31.10.06
Tournée promocional
Se não ficaram esclarecidos com este meu post sobre as opiniões emitidas pelo Lobo Antunes nas suas mais recentes entrevistas, recomendo vivamente o que sobre esse incontornável talento escreveram o Eduardo Pitta ou, num registo porventura mais assertivo (atenção: ando a treinar eufemismos), o maldoso Luis.
Tesouros do humor pátrio
Apesar de toda a gente lhe garantir que a Guarda não tinha ponta de interesse, Unamuno sentia um irresistível desejo de visitá-la, acicatado de cada vez que, deslocando-se entre Salamanca e Lisboa, o comboio parava na estação e ele vislumbrava a cidade ao longe.
Não precisou de muito tempo, ao chegar lá, para dar razão à Sociedade de Propaganda de Portugal por desaconselhar o passeio. Não havia mesmo nada para ver na Guarda, nem sequer a botica do padre de Tomásia, a heroína de O Filho Natural de Camilo, entretanto vitimada por obras de “modernização” que a haviam por completo descaracterizado.
Salvaram a deslocação os desopilantes momentos proporcionados a Unamuno pela leitura dos jornais locais, recheados de uma prosa espessa, solene, pretensiosa, inflamada, de uma comicidade inconsciente, que, como se sabe, é a manifestação suprema do humor. O que ele se riu a ler o Combate, diário republicano dedicado à Justiça, à Verdade e à Equidade!
Ainda hoje temos por cá muito disso.
30.10.06
Cangas e foguetes
Unamuno achava que as mais ricas manifestações da cultura popular portuguesa eram, quando repetidamente nos visitou no início do século vinte, as cangas dos bois e o fogo de artifício. Esta observação contém matéria para um livro. Infelizmente, suponho que ainda ninguém o escreveu.
Andersson deveria ter visto o segundo amarelo
1. Uma coisa é provocar o confronto; outra, bem diferente, é aguentá-lo. Objectivamente, o Benfica perdeu o jogo porque soçobrou à pressão durante a primeira meia hora de jogo. Poderia até ter chegado a essa altura a perder por mais de duas bolas de diferença, mas esta equipa do FC Porto, que carece da personalidade necessária para respeitar o adversário, achou que era mais relevante dar baile.
2. Depois, viu-se a diferença que faz ter ou não ter Andersson em campo. Imaginem por um instante que também lá não estava o Lucho...
3. O FC Porto marcou três golos fortuitos. Não digo que foram propriamente golos de sorte ou que foram imerecidos, digo que foram fortuitos - e acho que qualquer pessoa entende isso.
4. No conjunto do jogo o Benfica foi superior. Os sportinguistas deveriam pôr ali os olhos se quiserem entender como deveriam ter feito para tentar vencer o FC Porto - mas, de momento, eles estão hipnotizados com o futebolzinho que a sua equipa apresenta, e só deverão despertar para a realidade lá mais para a frente.
5. O árbitro esteve mal, muito mal mesmo. Deveria ter mostrado ao Andersson um primeiro amarelo por ter simulado a falta quando o Katsuranis lhe partiu a perna, e um segundo por ter arremessado a chuteira ao ser transportado de maca. Isso, sim, teria sido mostrar autoridade.
6. Resta dizer que marcar golos no prolongamento é sempre um bom sinal. Sofrê-los no prolongamento também é um sinal. Adivinhem de quê.
2. Depois, viu-se a diferença que faz ter ou não ter Andersson em campo. Imaginem por um instante que também lá não estava o Lucho...
3. O FC Porto marcou três golos fortuitos. Não digo que foram propriamente golos de sorte ou que foram imerecidos, digo que foram fortuitos - e acho que qualquer pessoa entende isso.
4. No conjunto do jogo o Benfica foi superior. Os sportinguistas deveriam pôr ali os olhos se quiserem entender como deveriam ter feito para tentar vencer o FC Porto - mas, de momento, eles estão hipnotizados com o futebolzinho que a sua equipa apresenta, e só deverão despertar para a realidade lá mais para a frente.
5. O árbitro esteve mal, muito mal mesmo. Deveria ter mostrado ao Andersson um primeiro amarelo por ter simulado a falta quando o Katsuranis lhe partiu a perna, e um segundo por ter arremessado a chuteira ao ser transportado de maca. Isso, sim, teria sido mostrar autoridade.
6. Resta dizer que marcar golos no prolongamento é sempre um bom sinal. Sofrê-los no prolongamento também é um sinal. Adivinhem de quê.
28.10.06
A lenda do Pepe
No dia 23 de Outubro de 1931, fez na passada semana 75 anos, José Manuel Soares, por alcunha o Pepe, apresentou-se como habitualmente no Centro de Aviação Naval do Bom Sucesso onde trabalhava como torneiro mecânico.
Pouco depois, sentiu-se mal. Pelas onze horas, muito pálido, dirigiu-se ao oficial de serviço queixando-se de cólicas violentas. Como o médico não se encontrava no posto clínico, foi transportado ao Hospital da Marinha. As dores não pararam de agravar-se. Começou a revelar sintomas de algidez, hemorragias internas e perda de reacção a estímulos. Foi submetido, sem resultado, a duas transfusões de sangue. Às dez e meia do dia seguinte Pepe morreu. Tinha apenas 23 anos e era o futebolista mais famoso do país.
Pepe estreou-se na equipa principal do Belenenses num jogo contra o Benfica com apenas 16 anos recentemente completados. A quinze minutos do final o Belenenses perdia por 4-1, mas, liderada por Pepe, a equipa deu a volta ao resultado e venceu por 5-4. José Manuel Soares tornou-se de um dia para o outro um ídolo popular.
Com 18 anos estreou-se na selecção nacional, marcando dois golos na vitória sobre a França por 4-0. Nos seis anos (dois incompletos) em que ele jogou, o Belenenses foi por três vezes campeão de Lisboa e por duas vezes segundo classificado. Marcou 10 golos contra o Bom Sucesso, até hoje o recorde de golos marcados num único jogo de futebol. Na mesma época marcou 36 golos no Campeonato de Portugal, outro recorde que perdurou durante muitos anos.
As fotos mostram um homem baixo e frágil, mas os adversários queixavam-se da dureza que punha no jogo. A boina e as joelheiras com que sempre se protegia conferiam-lhe um aspecto blindado e indiciavam total disponibilidade física para disputar cada lance nos cruéis terrenos pelados que eram norma na época.
Pessoas que o viram jogar diziam, muitos anos depois, que foi o maior jogador português de todos os tempos. Na ausência de registos filmados da época não estamos em condições de avaliar o fundamento dessa opinião. Mas parece indiscutível que, até hoje, ninguém igualou a popularidade de que Pepe desfrutou de Norte a Sul de Portugal. A notícia da sua morte provocou uma unânime comoção nacional. Milhares de pessoas seguiram o seu funeral até ao cemitério da Ajuda.
Ainda hoje, sempre que visita o Estádio do Restelo, a equipa do FC Porto coloca uma coroa de flores no monumento a Pepe lá existente. Muitas pessoas supõem erradamente que a homenagem se deve ao facto de ele ter alguma vez jogado pelo FC Porto. Na verdade, trata-se apenas de um eco distante da adoração de que era alvo em todo o país.
A autópsia de Pepe revelou que o futebolista fora vítima de uma intoxicação alimentar que afectara também, em menor grau, os seus familiares. Foi preso o comerciante que vendera à mãe os enchidos usados no jantar da véspera, mas logo libertado por não ter sido detectado qualquer problema no lote inspeccionado. Correram boatos de que Pepe poderia ter sido vítima de um crime passional ou, pior ainda, de uma vingança desportiva.
Soube-se mais tarde – mas, por caridade, a informação foi mantida sob reserva – que a responsabilidade do envenenamento coubera à mãe do futebolista, a qual, trocando os frascos, cozinhou os enchidos com potassa em vez de bicarbonato de soda. Para o grande público, porém, o mistério em torno da trágica morte de Pepe só contribuiu para exacerbar o culto da sua memória.
A principal fonte de informação deste post foi o livro de Marina Tavares Dias “História do Futebol em Lisboa”. As fotos foram retiradas do blogue Beleneses Sempre, mais concretamente daqui e daqui.
Um escritor
"Quem foi que teve a ideia de sintonizar este programa?" No écrã, António Lobo Antunes conta a Judite de Sousa como o enfadam as viagens que lhe marca o seu editor: México, Colômbia, Equador... Uns meses depois mais outro circuito... E ele, aborrecido de morte, cheio de saudades do seu querido Portugal. Só aguenta a tortura porque exige que lhe reservem sempre tempo só para si, desabafa com ar blasé.
As mãos de António deslocam-se continuamente sobre o rosto, ora tapando a boca, ora ocultando os olhos. Penso que talvez se sentisse melhor se enfiasse uma burka. Mas não, de forma nenhuma, a burka concentraria as atenções nos olhos, e é sobretudo o olhar que ele quer desviar.
Seguem-se as rituais loas ao avô, aos pais, aos irmãos, não fossemos nós esquecer a venerável linhagem em que se filia. Em família, porém, nunca falam dos seus livros. De que falam então? - inquire a embaraçada e aflita Judite. Boa pergunta: não se vê, de facto, que outro assunto poderá interessar-lhe.
Ao longo de toda a entrevista António fala exclusivamente de si mesmo. Quase não lhe sobra uma palavra para qualquer outro tema. Tece elogios rasgados a alguns mortos - José Cardoso Pires e Melo Antunes, por exemplo -, mas mantém sempre grande distância em relação aos vivos, sejam eles quem forem.
Mede com calculada cautela todas as palavras. É inútil esperar dele uma réstia de espontaneidade, um rasgo inesperado, uma centelha de espírito. Qual burocrata da palavra, recolhe frases feitas da sua memória, procurando aplicá-las o melhor possível àquela circunstância.
Uma breve alusão à sua participação numa campanha eleitoral ao lado do PCP em 1982 denuncia-lhe a completa falta de carácter.
António tem todos os defeitos para ser um grande escritor. Por que não o é, então? Se calhar, faltam-lhe as qualidades.
27.10.06
Opinião pastoreada
"Os portugueses acham isto, as pessoas pensam aquilo…" Quem ousa argumentar contra uma sondagem, sobretudo quando uma confortável maioria se pronunciou já num determinado sentido?
