá faz mais barulho do que danos. Onde, então, a ameaça à sobrevivência de Israel?

O objectivo estratégico desta guerra do ponto de vista de Israel está há dias claro para todos. Trata-se de, na sequência da catástrofe humanitária provocada pelos seus ataques, forçar uma intervenção internacional no Líbano. Esperam assim os israelitas passar para cima de outrém os custos militares e humanos de uma ocupação que, dada a fracassada experiência anterior, eles não estão dispostos a assumir.

Mais grave ainda, é manifesto que os neocons da Administração Bush, há meses remetidos à defensiva, viram aqui uma oportunidade de relançarem o seu plano para reduzirem a cacos o Próximo Oriente. Deveria ser evidente que a repetição da táctica do "choque e espanto" adoptada na invasão do Iraque provocará as mesmas consequências no Líbano, mas burro velho não aprende línguas.

Do ponto de vista da correlação de forças na região, o resultado mais evidente é, desde já, o crescente protagonismo do Irão, o qual alcança assim o objectivo estratégico de se posicionar como o grande campeão da causa palestiniana, ao mesmo tempo que alivia a pressão sobre a incomodativa questão do seu armamento nuclear. Com a desastrada cumplicidade dos EUA, e perante o desespero dos muçulmanos sunitas e das forças laicas, alarga-se de forma evidente a esfera de influência xiita.

A prazo, Israel não tem nada a ganhar com a evolução que se vislumbra - e terá certamente muito a perder.

Mas essas considerações são, na actual fase, claramente secundárias para os Estados Unidos, os quais parecem interessados em forçar a todo o custo o confronto directo com Teerão. Por isso, após uma breve desorientação, incitam pela voz de Condoleezza Rice Israel a não aceitar nenhum cessar-fogo enquanto não estiver assegurada a derrota do Hizbolá. Ou seja, enquanto o Estado libanês não ruir por inteiro.

Ontem, a Casa Branca teve a insensatez de anunciar um auxílio ao Líbano no valor de 100 milhões de dólares para apoiar a reconstrução do país, isto no mesmo momento em que as bombas inteligentes de fabrico americano continuam a ser lançadas. Em síntese: pão numa mão, pontapé na outra. Alguém duvida de que estes actos imbecis fazem mais para minar o prestígio internacional dos EUA do que décadas de propaganda dos fanáticos islamistas?

Jardim infantil



O Dia D, suplemento de Economia do Público, é talvez a manifestação mais conseguida do projecto de infantilização do leitor prosseguido pelo jornal.

Eis um extracto de uma redacção ontem lá inserida, proposta por um moço promissor de quem o país muito tem a esperar:

"Ora, sendo o Homem um ser livre e autónomo, que jamais poderá viver numa sociedade igualitária dada a sua natureza, justificar uma solidariedade ‘à força’ baseando-se no ‘bem comum’, não faz sentido. Para além do mais, esta imposição de solidariedade por parte de um poder executivo, corresponde a um esvaziamento do próprio acto de doação. Podemos dizer que assistimos nos dias de hoje a uma transferência de responsabilidades do cidadão para o Estado, tendo este movimento repercussões na própria sociedade. Para além de constituir um problema de restrição de liberdades (já que cada um deve ser livre de poder escolher se quer ou não contribuir para um determinado fundo de solidariedade), pode ser também um factor de desagregação social, dado que o imperativo moral de muitas pessoas é transferido para a instituição Estado."

24.7.06

O sócio correspondente



O exército israelita esteve durante cerca de um quarto de século no Líbano. Como não quer agora repetir esse erro, optou pela táctica do bombardeamento aéreo na esperança de que outros depois ocupem o terreno em vez deles.

Só há uma maneira de essa operação ter sucesso: exterminando a população xiita do Sul do Líbano. Como ninguém está disponível para assumir esse objectivo, qualquer exército que se instale na região tem duas opções: contemporizar com a situação, como a ONU tem feito; ou envolver-se em confrontos com o Hizbolá e afundar-se num pântano semelhante ao iraquiano.

Durão Barroso, também ele sócio correspondente do Eixo da Estupidez, quer que uma força militar europeia desempenhe esse papel. O homem é doido: se os americanos estão disponíveis para dar carta branca a Israel devem também estar disponíveis para ocuparem eles próprios o Sul do Líbano.

