27.10.06

Opinião pastoreada

"Os portugueses acham isto, as pessoas pensam aquilo…" Quem ousa argumentar contra uma sondagem, sobretudo quando uma confortável maioria se pronunciou já num determinado sentido?

Ao que parece, a democracia é isto mesmo: a maioria diz o que acha, e pronto: está dito.

O povo escuta os diversos argumentos, medita no assunto, pesa os prós e os contras e, no final, chega a uma conclusão. Resta apenas às sondagens darem-nos a conhecer o veredicto final.

E se as coisas não se passassem exactamente assim? E, se, de facto, as pessoas comuns não tivessem na verdade opiniões sobre quase nada e fosse relativamente fácil orientar o resultado de um inquérito num ou noutro sentido introduzindo modificações mínimas e aparentemente inocentes no modo como uma pergunta é formulada?

A propósito das enormes discrepâncias de resultados entre as sondagens publicadas sobre o sentido de voto no anunciado referendo sobre o aborto, o Pedro Magalhães escreveu no Público um texto magistral que decerto merece muito mais atenção do que aquela que até agora conseguiu despertar.

Se for verdade que a generalidade dos cidadãos tem meras "propensões" e "considerações" em vez de autênticas opiniões, e se o modo como se decidem por uma das opções em confronto tem menos a ver com uma escolha racional do que com o modo como os media enquadram uma determinada questão nos preconceitos dominantes, então é bem possível que uma boa parte das sondagens de opinião que a imprensa constantemente divulga como a legítima vox populi não seja afinal mais do que um reflexo mais ou menos fiel das ideias feitas que esses mesmos media previamente se encarregaram de difundir.

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