Ao que parece, a democracia é isto mesmo: a maioria diz o que acha, e pronto: está dito.
O povo escuta os diversos argumentos, medita no assunto, pesa os prós e os contras e, no final, chega a uma conclusão. Resta apenas às sondagens darem-nos a conhecer o veredicto final.
E se as coisas não se passassem exactamente assim? E, se, de facto, as pessoas comuns não tivessem na verdade opiniões sobre quase nada e fosse relativamente fácil orientar o resultado de um inquérito num ou noutro sentido introduzindo modificações mínimas e aparentemente inocentes no modo como uma pergunta é formulada?
A propósito das enormes discrepâncias de resultados entre as sondagens publicadas sobre o sentido de voto no anunciado referendo sobre o aborto, o Pedro Magalhães escreveu no Público um texto magistral que decerto merece muito mais atenção do que aquela que até agora conseguiu despertar.
Se for verdade que a generalidade dos cidadãos tem meras "propensões" e "considerações" em vez de autênticas opiniões, e se o modo como se decidem por uma das opções em confronto tem menos a ver com uma escolha racional do que com o modo como os media enquadram uma determinada questão nos preconceitos dominantes, então é bem possível que uma boa parte das sondagens de opinião que a imprensa constantemente divulga como a legítima vox populi não seja afinal mais do que um reflexo mais ou menos fiel das ideias feitas que esses mesmos media previamente se encarregaram de difundir.
Ao que parece, a democracia é isto mesmo: a maioria diz o que acha, e pronto: está dito.
O povo escuta os diversos argumentos, medita no assunto, pesa os prós e os contras e, no final, chega a uma conclusão. Resta apenas às sondagens darem-nos a conhecer o veredicto final.
E se as coisas não se passassem exactamente assim? E, se, de facto, as pessoas comuns não tivessem na verdade opiniões sobre quase nada e fosse relativamente fácil orientar o resultado de um inquérito num ou noutro sentido introduzindo modificações mínimas e aparentemente inocentes no modo como uma pergunta é formulada?
A propósito das enormes discrepâncias de resultados entre as sondagens publicadas sobre o sentido de voto no anunciado referendo sobre o aborto, o Pedro Magalhães escreveu no Público um texto magistral que decerto merece muito mais atenção do que aquela que até agora conseguiu despertar.
Se for verdade que a generalidade dos cidadãos tem meras "propensões" e "considerações" em vez de autênticas opiniões, e se o modo como se decidem por uma das opções em confronto tem menos a ver com uma escolha racional do que com o modo como os media enquadram uma determinada questão nos preconceitos dominantes, então é bem possível que uma boa parte das sondagens de opinião que a imprensa constantemente divulga como a legítima vox populi não seja afinal mais do que um reflexo mais ou menos fiel das ideias feitas que esses mesmos media previamente se encarregaram de difundir.
26.10.06
Uma boa razão
Helena Roseta lamenta no Jornal da Noite da SIC Notícias que o Governo tenha decidido investir mais na Ciência e menos na Cultura (suponho que é assim mesmo, com maiúsculas, que ela pensa). Parece pois evidente que, para ela como para muito boa gente, a Ciência não é Cultura. Ora aí está uma boa razão para se investir mais na Ciência do que na Cultura.
24.10.06
O Benfica na Wikipedia (3)
Eis mais um extracto da entrada Sport Lisboa e Benfica na Wikipedia:
"O Sport Lisboa e Benfica atingiu em Abril de 2006 a marca de 150.000 sócios pagantes, o que fez do clube o segundo a nível mundial em termos de números de sócios, apenas sendo ultrapassado pelo Manchester United com cerca de 152.000. O número actual aponta para 157.799, o que faz actualmente do clube o maior do mundo em número de sócios pagantes."
"O Sport Lisboa e Benfica atingiu em Abril de 2006 a marca de 150.000 sócios pagantes, o que fez do clube o segundo a nível mundial em termos de números de sócios, apenas sendo ultrapassado pelo Manchester United com cerca de 152.000. O número actual aponta para 157.799, o que faz actualmente do clube o maior do mundo em número de sócios pagantes."
O Benfica na Wikipedia (2)
Eis um extracto da entrada Sport Lisboa e Benfica na Wikipedia:
"Sport Lisboa e Benfica é um clube desportivo, considerado como um dos mais significativos do futebol português. As estimativas em relação ao número de adeptos, avançadas pelo próprio clube, apontam para cerca de 14 milhões espalhados por todo o mundo."
"Sport Lisboa e Benfica é um clube desportivo, considerado como um dos mais significativos do futebol português. As estimativas em relação ao número de adeptos, avançadas pelo próprio clube, apontam para cerca de 14 milhões espalhados por todo o mundo."
Fraude
O Economia & Finanças classificou o bl-g- -x-st- como um blogue de economia. Imagino a perplexidade de quem chega aqui e se depara com inanidades futebolísticas...
O Benfica na Wikipedia
Eis a entrada sobre Luis Filipe Vieira na Wikipedia:
Luís Filipe Ferreira Vieira é o presidente do Sport Lisboa e Benfica. Nasceu em 22 de Junho de 1949.
Em 3 de Novembro de 2003, foi eleito como 33º presidente do Sport Lisboa e Benfica. Foi este presidente que levou novamente o Benfica aos títulos em 2004/2005. Vieira tem conduzido o Benfica ao equilibrio financeiro e ao sucesso desportivo.
Luís Filipe Ferreira Vieira é o presidente do Sport Lisboa e Benfica. Nasceu em 22 de Junho de 1949.
Em 3 de Novembro de 2003, foi eleito como 33º presidente do Sport Lisboa e Benfica. Foi este presidente que levou novamente o Benfica aos títulos em 2004/2005. Vieira tem conduzido o Benfica ao equilibrio financeiro e ao sucesso desportivo.
23.10.06
O Benfica está vivo!
Miccoli, após ter sofrido uma carga, tenta ao levantar-se esmurrar o adversário. Fernando Santos visionou repetidamente a cena mas continua a não perceber o segundo amarelo que determinou a expulsão.
Aqui há marosca, suspeitam os da Luz: "Alguém há-de ter pago um café a este árbitro."
Estas coisas, hoje, curam-se. Mas, pensando melhor, para quê chamar o médico?
Se não fosse este permanente estado de histeria, esta mania da perseguição, esta indignação à flor da pele, esta ilusão de grandeza - tudo traços típicos da alma lusitana - o que seria do Benfica? Mais: alguém quereria ser benfiquista?
Posfácio
Sporting de verde e FC Porto de azul - ao que isto chegou!
O Sporting esteve bem. Jogou ao seu melhor nível. Apresentou em campo um conjunto promissor do qual o futebol português muito tem a esperar. Estes clubes pequenos, já se sabe, agigantam-se quando defrontam o campeão.
O FC Porto esteve mal. Quase metade dos seus jogadores não tem categoria para jogar no clube. Quanto aos outros (os melhores) deve reconhecer-se que é difícil motivá-los para se empenharem a fundo quando defrontam adversários de menor valia.
O resultado foi justo.
O Sporting esteve bem. Jogou ao seu melhor nível. Apresentou em campo um conjunto promissor do qual o futebol português muito tem a esperar. Estes clubes pequenos, já se sabe, agigantam-se quando defrontam o campeão.
O FC Porto esteve mal. Quase metade dos seus jogadores não tem categoria para jogar no clube. Quanto aos outros (os melhores) deve reconhecer-se que é difícil motivá-los para se empenharem a fundo quando defrontam adversários de menor valia.
O resultado foi justo.
22.10.06
Marie Antoinette
A banda sonora de Marie Antoinette é um achado. Talvez por isso, fiquei com vontade de gostar do filme assim que vi o trailer.
Apresentar a Revolução Francesa na perspectiva da corte de Versalhes parecia uma boa ideia, mesmo que não inteiramente original. Infelizmente, é quando a Revolução chega que o filme se afunda completamente. (Ou seria melhor dizer: que ele se esboroa?)
Testemunhamos surpresa e angústia nas reacções do Rei e da Rainha, mas não vemos como elas evoluem à medida que os contornos dos acontecimentos revolucionários se vão precisando. Não ficamos a saber como eles e os que os rodeiam interpretam e reagem aos acontecimentos. Somos mantidos na completa ignorância das manobras políticas e militares em que o casal real se envolve, porventura para preservar a imagem de inocência de Maria Antonieta.
O fracasso do filme deve-se em parte, mas não unicamente, às suas imprecisões históricas. Poderia argumentar-se que isso pouco interessa, dado que o tema do filme é Maria Antonieta, não a Revolução Francesa; mas sucede que, sem os acontecimentos que conduziram à sua decapitação, ela não teria para nós o interesse que ainda hoje tem.
O estereótipo histórico retrata Maria Antonieta como uma mulher fútil, insensível e perversa. No intuito de humanizá-la, o filme , ao optar por representar a rainha como uma figura ingénua e despretensiosa em conflito com o convencionalismo da corte francesa, desloca-se para o pólo oposto. A troca de um simplismo por outro produz uma personagem sem espessura psicológica, que nem por diversa da habitual resulta mais verosímil.
Tirando isso, Sofia Coppola confirma que sabe filmar.
20.10.06
Levanta-te e caminha
Quando um amigo morre, resisto durante anos a apagar o seu registo da minha agenda electrónica, como se fazê-lo equivalesse a colaborar na sua morte ou, pior ainda, a matá-lo uma segunda vez.
Deve ter sido esse mesmo instinto que, ao longo deste seis meses, me dissuadiu de apagar o link para o Quase em Português.
Desta vez, porém, a recusa a aceitar o inevitável acabou por ser recompensada porque acabo de descobrir que o Lutz está de volta.
Deve ter sido esse mesmo instinto que, ao longo deste seis meses, me dissuadiu de apagar o link para o Quase em Português.
Desta vez, porém, a recusa a aceitar o inevitável acabou por ser recompensada porque acabo de descobrir que o Lutz está de volta.
Prognóstico
Contra o Bayern, o Sporting confirmou que tem uma excelente equipa de futebol de salão. É o melhor que se pode arranjar com um team recheado de futuros ex-grandes jogadores (Nani, João Moutinho) e ex-futuros grandes jogadores (Carlos Martins, Custódio).