Bliar

Ouvi hoje Blair dizer que, ao raptar os dois soldados israelitas, o Hizbolá sabia que provocaria esta reacção de Israel.

Esta afirmação não tem fundamento. Incidentes deste género ocorreram várias vezes sendo Barak e Sharon chefes do Governo, sem que jamais tivesse lugar uma retaliação - quanto mais destas proporções.

Blair saberia isso se ao menos tivesse lido o Economist deste último fim de semana. Por outras palavras: Blair sabe isso.

A invencível brigada da estupidez ataca de novo

Teoria da conspiração?

Se isto não é a ironia do ano, então eu não sei o que ironia quer dizer.

Só para lembrar...

Só para lembrar que, ao contrário do que parece julgar João Paulo Sousa, o Estado de Israel não foi "constituído em nome da religião". Não seja por isso...

No entanto...



Na foto: passagem de modelos em Beirute.

Tudo o que o Tiago aqui diz é verdade. Mas, no entanto, os civis existem...

22.7.06

Outros cravos, outras ferraduras

Eis alguns post sobre a guerra no Próximo Oriente que subscrevo, na totalidade ou em parte:

Espanto. Impotência. E a seguir?

A guerra.

O quintal israelita.

Oh Professor!

A Oriente: Crise de novo.

São poucos? Pois são.

Auditoria, já!

"Os funcionários públicos, para o que fazem, ganham bem, gozam de prerrogativas próprias (pensões, saúde, segurança), sobem (grande parte) relativamente depressa na hierarquia, faltam com absoluta impunidade."

Perante esta auto-denúncia, alguém deveria investigar imediatamente o que se passa no Instituto de Ciências Sociais onde exerce funções Vasco Pulido Valente, o autor destas linhas.

Uma no cravo...



1. Há uma escassa quinzena de dias, extremistas baseados no Paquistão que exigem a independência da Caxemira fizeram explodir em Bombaim bombas que mataram 200 pessoas e feriram mais 500. A Índia foi muito elogiada pela contenção revelada na ocasião. Para ser mais explícito, por não ter retaliado atacando o Paquistão.

2. No Sul, junto a Gaza, o Hamas raptou um soldado israelita. No Norte, perto da fronteira com o Líbano, o Hizbollah raptou dois. Numa acepção muita lata do termo, poderemos com boa vontade ver aqui actos terroristas. No Sul, Israel desencadeou um ataque em grande escala contra a Autoridade Palestiniana. No Norte, iniciou bombardeamentos sobre instalações do Hizbollah em território libanês. O Hizbollah ripostou imediatamente lançando rockets sobre Israel e, principalmente, sobre Haifa.

3. Do facto de Israel ter direito a responder aos raptos pela força armada não se segue necessariamente que isso seja uma boa ideia. Muito menos que o faça como o fez.

4. Houve um tempo em que as guerras praticamente só faziam vítimas militares. Agora, um certo tipo de guerra praticamente só faz vítimas civis. É preciso muito azar para que um militar seja morto, o que faz da profissão das armas um dos mais seguros modos de vida.

5. Condoleezza Rice, a carreirista número um do planeta, acha que não vale a pena um cessar-fogo se o status quo ficar na mesma. Naturalmente, não pensarão o mesmo os civis que não só estão privados de água, electricidade e cuidados médicos, como ainda correm o risco de serem atingidos a qualquer momento pelos bombardeamentos.

6. É verdade que os bombardeamentos israelitas não podem deixar de atingir populações inocentes, dado que o Hizbollah, mais amante de Deus do que dos libaneses, tem o cuidado de implantar cirurgicamente as suas bases e os seus lança-rockets junto de escolas e hospitais localizados em bairros populares.

7. Às vezes, a guerra é apenas a continuação da estupidez por outros meios, não prosseguindo qualquer objectivo político racional. É, a meu ver, o caso desta, em que nenhum dos contendores tem algo a ganhar e todos têm muito a perder. Aparentemente, uma rápida sucessão de decisões precipitadas desencadeou uma escalada descontrolada do conflito e, agora, ninguém quer perder a face aceitando o cessar-fogo.

