28.7.06

Estados Unidos para o Líbano, já!

Deve ter sido rara a semana em que, nos últimos anos, não ocorreu uma escaramuça na fronteira entre Israel e o Líbano. Bomba para cá, fogachada para lá, eis por aquelas paragens o pão nosso de cada dia.

No dia 12 de Julho, porém, algo de especialmente grave sucedeu quando o Hizbolá matou quatro soldados israelitas e raptou outros dois. O exérdito israelita ripostou imediatamente para tentar recuperar os soldados capturados e o Governo israelita declarou que se tratava de um acto de guerra.

Seguiu-se uma fase de retaliação. Antes de continuar, é necessário destacar que, por estranho que pareça, nem todas as capturas de soldados israelitas deram no passado lugar a retaliações. Se Israel optou desta vez por esta via, terá sido porventura devido à situação escaldante que se vivia já na faixa de Gaza.

De todo o modo, as regras da retaliação são estas: uma parte porta-se mal, a outra pune-a para tornar claro que não admite que aquele risco seja pisado, e as coisas ficam-se por aí. Por outras palavras, do ponto de vista estratégico, a retaliação serve o propósito de marcar os limites da tolerância das duas partes em confronto.

Neste caso, porém, não foi isso que aconteceu. Por razões que não são para mim inteiramente claras, as acções e reacções de ambos os lados desencadearam uma rápida escalada e a situação ficou fora de controlo.

Ao cabo de poucos dias, vários observadores independentes apelaram a um cessar-fogo imediato fazendo notar que ninguém tinha a ganhar com o agravamento do conflito. No estado a que as coisas haviam chegado, porém, a grande dificuldade consistia em convencer as partes a recuarem sem sentirem que perdiam a face.

Entrou então em acção Condoleezza Rice. Surpreendemente, porém, começou logo por dizer que o cessar-fogo não teria interesse se as coisas ficassem na mesma. Ou seja, trocou o objectivo do cessar-fogo imediato pelo de um acordo negociado para pôr cobro à presença militar do Hizbolá junto à fronteira Norte de Israel.

Uma vez boicotado o cessar-fogo pela sua alegada campeã, as estratégias militares alteraram-se imediatamente. Na prática, as declarações de Condoleezza equivaleram a lançar gasolina sobre as chamas.

O exército de Israel ficou a saber que tinha tempo para prosseguir a sua campanha, pelo que alterou o seu objectivo estratégico. Onde até aí se falava apenas de retaliação e de recuperação dos soldados levados pelo Hizbolá, passou a falar-se de eliminação da presença do Hizbolá no Sul do Líbano. Do lado do Hizbolá, a refrega transformou-se numa luta sem recuo pela sobrevivência política e militar da organização. Não admira que a violência tenha evoluído para novos patamares.

Foi este, em síntese, o extraordinário resultado da intervenção da diplomacia norte-americana.

O propósito da eliminação do Hizbolá é sem dúvida excelente e louvável. Que probabilidades tem ele, porém, de se concretizar?

Talvez seja bom começar por recordar que a liberdade de movimentos de que o Hizbolá tem desfrutado resulta da fragilidade do Governo libanês, o qual, para além de arbitrar as conflituosas relações entre as fracções políticas e religiosas internas, ainda tem que preocupar-se com a sombra tutelar da Síria.

Acontece, porém, que a situação interna do Líbano tem vindo a melhorar. No ano passado, o exército sírio foi forçado a retirar-se do país. Nas eleições parlamentares de Maio e Junho, a aliança pró-síria sofreu uma derrota.

Aparentemente, o panorama político libanês estava a evoluir num sentido desfavorável para o Hizbolá e muito favorável para Israel. E agora, duas semanas depois do início da guerra, em que ponto nos encontramos? A resposta parece incontroversa: o Líbano regrediu anos, senão décadas; os frágeis equilíbrios laboriosamente construídos desfizeram-se; o caos político e militar reinstalou-se; o extremismo ganhou novo fôlego.

Que ganhou Israel com tudo isto? Resta agora como única saída a ocupação militar do Sul do Líbano. Essa ocupação não poderá limitar-se, como no passado, a uma mera operação de policiamento. O exército que vier a instalar-se na região terá que preparar-se para dar caça activamente ao Hizbolá num território onde desfruta de uma apoio popular esmagador.

O exército de Israel não está disposto a desempenhar essa missão, pelo que se fala agora de enviar para lá a ONU, a NATO ou uma força militar europeia. Ou seja, procura-se arranjar quem se disponha a apanhar os cacos da loiça que Israel, incitado pelos EUA, partiu.

Eu tenho uma proposta muito melhor. Se Bush e Condoleeza estão tão firmes na sua política de derrubar pela raiz o statu quo, também estarão sem dúvida dispostos a assumir os custos dessa política. Que melhor prova de coerência, então, do que os próprios EUA se oferecerem para assumirem o controlo do Sul do Líbano?

Como se vê, é muito fácil desmontar o bluff da administração Bush. Basta que a União Europeia, os parceiros da NATO e as Nações Unidas se neguem terminantemente a enviar soldados para o Próximo Oriente. Verão como, confrontando os EUA com essa eventualidade, a guerra acaba no dia seguinte.

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