É claro que o Jesualdo sabe tudo isto muito melhor do que eu, de modo que, em princípio, não está previsto que haja azar no jogo do fim de semana.
Há apenas um problema. Os jovens talentos de Alvalade (Liedson incluído) não têm físico para jogar futebol, de modo que qualquer aragem os derruba.
Eu sei que o FC Porto actual não toca nos adversários nem com uma flor, mas isso também está mal. Não é de cavalheiros que verdadeiramente respeitam o adversário tratá-los como se fossem frágeis donzelas.
Espero que o mister lhes explique que se só derem cacetada, digamos, na zona do círculo central, que é onde afinal se constroem os lances, só com muito azar correrão o risco de sofrer mais do que um penalty e duas expulsões de algum árbitro mais atormentado com o caso Apito Dourado.
Edmund Phelps, Nobel da Economia
Talvez ainda não seja tarde para louvar Edmund Phelps, talvez um dos Nobéis da Economia mais consensuais de sempre.
Phelps é aquele economista raro que logrou manter a sua atenção centrada em temas de gestão macro-económica da maior actualidade sem por isso transigir com as modas do momento ou comprometer elevados padrões de probidade científica.
O grande tema das suas investigações é o emprego. Numa primeira fase da sua vida desmontou certas políticas de inspiração keynesiana que procuravam garantir elevados níveis de emprego expandindo a oferta de moeda. Essas políticas são ineficazes no curto prazo e nocivas no longo, dado ignorarem a existência da "taxa natural de desemprego".
Vencida esta batalha, Phelps empenhou-se em seguida em demonstrar que a taxa natural de emprego não deve ser entendida como uma fatalidade, mas sim como o resultado de um conjunto de condições estruturais aos níveis político, económico e social.
A ideia central, pelo qual se tem batido com afinco nas últimas décadas, é a de que é melhor subsidiar o emprego do que subsidiar o desemprego. Isso levou-o a defender políticas activas de fomento do emprego, tais como a atribuição de um subsídio aos empregadores que dêem trabalho a jovens que entram pela primeira vez no mercado de trabalho.
Phelps fez também descobertas importantes na teoria do crescimento. Um estudo seu recente mostrou que os três factores mais importantes para prever o desempenho futuro de uma economia são: 1) a percentagem da população com um curso superior; 2) a ausência de barreiras ao empreendedorismo; e 3) a importância da bolsa de valores.
Curiosamente, Phelps acredita que um factor que favorece a produtividade da América relativamente à da Europa é o facto de lá as empresas se preocuparem mais que os trabalhadores se sintam felizes com o seu trabalho do que cá. A minha experiência pessoal sugere que isso é verdade.
Ulisses
Como qualquer medroso que se preza, pelo-me por poemas heróicos. Há dias reproduzi aqui a parte final do Ulysses de Alfred Tennyson. Hoje, é a vez da tradução para português do poeta e blogger brasileiro Salomão Sousa, ela própria inspirada numa outra de Haroldo de Campos.
Fútil o ganho para um rei nada útil,
na calma do lar, à beira de penhas áridas,
unido a uma idosa esposa, a impor e dispor
iníquas leis a uma raça selvagem
que come, e amealha, e dorme, e de mim nem sabe.
A mim não resta senão viajar: beberei
a vida até o fundo. Sempre desfrutei
da fartura, e com fartura sofri, junto àqueles
que me amavam com amor ímpar; e, em terra,
arrastado pela corrente, as chuvosas Híades
agitavam o lúgubre mar: ganhei nome:
para sempre vagando com coração ávido,
vi, possuí, e muito conheci; cidades de homens
e costumes, climas, conselhos, governos,
nunca com desprezo, mas honrado por todos;
e brindei o prazer da batalha com meus pares,
longínquo ressoar nos vales da Tróia dos ventos.
Sou parte de tudo que encontrei;
ainda que toda experiência seja um círculo
em que brilha o mundo inexplorado com margens,
que sempre se desfazem sempre que avanço.
Que triste é deter-se, chegar a um fim,
enferrujar, enrugar, não brilhar com o uso!
Assim como respirar, era a vida! Vida cheia de vida
e de tudo fica um pouco, e de tudo para mim
poucos vestígios: mas a cada hora é salvo
desse silêncio eterno, um pouco mais,
um portador de coisas novas, e vil seria
se apenas três sóis me prouvessem e amealhassem
e este espírito grisalho com ânsias
de alcançar a sabedoria como um astro que se funde
antes de irromper o último pensamento humano.
Este é meu filho, meu Telêmaco,
a quem deixo o cetro e a ilha -
meu bem-amado, capaz de consumar
este trabalho, apaziguar com mansa prudência
um rude povo, e brando, passo a passo,
submetê-lo ao que é útil e bom.
Irrepreensível ao máximo, pronto para a domínio
dos deveres públicos, decente para não fracassar
em missões delicadas, e contribuir
com a justa adoração aos deuses de minha casa
quando eu partir. Eu lido a minha; ele, a sua lida.
Ali em frente o porto; a nave infla suas velas:
ali a penumbra do vasto escuro dos mares. Meus marinheiros,
almas no duro esforço, forjam, e fazem comigo -
sempre com festivas boas-vindas tomaremos
o trono e o sol, resistindo com
livres corações, sem desfaçatez -, somos velhos.
A velhice mantém suas honras e esforços;
a morte tudo conclui: mas há algo no fim,
por fazer ainda uma tarefa nobre pode haver,
nem só homens indecorosos em luta com deuses.
Começam a piscar as luzes frente às rochas:
apaga-se o largo dia, a lenta lua sobe: em volta
o fundo gemido das múltiplas vozes. Venham,
amigos, não é tarde para buscar um novo mundo.
Desatracai e, postos em ordem, batam
os sonoros encaixes; pois é meu intento
navegar além de onde o sol se põe, e se banham
os astros ocidentais, até a morte.
Talvez aqueles vorazes golfos nos devorem,
Talvez venhamos a alcançar as Ilhas da Fortuna
e vejamos o grande Aquiles, nosso conhecido.
Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
e ainda que perdida a força dos velhos dias
que movia céus e terras; somos o que somos;
uma coragem única nos corações heróicos,
débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes
em lutar, achar, buscar, jamais render.
Fútil o ganho para um rei nada útil,
na calma do lar, à beira de penhas áridas,
unido a uma idosa esposa, a impor e dispor
iníquas leis a uma raça selvagem
que come, e amealha, e dorme, e de mim nem sabe.
A mim não resta senão viajar: beberei
a vida até o fundo. Sempre desfrutei
da fartura, e com fartura sofri, junto àqueles
que me amavam com amor ímpar; e, em terra,
arrastado pela corrente, as chuvosas Híades
agitavam o lúgubre mar: ganhei nome:
para sempre vagando com coração ávido,
vi, possuí, e muito conheci; cidades de homens
e costumes, climas, conselhos, governos,
nunca com desprezo, mas honrado por todos;
e brindei o prazer da batalha com meus pares,
longínquo ressoar nos vales da Tróia dos ventos.
Sou parte de tudo que encontrei;
ainda que toda experiência seja um círculo
em que brilha o mundo inexplorado com margens,
que sempre se desfazem sempre que avanço.
Que triste é deter-se, chegar a um fim,
enferrujar, enrugar, não brilhar com o uso!
Assim como respirar, era a vida! Vida cheia de vida
e de tudo fica um pouco, e de tudo para mim
poucos vestígios: mas a cada hora é salvo
desse silêncio eterno, um pouco mais,
um portador de coisas novas, e vil seria
se apenas três sóis me prouvessem e amealhassem
e este espírito grisalho com ânsias
de alcançar a sabedoria como um astro que se funde
antes de irromper o último pensamento humano.
Este é meu filho, meu Telêmaco,
a quem deixo o cetro e a ilha -
meu bem-amado, capaz de consumar
este trabalho, apaziguar com mansa prudência
um rude povo, e brando, passo a passo,
submetê-lo ao que é útil e bom.
Irrepreensível ao máximo, pronto para a domínio
dos deveres públicos, decente para não fracassar
em missões delicadas, e contribuir
com a justa adoração aos deuses de minha casa
quando eu partir. Eu lido a minha; ele, a sua lida.
Ali em frente o porto; a nave infla suas velas:
ali a penumbra do vasto escuro dos mares. Meus marinheiros,
almas no duro esforço, forjam, e fazem comigo -
sempre com festivas boas-vindas tomaremos
o trono e o sol, resistindo com
livres corações, sem desfaçatez -, somos velhos.
A velhice mantém suas honras e esforços;
a morte tudo conclui: mas há algo no fim,
por fazer ainda uma tarefa nobre pode haver,
nem só homens indecorosos em luta com deuses.
Começam a piscar as luzes frente às rochas:
apaga-se o largo dia, a lenta lua sobe: em volta
o fundo gemido das múltiplas vozes. Venham,
amigos, não é tarde para buscar um novo mundo.
Desatracai e, postos em ordem, batam
os sonoros encaixes; pois é meu intento
navegar além de onde o sol se põe, e se banham
os astros ocidentais, até a morte.
Talvez aqueles vorazes golfos nos devorem,
Talvez venhamos a alcançar as Ilhas da Fortuna
e vejamos o grande Aquiles, nosso conhecido.
Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
e ainda que perdida a força dos velhos dias
que movia céus e terras; somos o que somos;
uma coragem única nos corações heróicos,
débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes
em lutar, achar, buscar, jamais render.
19.10.06
Medina Carreira e as suas opiniões
É altura de alguém dizer que não vale a pena prestar atenção ao que Medina Carreira diz sobre as contas públicas e a segurança social porque ele não percebe nada de economia - coisa, de resto, normal, visto que não é economista. Mas afinal, perguntarão vocês, que importância tem isso?
Já cá não está quem falou...
A ignorância tem grandes atractivos quando é eloquente e se expressa com desassombro.
Já cá não está quem falou...
A ignorância tem grandes atractivos quando é eloquente e se expressa com desassombro.
Renovação sindical, precisa-se
Descontando algumas discordâncias de pormenor com este post do Pedro Adão Silva, a questão essencial, como ele diz, é que a decadência dos sindicatos, tal como a de outras instâncias de intermediação entre o indivíduo e o Estado, enfraquece a democracia.