8. A ideia segundo a qual o exército israelita poderia desarticular o Hizbollah e expulsá-lo do Sul do Líbano em breves semanas é, infelizmente, absurda. Pelo contrário, tudo indica que o seu apoio popular aumentará depois desta aventura sem sentido. A desarticulação do Estado libanês seria uma dádiva do Céu para o Partido de Deus e teria consequências gravíssimas para Israel.

9. A única lógica imaginável desta guerra seria ajudar a criar as condições para um ataque ao Irão. Mas, tirando os machos neocons portugueses com lugar cativo na imprensa - repararam no Pacheco Pereira e no Luciano Amaral a babarem-se todos? -, quem é que, actualmente, está seriamente interessado nisso?

10. Ao aconselharem a Israel contenção ao mesmo tempo que reconhecem o seu direito de legítima defesa, a Europa, as Nações Unidas e, vejam lá, até os Estados Unidos, têm sido acusados pelos entusiastas da guerra de darem uma no cravo e outra na ferradura. Ora aí está aquilo que se me afigura uma excelente recomendação: numa situação em que, de um lado e do outro, os extremistas apelam à guerra de extermínio total, dar uma no cravo e outra na ferradura é exactamente o que deve ser feito.

11. O valor do centrismo ocorre precisamente quando tantos fanáticos se precipitam para um ou outro extremo da cena política, deixando abandonado o terreno intermédio. É nestas alturas que a moderação é simultaneamente difícil e, mais do que necessária, preciosa.

21.7.06

A Ministra tem razão



Um inspector de qualidade recolhe amostras de uma peça no final da linha de produção e analisa a sua conformidade com as especificações. Todas as peças se desviam mais ou menos da norma de forma aleatória devido às chamadas causas comuns.

Se, porém, a medição efectuada se afastar mais do que três desvios padrões da média, o inspector compreende imediatamente que algo de anormal sucedeu. Devendo-se a variação a uma causa especial, o lote deve ser rejeitado e a produção interrompida para se analisarem as razões do desvio.

Foi isso que a ministra fez ao constatar que os resultados dos exames de Física e Química se encontravam completamente desalinhados tantos dos padrões históricos como das variações registadas nas outras disciplinas. Algum conhecimento dos princípios do raciocínio estatístico ajuda a perceber estas coisas.

A única atitude séria e corajosa era, pois, mandar repetir os exames.

O Público titula hoje nas sua primeira página: "Ministra da Educação não convenceu deputados da Oposição", como se isso fosse uma notícia. Ora o que nós vimos na televisão foi uma arruaça dos deputados do PSD e do PP, pouco interessados em escutar os argumentos de Maria de Lurdes Rodrigues.

Também é verdade que, mesmo ouvindo-os, não os teriam entendido, dado muitos deles provirem do lote que ingressou no ensino superior com negativa a matemática.

Terrores nocturnos



O diálogo entre Bush e Blair junto ao microfone indiscreto revelou-nos a todos a fragilidade e a insegurança que às vezes tomam conta das altas esferas do poder mundial. Como nós, também eles às vezes se sentem confusos, mal informados, indecisos, surpreendidos pela evolução dos acontecimentos, desejoso de que tudo não passe, afinal, de um pesadelo.

O que me fizeram eles lembrar? - Miúdos perdidos a assobiar no escuro.

Um grande beijinho para os dois. E não pensem mais nisso.

13.7.06

A maioria silenciosa

Segundo os estudos de audiências da Marktest, os jogos da selecção nacional nunca foram vistos por mais do que um terço dos portugueses. Mesmo considerando que essa estimativa não inclui aqueles que assistiram aos desafios num local público, parece líquido admitir-se que uma sólida maioria se conservou imune à gesta nacional-futebolística do último mês.

São esses milhões de compatriotas - que, ao longo de quatro longa semanas, suportaram estoicamente, sem um murmúrio, sem um queixume, os directos do restaurante Vasco da Gama em Marienfeld, a histérica berraria encachecolada, as insanas buzinadelas a altas horas da noite - são eles, sem dúvida os verdadeiros heróis deste Mundial a quem todos devemos prestar homenagem e agradecer a imensa e mansa pachorra.

12.7.06

Quebra da natalidade

O Mundial ilustrou na perfeição o desequilíbrio demográfico que aflige o planeta: por causa da evidente carência de jovens talentosos a entrar no mercado de trabalho, os mais idosos (Zidane, Figo, Cafú, entre muitos outros) tiveram que adiar a idade da reforma.

