31.1.05

Aritmética e miolos

Os telejornais de ontem informaram, ao fim da tarde, que a taxa de participação nas eleições iraquianas foi da ordem dos 60%.

José Manuel Fernandes refere-se hoje em editorial à «grandiosa surpresa de uma afluência às urnas que nenhum especialista, nenhum responsável e, sobretudo, nenhum jornalista, se arriscava a prever.»

Ora ontem, na página 2 do mesmo Público, eram adiantadas as seguintes previsões:

o Dos xiitas (entre 60 a 65% da população total), estimava-se que votassem 87%
o Dos sunitas (20% da população total) estimava-se que votassem 10%
o Dos curdos (entre 10 a 15% da população total) estimava-se que votassem 80%
o Dos outros (incluindo cristãos e turcomanos, 5% da população total), não se sabia que proporção votaria

Fazendo uma média ponderada, chega-se a uma participação prevista de 71,6%. Muito mais, pois, do que os 60% agora anunciados. Como se vê, às vezes um bocadinho de aritmética ajuda a esclarecer muita coisa.

Pelos vistos, José Manuel Fernandes não tem tempo para ler o seu jornal. O que é pena, porque - sou eu quem lho garanto - até é um bom jornal.

Vimos os números. Vamos agora usar os miolos.

Coragem é votar quando existe uma enorme pressão social para que não votemos. Ou, alternativamente, coragem pode ser não votar quando existe uma enorme pressão social para que votemos.

Ora, os xiitas votaram porque o clero xiita os mandou votar e porque acreditam que conseguirão desse modo traduzir a superioridade numérica da sua religião numa supremacia política. Algo perigoso, como se compreende, porque não votaram para fazer prevalecer um ponto de vista mas para esmagar os adversários - e isso não é democracia.

E os sunitas não votaram porque o clero sunita os mandou não votar e porque acreditam que, com esse boicote, lograrão des-legitimar o novo poder político maioritariamente xiita. Coisa perigosa, como se vê - porque implicitamente rejeitaram o poder emergente.

Comprovadamente corajosos corajosos, só mesmo os 10% de sunitas que terão votado contra as instruções dos seus líderes. Mas esses serão apenas 2% da população, uma percentagem mais consentânea com as duras exigências do heroísmo.

29.1.05

A Solução Final

O ódio aos judeus era consubstancial ao nacional-socialismo. Por isso, as perseguições começaram logo que Hitler tomou o poder.

A coisa processou-se de início de forma razoavelmente caótica: eliminação de direitos cívicos, espancamentos, humilhações, motins, boicotes, assassinatos, espoliação, e assim sucessivamente.

Com a passagem do tempo, porém, a perseguição foi assumindo uma feição mais sistemática. À medida que o poder militar alemão se expandia na Europa, comunidades judaicas inteiras foram encerradas em guetos, condenadas à morte lenta pela fome e pela doença ou simplesmente fuziladas.

O objectivo assumido era a erradicação dos judeus da face da Europa. A ideia de criar um estado de apartheid na Polónia para os judeus na região de Lublin, avançada por Himmler, foi rejeitada em 1940, tanto por não satisfazer o propósito fundamental atrás referido como por se revelar impraticável.

Foi em seguida contemplada a possibilidade de se criar uma colónia em África para os judeus. Madagáscar, um território pertencente à França ocupada, era o local preferido. Todavia, a continuação da guerra com a Inglaterra inviabilizou a concretização do projecto.

O início da operação Barbarossa deu novo ímpeto ao processo, porque, na imaginação nazi, judeu e bolchevique eram termos sinónimos. Nos dois primeiros anos da invasão da União Soviética deverão ter sido sumariamente liquidados uns 2 milhões de judeus soviéticos.

Estas práticas estorvavam o esforço de guerra, não só porque desviavam recursos humanos e materiais, mas também porque alguns oficiais alemães reagiram mal aos massacres perpetrados pelas forças especiais SS e outras.