Muito sinteticamente, o movimento sindical encontra-se em estado comatoso porque continua refém de pressupostos que perderam a sua validade. Terá que reinventar-se se quiser sobreviver.
Eis uma sugestão: porque não tomarem a iniciativa em temas como a erradicação dos obstáculos que impedem o crescimento da produtividade das empresas e do Estado em Portugal?
Nos últimos anos, os sindicatos têm afirmado repetidamente duas coisas certas, apesar de aparentemente contraditórias: a) a responsabilidade da fraca produtividade nacional não pode ser atribuída aos trabalhadores; b) os problemas das empresas e do Estado não podem ser resolvidos sem a participação activa dos trabalhadores.
A oportunidade, então, consiste em abandonar uma postura anacrónica de sistemático antagonismo em relação aos empresários e aos governos e em tomar a iniciativa de propor formas de assegurar o aumento da produtividade. De passagem, os sindicatos não só renovarão a sua estratégia de actuação como conquistarão uma legitimidade acrescida para reivindicar para os trabalhadores a parte que lhes é devida.
Inversamente, se persistirem em cuidar apenas dos interesses restritos e de curto prazo dos seus associados, é natural que cresça a indiferença da população e que, por conseguinte, continue a reduzir-se a sua capacidade de influenciar as políticas sociais.
Muito sinteticamente, o movimento sindical encontra-se em estado comatoso porque continua refém de pressupostos que perderam a sua validade. Terá que reinventar-se se quiser sobreviver.
Eis uma sugestão: porque não tomarem a iniciativa em temas como a erradicação dos obstáculos que impedem o crescimento da produtividade das empresas e do Estado em Portugal?
Nos últimos anos, os sindicatos têm afirmado repetidamente duas coisas certas, apesar de aparentemente contraditórias: a) a responsabilidade da fraca produtividade nacional não pode ser atribuída aos trabalhadores; b) os problemas das empresas e do Estado não podem ser resolvidos sem a participação activa dos trabalhadores.
A oportunidade, então, consiste em abandonar uma postura anacrónica de sistemático antagonismo em relação aos empresários e aos governos e em tomar a iniciativa de propor formas de assegurar o aumento da produtividade. De passagem, os sindicatos não só renovarão a sua estratégia de actuação como conquistarão uma legitimidade acrescida para reivindicar para os trabalhadores a parte que lhes é devida.
Inversamente, se persistirem em cuidar apenas dos interesses restritos e de curto prazo dos seus associados, é natural que cresça a indiferença da população e que, por conseguinte, continue a reduzir-se a sua capacidade de influenciar as políticas sociais.
18.10.06
Ulysses
Come, my friends,
'Tis not too late to seek a newer world.
Push off, and sitting well in order smite
The sounding furrows; for my purpose holds
To sail beyond the sunset, and the baths
Of all the western stars, until I die.
It may be that the gulfs will wash us down:
It may be we shall touch the Happy Isles,
And see the great Achilles, whom we knew.
Tho' much is taken, much abides; and tho'
We are not now that strength which in the old days
Moved earth and heaven; that which we are, we are;
One equal-temper of heroic hearts,
Made weak by time and fate, but strong in will
To strive, to seek, to find, and not to yield.
Alfred Tennyson (1842)
16.10.06
Frase da semana
"O PSD é um partido fazedor, ao contrário do Partido Socialista."
Paula Teixeira da Cruz (Diário Económico, 16.10.06)
Paula Teixeira da Cruz (Diário Económico, 16.10.06)
15.10.06
A banalidade do mal
Hannah Arendt, nascida fez ontem 100 anos, é sobretudo conhecida pelo que julgo serem más razões. O seu conceito de totalitarismo (Origens do Totalitarismo, 1951) parece-me um equívoco e a comparação entre as revoluções francesa e americana (Da Revolução, 1963) um exercício curioso mas irrelevante.
Pelo contrário, o conceito de banalidade do mal (que acredito ter-lhe sido inspirado mais pelo convívio com Heidegger do que pelo acompanhamento do caso Eichmann) é de importância crucial para a compreensão das grandes questões éticas do nosso tempo.
Os profetas da desgraça não gostam de ser desmentidos
1. A expressão "crise económica" é razoavelmente objectiva. É evidente que a crise económica acabou quando há um ano que o PIB sobe e o desemprego desce. Isto não equivale, como qualquer pessoa de senso entende, a sustentar que não subsistam seriíssimos problemas económicos. O défice da nossa balança de transacções correntes em proporção do produto permanece, acompanhado de perto pelos da Espanha e dos EUA, o mais elevado da OCDE. Como o investimento directo estrangeiro não dá sinais de regressar a valores suficientemente elevados, isso significa que continuamos a endividar-nos face ao exterior.
2. O Ministro da Economia é inábil ao ponto de ser legítimo duvidar-se da sua competência para ocupar um cargo político de tal importância. Dito isto, é preciso denunciar a desonestidade da armadilha jornalística que lhe foi montada. Tudo se resume ao facto de, quando a TSF reproduz a pretensa retractação de Manuel Pinho, ser omitida a pergunta que lhe foi colocada. Aposto que foi uma coisa do género: "Parece-lhe correcto decretar o fim da crise económica?". Ao que ele respondeu, como se sabe, que isso é uma "infantilidade". Creio que não é preciso dizer mais nada.
3. É interessante verificar que, neste país fadista, o optimismo realista é mal visto na mesma medida em que o pessimismo fantasioso é considerado sinal de bom senso e bom gosto. Qualquer palerma está autorizado, sem que daí resulte qualquer sanção social, a produzir as afirmações mais estapafúrdias sobre imaginárias crises disto e daquilo. Mas proclamar o óbvio suscita generalizados sorrisos alarves quando se dá o caso de o óbvio ser uma boa notícia a medo proclamada com meio ano de atraso.
4. Ao fim e ao cabo, a maior parte do tempo os países não vivem em crise. Eis o que parece ser uma verdade intolerável para os profetas profissionais da desgraça.
2. O Ministro da Economia é inábil ao ponto de ser legítimo duvidar-se da sua competência para ocupar um cargo político de tal importância. Dito isto, é preciso denunciar a desonestidade da armadilha jornalística que lhe foi montada. Tudo se resume ao facto de, quando a TSF reproduz a pretensa retractação de Manuel Pinho, ser omitida a pergunta que lhe foi colocada. Aposto que foi uma coisa do género: "Parece-lhe correcto decretar o fim da crise económica?". Ao que ele respondeu, como se sabe, que isso é uma "infantilidade". Creio que não é preciso dizer mais nada.
3. É interessante verificar que, neste país fadista, o optimismo realista é mal visto na mesma medida em que o pessimismo fantasioso é considerado sinal de bom senso e bom gosto. Qualquer palerma está autorizado, sem que daí resulte qualquer sanção social, a produzir as afirmações mais estapafúrdias sobre imaginárias crises disto e daquilo. Mas proclamar o óbvio suscita generalizados sorrisos alarves quando se dá o caso de o óbvio ser uma boa notícia a medo proclamada com meio ano de atraso.
4. Ao fim e ao cabo, a maior parte do tempo os países não vivem em crise. Eis o que parece ser uma verdade intolerável para os profetas profissionais da desgraça.
Ataque pessoal: um guia para principiantes
O DN de 6ª feira noticiou que Augusto M. Seabra, membro fundador do Público, acaba de demitir-se do jornal. Justificando a sua decisão, alega ele o seguinte:
Troca de ataques pessoais entre Seabra e Fernandes? Aparentemente, sim; mas há uma diferença.
Seabra critica a orientação que lhe parece errada do Director do Público; Fernandes questiona o carácter de Seabra.
Percebe-se perfeitamente que Fernandes não entendesse oportuno comentar publicamente as afirmações de Seabra. Não se aceita que tenha procurado desqualificar o oponente taxando-o, de forma mais ou menos evidente, de inconstante e vaidoso.
Por conseguinte - e era aqui que eu queria chegar - estamos perante dois tipos de ataques distintos, embora ambos catalogáveis como "pessoais". O primeiro critica uma determinada pessoa por protagonizar certas ideias e atitudes; o segundo pôe em causa o carácter de alguém para, por arrastamento, invalidar os seus argumentos.
Dito de outra maneira: o primeiro personaliza o seu alvo, sem por isso deixar de discutir opiniões e posturas; o seguinte é um ataque ad hominem, que achincalha o homem para evadir a questão.
(To be continued...)
"A direcção empresarial é incompetente e a editorial não existe. Deviam colocar os seus cargos à disposição. (...) O Público é uma manta de retalhos e a reestruturação do jornal defronta-se com a quadratura do círculo. (...) [José Manuel Fernandes aliena leitores] com os seus editoriais militantes. (...) [Faz gala] em coleccionar animosidades. (...) [Não está] em condições para fazer face às tarefas que tem pela frente."Em resposta, ainda segundo o DN, Fernandes refere a inconstância de Seabra "que já se demitiu do Público várias vezes", mas voltou sempre. Acrescenta que a sua actual motivação deve-se "à falta de protagonismo" que está a ter na reestruturação e que "os argumentos usados são apenas pretextos".
Troca de ataques pessoais entre Seabra e Fernandes? Aparentemente, sim; mas há uma diferença.
Seabra critica a orientação que lhe parece errada do Director do Público; Fernandes questiona o carácter de Seabra.
Percebe-se perfeitamente que Fernandes não entendesse oportuno comentar publicamente as afirmações de Seabra. Não se aceita que tenha procurado desqualificar o oponente taxando-o, de forma mais ou menos evidente, de inconstante e vaidoso.
Por conseguinte - e era aqui que eu queria chegar - estamos perante dois tipos de ataques distintos, embora ambos catalogáveis como "pessoais". O primeiro critica uma determinada pessoa por protagonizar certas ideias e atitudes; o segundo pôe em causa o carácter de alguém para, por arrastamento, invalidar os seus argumentos.
Dito de outra maneira: o primeiro personaliza o seu alvo, sem por isso deixar de discutir opiniões e posturas; o seguinte é um ataque ad hominem, que achincalha o homem para evadir a questão.
(To be continued...)
Salazar hoje
Salazar foi, para a minha geração, uma canga que trouxemos ao pescoço numa fase crucial das nossas vidas. Visto à distância, é possível que o regime que ele protagonizou venha paradoxalmente a ser recordado como uma etapa decisiva do processo de modernização do país.
