31.10.07

"Onde estão os Mozarts e os Bachs de hoje?"

Sofia Gubaidulina: Concerto para Viola e Orquestra (1996/97)
Viola: Iuri Bashmet
Orquestra Sinfónica de Colónia









Fletcher Hanks.

Educação para quê?

Certas pessoas com acesso permanente aos media queixam-se de que o país já gasta muito na educação sem que se vejam os resultados. Suponho, embora elas não sejam claras quanto a este ponto, que gostariam de ver reduzidas essas despesas.

O que não dizem ou ignoram é que, no final do século XIX, os países escandinavos já tinham as taxas de alfabetização que nós só agora alcançámos. Não se esqueçam: a 25 de Abril de 1974, um em cada três portugueses era analfabeto.

A causa desse desastre nacional? Os vôvôs desses comentadores modernos também achavam, como eles acham, que o país não deveria investir muito na educação. Desde então os argumentos, mudaram, é certo, mas a desconfiança na educação mantém-se. Hoje mesmo, um rapaz muito esperto e que nunca se ri, chamado Rui Ramos, troça no Público da educação, chamando-lhe "a religião do regime".

Antigamente, ao menos, esses cavalheiros eram mais directos. Pretendiam eles que a educação popular fomentava o comunismo, a insubordinação e a degradação dos costumes. Logo, devia-se ensinar às pessoas o mínimo dos mínimos, ou seja, escrever o nome (para assinar o Bilhete de Identidade), fazer contas (não havia calculadoras para ajudar nos trocos) e saber de cor os nomes dos reis de Portugal.

Agora, queixam-se de que o ensino não estimula a memorização, insubordina os jovens e não penaliza os mais fracos. Acima de tudo, indignam-se com qualquer tentativa de tornar a escola e o ensino mais atraentes para os estudantes. Aprendizagem, acham eles, deve ser sofrimento, nunca prazer.

É difícil descortinar o sentido da campanha permanente conduzida por certos sectores contra a escola pública, excepto, talvez, este: a fixação cega e totalmente unilateral nas virtudes da autoridade, como se todos os problemas se resolvessem com castigos, expulsões, polícia e pancadaria.

Creio que só ficarão mesmo contentes no dia em que o exército ocupar os estabelecimentos de ensino para impor neles a ordem e a disciplina.

(Acerca da recente polémica em torno dos rankings das escolas, não perder a excelente série de posts do Pedro Sales no Zero de Conduta. Comecem neste e leiam em seguida os outros três.)

30.10.07

Sarkozy, o tríptico

O incidente entre Sarkozy e a CBS deve ser apreciado nas suas múltiplas dimensões. Os três videos que se seguem dão uma visão mais completa do que se passou.



1

Nicolas Sarkozy faz uma birra monumental perante a atónita jornalista norte-americana no período que antecede a entrevista. Numa pilha de nervos, classifica de "imbecil" o seu assessor de imprensa por ter marcado a conversa com o "60 minutes" para um dia em que múltiplos afazeres requerem a sua atenção. Enfim, uma amostra do Sarkozy homem de Estado em todo o seu esplendor.



2

Quando a jornalista o questiona repetidamente sobre a sua situação conjugal, Sarkozy interrompe abruptamente a entrevista, levanta-se e abandona o local resmungando qualquer coisa contra a senhora. Esta reacção faz lembrar a de Santana Lopes ao ser interrompido por um directo sobre a chegada de Mourinho ao aeroporto, com a diferença que o Presidente francês é de uma grosseria extrema. Mesmo assim, a recusa de Sarkozy a comentar publicamente a sua vida privada merece todo o apoio.




3

A notícia da CBS sobre o assunto é um exemplo acabado de manipulação da informação, visto que o público é deixado na completa ignorância sobre o que terá motivado Sarkozy a reagir como reagiu. Final da breve e apenas esboçada "éntente cordiale" franco-americana? Os americanos devem ter ficado siderados com a má educação do seu novo aliado; os franceses, mal impressionados pela deselegância da CBS ao intrometer-se na vida sentimental do seu Presidente.

Au suivant...


Fletcher Hanks.

"Onde estão os Platões de hoje?"











"Onde estão os Mozarts e os Bachs de hoje?"

29.10.07



Fletcher Hanks.