A fábrica de campeões

Segundo os jornais de hoje, o FC Porto usará a receita do empréstimo de Hugo Almeida ao Werder Bremen para contratar Tarik Setioui.

Talvez não tenham reparado, mas Tarik Setioui passou em tempos pelo Marítimo. Tem 29 anos, foi 4 vezes internacional por Marrocos e era suplente no AZ Alkmaar.

Juntamente com Hugo Almeida, o Werder Bremen levou também o Diego. (Estás com sorte, ó Christophe!) Como Ivanildo, Postiga e Ricardo Costa estão igualmente de saída, Jorge Costa arrumou as botas e Baía é suplente, é garantido que a equipa não apresentará em campo, pela primeira vez em muitos anos, jogadores formados no clube.

Tremei, amigos benfiquistas e sportinguistas! Dentro em breve tereis no campeonato nacional um adversário capaz de ombrear convosco em mediocridade!

Visão de jogo



Ranking da FIFA antes do Mundial:
1º Brasil
2º República Checa
3º Holanda
4º Argentina

Classificação do Mundial:
1º Itália (12º do ranking)
2º França (5º do ranking)
3º Alemanha (17º do ranking)
4º Portugal (10º do ranking)

Ranking da FIFA depois do Mundial:
1º Brasil
2º Itália
3º Argentina
4º França

Dêem-lhes tempo, dêem-lhes tempo...

A convergência tem que esperar



A ideia de que somos especialmente bons no futebol não encontra sustentação nos factos.

Entre os países que já atingiram pelo menos uma vez as meias finais do Campeonato do Mundo contam-se não só os crónicos favoritos (Brasil, Argentina, Alemanha, Itália, Inglaterra e França), mas também os Estados Unidos, a Jugoslávia, a Espanha, a Checoslováquia, o Uruguai, a Suécia, a Hungria, a Áustria, a União Soviética, a Holanda, a República Checa, a Bulgária, o Chile, a Polónia, a Croácia, a Turquia e a Coreia do Sul - ou seja, praticamente tudo o que mexe.

Por outro lado, contabilizando os países que, tal como nós, já chegaram uma vez à final do Campeonato da Europa, teremos ainda que acrescentar à lista anterior a Grécia, a Dinamarca e a Bélgica, sendo que as duas primeiras até ganharam a prova, como também já a ganharam a Espanha e a Checoslováquia.

Por conseguinte, é peregrina a ideia de que, "se fossemos tão bons no resto como somos no futebol, viveríamos num país mais desenvolvido".

Football's example can help companies score

John Kay no Financial Times de ontem:

Like many lecturers, I have a library of presentation slides. The most frequently used is 15 years old and relates the performance of English soccer league clubs to their expenditure on players. Both wages and transfer fees over a 25-year period are included. The message is that you get what you pay for. There is a strong relationship between cash spent and average league position.

There were some outliers. Aston Villa never fulfilled its potential. But two performances were much ahead of econometric predictions. Teams managed by Brian Clough had always done better than their objective calibre. Some team leaders make a real difference.

But the outstanding story was Liverpool. Liverpool and Manchester United had invested more than others. But while the performance of Manchester United was exactly what our equations predicted, Liverpool had done much better. Manchester United had assembled a group of outstanding players. Liverpool had assembled an outstanding team.

The story of the 2006 World Cup is that outstanding teams defeated groups of outstanding players. All players in top sides are very good. The reason the countries in the final four were not the ones pundits expected was that their predictions were based on the quality of individual players. But the trophy goes not to the best players, but to the best team.

My footballing slide is popular mainly because references to football bring back to life audiences battered into somnolence by harangues on transformational change. But the serious purpose of the analysis is to illustrate that business success is not simply a matter of acquiring the best people, technology or resources. Businesses create value by establishing a difference between the cost of their input and the effectiveness of their output. The Italian team was more than the sum of its parts, the Brazilian team was not.

The difference between output and value added is relevant to every type of business, but especially important for the professional services company – whether it is a football team or an investment. Goldman Sachs and McKinsey do not simply attract exceptional people – so did Manchester United and Brazil. Like Liverpool and Italy, these businesses achieve more than would be predicted from the quality of the people alone.