Tal como os actuais admiradores do Marquês de Pombal se deixam impressionar mais pela sua vigorosa liderança do que pelas barbararidades que cometeu, os vindouros preferirão talvez valorizar mais o crescimento continuado do PIB per capita acima dos 6% nos anos 60 do século XX do que o Tarrafal, o assassinato de Delgado, a guerra colonial e a emigração em massa.
Estamos já tão longe do Portugal de Salazar que nem mesmo os que mais sofreram às suas mãos conseguem continuar a sentir por ele o mesmo rancor. A cada dia que passa ele torna-se mais indiferente para a esmagadora maioria dos portugueses habituados (ou acomodados) a viverem em democracia.
O único problema é que a exaltação da memória do ditador continua a mobilizar aquela escassa minoria de revanchistas que desde 1974 se sentem mal no seu próprio país. E não duvidemos que, enquanto os cidadãos comuns que vão participar no passatempo da RTP repartirão os seus votos entre Eusébio, Camões, o Infante D. Henrique e outros previsíveis e consensuais ícones da pátria , os nostálgicos do antigo regime concentrarão os seus no filho mais ilustre de Santa Comba.
O alarido levantada em torno da não inclusão de Salazar na lista dos "Grandes Portugueses" deve levar-nos a meditar na relação (ou na ausência dela) que os portugueses actualmente mantêm com a sua história. Pois dá-se o caso de que um dos problemas não resolvidos da globalização é que, tirando os americanos e, em manor escala, os ingleses e os franceses, os restantes povos perderam quase por inteiro, por via do domínio esmagador dos produtos culturais originários dos EUA, o direito à memória histórica.
O que teve como consequência que as novas gerações sabem ou julgam saber muito sobre Henrique VIII, Luís XIV, Napoleão, Churchill ou Nixon, mas nada ou quase sobre Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Damião de Góis, o Abade Correia da Serra ou João Domingos Bomtempo só para mencionar alguns daqueles portugueses cujas vidas tiveram impacto além fronteiras.
Daí também a dificuldade que hoje sentimos de encontrar na história nacional para Oliveira de Salazar um lugar apropriado e uma valorização equilibrada, não motivados nem por anacrónicos resentimentos nem por facciosas idolatrias.
Tal como os actuais admiradores do Marquês de Pombal se deixam impressionar mais pela sua vigorosa liderança do que pelas barbararidades que cometeu, os vindouros preferirão talvez valorizar mais o crescimento continuado do PIB per capita acima dos 6% nos anos 60 do século XX do que o Tarrafal, o assassinato de Delgado, a guerra colonial e a emigração em massa.
Estamos já tão longe do Portugal de Salazar que nem mesmo os que mais sofreram às suas mãos conseguem continuar a sentir por ele o mesmo rancor. A cada dia que passa ele torna-se mais indiferente para a esmagadora maioria dos portugueses habituados (ou acomodados) a viverem em democracia.
O único problema é que a exaltação da memória do ditador continua a mobilizar aquela escassa minoria de revanchistas que desde 1974 se sentem mal no seu próprio país. E não duvidemos que, enquanto os cidadãos comuns que vão participar no passatempo da RTP repartirão os seus votos entre Eusébio, Camões, o Infante D. Henrique e outros previsíveis e consensuais ícones da pátria , os nostálgicos do antigo regime concentrarão os seus no filho mais ilustre de Santa Comba.
O alarido levantada em torno da não inclusão de Salazar na lista dos "Grandes Portugueses" deve levar-nos a meditar na relação (ou na ausência dela) que os portugueses actualmente mantêm com a sua história. Pois dá-se o caso de que um dos problemas não resolvidos da globalização é que, tirando os americanos e, em manor escala, os ingleses e os franceses, os restantes povos perderam quase por inteiro, por via do domínio esmagador dos produtos culturais originários dos EUA, o direito à memória histórica.
O que teve como consequência que as novas gerações sabem ou julgam saber muito sobre Henrique VIII, Luís XIV, Napoleão, Churchill ou Nixon, mas nada ou quase sobre Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Damião de Góis, o Abade Correia da Serra ou João Domingos Bomtempo só para mencionar alguns daqueles portugueses cujas vidas tiveram impacto além fronteiras.
Daí também a dificuldade que hoje sentimos de encontrar na história nacional para Oliveira de Salazar um lugar apropriado e uma valorização equilibrada, não motivados nem por anacrónicos resentimentos nem por facciosas idolatrias.
14.10.06
Sobre a rentabilidade dos fundos de pensões
José Sócrates afirmou no recente debate na AR:
Trata-se de uma verdade praticamente universal, independente do modo como os fundos de pensões são geridos em Portugal. Vale a pena ler e medidar no que sobre o assunto escreveu aqui o economista Paul Krugman:
Ficará para outra vez o desenvolvimento do problema da potencial politização do mercado de capitais em resultado da aplicação de uma parte dos descontos em fundos de investimento. É um tema que dá pano para manges.
«Os dados que são conhecidos mostram que desde o início da década de 90 os resultados da aplicação de uma carteira média de fundos de pensões, descontados os custos de gestão, foi de cerca de 5,7 por cento ao ano, enquanto que o crescimento das receitas do sistema público de Segurança Social (também líquido de custos de administração) rondou os 6,1 por cento».
Trata-se de uma verdade praticamente universal, independente do modo como os fundos de pensões são geridos em Portugal. Vale a pena ler e medidar no que sobre o assunto escreveu aqui o economista Paul Krugman:
Rates of Return on Private Accounts
Privatizers believe that privatization can improve the government's long-term finances without requiring any sacrifice by anyone - no new taxes, no net benefit cuts (guaranteed benefits will be cut, but people will make it up with the returns on their accounts.) How is this possible?
The answer is that they assume that stocks, which will make up part of those private accounts, will yield a much higher return than bonds, with minimal long-term risk.
Now it's true that in the past stocks have yielded a very good return, around 7 percent in real terms - more than enough to compensate for additional risk. But a weird thing has happened in the debate: proposals by erstwhile serious economists such as Martin Feldstein appear to be based on the assertion that it's a sort of economic law that stocks will always yield a much higher rate of return than bonds. They seem to treat that 7 percent rate of return as if it were a natural constant, like the speed of light.
What ordinary economics tells us is just the opposite: if there is a natural law here, it's that easy returns get competed away, and there's no such thing as a free lunch. If, as Jeremy Siegel tells us, stocks have yielded a high rate of return with relatively little risk for long-run investors, that doesn't tell us that they will always do so in the future. It tells us that in the past stocks were underpriced. And we can expect the market to correct that.
In fact, a major correction has already taken place. Historically, the price-earnings ratio averaged about 14. Now, it's about 20. Siegel tells us that the real rate of return tends to be equal to the inverse of the price-earnings ratio, which makes a lot of sense.[1] More generally, if people are paying more for an asset, the rate of return is lower. So now that a typical price- earnings ratio is 20, a good estimate of the real rate of return on stocks in the future is 5 percent, not 7 percent.
Here's another way to arrive at the same result. Suppose that dividends are 3 percent of stock prices, and that the economy grows at 3 percent (enough, by the way, to make the trust fund more or less perpetual.) Not all of that 3 percent growth accrues to existing firms; the Dow of today is a very different set of firms than the Dow of 50 years ago. So at best, 3 percent economic growth is 2 percent growth for the set of existing firms; add to dividend yield, and we've got 5 percent again.
That's still not bad, you may say. But now let's do the arithmetic of private accounts.
These accounts won't be 100 percent in stocks; more like 60 percent. With a 2 percent real rate on bonds, we're down to 3.8 percent.
Then there are management fees. In Britain, they're about 1.1 percent. So now we're down to 2.7 percent on personal accounts - barely above the implicit return on Social Security right now, but with lots of added risk. Except for Wall Street firms collecting fees, this is a formula to make everyone worse off. Privatizers say that they'll keep fees very low by restricting choice to a few index funds. Two points.
First, I don't believe it. In the December 21 New York Times story on the subject, there was a crucial giveaway: "At first, individuals would be offered a limited range of investment vehicles, mostly low-cost indexed funds. After a time, account holders would be given the option to upgrade to actively managed funds, which would invest in a more diverse range of assets with higher risk and potentially larger fees." (My emphasis.)
At first? Hmm. So the low-fee thing wouldn't be a permanent commitment. Within months, not years, the agitation to allow "choice" would begin. And the British experience shows that this would quickly lead to substantial dissipation on management fees.
Second point: if you're requiring that private accounts be invested in index funds chosen by government officials, what's the point of calling them private accounts? We're back where we were above, with the trust fund investing in the market via an index.
Now I know that the privatizers have one more trick up their sleeve: they claim that because these are called private accounts, the mass of account holders will rise up and cry foul if the government tries to politicize investments. Just like large numbers of small stockholders police governance problems at corporations, right? (That's a joke, by the way.)
If we are going to invest Social Security funds in stocks, keeping those investments as part of a government-run trust fund protects against a much clearer political economy danger than politicization of investments: the risk that Wall Street lobbyists will turn this into a giant fee-generating scheme.
To sum up: claims that stocks will always yield high, low-risk returns are just bad economics. And tens of millions of small private accounts are a bad way to take advantage of whatever the stock market does have to offer. There is no free lunch, and certainly not from private accounts.
Ficará para outra vez o desenvolvimento do problema da potencial politização do mercado de capitais em resultado da aplicação de uma parte dos descontos em fundos de investimento. É um tema que dá pano para manges.
10.10.06
Aliança com o Diabo
Parece que os esquerdistas se excitaram antes de tempo. Afinal, parece que o Pedro Arroja até poderá vir a revelar-se, ao menos em certas matérias, um aliado de peso.
Os liberais são contra a corrupção?
A resposta à pergunta do João Pedro Henriques pode ser lida aqui pela pena do Nobel Gary Becker:
Eu tendo a concordar com esta perspectiva. Todavia, o facto de ocorrer um ganho geral de eficiência não impede que muitas pessoas possam sair prejudicadas, e aí será preciso decidir que direitos deverão merecer maior ponderação.
By corruption I simply mean that public officials accept payments that violate some laws in order to affect the implementation of other laws or regulations. Corruption so defined is bad if it lowers efficiency in the economy or society - that is, if the cost imposed on everyone else exceeds the gain to an official. Good corruption raises efficiency, so while the corrupt official may gain, so does the economy and society as a whole.