28.10.07

60s Crash Course - Ten Years After: I'm Going Home

60s Crash Course - Ten Years After: Good Morning Schoolgirl

60s Crash Course - Ten Years After: I Can't Keep from Crying

Tempo perdido

A fusão do BPI com o BCP é uma perda de tempo. Se a ideia é criar um banco Mesmo Muito Grande para explorar as economias de escala resultantes e reduzir o leque de escolha dos portugueses que, por algum motivo inconfessável, necessitam de serviços financeiros, então o melhor seria fundi-los todos já, sem mais demoras.


Fletcher Hanks
.

Memória e identidade

A memória é um dos traços definidores dos indivíduos como das sociedades. Vai daí, o modo como entendemos e avaliamos o passado não pode deixar de condicionar o nosso comportamento presente.

Todos nos sentimos tranquilos por saber que a Alemanha de hoje condena sem ambiguidades o Holocausto e lamenta as suas vítimas. Tal como todos devemos estar preocupados por jamais os Estados Unidos terem declarado o seu arrependimento pelo lançamento de bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaqui.

Pretendem alguns que o efeito de tais assumpções de responsabilidade é irrelevante, mas isso não é verdade. Veja-se, por exemplo, as dificuldades que o consenso universal em relação à utilização da tortura têm criado àqueles que, hoje, procuram nos EUA justificar a sua reintrodução. Em última análise todas as tomadas de posição são reversíveis, mas é mais difícil regressar a práticas nocivas quando se estabeleceu um consenso contra elas.

É espantoso que um historiador (refiro-me a Vasco Pulido Valente) cuja obra publicada consiste basicamente em polémicas contra mortos como Afonso Costa, Pedro IV, Duque de Palmela ou Marechal de Saldanha, venha contestar a relevância da "Lei da Memória Histórica" que Zapatero quer fazer aprovar em Espanha.

Lidar com a memória histórica é não só indispensável como inevitável: se nós não o fizermos, alguém o fará por nós. Mas há maneiras certas e maneiras erradas de o fazer.

A forma errada é aquela usualmente utilizada por Vasco Pulido Valente nos seus livros, e que vem a ser o ajuste de contas selectivo e descontextualizado com actores históricos desaparecidos em nome das preferências ideológicas de cada um. Este método, para além de revelar a ignorância ou superficialidade de quem o pratica, só serve para reacender facciosismos e reanimar ódios antigos.

A forma certa consiste em avaliar o passado de forma equilibrada, sem cuidar de reescrever a história ou de incitar à vingança, mas também sem deixar de responsabilizar quem tiver de ser responsabilizado pelos crimes contra a humanidade eventualmente cometidos.

O modo como o processo tem vindo a ser conduzido em Espanha é a prova definitiva de que isso pode ser feito. Se uma parte da Igreja quer aproveitar a ocasião para reabrir velhas querelas, não nos resta outra alternativa senão condenar sem ambiguidades essa atitude.

Um boato acerca da sombra de um fantasma

Escreve José Manuel Fernandes no Público de sábado: "Os Estados Unidos e alguns dos seus aliados (...) querem erguer estruturas de apoio a um escudo anti-míssil capaz de deter ataques de mísseis iranianos."

Que mísseis iranianos? Demorará alguns anos até que o Irão tenha uma central nuclear a funcionar, que é aquilo que presentemente procura conseguir. A seguir, pode ser - sublinho: pode ser - que pretenda construir armas nucleares, o que, caso suceda, demorará mais alguns anos. Em seguida, terá ainda que arranjar mísseis capazes de os lançar.

Com toda a probabilidade, os chineses colocarão um homem na Lua antes que isso aconteça. Por isso, repito: que mísseis iranianos? Já conhecemos a máxima de Goering: "Uma mentira mil vezes repetida adquire o valor de um preconceito."

25.10.07



Fletcher Hanks.

Factos são factos?

Terry Fitzgerald, economista chefe da Federal Reserve Bank of Minneapolis contesta a validade das estatísticas correntemente usadas para descrever a evolução dos salários medianos americanos nas últimas décadas (v. Figura 1), contrapondo-lhes outras fontes (v. Figura 2) que parecem autorizar conclusões muito diferentes.




Fitzgerald mostra que as duas fontes assentam em pressupostos muito diferentes no que respeita, por exemplo, ao deflator usado, ao tipo de trabalhadores cobertos e ao que é incluído nos salários analisados.