Após ter constatado pessoalmente as dificuldades logísticas envolvidas em fuzilamentos de milhares de pessoas, Himmler teve a ideia de alargar a experiência dos centros de eutanásia em funcionamento desde 1941 com carrinhas móveis de gás.

Ficou particularmente animado ao ler num relatório: «Desde Dezembro de 1941 foram processados 97 mil prisioneiros usando apenas três carrinhas, sem que tenha ocorrido qualquer desgaste no material».

O primeiro campo da morte a usar o gazeamento por monóxido de carbono entrou em funcionamento em Belzec em Março de 1942. Foi então posta em marcha a chamada Solução Final, ou seja, o plano para a completa exterminação dos judeus europeus.

O plano abrangia uma rede de mais de 10 mil campos principais e secundários por toda a Europa, desde a Noruega até Creta, dos quais apenas 8 eram campos de extermínio, e uma complexa logística de transporte das vítimas até ao seu destino, às vezes percorrendo milhares de quilómetros em vagões de comboio.

A Solução Final incluía objectivos quantitativos semanais, mensais e anuais detalhados de extermínio e envolveu a colaboração de milhares de urbanistas, arquitectos, engenheiros, médicos, enfermeiros, gestores, burocratas e guardas.

Esta organização industrial da morte - o «processamento especial» dos judeus, como se escrevia nos relatórios oficiais - constitui a marca distintiva do Holocausto.

A Inquisição também foi uma máquina burocrática rigorosa e metódica de terror, mas, a bem dizer, não tinha como objectivo central a eliminação física de todas as suas vítimas. As Noyades de Nantes, em 1794, durante a Revolução Francesa, são porventura o fenómeno mais parecido, embora muito limitado no tempo e no espaço.

Civilização e barbárie

A palavra genocídio foi inventada há poucos anos, mas a realidade que designa não é nova, visto que a exterminação de povos inteiros é conhecida desde a Antiguidade. Não foram os nazis que a inventaram.

Impressiona-nos a dimensão da matança que atingiu milhões de pessoas. Porém, em termos relativos, já houve na história catástrofes bem maiores. Durante a Guerra dos Trinta Anos do século dezassete, por exemplo, pelo menos 40% da população alemã morreu: 8 milhões de pessoas num total de 21 milhões.

O mais perturbador é o Holocausto ter tido lugar num país civilizadíssimo que, aliás, tivera até aí muito mais êxito na integração da população judaica do que a maioria dos restantes países europeus. No princípio do século vinte era na França e não na Alemanha que o anti-semitismo era mais forte.

O crime em massa de inspiração política na Rússia de Estaline infelizmente não surpreende, porque veio na sequência natural das atrocidades dos pogroms, da violência indiscriminada contra os opositores políticos, das arbitrariedades policiais e dos exílios siberianos correntes nos tempos dos czares. Como conta Herzen, na Rússia do século dezanove um sujeito podia ser enforcado por escrever uma ode a Hegel.

Mas a Alemanha não era a Rússia e, por isso, essas coisas não eram supostas acontecer lá. Foi na inesperada convergência entre civilização e barbárie que residiu o carácter singular da guerra suja contra o povo judaico.

28.1.05



Ingres: Banho turco.

Desconfio de toda a gente

Estas pessoas que comigo se cruzam nas ruas parecem-me gente normal: honestos pais de família, mães estremosas, estudantes diligentes, polícias atentos, e por aí fora.

Passam com ares inocentes de gente normal que vai às suas vidas, gente sã de pensamentos, gente de juízo perfeitamente capaz de se governar a si mesma.

Mas eu sei que no fundo, não é bem assim. Observo com atenção os rostos, procurando identificar, por detrás dos sorrisos dissimulados, sinais de perturbação que traiam a sua verdadeira natureza, que revelem o que verdadeiramente lhes vai na alma.

Eles não confessam, mas, segundo as sondagens, um em cada quatro vai votar em Santana Lopes.

Um em cada quatro! Em Santana Lopes! Pensem bem nisto: como é que um tipo pode passear tranquilo pela rua?