Eu tendo a concordar com esta perspectiva. Todavia, o facto de ocorrer um ganho geral de eficiência não impede que muitas pessoas possam sair prejudicadas, e aí será preciso decidir que direitos deverão merecer maior ponderação.
9.10.06
Dever de resposta
Na sequência do post em que critiquei um artigo do Tiago Mendes no Diário Económico, eu e ele trocámos alguns emails que, com a sua autorização, de seguida reproduzo sem alterações:
Caro João Pinto e Castro,
Alguns comentários relativamente ao seu post " Isto está mau em toda a parte":
1. Naturalmente que a solidariedade inter-geracional é algo que se observa - e que se deseja - na vida familiar;
2. Parecem-me suficientemente óbvios os perigos de procurar ter uma "sociedade" à imagem de uma "família" (exemplar, suponho) para me alongar neste tema;
3. Quando falo no princípio de justiça "a cada um segundo os seus descontos", estou a referir-me a um princípio defendido por "mim". As aspas são colocadas para "enfatizar" uma ideia própria e não para lembrar palavras de outrem;
4. Escrever "Opinião" é isso mesmo: dar uma opinião sob forma escrita. Que é tão pessoal quanto desejavelmente (e é aqui que entra o engenho) transmissível;
5. Das suas palavras finais depreendo ainda que o conceito de "justiça" será, para si, algo "objectivo", quiçá científico. Se for o caso, gostaria que pudesse partilhar tal conceito. Até porque - e aqui estaremos com elevada probabilidade de acordo - ter os pés assentes no chão todos os dias cansa.
Cumprimentos,
Tiago Mendes
---
Caro Tiago,
Obrigado pelo seu amável email. Como é natural, porém, estaremos de acordo nalguns pontos mas não noutros:
1. A solidariedade, para mim, nem é só inter-geracional nem se confina às famílias.
2. Também eu não acho que a sociedade seja como uma grande família, muito menos como uma família exemplar (coisa que não sei o que seja).
3. Aceito que há vários conceitos de justiça, incluindo alguns bem injustos.
4. A afirmação que produziu pode ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes, o que é uma forma de sustentar que o tema da justiça (económica) é irrelevante. Modernamente, é também essa a posição de Robert Nozick, por exemplo.
5. A expressão de uma tal opinião enquanto economista - com as conotações de cientificidade e objectividade que, como todos sabemos, o público atribui às declarações provenientes dessas bandas - não pode deixar de ser vista como muito mais do que uma mera opinião pessoal.
6. O tema do alegado carácter científico da teoria económica levar-nos-ia muito longe, pelo que é melhor deixarmos o assunto por aqui.
7. Há um ramo da teoria económica que discute a justiça tendo em vista não só a definição de critérios racionais de fairness como também a sua relação com a eficiência e os mecanismos de escolha pública que a ela podem conduzir. Inspiram-se em boa parte nas ideias de John Rawls, um cientista político que se esforçou por superar as limitações do tradicional utilitarismo. Destacam-se nesta área as investigações de Kenneth Arrow e Amartya Sen, ambos galardoados com o Prémio Nobel da Economia.
Cumprimentos,
João Pinto e Castro
---
Caro João Pinto e Castro,
Se leu o debate que mantive com Paulo Pedroso na caixa de comentários do seu post, terá percebido que me encontro bem mais próximo de Ralws do que de Nozick. (Se não leu, fica o convite para tal; se leu e isso não foi claro, fica dada a informação, mesmo que sem desenvolvimento).
É verdade que, como diz, a afirmação que eu produzi "pode" ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes - para usar as suas palavras. Mas há uma diferença entre dizer que "pode" e em dizer que "só pode". E é desejavel, a meu ver - mas o problema pode ser meu, não ponho isso de parte - que exista algum cuidado quando se fazem afirmações lapidares como as que fez ou insinuou.
Quanto à "imputação" que pretende atribuir a uma opinião de um economista, só porque é economista, não colhe favor da minha parte. Um espaço de opinião é um espaço de opinião, e por isso convém - "pelo menos" - uma de duas: i) conhecer minimamente quem se critica; ii) ter algum cuidado antes de lançar certo tipo de ataques sobre alguém que não se conhece bem ou de todo.
Doutro modo, quem tal escreve corre (mas eu não tenho nada com isso, longe de mim querer dar conselhos a alguém) o risco de aparecer aos leitores como alguém: a) invejoso, presunçoso, c) com complexos de inferioridade, d) deselegante, e) paternalista - etc., etc., etc. Deixo a si a liberdade de acrescentar adjectivos adequados a tal hipotética situação.
Duas notas finais, de resto como elevada probabilidade correlacionadas: i) JPC não se atém ao ponto principal deste (por seu "mérito") "fait-divers"; ii) com um pouco mais de humildade, elevação e bom-senso teria evitado (o ridículo d)os pontos 4 e 7 que inclui no seu email anterior.
Sem mais,
Tiago Mendes
---
Caro Tiago,
Confundir crítica vigorosa com ataque pessoal é um mal de que padecemos muito cá na terra.
Esperaria que o Tiago, que vive em Inglaterra, não partilhasse desse preconceito e que, por isso, não pensasse que para criticar é preciso "conhecer quem se critica".
Não quero teimar mais, mas no que escreveu está bem patente um conceito de justiça que entendo deplorável. Folgo em saber que o seu pensamento é mais sólido e, sobretudo, mais nuanceado, do que aparenta no artigo que critiquei.
Quanto ao pedantismo do meu ponto 7, resultou de tomar a sério a questão final que colocou no seu email. Se já sabe tudo isso, resta-me pedir-lhe que o tenha em conta quando no futuro discutir o tema da justiça económica.
Cumprimentos,
João Pinto e Castro
---
Caro João Pinto e Castro,
Sem dramas, mas com um sentido de justiça bem ponderado, vinha por este meio pedir-lhe autorização para, eventualmente, vir a publicar a correspondência que tivemos nalgum blogue, em jeito de contraditório.
Repito: sem dramas, apenas com um sentido de que há um "dever de resposta" que deve ser cumprido no espaco público, agora que já esclarecemos alguns pontos entre os dois.
Cumprimentos,
Tiago Mendes
Notas:
1. O Tiago Mendes desenvolveu com maior detalhe o seu pensamento num debate que teve lugar na caixa de comentários anexa a este post d' O Canhoto.
2. O título deste post é da autoria do Tiago.
Caro João Pinto e Castro,
Alguns comentários relativamente ao seu post " Isto está mau em toda a parte":
1. Naturalmente que a solidariedade inter-geracional é algo que se observa - e que se deseja - na vida familiar;
2. Parecem-me suficientemente óbvios os perigos de procurar ter uma "sociedade" à imagem de uma "família" (exemplar, suponho) para me alongar neste tema;
3. Quando falo no princípio de justiça "a cada um segundo os seus descontos", estou a referir-me a um princípio defendido por "mim". As aspas são colocadas para "enfatizar" uma ideia própria e não para lembrar palavras de outrem;
4. Escrever "Opinião" é isso mesmo: dar uma opinião sob forma escrita. Que é tão pessoal quanto desejavelmente (e é aqui que entra o engenho) transmissível;
5. Das suas palavras finais depreendo ainda que o conceito de "justiça" será, para si, algo "objectivo", quiçá científico. Se for o caso, gostaria que pudesse partilhar tal conceito. Até porque - e aqui estaremos com elevada probabilidade de acordo - ter os pés assentes no chão todos os dias cansa.
Cumprimentos,
Tiago Mendes
---
Caro Tiago,
Obrigado pelo seu amável email. Como é natural, porém, estaremos de acordo nalguns pontos mas não noutros:
1. A solidariedade, para mim, nem é só inter-geracional nem se confina às famílias.
2. Também eu não acho que a sociedade seja como uma grande família, muito menos como uma família exemplar (coisa que não sei o que seja).
3. Aceito que há vários conceitos de justiça, incluindo alguns bem injustos.
4. A afirmação que produziu pode ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes, o que é uma forma de sustentar que o tema da justiça (económica) é irrelevante. Modernamente, é também essa a posição de Robert Nozick, por exemplo.
5. A expressão de uma tal opinião enquanto economista - com as conotações de cientificidade e objectividade que, como todos sabemos, o público atribui às declarações provenientes dessas bandas - não pode deixar de ser vista como muito mais do que uma mera opinião pessoal.
6. O tema do alegado carácter científico da teoria económica levar-nos-ia muito longe, pelo que é melhor deixarmos o assunto por aqui.
7. Há um ramo da teoria económica que discute a justiça tendo em vista não só a definição de critérios racionais de fairness como também a sua relação com a eficiência e os mecanismos de escolha pública que a ela podem conduzir. Inspiram-se em boa parte nas ideias de John Rawls, um cientista político que se esforçou por superar as limitações do tradicional utilitarismo. Destacam-se nesta área as investigações de Kenneth Arrow e Amartya Sen, ambos galardoados com o Prémio Nobel da Economia.
Cumprimentos,
João Pinto e Castro
---
Caro João Pinto e Castro,
Se leu o debate que mantive com Paulo Pedroso na caixa de comentários do seu post, terá percebido que me encontro bem mais próximo de Ralws do que de Nozick. (Se não leu, fica o convite para tal; se leu e isso não foi claro, fica dada a informação, mesmo que sem desenvolvimento).
É verdade que, como diz, a afirmação que eu produzi "pode" ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes - para usar as suas palavras. Mas há uma diferença entre dizer que "pode" e em dizer que "só pode". E é desejavel, a meu ver - mas o problema pode ser meu, não ponho isso de parte - que exista algum cuidado quando se fazem afirmações lapidares como as que fez ou insinuou.
Quanto à "imputação" que pretende atribuir a uma opinião de um economista, só porque é economista, não colhe favor da minha parte. Um espaço de opinião é um espaço de opinião, e por isso convém - "pelo menos" - uma de duas: i) conhecer minimamente quem se critica; ii) ter algum cuidado antes de lançar certo tipo de ataques sobre alguém que não se conhece bem ou de todo.
Doutro modo, quem tal escreve corre (mas eu não tenho nada com isso, longe de mim querer dar conselhos a alguém) o risco de aparecer aos leitores como alguém: a) invejoso, presunçoso, c) com complexos de inferioridade, d) deselegante, e) paternalista - etc., etc., etc. Deixo a si a liberdade de acrescentar adjectivos adequados a tal hipotética situação.