Tudo isto está muito certo, e é desejável que a discussão aprofundada do tema permita esclarecer o que verdadeiramente se passa. Desde já, porém, é possível notar o seguinte:

a) "O que verdeiramente se passa" é usualmente mais complexo do que um indicador singular, por muito perfeito que seja, permite descrever.

b) Devemos desconfiar do modo simplista como tantas vezes os falsos especialistas pretendem obrigar-nos a tirar conclusões de dados estatísticos cujo significado e métodos de recolha e tratamento não entendem.

c) Em Economia, como noutras ciências, os factos disponíveis são eles próprios produzidos com o auxílio de teorias auxiliares cuja validade pode e deve ser também sujeita a escrutínio.

Crenças e pessoas

"O profeta Isaias anunciou o Messias, que iria vergar todas as nações perante o poder de Israel. Veio Jesus e prometeu aos seus apóstolos que haveria guerras, e terremotos, e grandes desgraças até que todos ouvissem o evangelho e chegasse o fim do mundo. Então viria o Messias buscar os eleitos para os levar para o Céu. Tudo isto, segundo Jesus, ocorreria antes daquela geração passar (Mateus, 24:34).

"Passaram-se dois mil anos e três vintenas de gerações. Hoje, mais calmo, Jesus entretém-se a dar dicas à Alexandra Solnado."

Ler o resto aqui.

24.10.07

Sobre o disparate impune

O artigo de Rui Tavares no Público de hoje é para ler e emoldurar.

23.10.07

Espero que as cavalheiras de preto tenham sido apalpadas para verificar se não trariam explosivos debaixo das burkas



Fletcher Hanks.

Blasfémia!

É curioso: nesta polémica em torno das declarações do helicoidal Dr. Watson, toda a gente parece concordar que a investigação científica não deve em caso algum ser condicionada por qualquer espécie de considerações externas.

Em nome de quê, pergunto eu?

Pode a liberdade de alguém legitimamente condicionar a liberdade de outrém? Reparem que nós vivemos hoje todos nesta santa crença de que, a haver diferenças de capacidade intelectual entre as raças, elas não serão nunca suficientes para pôr em causa a inocente crença na unidade essencial do género humano.

Vai daí, estribados nessa convicção, procedemos à atribuição direitos individuais e sociais em conformidade com esse princípio; incluindo, claro está, o direito a eleger ou ser-se eleito para qualquer cargo público ou privado.

Imaginemos agora por momentos que a investigação científica viesse a provar que estamos todos errados e que os nossos instintos igualitários nos fizeram cometer o erro de eliminar as distinções de raça como fundamento racional de atribuição de lugares na pirâmide social.

Que deveríamos fazer? Dar início a um processo, necessariamente violento, destinado a repor a ordem social prévia à emergência da equivocada (diriamos então) ideologia humanista? Estarão hoje as coisas tão mal ao ponto de justificarem uma tão abrupta inversão de marcha?

Volto então a perguntar: tem a investigação científica o direito de exigir a liberdade absoluta de movimentos que, hoje em dia, não concedemos a mais nenhuma esfera da acção humana? Que espécie de interdito é este que nos impede de colocar limites á ciência?

Imagino que estamos perante um pressuposto não explícito, ou seja o de que a ciência é o bem absoluto, seja pela excelência dos resultados que produz, seja pela desinterassada dedicação à verdade que promove.

A Ciência, numa palavra, é a Verdade e o Bem. Alguém - pergunto eu - de facto acredita nisso?

(PS - Corrijo a afirmação que faço no primeiro parágrafo depois de ler o artigo de opinião de hoje de José Vítor Malheiros no Público. Pelo menos uma pessoa questionou a liberdade absoluta da investigação científica.)

60s Crash Course - The Association: Never My Love

60s Crash Course - The Association: Windy

60s Crash Course - The Association: Cherish

22.10.07



Fletcher Hanks.

Para variar

O caso Watson discutido por quem sabe do que está a falar.

Paralizadores cerebrais

Neste blogue nunca se recorre a expressões como "neoliberal" ou "politicamente correcto".

Porquê? Porque elas funcionam como paralizadores cerebrais, artifícios linguísticos destinados a impedir tanto o produtor do discurso como os seus destinatários de raciocinarem adequadamente.

Esses e outros termos não passam de gritos de guerra primitivos, labéus que se lançam sobre as opiniões alheias para as desqualificar a piori sem ter que recorrer à árdua via da argumentação.

