9.10.06

Dever de resposta

Na sequência do post em que critiquei um artigo do Tiago Mendes no Diário Económico, eu e ele trocámos alguns emails que, com a sua autorização, de seguida reproduzo sem alterações:

Caro João Pinto e Castro,

Alguns comentários relativamente ao seu post " Isto está mau em toda a parte":

1. Naturalmente que a solidariedade inter-geracional é algo que se observa - e que se deseja - na vida familiar;

2. Parecem-me suficientemente óbvios os perigos de procurar ter uma "sociedade" à imagem de uma "família" (exemplar, suponho) para me alongar neste tema;

3. Quando falo no princípio de justiça "a cada um segundo os seus descontos", estou a referir-me a um princípio defendido por "mim". As aspas são colocadas para "enfatizar" uma ideia própria e não para lembrar palavras de outrem;

4. Escrever "Opinião" é isso mesmo: dar uma opinião sob forma escrita. Que é tão pessoal quanto desejavelmente (e é aqui que entra o engenho) transmissível;

5. Das suas palavras finais depreendo ainda que o conceito de "justiça" será, para si, algo "objectivo", quiçá científico. Se for o caso, gostaria que pudesse partilhar tal conceito. Até porque - e aqui estaremos com elevada probabilidade de acordo - ter os pés assentes no chão todos os dias cansa.

Cumprimentos,

Tiago Mendes

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Caro Tiago,

Obrigado pelo seu amável email. Como é natural, porém, estaremos de acordo nalguns pontos mas não noutros:

1. A solidariedade, para mim, nem é só inter-geracional nem se confina às famílias.

2. Também eu não acho que a sociedade seja como uma grande família, muito menos como uma família exemplar (coisa que não sei o que seja).

3. Aceito que há vários conceitos de justiça, incluindo alguns bem injustos.

4. A afirmação que produziu pode ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes, o que é uma forma de sustentar que o tema da justiça (económica) é irrelevante. Modernamente, é também essa a posição de Robert Nozick, por exemplo.

5. A expressão de uma tal opinião enquanto economista - com as conotações de cientificidade e objectividade que, como todos sabemos, o público atribui às declarações provenientes dessas bandas - não pode deixar de ser vista como muito mais do que uma mera opinião pessoal.

6. O tema do alegado carácter científico da teoria económica levar-nos-ia muito longe, pelo que é melhor deixarmos o assunto por aqui.

7. Há um ramo da teoria económica que discute a justiça tendo em vista não só a definição de critérios racionais de fairness como também a sua relação com a eficiência e os mecanismos de escolha pública que a ela podem conduzir. Inspiram-se em boa parte nas ideias de John Rawls, um cientista político que se esforçou por superar as limitações do tradicional utilitarismo. Destacam-se nesta área as investigações de Kenneth Arrow e Amartya Sen, ambos galardoados com o Prémio Nobel da Economia.

Cumprimentos,

João Pinto e Castro

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Caro João Pinto e Castro,

Se leu o debate que mantive com Paulo Pedroso na caixa de comentários do seu post, terá percebido que me encontro bem mais próximo de Ralws do que de Nozick. (Se não leu, fica o convite para tal; se leu e isso não foi claro, fica dada a informação, mesmo que sem desenvolvimento).

É verdade que, como diz, a afirmação que eu produzi "pode" ser interpretada como significando que os direitos individuais devem ter precedência sobre todos os restantes - para usar as suas palavras. Mas há uma diferença entre dizer que "pode" e em dizer que "só pode". E é desejavel, a meu ver - mas o problema pode ser meu, não ponho isso de parte - que exista algum cuidado quando se fazem afirmações lapidares como as que fez ou insinuou.

Quanto à "imputação" que pretende atribuir a uma opinião de um economista, só porque é economista, não colhe favor da minha parte. Um espaço de opinião é um espaço de opinião, e por isso convém - "pelo menos" - uma de duas: i) conhecer minimamente quem se critica; ii) ter algum cuidado antes de lançar certo tipo de ataques sobre alguém que não se conhece bem ou de todo.

Doutro modo, quem tal escreve corre (mas eu não tenho nada com isso, longe de mim querer dar conselhos a alguém) o risco de aparecer aos leitores como alguém: a) invejoso, presunçoso, c) com complexos de inferioridade, d) deselegante, e) paternalista - etc., etc., etc. Deixo a si a liberdade de acrescentar adjectivos adequados a tal hipotética situação.

Duas notas finais, de resto como elevada probabilidade correlacionadas: i) JPC não se atém ao ponto principal deste (por seu "mérito") "fait-divers"; ii) com um pouco mais de humildade, elevação e bom-senso teria evitado (o ridículo d)os pontos 4 e 7 que inclui no seu email anterior.

Sem mais,

Tiago Mendes

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Caro Tiago,

Confundir crítica vigorosa com ataque pessoal é um mal de que padecemos muito cá na terra.

Esperaria que o Tiago, que vive em Inglaterra, não partilhasse desse preconceito e que, por isso, não pensasse que para criticar é preciso "conhecer quem se critica".

Não quero teimar mais, mas no que escreveu está bem patente um conceito de justiça que entendo deplorável. Folgo em saber que o seu pensamento é mais sólido e, sobretudo, mais nuanceado, do que aparenta no artigo que critiquei.

Quanto ao pedantismo do meu ponto 7, resultou de tomar a sério a questão final que colocou no seu email. Se já sabe tudo isso, resta-me pedir-lhe que o tenha em conta quando no futuro discutir o tema da justiça económica.

Cumprimentos,

João Pinto e Castro

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Caro João Pinto e Castro,

Sem dramas, mas com um sentido de justiça bem ponderado, vinha por este meio pedir-lhe autorização para, eventualmente, vir a publicar a correspondência que tivemos nalgum blogue, em jeito de contraditório.

Repito: sem dramas, apenas com um sentido de que há um "dever de resposta" que deve ser cumprido no espaco público, agora que já esclarecemos alguns pontos entre os dois.

Cumprimentos,

Tiago Mendes


Notas:
1. O Tiago Mendes desenvolveu com maior detalhe o seu pensamento num debate que teve lugar na caixa de comentários anexa a este post d' O Canhoto.
2. O título deste post é da autoria do Tiago.

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