Duas notas finais, de resto como elevada probabilidade correlacionadas: i) JPC não se atém ao ponto principal deste (por seu "mérito") "fait-divers"; ii) com um pouco mais de humildade, elevação e bom-senso teria evitado (o ridículo d)os pontos 4 e 7 que inclui no seu email anterior.
Sem mais,
Tiago Mendes
---
Caro Tiago,
Confundir crítica vigorosa com ataque pessoal é um mal de que padecemos muito cá na terra.
Esperaria que o Tiago, que vive em Inglaterra, não partilhasse desse preconceito e que, por isso, não pensasse que para criticar é preciso "conhecer quem se critica".
Não quero teimar mais, mas no que escreveu está bem patente um conceito de justiça que entendo deplorável. Folgo em saber que o seu pensamento é mais sólido e, sobretudo, mais nuanceado, do que aparenta no artigo que critiquei.
Quanto ao pedantismo do meu ponto 7, resultou de tomar a sério a questão final que colocou no seu email. Se já sabe tudo isso, resta-me pedir-lhe que o tenha em conta quando no futuro discutir o tema da justiça económica.
Cumprimentos,
João Pinto e Castro
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Caro João Pinto e Castro,
Sem dramas, mas com um sentido de justiça bem ponderado, vinha por este meio pedir-lhe autorização para, eventualmente, vir a publicar a correspondência que tivemos nalgum blogue, em jeito de contraditório.
Repito: sem dramas, apenas com um sentido de que há um "dever de resposta" que deve ser cumprido no espaco público, agora que já esclarecemos alguns pontos entre os dois.
Cumprimentos,
Tiago Mendes
Notas:
1. O Tiago Mendes desenvolveu com maior detalhe o seu pensamento num debate que teve lugar na caixa de comentários anexa a este post d' O Canhoto.
2. O título deste post é da autoria do Tiago.
5.10.06
Portugal e Espanha: eles não sabem do que falam
Paulo Portas faz questão de repetir frequentemente que não gosta de Salazar, o que se compreende perfeitamente. No lugar dele, eu também não gostaria.
Já o caso de Franco é diferente, porque, diz-nos ele, o ditador espanhol ao menos deixou a Espanha melhor preparada para a modernidade, razão pela qual nos terá deixado para trás. Depois, é claro, a competência de Aznar e o laxismo de Guterres terão feito o resto.
A pretensa descolagem da Espanha em relação a Portugal tem sido mencionada com tanta frequência pelos mais variados comentadores e nas mais diversas circunstâncias que, como diriamente constato ao conversar com amigos, adquiriu o valor de uma verdade indiscutível.
Ora acontece que, pelos critérios ínvios de Portas, teríamos antes de considerar Salazar o maior governante português de todos os tempos.
Efectivamente, entre 1960 e 1973, o produto per capita português cresceu 6,7% ao ano, uma taxa nunca igualada nem antes nem depois. E, embora a Grécia tenha feito melhor, a Espanha desenvolveu-se praticamente o mesmo que nós.
E de então para cá?
Entre 1970 e 2000, o crescimento do PIB total foi de 3,5% ao ano em Portugal e de 3% em Espanha. Além disso, Portugal cresceu sempre mais depressa em qualquer das três décadas, apesar de a diferença ter sido menor na última delas.
Quanto ao PIB per capita, o português cresceu 3% ao ano entre 1970 e 2000, mas o espanhol só cresceu 2,5%. Nos anos 90, porém, não houve qualquer diferença entre os dois países.
Comparemos finalmente a evolução do PIB por pessoa empregada, que é o melhor indicador sintético da produtividade de um país. Aqui, a situação inverte-se, dado que a produtividade espanhola cresceu em geral mais depressa do que a portuguesa. O interessante, porém, é que essa tendência mudou a partir dos anos 90, e mais acentuadamente nos útltimos anos do século. De facto, entre 1996 e 2000 a produtividade por activo cresceu 1,5% ao ano em Portugal contra apenas 0,2% em Espanha.
Podemos então afirmar o seguinte:
1. No último meio século, Portugal cresceu sistematicamente mais depressa que a Espanha.
2. No mesmo período, o PIB per capita português cresceu mais rapidamente do que qualquer outro país da OCDE, com excepção da Coreia e da Irlanda (mas, no caso desta última, só depois de 1990 se manifestou essa vantagem).
3. A produtividade espanhola cresceu mais rapidamente do que a portuguesa até 1990. Daí até 2000, crescemos nós mais depressa.
A verdade é que o desempenho económico espanhol só foi superior ao português nos primeiros anos deste século. (Não tenho à mão dados que me permitam dizer exactamente desde quando.) Numa perspectiva de longo prazo, porém, Portugal tem vindo sempre a aproximar-se da Espanha.
Metam bem isto na cabeça: ao longo da história, a Espanha foi sempre um país muito mais desenvolvido do que Portugal. Já no tempo do Império Romano e da ocupação árebe o era. A época histórica em que mais nos aproximámos dela é esta mesma em que vivemos.
Não tem de quê.
Fontes: A estatística sobre o crescimento do PIB português per capita entre 1960 e 1973 foi extraída do livro de Silva Lopes sobre "A Economia Portuguesa no Século XX" editado pelo ICS. Todas as restantes provêm do estudo da OCDE "Understanding Economic Growth", publicado em 2004 e do qual há tradução portuguesa: "Compreender o Crescimento Económico", Edições Principia.
Já o caso de Franco é diferente, porque, diz-nos ele, o ditador espanhol ao menos deixou a Espanha melhor preparada para a modernidade, razão pela qual nos terá deixado para trás. Depois, é claro, a competência de Aznar e o laxismo de Guterres terão feito o resto.
A pretensa descolagem da Espanha em relação a Portugal tem sido mencionada com tanta frequência pelos mais variados comentadores e nas mais diversas circunstâncias que, como diriamente constato ao conversar com amigos, adquiriu o valor de uma verdade indiscutível.
Ora acontece que, pelos critérios ínvios de Portas, teríamos antes de considerar Salazar o maior governante português de todos os tempos.
Efectivamente, entre 1960 e 1973, o produto per capita português cresceu 6,7% ao ano, uma taxa nunca igualada nem antes nem depois. E, embora a Grécia tenha feito melhor, a Espanha desenvolveu-se praticamente o mesmo que nós.
E de então para cá?
Entre 1970 e 2000, o crescimento do PIB total foi de 3,5% ao ano em Portugal e de 3% em Espanha. Além disso, Portugal cresceu sempre mais depressa em qualquer das três décadas, apesar de a diferença ter sido menor na última delas.
Quanto ao PIB per capita, o português cresceu 3% ao ano entre 1970 e 2000, mas o espanhol só cresceu 2,5%. Nos anos 90, porém, não houve qualquer diferença entre os dois países.
Comparemos finalmente a evolução do PIB por pessoa empregada, que é o melhor indicador sintético da produtividade de um país. Aqui, a situação inverte-se, dado que a produtividade espanhola cresceu em geral mais depressa do que a portuguesa. O interessante, porém, é que essa tendência mudou a partir dos anos 90, e mais acentuadamente nos útltimos anos do século. De facto, entre 1996 e 2000 a produtividade por activo cresceu 1,5% ao ano em Portugal contra apenas 0,2% em Espanha.
Podemos então afirmar o seguinte:
1. No último meio século, Portugal cresceu sistematicamente mais depressa que a Espanha.
2. No mesmo período, o PIB per capita português cresceu mais rapidamente do que qualquer outro país da OCDE, com excepção da Coreia e da Irlanda (mas, no caso desta última, só depois de 1990 se manifestou essa vantagem).
3. A produtividade espanhola cresceu mais rapidamente do que a portuguesa até 1990. Daí até 2000, crescemos nós mais depressa.
A verdade é que o desempenho económico espanhol só foi superior ao português nos primeiros anos deste século. (Não tenho à mão dados que me permitam dizer exactamente desde quando.) Numa perspectiva de longo prazo, porém, Portugal tem vindo sempre a aproximar-se da Espanha.
Metam bem isto na cabeça: ao longo da história, a Espanha foi sempre um país muito mais desenvolvido do que Portugal. Já no tempo do Império Romano e da ocupação árebe o era. A época histórica em que mais nos aproximámos dela é esta mesma em que vivemos.
Não tem de quê.
Fontes: A estatística sobre o crescimento do PIB português per capita entre 1960 e 1973 foi extraída do livro de Silva Lopes sobre "A Economia Portuguesa no Século XX" editado pelo ICS. Todas as restantes provêm do estudo da OCDE "Understanding Economic Growth", publicado em 2004 e do qual há tradução portuguesa: "Compreender o Crescimento Económico", Edições Principia.
O Estado não deve ser gerido como uma empresa
A ideia, recentemente retomada pelo Compromisso Portugal, segundo a qual o Estado deve ser gerido como uma empresa é absurda. Não tem o apoio dos mais destacados teóricos da gestão - Peter Drucker, Jim Collins ou Harry Mintzberg, por exemplo - que abordaram o assunto. Por agora fico-me pelo argumento de autoridade, mas procurarei voltar ao assunto.
4.10.06
Superstições económicas
Comove-me a ingenuidade daqueles - e são muitos, incluindo economistas encartados - que acreditam que, no regime de capitalização, cada um recebe de volta como pensão o dinheiro que lá pôs devidamente valorizado, como se o dinheiro gerasse dinheiro por geração espontânea.
Uma acção ou uma obrigação representa um direito sobre a produção futura; logo, o que os seus titulares virão a receber dependerá do valor dela. Ora, em termos agregados, esse valor variará em função de dois factores essenciais: o número de pessoas que o criam e a sua produtividade.
Portanto, se diminuir a população activa por motivo do seu envelhecimento, e se a produtividade não crescer o suficiente para compensar essa quebra, o rendimento futuro de quem investir em títulos ressentir-se-á por tabela.
É por isso que o regime de capitalização não é melhor nem pior do que o de distribuição no que toca a evitar o problema do envelhecimento da população. O raciocínio pode ser desenvolvido em maior detalhe, mas isto é o essencial da questão.