Quem taxa alguém de "politicamente correcto" está seguro de imediatamente reunir em torno de si uma pequena hoste de seguidores tão incondicionais quanto acéfalos.

O mais curioso é que, como facilmente se constata, a maioria das vezes quem assim se exprime nem sequer conhece o verdadeiro significado dos termos que utiliza.

Identidades

Viajava D. Carlos no seu iate ao longo da nossa costa quando se deparou com uma embarcação de pescadores.

Chegando à fala, perguntou-lhes o rei: "Sois portugueses?"

"Não", responderam eles, "somos da Póvoa do Varzim!"

Este revelador episódio, relatado por José Mattoso num opúsculo intitulado "A Identidade Nacional", comprova ser falsa a ideia de que as origens do sentimento de pertença a uma comunidade pátria dos habitantes deste rectângulo se perdem na noite dos séculos.

Ora, um dos argumentos favoritos da turma dos comentadores anti-europeistas consiste precisamente em contrapor o carácter genuíno e arreigado das identidades nacionais à artificialidade da identidade europeia.

O homem contemporâneo caracteriza-se, entre outras coisas, pela multiplicidade das suas lealdades: nele convivem sumultaneamente identidades locais, regionais, nacionais, continentais e universais, sem falar, obviamente das familiares, profissionais, religiosas, culturais, clubísticas e por aí fora.

Claro está que nem todas têm o mesmo peso, e que a importância de umas aumenta enquanto o de outras diminui. Mas o ponto é reconhecer que não só a identidade europeia sempre foi forte (particularmente em certos grupos sociais por natureza mais cosmopolitas) como tem todas as condições para reforçar-se ainda mais.

Já a concretização dessa possibilidade abstracta depende das decisões que colectivamente venhamos a tomar.


Neo Rauch: Neue rollen, 2005.

21.10.07

O nevoeiro

Sentencia o eternamente enfastiado António Barreto no Público de hoje:
"[A França e a Alemanha] pagam para construir, nas nuvens, uma ficção, a que chamam a mais importante realização política do século XX. Tal como o império britânico. Tal como o Terceiro Reich. Tal como o comunismo soviético."
Alguém que, seja para se dar ares seja por incurável neblina mental, coloca no mesmo plano a União Europeia, o império britânico, o Terceiro Reich e o comunismo soviético dá um contributo inestimável para que deixemos de tomar a sério aquilo que escreve.

Os genes da criadagem

1. James Watson resmungou há dias contra a inteligência dos criados pretos. É claro que, para ele como para qualquer membro da casta superior inglesa, os criados pretos tanto podem ser africanos como portugueses ou paquistaneses. Lembram-se do catalão Manuel da série "Fawlty Towers"? A criadagem está insuportável, e o governo não faz nada para resolver o problema.

2. Vejo gente muito preocupada com a eventualidade de alguém querer reprimir as opiniões racistas de Watson. Ao que parece, até já foi cancelado um convite para ele participar numa conferência não sei onde. Ora, embora eu ache que qualquer chalado tem o direito a exprimir a sua opinião, não se segue daí que tenha que convidá-lo para discursar em minha casa. Depois do que Watson disse, não faltarão certamente fóruns para o cientista britânico comunicar ao mundo os seus fascinantes alvitres. Estou certo de que o Partido Nacionalista, por exemplo, estará disponível para lhe ceder o seu tempo de antena.

3. A genética sugere que a superioridade do homem em relação ao arroz não é tão grande como nos sentimos tentados a pensar, e que a diferença entre as diversas raças é negligenciável. Assim, a ciência permite desfazer certos mitos racistas, mas é incapaz de desferir um golpe definitivo no racismo. A discussão despoletada por Watson não é, na sua essência, uma discussão científica, nem ele, como se entende, pretendeu que fosse. Logo, não está em causa a liberdade de investigar e comunicar os resultados dessas investigações.

4. José Manuel Fernandes anuncia hoje ao país a sua inquietação perante a eventualidade de James Watson poder vir a ser silenciado. Sabendo-se como ele se esforça por dar voz no seu jornal a opiniões contrárias às suas, é de esperar que, dentro em pouco, Watson passe a ter uma coluna de opinião no Público.