That makes these companies very profitable. By sharing that excess profitability with their talented employees they keep them in post and maintain their leadership position. The mechanism is equally powerful in reverse. Enforced relegation would be a devastating penalty for Juventus’s involvement in Italy’s match-fixing scandal because it would force the value of the team below that of the players.

But what are the characteristics that distinguish a great team from a group of great players? Organisational knowledge belongs to the business rather than the individuals who make up the business. My footballing research group was impressed by the systematic way in which Liverpool assembled through post-match debriefing and disseminated through pre-match briefing an extensive corpus of information about other players, other clubs and other pitches.

But their main explanation of Liverpool’s relative success came from a simple economic model of the game of football. A player can kick for goal or pass the ball to a better situated player. His choice will depend on the degree to which his incentives relate to the performance of the team, rather than his performance as an individual and on his expectations about whether the next player will shoot or pass in turn. Because an individual’s behaviour depends on expectations of the behaviour of others, teams will become locked into particular states. In some, the shooting game is the dominant mode of behaviour, in others, the passing game. Individuals joining a team will find it best to conform to the local style, so these equilibria are stable.

That is why transformational change cannot be achieved by talking about it and my audiences were right to be more interested in the footballing metaphor than in the guff that had gone before.

11.7.06



Nicolas De Stael: Jogadores de futebol.

10.7.06

Toma, e vai-te curar



Quando tudo estiver há muito esquecido - os golos inesperados, e os penalties falhados, e as defesas impossíveis - quando as lesões tiverem sarado e as bandeiras apodrecido, daqui a muitos anos, quando os vencedores e os vencidos estiverem reformado, a única memória que restará deste Mundial será a cabeçada de Zidane, e, se o próprio entretanto não o contar, a insaciada curiosidade sobre o que lhe tirá dito Materazzi.

Mas, seja o que for que o outro lhe disse, é claro que alguém tão controlado como Zizou só agiu assim porque quis, nunca por um impulso irracional. Reparem como ele primeiro se afastou tranquilamente de Materazzi e, depois de pensar e repensar, se virou e, sem sinal de irritação, se dirigiu para ele com passos medidos e frios, lhe aplicou cirurgicamente a cabeçada em pleno peito e depois esperou, sem sobressalto, que o árbitro lhe apontasse o inevitável cartão cor de sangue.

Como pôde ele fazer aquilo apenas dez minutos antes de concluir uma brilhante carreira, perguntam os filisteus?

Mas por alma de quem haveria Zidane, depois de trazer a França ao colo até à final, correr o risco de se despedir dos relvados falhando um penalty? Depois de anos a aturar os Le Pen, os Chirac, os Floriano Perez, os Wanderley Luxemburgo, os Platini, os Blatter, os Domenech, sem falar dos dirigentes corruptos, dos jornalistas ignorantes e das claques boçais, os dichotes de Materazzi foram a gota de água que fez transbordar o vaso.

Primeiro, sentiu-se inclinado a ignorá-lo. Depois, pensando melhor, atentou na esplêndida oportunidade que assim lhe era oferecida.

Vendo bem, este era o momento tão ansiado em que, sem cuidar do que dirão dele no dia seguinte, marimbando-se para o público e os comentadores, ele finalmente podia exclamar, por interposta cabeçada: "E se fosseis todos para o ...?"

7.7.06

Abismos

Entendo perfeitamente o que o Luis quer dizer - qualquer economista que não tenha esquecido o bê-á-bá da contabilidade nacional o entende - mas é óbvio que não vou responder-lhe antes de ele explicitar primeiro o que pensa.

Entretanto, para não perdermos tempo, sempre adianto que a questão crucial é precisamente que, embora haja uma relação entre os dois défices, eles não são as duas faces da mesma moeda.

6.7.06

Morreu o homem que baptizou a globalização



Ao que parece, foi Ted Levitt, o professor de Harvard falecido na semana passada, a primeira pessoa a chamar "globalização" à globalização num artigo escrito em 1983.

Levitt, uma figura académica singular que ostentava farfalhudos bigode e sobrancelhas à Groucho Marx, conquistou uma merecida reputação de pensador prolífico, estimulante e algo excêntrico ao propor ideias contra-intuitivas que posteriormente foram adoptadas por um grande número de empresas em todo o mundo. Eis algumas delas:

1. A natureza de uma empresa não se define pelos bens e serviços que produz, mas pelas necessidades que satisfaz ("Marketing Myopia").