Dói-me mais



Gripe, hérnia, perseguição, fraude, calúnia, infanticídio, unha encravada, demagogia, mal-entendido, duplicidade, estrabismo, violência doméstica, alucinações, deselegância, cólicas, incompreensão, queda de cabelo, tiques nervosos, enfartamento, menisco, ciúme, inveja, traição, sabotagem, desprezo, asfixia, espinhela caída, sonolência, tonturas, caspa, dupla visão, pelos no nariz, articulações, pubalgia, triglicéridos, pontada nas costas, joanetes, azia, mal-estar geral.

Negacionismo sofisticado

O Acidental entende que o 60º aniversário da libertação dos prisioneiros sobreviventes de Auschwitz é o momento ideal para recordar os crimes de Estaline.

Claro que sim. E porque não, também, o genocídio dos curdos? Ou as torpezas da Inquisição? Ou as atrocidades da Guerra dos Trinta Anos? Ou o aniquilamento dos cátaros? Ou, recuando ainda mais no tempo, a destruição de Ninive?

Já agora que nos afastámos tanto do assunto, que tal recordar também a cabala contra Dreyfus, o caso Sacco e Vanzetti, ou, mesmo, as arbitragens de Inocêncio Calabote?

A única coisa que interessa ao Acidental neste caso de Auschwitz é, pois, a oportunidade de, totalmente a despropósito, recordar que o comunismo é tão mau como o fascismo, dado que, afinal, tanto um como o outro mataram milhões de pessoas.

O que esta gente não consegue entender é que, independentemente da dimensão bruta da tragédia, os campos da morte não são em rigor comparáveis a nada que tenha sucedido antes ou depois e que é por isso que nos devem chocar de forma especial. Esquecê-lo é passar uma esponja sobre a indelével singularidade desses acontecimentos.

A atitude do Acidental assemelha-se, por isso, a uma forma particularmente sofisticada de negacionismo, a uma tentativa canhestra de procurar evitar, com pretextos espúrios, que se fale demasiado do extermínio dos judeus, se recorde o que ele significou e se retirem dele todas as consequências.

Bem entendido, O Acidental não nega a realidade do Holocausto. Mas nega que lhe deva ser atribuído qualquer significado especial quando comparado com outras formas de desumanidade extrema a que a história já múltiplas vezes assistiu.

Voltarei a este assunto em próximos posts.

Lições de colectivismo

Blasfémia, blasfémia mesmo, é os adeptos da causa liberal, individualistas por convicção, revelarem tanta propensão pelos blogues colectivos. Será acidental?

Good fellas



Os dois primeiros golos do Benfica resultaram de livres mal assinalados.

Hugo Viana foi expulso e não deveria tê-lo sido.

Bruno Aguiar não foi expulso e deveria tê-lo sido.

Resta ao Sporting a consolação de a sua eliminação às mãos de um tomba-gigantes não ser atribuível à perversa acção do «sistema».

Estamos a progredir.


Ingres: Banhista, 1808.

Os alemães

O meu pai tinha, por razões profissionais, muitos amigos estrangeiros. Suecos, dinamarqueses, suíços, italianos e, sobretudo, holandeses, detestavam unanimemente os alemães. Uma holandesa dizia que, muitos depois da guerra, ainda ficava com pele de galinha quando os ouvia falar a sua língua.

Nos filmes de guerra, os alemães eram sempre feios, estúpidos e maus. «O Dia Mais Longo» foi o primeiro filme que vi onde eles se assemelhavam a seres humanos.

Mas na minha família havia um alemão chamado Fritz, casado com uma irmã da minha tia, uma judia de apelido Cohen. Era um tipo muito animado e dado à música. Nos casamentos familiares despedia a orquestra e, sentado ao piano ou abraçado ao acordeão, tocava e cantava a noite inteira.