Cecília em Tripoli

Cecília ex-Sarkozy, a mulher que recusa ser despromovida a primeira dama, concedeu uma fascinante entrevista ao "L'Est Républicain", hoje reproduzida no Diário de Notícias.

A propósito da sua participação nas negociações que conduziram à libertação das enfermeiras búlgaras detidas por Kadafi, diz-nos ela o seguinte:
"(...) Fiz as coisas sem pensar nas consequências mediáticas. A determinada altura, falei com Claude Guéant, secretário-geral do Eliseu, que me disse: "Vou à Líbia." Senti que podia ajudar, que podia dar um contributo. (...) Disse-lhe: "Vou consigo!" Ficou surpreendido e falou deste assunto ao Presidente, que lhe respondeu: "OK, vamos tentar, leve-a consigo." Parti com Claude Guéant. No avião, inteirei-me do dossier, tentei compreender e fiquei absorvida. Quando cheguei, apercebi-me de que havia meios de desbloquear as coisas. Pus nisso toda a minha energia. Primeira viagem, segunda viagem, passei lá 50 horas, a discutir, a falar, a negociar, com uns e com outros, muitas vezes com uns contra os outros, para tentar conseguir a única coisa que me interessava : libertar estas mulheres e este homem. Tinha-lhes dado a minha palavra, era preciso cumprir essa palavra e sentia que o podia conseguir. Era preciso empenhar toda a minha vontade, toda a minha alma, toda a minha raiva. Consegui e sinto-me muito contente com isso. Não esperava nada em troca e não compreendo esta polémica. Porque a minha única motivação era conseguir a libertação daquelas pessoas que sofriam de maneira atroz, era apenas fazê-las sair da prisão. Em nenhum momento pensei nas consequências mediáticas, nem nas explicações que me pedem, nem em nada. Fiz isto apenas com intuitos humanitários. E foi tudo."
Cecília está errada, evidentemente. E certa, claro está.

Esta história dava uma ópera, se por acaso ainda alguém fizesse óperas.

20.10.07

Retalhos da vida de um médico

"Ide-vos foder. Um diz-me que é um tumor, o outro diz-me que é um tumor, entendei-vos! Tratar-me aqui é que não me trato. E se eu morrer disto estais fodidos, que eu tenho um filho só da minha senhora que anda a estudar na universidade. Para juiz!"

Não perder o resto aqui, sem esquecer de dar uma vista também à estória do Roncas.

19.10.07

O Tratado de Lisboa e a democracia que falta

1. Sou europeista e federalista convicto, e é por isso que não concordo com o rumo que a União Europeia está a tomar.

2. Procuraram vender-nos o tratado constitucional com o argumento de que, com 27 países, a União Europeia não poderia continuar a funcionar nos mesmos moldes que no passado. Está hoje claro que a alegação era falsa: com maiores ou menores dificuldades, a União Europeia funcionou perfeitamente nos últimos anos.

3. Um tratado constitucional é exactamente o tipo de questão que jamais deveria ser objecto de referendo. Como as experiências da França e da Holanda o comprovaram, não só pouca gente entende o que está em causa como é muito fácil formar uma coligação negativa dos mais variados interesses e pontos de vista particulares para boicotar activamente qualquer debate racional. Pior ainda: tendo vencido o não, é impossível tirar-se uma conclusão inquestionável sobre o que de facto foi rejeitado pelos eleitores.

4. Acontece, porém, que os governantes de vários países prometeram o referendo do tratado aos seus povos. Nestas circunstâncias, a recusa a cumprir o prometido reveste-se de extrema gravidade. É por isso - e só por isso - que sou favorável à realização da anunciada consulta popular.

5. A pouco e pouco, os países têm vindo a ceder soberania e capacidade de decisão à União. Desse modo, o poder foge progressivamente ao controlo dos eleitorados. Há democracia nos países, mas não ao nível das instituições comunitárias, onde as políticas são de facto decididas. Que espécie de democracia é então esta em que vivemos?

6. Que podem os povos fazer quando discordam de um determinada orientação política? O voto nas eleições nacionais de pouco serve, porque as políticas são definidas "lá fora". Restam a indignação, a agitação e a acção directa, porventura violenta. É essa situação que alimenta o populismo.

7. A crise da democracia representativa não tem a ver com as falhas ocorridas ao nível local, mas sim com a ausência de autênticas instituições de democracia representativa ao nível europeu.