2. Os serviços podem e devem ser industrializados sem que isso acarrete automaticamente a sua desumanização ("The Industrialization of Services").

3. A parte mais importante do marketing começa quando a venda está concluída ("After the Sale is Over").

4. A diversidade dos gostos locais não é um obstáculo intransponível para a globalização dos mercados ("The Globalization of Markets").

Levitt não levava demasiado a sério nem as suas opiniões nem a si mesmo. Considerava seu dever propor generalizações ousadas e estimulantes, capazes de suscitarem debates profícuos e de conduzirem a avanços no nosso entendimento de como as empresas e a economia funcionam, mas não produzir doutrinas ou receitas definitivas.

Ele próprio tomou por diversas vezes a iniciativa de questionar teses que no passado sustentara. Compreende-se, assim, que tenha cultivado um estilo de raciocínio e exposição vigoroso, bem distinto do anémico pretensiosismo pseudo-científico que hoje predomina nas escolas de gestão de todo o mundo.

Em 2003, a Harvard Business School organizou um debate para assinalar o 20º aniversário da publicação do artigo original de Levitt sobre a globalização. Como o seu degradado estado de saúde já não lhe permitiu estar presente, gravou uma entrevista onde respondeu a todas as questões que lhe quiseram colocar sobre a actualidade das suas ideias neste domínio.

5.7.06

Fome de bola

É difícil imaginarem-se duas atitudes mais opostas do que "andar de cabeça no ar" e "ter os pés bem assentes na terra". A cabeça simboliza o nosso lado etéreo; os pés, o material.

Não é de admirar, pois, que uma conjuntura marcada pelo anti-intelectualismo tenha desembocado na universal adoração pelo futebol. Desconfiamos hoje dos desvarios do espírito com a mesma convicção com que veneramos a autenticidade do corpo, da intuição e do sentimento. Os grandes torneios internacionais encenam novas versões do Triunfo da Vontade.

Remetidos à defensiva, os intelectuais competem na exibição pública do seu amor pelo futebol. Os mais persistentes esforçam-se por intelectualizar as discussões, esgrimindo subtilezas tácticas ou dedicando versos ao Figo.

E, de resto, que outra coisa poderiam eles fazer num contexto cultural tão adverso? Como condenar a alienação pelo futebol, se já ninguém é capaz de afirmar conhecer a essência supostamente alienada?

Estou possivelmente a exagerar. Vendo bem as coisas, não há nada de errado na dignificação do pé operada pelo futebol. Mas o pé deve ser valorizado por aquilo que ele é e por aquilo que faz, não pela sua suposta oposição à cabeça: ao fim e ao cabo ambos convivem harmoniosamente no corpo humano desde que secou o barro primordial.

Não estava certo que o pé fosse rebaixado por força dos preconceitos que tendem a diminuir tudo o que é periférico e silencioso. Nesta espécie de luta de classes não declarada, a importância do pé foi frequentemente negligenciada porque, não tendo voz, lhe carecia capacidade para marcar a agenda. Vai daí, o pé tinha má imprensa.

Em conclusão, devem conviver e dialogar mais o pé e a cabeça. Quem sabe se não acabarão por descobrir que, afinal, o que os une é muito mais forte do que o antagonismo absurdo que os traz desavindos? E não vá a cabeça pensar - que é só o que ela sabe fazer - que desse modo se rebaixa.

Nenhum assunto é indigno da filosofia. "A filosofia não se aprende a devorar resmas de livros filosóficos, nem torturando-nos com a solução dos enigmas do universo. A filosofia permanece latente em toda a existência humana e não precisa de lhe ser acrescentada como se provinda de alhures". Quem disse isto, note-se bem, foi um grande chato que, muito naturalmente, até nem gostava de futebol.

Boa noite, e bom jogo.

4.7.06

Antes das meias

1. Apesar do que afirmam tantos críticos, Portugal tem jogado invariavelmente bem. O controlo táctico do jogo exibido pela selecção aproxima-se seriamente - mas, ainda assim, não o suficiente - do dos mestres italianos.

2. A Inglaterra foi derrotada por dois inimigos íntimos, por esta ordem: o alcoolismo endémico e a incapacidade de assumir um estilo de jogo.