João Ferreira do Amaral e Teodósia Cardoso têm andado a tentar explicar isto, mas muita gente não parece disposta a querer entender.
Uma acção ou uma obrigação representa um direito sobre a produção futura; logo, o que os seus titulares virão a receber dependerá do valor dela. Ora, em termos agregados, esse valor variará em função de dois factores essenciais: o número de pessoas que o criam e a sua produtividade.
Portanto, se diminuir a população activa por motivo do seu envelhecimento, e se a produtividade não crescer o suficiente para compensar essa quebra, o rendimento futuro de quem investir em títulos ressentir-se-á por tabela.
É por isso que o regime de capitalização não é melhor nem pior do que o de distribuição no que toca a evitar o problema do envelhecimento da população. O raciocínio pode ser desenvolvido em maior detalhe, mas isto é o essencial da questão.
João Ferreira do Amaral e Teodósia Cardoso têm andado a tentar explicar isto, mas muita gente não parece disposta a querer entender.
Défice de coerência
Aquele senhor muito esperto que dirige o PSD, cujo nome de momento não me ocorre, tem andado há um ano a insistir diariamente na necessidade de o Estado reduzir a despesa e baixar os impostos.
Todavia, o seu auto-denominado plano para a segurança social propõe exactamente o contrário tendo em vista a privatização de uma parte do sistema de pensões, ou seja, o aumento da despesa de forma permanente no horizonte de mais de meio século e o seu financiamento através de despesa pública a pagar no futuro através de impostos.
Será impressão minha, ou ainda não ouvi ninguém confrontá-lo com esta evidente contradição?
Aprender com os outros
O que é que podemos aprender com as experiências de privatização da Segurança Social noutros países? Leiam este artigo de Paul Krugman publicado em Dezembro de 2004 no New York Times.
A conclusão geral é que a privatização da segurança social é dispendiosa para o Estado e onera o valor das pensões.
A conclusão geral é que a privatização da segurança social é dispendiosa para o Estado e onera o valor das pensões.
Isto está mau em toda a parte
Lido hoje no Diário Económico:
Chama-se a isso solidariedade inter-geracional.
Dado que Tiago Mendes se identifica como "doutorando e tutor em Economia na Universidade de Oxford", eu gostaria também de perguntar-lhe em que manual aprendeu ele que a justiça consiste em dar "a cada um segundo os seus descontos"?
Pelos vistos, não é só o ensino universitário português que anda pelas ruas da amargura.
(A este propósito, ler também este post no Canhoto.)
"(O sistema de pagamentos pay-as-you-go) é intrinsecamente injusto na medida em que não consagra de modo inequívoco a máxima "a cada um segundo os seus descontos". Como convencer um filho, que vai amealhando algum dinheiro, que é justo que sejam os seus avós a utilizá-lo, mesmo que um dia ele possa fazer o mesmo aos seus netos?"Tiago Mendes, o autor destas linhas, provavelmente desconhece que, durante milénios, antes de se inventar a segurança social, era exactamente assim que as coisas se passavam: os filhos sustentavam os seus pais e avós na velhice, de algum modo compensando-os por os terem criado e educado quando eram pequenos.
Chama-se a isso solidariedade inter-geracional.
Dado que Tiago Mendes se identifica como "doutorando e tutor em Economia na Universidade de Oxford", eu gostaria também de perguntar-lhe em que manual aprendeu ele que a justiça consiste em dar "a cada um segundo os seus descontos"?
Pelos vistos, não é só o ensino universitário português que anda pelas ruas da amargura.
(A este propósito, ler também este post no Canhoto.)
3.10.06
Bom e mau
É bom o governo ter desmentido que o Ministro da Economia tenha andado a promover a fusão da EDP com a Gaz Natural espanhola.
É mau eu não acreditar no desmentido.
É mau eu não acreditar no desmentido.
2.10.06
Diário Económico, hoje
Na primeira página do Diário Económico de hoje encontrei o seguinte título, remetendo para o seu desenvolvimento na página 19:
O primeiro período do texto dizia isto:
Temos então uma primeira correcção: a quota de mercado não desceu afinal 14%, como se dizia na página 2, mas "abaixo dos 14%". Uma coisa completamente diferente, como se vê.
Acresce que não foi - nem nunca poderia ser - "a primeira vez" que desceu abaixo dos 14%. O próprio artigo recorda, mais adiante, que em Dezembro de 2005 ela ainda estava nos 13,16%.
Hmmm! Mas o artigo inclui uma outra informação interessante:
Ah, bom: então afinal também não foi "a maior descida de sempre", mas apenas a maior descida desde a última descida, ocorrida em Agosto de 2005. Se calhar há aqui um efeito sazonal, mas talvez seja pedir de mais esperar que um jornalista económico saiba o que isso é.
Na minha maneira de ver, os Directores dos jornais deveriam servir para pôr um travão no chorrilho de disparates que diariamente nos são servidos pela publicações que ostentam os seus respeitáveis nomes no cabeçalho.
"Medicamentos. Quota de mercado de genéricos tem a maior descida de sempre."Na secção Barómetro, inserida na página 2, onde Mexia aparece agora, dia sim dia não, com uma setinha a subir, a foto de Correia Campos surgiu-me acompanhada por uma setinha deprimida. Em baixo, li o seguinte:
"14%. Foi quanto desceu, em valor, a quota de mercado dos medicamentos genéricos."Seguindo para a página 19, não estava lá nada sobre o tema. Depois de procurar um pouco, fui dar com a notícia na página 11, cujo título repetia o que antes lera.
O primeiro período do texto dizia isto:
"A quota de mercado dos genéricos, em valor, desceu, pela primeira vez, abaixo dos 14%".
Temos então uma primeira correcção: a quota de mercado não desceu afinal 14%, como se dizia na página 2, mas "abaixo dos 14%". Uma coisa completamente diferente, como se vê.
Acresce que não foi - nem nunca poderia ser - "a primeira vez" que desceu abaixo dos 14%. O próprio artigo recorda, mais adiante, que em Dezembro de 2005 ela ainda estava nos 13,16%.
Hmmm! Mas o artigo inclui uma outra informação interessante:
"No mês passado estes medicamentos registaram, assim, a maior descida desde Agosto do ano passado."
Ah, bom: então afinal também não foi "a maior descida de sempre", mas apenas a maior descida desde a última descida, ocorrida em Agosto de 2005. Se calhar há aqui um efeito sazonal, mas talvez seja pedir de mais esperar que um jornalista económico saiba o que isso é.
Na minha maneira de ver, os Directores dos jornais deveriam servir para pôr um travão no chorrilho de disparates que diariamente nos são servidos pela publicações que ostentam os seus respeitáveis nomes no cabeçalho.
Qual é a pressa?
Há escassas semanas, Barroso avisava solenemente a Bulgária e a Roménia de que "tinham que fazer mais" em matéria de respeito pelos direitos humanos e de combate à corrupção.
Mas eis que, num aparente volte-face, a admissão dos dois países à União Europeia já em Janeiro próximo nos é apresentada como facto consumado, embora num original regime de vigilância apertada.
Quando a Grécia, a Espanha e Portugal aderiram à UE, não só as respectivas opiniões públicas apoiavam esmagadoramente a iniciativa, como as suas democracias se encontravam claramente consolidadas.
Em manifesto contraste, o apressado alargamento a Leste de 2004 trouxe para o seio da União povos que, como todas as sondagens o comprovam, não só não gostam dela como, em muitos casos, a detestam. Uma das consequências mais evidentes desta nova situação é a paralisia institucional da Europa.
Dá vontade de perguntar o que ganhámos nós europeus, afinal, com esta incorporação a marchas forçadas das cleptocracias do Leste, ou a quem pode ela interessar.
Duas coisas me parecem evidentes.
A primeira é o desejo, impulsionado pelos EUA, de isolar a Rússia, atraindo irremediavelmente para a órbita da Europa Ocidental os seus antigos satélites.
A segunda é a estratégia, inspirada pelo Reino Unido, de diminuir progressivamente a componente política da União Europeia, reduzindo-a cada vez mais, segundo o modelo da defunta EFTA, a uma mera adesão aduaneira. A formar presente de fazer avançar essa pretensão consiste em apressar o alargamento sem cuidar de aperfeiçoar os mecanismos de governação democrática da Europa.
Até agora, a presença na União dos países do Leste serviu principalmente esses dois propósitos - o primeiro secundário para o projecto europeu, o segundo claramente contraproducente.
Mas eis que, num aparente volte-face, a admissão dos dois países à União Europeia já em Janeiro próximo nos é apresentada como facto consumado, embora num original regime de vigilância apertada.
Quando a Grécia, a Espanha e Portugal aderiram à UE, não só as respectivas opiniões públicas apoiavam esmagadoramente a iniciativa, como as suas democracias se encontravam claramente consolidadas.
Em manifesto contraste, o apressado alargamento a Leste de 2004 trouxe para o seio da União povos que, como todas as sondagens o comprovam, não só não gostam dela como, em muitos casos, a detestam. Uma das consequências mais evidentes desta nova situação é a paralisia institucional da Europa.
Dá vontade de perguntar o que ganhámos nós europeus, afinal, com esta incorporação a marchas forçadas das cleptocracias do Leste, ou a quem pode ela interessar.
Duas coisas me parecem evidentes.
A primeira é o desejo, impulsionado pelos EUA, de isolar a Rússia, atraindo irremediavelmente para a órbita da Europa Ocidental os seus antigos satélites.
A segunda é a estratégia, inspirada pelo Reino Unido, de diminuir progressivamente a componente política da União Europeia, reduzindo-a cada vez mais, segundo o modelo da defunta EFTA, a uma mera adesão aduaneira. A formar presente de fazer avançar essa pretensão consiste em apressar o alargamento sem cuidar de aperfeiçoar os mecanismos de governação democrática da Europa.
Até agora, a presença na União dos países do Leste serviu principalmente esses dois propósitos - o primeiro secundário para o projecto europeu, o segundo claramente contraproducente.
1.10.06
O que se passa?
Segundo o Frescos, o bl-g--x-st- não posta desde 17 de Outubro, o Da Literatura desde 21, o Mar Salgado desde 18, o Kontratempus, o Sexta Coluna e o Irmão Lúcia desde 14.
E são apenas alguns exemplos.
O que se passa?
E são apenas alguns exemplos.
O que se passa?
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