8. A degenerescência democrática europeia é a política que interessa aos poderes instituídos, designadamente aos económicos, porque, desse modo, não há qualquer força capaz de lhes fazer frente. Só há legislação europeia para proteger os negócios e a liberdade empresarial, mas não há legislação europeia para proteger as vítimas desse processo. Logo, os direitos sociais são e serão corroídos em cada dia que passa.

9. A instituição de um poder supra-nacional democrático federal é a única política de esquerda que hoje faz sentido. Tudo o resto é tricô político para ajudar a passar o tempo. Mais tarde ou mais cedo, esta luta terá que ser travada, mas para isso é preciso começar por quebrar os consensos europeistas e passar ao assunto que verdadeiramente interessa.

10. Escusado será dizer que o Tratado de Lisboa esquiva quase todas as questões relevantes. De positivo fica apenas a promessa do eventual aumento dos poderes do Parlamento Europeu, mas falta saber se ela se concretizará.

De novo sobre populistas e anti-populistas

Se bem entendo o que o Pedro Magalhães diz no artigo que há dias aqui recomendei, ele acha que nem o populismo é propriamente um fenómeno novo no PSD, nem a política portuguesa no seu todo é virgem nessa matéria.

Concordo, tal como também concordo quando ele faz notar que a novidade do fenómeno Menezes é mais de grau do que de natureza. Dito isto, creio detectar no artigo uma certa subestimação dos riscos inerentes à transformação agora ocorrida na liderança do PSD.

A degradação do ambiente político opera de forma gradual e progressiva, mas é de temer que, passado um certo ponto, ela possa vir a revelar-se irreversível.

Parece-me útil sublinhar que o populismo contemporâneo é impulsionado pela imposição de uma agenda mediática que privilegia o sensacionalismo e a superficialidade. Pelo que se tem visto, os partidos (particularmente os nossos, cuja fragilidade é bem conhecida) são meros joguetes nas mãos desse poder superior.

Ora, como o caso McCann recentemente nos recordou, é hoje muito fácil a quem disponha dos meios para tal ditar a seu bel-prazer aquilo que deve ocupar a discussão pública durante semanas ou meses a fio.

O que estou a sugerir é que faz falta explorar as ligações ocultas entre a plutocracia que de modo cada vez mais evidente comanda os destinos das nossas sociedades desenvolvidas e o populismo de inspiração mediática. Há, diria eu, método nesta loucura.

Círculo fechado

Os jornalistas perguntam aos especialistas o que pensam do tratado de Lisboa. Os especialistas, para não lhes serem desagradáveis nem provocarem o desconforto na opinião pública, repetem-lhes, obviamente, as banalidades que leram nos jornais.

17.10.07

60s Crash Course - Lovin' Spoonful: Do You Believe in Magic?

60s Crash Course - Lovin' Spoonful: Fishin' Blues

16.10.07

60s Crash Course - Lovin' Spoonful: Rain on the Roof

Nova Constituição?

A principal objecção que me ocorre perante a proposta de que seja elaborada uma nova Constituição é de ordem eminentemente prática: tendo em conta a continuada queda dos níveis de literacia, seria hoje muito mais difícil do que em 1976 encontrar alguém capaz de efectivamente escrever uma.

Se acham que exagero, experimentem passar os olhos pelos preâmbulos de algumas leis recentemente produzidas pelos governos ou assembleias da república.

60s Crash Course - Aretha Franklin: Think

Declaração de princípios

Neste blogue não se comenta rankings, essa lamentável e sumamente contemporânea modalidade de ignorância travestida de rigor informativo.

Populistas e anti-populistas

No meio da vozearia inconsequente, cansativa mistura de indignações postiças e trôpegos lugares comuns que quotidianamente nos põe os nervos em franja, há gente que pensa.

15.10.07

SA e EP

“The directors of such [joint stock] companies, however, being the managers rather of other people's money than of their own, it cannot well be expected that they should watch over it with the same anxious vigilance with which the partners in a private copartnery frequently watch over their own. Like the stewards of a rich man, they are apt to consider attention to small matters as not for their master's honour, and very easily give themselves a dispensation from having it. Negligence and profusion, therefore, must always prevail, more or less, in the management of the affairs of such a company.”