3. Futebol rápido liquida selecções envelhecidas. Que o diga o Brasil, que sucumbiu assim que lhe saíu ao caminho um adversário mais azougado.

4. Se há equipa capaz de vencer a Alemanha, essa equipa é a Itália. Que Deus os ilumine.

5. A receita para vencer a França é evidente, tão evidente que seria uma presunção da minha parte dizer-vos aquilo que todos já sabeis. Só que um jogo não se ganha com tácticas, mas sim com suor, caneladas, frangos, foras de jogo mal assinalados - enfim, trivialidades de uma vulgaridade quase ofensiva para os espíritos mais delicados.

3.7.06

Língua pátria

Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se desfizesse os mesmos...
Mas fazer os mesmos não parece
De quem tem muito miolo!

2.7.06

O clube do avôzinho

A reunião de 13 de Abril correra mal. Houve dichotes provocatórios, empurrões e ameaças. Um sócio mais exaltado chegou a pegar numa cadeira para a arremessar sobre a direcção da assembleia. A votação final ficou manchada por acusações de fraude.

À saída, depois de apresentar a sua demissão do Campo Grande Football Club, José de Alvalade foi consolado pelos amigos.

Minutos depois, já recomposto, exclamou: "Vou ter com o meu avôzinho e ele dá-me dinheiro para fazer um clube novo!"

Três meses depois, nascia o Sporting Clube de Portugal.

O que há para perceber

Perguntou Vasco Pulido Valente há dias o que é que, afinal, há para perceber no futebol. Trata-se de uma questão pertinente, tão pertinente como perguntar-se o que é que há, afinal, para perceber na história, ao ponto de algumas pessoas dedicarem toda a sua vida a essa ingrata tarefa.

Há várias maneiras de encarar o problema.

Para os que verdadeiramente fazem a história, como para os que fazem o futebol, para Napoleão como para Maradona, não se trata de coisas que se discutam, mas de coisas que se fazem. Do lado dos seus apoiantes incondicionais, a situação não é muito distinta, dado que o modo faccioso consiste precisamente numa quase absoluta ausência de distanciação crítica em relação aos actores que se apoia.

Mas é claro que essas atitudes não esgotam todas as possibilidades. Em modo estético, é possível apreciar-se de um modo desprendido as fintas do Zidane ou os crimes de César Bórgia. Este último exemplo, aliás, pode também ser encarado como uma manifestação do modo meritocrático que incita um observador imparcial a apreciar um jogador que, fazendo fita, arranca a expulsão de um adversário ou uma táctica mesquinha que atinge os seus objectivos.

O entendimento não interfere tanto na atitude quase budista com que eu contemplei a maioria dos jogos da fase de grupos do Mundial. Ausente qualquer inclinação por um dos contendores, é possível apreciar-se um jogo de futebol com o mesmo grau de exaltação suscitado por um aquário de peixinhos tropicais: uma pessoa aprecia o colorido do espectáculo e os elegantes movimentos dos participantes e deixa-se mergulhar num estado de doce e despreocupada meditação.

Saltando para abreviar razões por cima de uma variedade de outras nuances, chegamos finalmente ao modo reflexivo, esse que assalta as mentes vulneráveis dos que acreditam que é possível vislumbrar uma lógica na história ou uma finalidade suprema no futebol.

Já sabemos que se trata de nefastas ilusões, mas - que querem? - temos todos o estrito dever de respeitar as opiniões alheias, por muito excêntricas que elas se nos afigurem.

O grande partido da oposição liberal

Correspondendo de pronto ao veemente apelo de Pacheco Pereira nas páginas d'O Público, o PSD lançou na última semana uma ofensiva concertada destinada arecordar-nos os seu pergaminhos liberais. Assim:

1. Rui Rio criou uma regra que proibe as entidades subsidiadas pela Câmara Municipal do Porto de emitirem críticas que ponham em causa "o bom nome e a imagem do município".

2. Fernando Ruas convidou os autarcas a "correrem à pedrada" os fiscais do Ministério do Ambiente.

3. Luis Filipe Menezes assinou um protocolo com órgãos da imprensa regional que, a troco de publicidade institucional, se comprometeram a dar a devida cobertura às iniciativas da Câmara de Gaia.

Mesmo deixando de fora Alberto João, pode-se dizer que o liberalismo do PSD teve uma semana em cheio.