28.10.06
A lenda do Pepe
No dia 23 de Outubro de 1931, fez na passada semana 75 anos, José Manuel Soares, por alcunha o Pepe, apresentou-se como habitualmente no Centro de Aviação Naval do Bom Sucesso onde trabalhava como torneiro mecânico.
Pouco depois, sentiu-se mal. Pelas onze horas, muito pálido, dirigiu-se ao oficial de serviço queixando-se de cólicas violentas. Como o médico não se encontrava no posto clínico, foi transportado ao Hospital da Marinha. As dores não pararam de agravar-se. Começou a revelar sintomas de algidez, hemorragias internas e perda de reacção a estímulos. Foi submetido, sem resultado, a duas transfusões de sangue. Às dez e meia do dia seguinte Pepe morreu. Tinha apenas 23 anos e era o futebolista mais famoso do país.
Pepe estreou-se na equipa principal do Belenenses num jogo contra o Benfica com apenas 16 anos recentemente completados. A quinze minutos do final o Belenenses perdia por 4-1, mas, liderada por Pepe, a equipa deu a volta ao resultado e venceu por 5-4. José Manuel Soares tornou-se de um dia para o outro um ídolo popular.
Com 18 anos estreou-se na selecção nacional, marcando dois golos na vitória sobre a França por 4-0. Nos seis anos (dois incompletos) em que ele jogou, o Belenenses foi por três vezes campeão de Lisboa e por duas vezes segundo classificado. Marcou 10 golos contra o Bom Sucesso, até hoje o recorde de golos marcados num único jogo de futebol. Na mesma época marcou 36 golos no Campeonato de Portugal, outro recorde que perdurou durante muitos anos.
As fotos mostram um homem baixo e frágil, mas os adversários queixavam-se da dureza que punha no jogo. A boina e as joelheiras com que sempre se protegia conferiam-lhe um aspecto blindado e indiciavam total disponibilidade física para disputar cada lance nos cruéis terrenos pelados que eram norma na época.
Pessoas que o viram jogar diziam, muitos anos depois, que foi o maior jogador português de todos os tempos. Na ausência de registos filmados da época não estamos em condições de avaliar o fundamento dessa opinião. Mas parece indiscutível que, até hoje, ninguém igualou a popularidade de que Pepe desfrutou de Norte a Sul de Portugal. A notícia da sua morte provocou uma unânime comoção nacional. Milhares de pessoas seguiram o seu funeral até ao cemitério da Ajuda.
Ainda hoje, sempre que visita o Estádio do Restelo, a equipa do FC Porto coloca uma coroa de flores no monumento a Pepe lá existente. Muitas pessoas supõem erradamente que a homenagem se deve ao facto de ele ter alguma vez jogado pelo FC Porto. Na verdade, trata-se apenas de um eco distante da adoração de que era alvo em todo o país.
A autópsia de Pepe revelou que o futebolista fora vítima de uma intoxicação alimentar que afectara também, em menor grau, os seus familiares. Foi preso o comerciante que vendera à mãe os enchidos usados no jantar da véspera, mas logo libertado por não ter sido detectado qualquer problema no lote inspeccionado. Correram boatos de que Pepe poderia ter sido vítima de um crime passional ou, pior ainda, de uma vingança desportiva.
Soube-se mais tarde – mas, por caridade, a informação foi mantida sob reserva – que a responsabilidade do envenenamento coubera à mãe do futebolista, a qual, trocando os frascos, cozinhou os enchidos com potassa em vez de bicarbonato de soda. Para o grande público, porém, o mistério em torno da trágica morte de Pepe só contribuiu para exacerbar o culto da sua memória.
A principal fonte de informação deste post foi o livro de Marina Tavares Dias “História do Futebol em Lisboa”. As fotos foram retiradas do blogue Beleneses Sempre, mais concretamente daqui e daqui.
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