Adam Smith: The Wealth of Nations, Livro 6, Capítulo 1, Parte 3, Artigo 1

60s Crash Course - The Ventures: Slaughter on Tenth Avenue

60s Crash Course - The Ventures: Wipe Out

60s Crash Course - The Ventures: Walk Don't Run



Chéri Samba: Litlle Kadogo.


Eduardo Paolozzi: Wittgenstein at the Cinema admires Betty Grable.

Aristocracia e povo

Por que é que se exige aos futebolistas vitórias, quando da selecção de râguebi só se espera que cante o hino com entusiasmo?

É fácil: o povo tem que produzir; a aristocracia, que se exibir com estilo.

Londres ou Xangai?

Grandes mistérios do Universo

Por que é que não há futebolistas indianos?

12.10.07



Jeff Soto.

60s Crash Course - Otis Redding: I've Been Loving You Too Long

10.10.07

Torturar, sim, mas com jeitinho



Esta foi a semana em que o Wall Street Journal desencadeou uma polémica contra - imagine-se! - o Financial Times e o Economist a propósito das críticas destas duas publicações britânicas à utilização da tortura na alegada "guerra contra o terror".

O WSJ alega que a palavra tortura está a ser usada de forma excessivamente ampla, visto que, na opinião do articulista, coisas como a privação de alimento, de bebida ou de sono, bem como a simulação da sufocação, a estátua ou "algumas bofetadas", entre outras técnicas de interrogatório por ele apoiadas, não merecem esse nome.

Brett Stephens sustenta também que, não havendo consenso sobre o que é ou não é tortura, devemos ser mais comedidos na condenação das práticas norte-americanas recentemente denunciadas. Todos lhe ficaríamos eternamente gratos se Brett quisesse ter a bondade de doar o seu corpo à comunidade científica no intuito de submetê-lo a experiências destinadas a criar um consenso em torno do tema.

60s Crash Course - Otis Redding: Satisfaction, My Girl, Respect

3.10.07

Força gesualdinhos

Ganhar à rasquinha a poucos segundos do final do jogo não é sorte: é o que distingue os campeões.

Isto promete.

As armas e os barões alienados

Menezes não tem consigo os barões? Qual é o mal? Fazem-se outros novos.

Quando tomou conta do partido, Cavaco Silva apressou-se a correr com boa parte da primeira geração de barões - designação eufemística que no PSD se dá aos caciques -, chegando mesmo a promover a expulsão de alguns. Só ganhou com isso em credibilidade.

Chegou agora o momento de os derrotados cederem os seus lugares à nova vaga: os barões passam, o regime dos baronatos fica.

Curioso é notar como Ângelo Correia, que só a muito custo sobreviveu à purga cavaquista, logrou agora ser pioneiro da terceira geração de barões. Chapeau!

Populismo, velhinhos e banqueiros

Quatro doutas criaturas que ontem peroravam na televisão sobre o mais recente melodrama social-democrata engasgaram-se quando confrontadas com a magna questão de saber se a proposta de preços mais favoráveis na venda de medicamentos "para os velhinhos" será ou não populismo.

A palavra populismo começou há algum tempo atrás a ser utilizada entre nós como sinónimo de demagogia, o que já era um desvio suficientemente grave em relação ao significado habitual que lhe dá a ciência política.

Noto agora, entre o divertido e o preocupado, que as pessoas que supõem liderar a opinião pública se sentem já à vontade para taxar de populista toda e qualquer reivindicação popular.

Assim vamos, pois: nos tempos que correm só as reivindicações dos banqueiros têm o direito de ser consideradas legítimas.

2.10.07

A revista das elites



Esta capa da última "Atlântico" é um nojo. Não tanto pelo que insinua em relação a Che Guevara, que a mim pouco me afecta, como pela evidente tentativa de fazer crer que Hitler não passou de um ditador como qualquer outro. Algo especialmente chocante vindo de pretensos amigos de peito do Estado de Israel.

Percebem agora por que é que, em Portugal, ninguém quer nada com as elites de direita?

1.10.07

O que é o populismo?

A esta angustiada interrogação pode-se responder fazendo notar que o populismo ocorre quando os Menezes se envolvem na política de taberna. É claro que quem diz os Menezes diz os Coutinhos, os Vasconcelos, os Vilhenas, os Lencastres, os Teles, os Noronhas ou os Mendonças, por exemplo.

Se pensarem bem, verão que nem por esta definição ser simples ela perde em generalidade.


Jeff Soto.