5.10.06

Portugal e Espanha: eles não sabem do que falam

Paulo Portas faz questão de repetir frequentemente que não gosta de Salazar, o que se compreende perfeitamente. No lugar dele, eu também não gostaria.

Já o caso de Franco é diferente, porque, diz-nos ele, o ditador espanhol ao menos deixou a Espanha melhor preparada para a modernidade, razão pela qual nos terá deixado para trás. Depois, é claro, a competência de Aznar e o laxismo de Guterres terão feito o resto.

A pretensa descolagem da Espanha em relação a Portugal tem sido mencionada com tanta frequência pelos mais variados comentadores e nas mais diversas circunstâncias que, como diriamente constato ao conversar com amigos, adquiriu o valor de uma verdade indiscutível.

Ora acontece que, pelos critérios ínvios de Portas, teríamos antes de considerar Salazar o maior governante português de todos os tempos.

Efectivamente, entre 1960 e 1973, o produto per capita português cresceu 6,7% ao ano, uma taxa nunca igualada nem antes nem depois. E, embora a Grécia tenha feito melhor, a Espanha desenvolveu-se praticamente o mesmo que nós.

E de então para cá?

Entre 1970 e 2000, o crescimento do PIB total foi de 3,5% ao ano em Portugal e de 3% em Espanha. Além disso, Portugal cresceu sempre mais depressa em qualquer das três décadas, apesar de a diferença ter sido menor na última delas.

Quanto ao PIB per capita, o português cresceu 3% ao ano entre 1970 e 2000, mas o espanhol só cresceu 2,5%. Nos anos 90, porém, não houve qualquer diferença entre os dois países.

Comparemos finalmente a evolução do PIB por pessoa empregada, que é o melhor indicador sintético da produtividade de um país. Aqui, a situação inverte-se, dado que a produtividade espanhola cresceu em geral mais depressa do que a portuguesa. O interessante, porém, é que essa tendência mudou a partir dos anos 90, e mais acentuadamente nos útltimos anos do século. De facto, entre 1996 e 2000 a produtividade por activo cresceu 1,5% ao ano em Portugal contra apenas 0,2% em Espanha.

Podemos então afirmar o seguinte:

1. No último meio século, Portugal cresceu sistematicamente mais depressa que a Espanha.

2. No mesmo período, o PIB per capita português cresceu mais rapidamente do que qualquer outro país da OCDE, com excepção da Coreia e da Irlanda (mas, no caso desta última, só depois de 1990 se manifestou essa vantagem).

3. A produtividade espanhola cresceu mais rapidamente do que a portuguesa até 1990. Daí até 2000, crescemos nós mais depressa.

A verdade é que o desempenho económico espanhol só foi superior ao português nos primeiros anos deste século. (Não tenho à mão dados que me permitam dizer exactamente desde quando.) Numa perspectiva de longo prazo, porém, Portugal tem vindo sempre a aproximar-se da Espanha.

Metam bem isto na cabeça: ao longo da história, a Espanha foi sempre um país muito mais desenvolvido do que Portugal. Já no tempo do Império Romano e da ocupação árebe o era. A época histórica em que mais nos aproximámos dela é esta mesma em que vivemos.

Não tem de quê.

Fontes: A estatística sobre o crescimento do PIB português per capita entre 1960 e 1973 foi extraída do livro de Silva Lopes sobre "A Economia Portuguesa no Século XX" editado pelo ICS. Todas as restantes provêm do estudo da OCDE "Understanding Economic Growth", publicado em 2004 e do qual há tradução portuguesa: "Compreender o Crescimento Económico", Edições Principia.

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