Visitei a Alemanha pela primeira vez em 1977. O aeroporto de Frankfurt estava em pé de guerra, com polícias de choque armados até aos dentes a correrem de um lado para o outro. A Fracção do Exército Vermelho assaltara um avião da Lufthansa em África para exigir a libertação do seu líder Andreas Baader, e temia-se que mais algum acto terrorista pudesse ser tentado.

O golpe falhou e, dias depois, Baader suicidou-se na prisão, imitando o gesto da sua camarada Ulrike Meinhof um ano antes.

Em plena Feira do Livro de Frankfurt vi-me subitamente rodeado de civis armados com metralhadoras. Eram polícias à paisana que acompanhavam o Ministro da Cultura numa ronda pelos stands.

Tudo isto se harmonizava perfeitamente com a imagem de brutalidade que aprenderamos a associar à Alemanha, ao fim e ao cabo uma forma simples e tranquilizadora de explicar tudo o que por lá se passara no tempo de Hitler.

26.1.05



Ingres: Odalisca com uma escrava, 1840.

(Vamos lá a ver se a Charlotte aprova esta. Mas o mais engraçado neste quadro é aquele paspalho ali ao canto.)

Pitbull! Pitbull! Pitbull!



Pela maneira como este tipo enfrenta as câmaras, percebe-se logo que é um grande jogador.

O inimigo interno



Chamar Cláudio ao Pitbull só para agradar ao Miguel Sousa Tavares é como chamar Marion Mommsen ao John Wayne.

Quem é que quer saber qual é o verdadeiro nome do homem? Um jogador chamado Cláudio entra logo em campo desmoralizado, e tenta passar despercebido só para não passar a vergonha de ouvir os adeptos a gritarem pelo seu nome.

Mas que grande mariquice!

Os ossos do ofício

Algum sábio menos sensível à beleza feminina fez notar que a Grande Odalisca de Ingres (ver post de ontem) tem vértebras a mais. Ossos do ofício?

Embora uma parte do seu trabalho possa ser catalogado como realista, Ingres não hesitava em deformar os corpos representados para obter efeitos esteticamente mais satisfatórios. Não autorizava, por outras palavras, que a realidade prejudicasse os seus propósitos.

Um exemplo ainda mais flagrante - e, porventura, mais chocante - dessa atitude do pintor encontra-se no retrato de Madame d'Haussonville (ver post de dia 19) cujo braço direito sai literalmente do estômago.

25.1.05

Ingres, parte II

O Ingres, fez notar a Charlotte num comentário que aqui deixou, «pintou mulheres feias até dizer chega!»

A bem dizer ele não pintou mulheres nos seus retratos. Pintou poder e dinheiro, que é o que mais vemos nessa extraordinária galeria de burgueses e nobres fabricados à pressa por Napoleão que tenho vindo a reproduzir nos últimos dias.

Nenhum cadeirão, nenhum espelho, nenhuma cómoda, nenhum vaso se encontra lá por acaso. Quase se pode sentir a rica textura das sedas, dos veludos, das rendas, dos bordados e das flanelas. Colares, pulseiras, pedras preciosas, leques e outros adereços são discretamente ostentados, mas mesmo assim ostentados. As mulheres, de seu natural grosseiras, apoiam pensativamente a mão sobre o queixo, lançando sobre nós o olhar tranquilo e perspicaz que o pintor lhes emprestou.

Até o retrato da feíssima e possivelmente pouco inteligente condessa de Tournon, um dos mais fascinantes pelo delicado tratamento do monstruoso, consegue construir uma sugestão de grandeza e dignidade.

E reparem outra vez na representação de Louis-François Bertin, um tipo boçal e impaciente que, com ar enfadado e mãos firmadas nos joelhos, parece ameaçar ir-se embora a qualquer momento se o obrigarem a posar mais um minuto que seja para o pintor.

Estes são os mesmos personagens que o contemporâneo Balzac descreveu nos seus romances. Precisamente por ser um reaccionário no sentimento próprio do termo, Balzac não suportava estes arrivistas endinheirados que por essa altura haviam substituído nos salões, no exército e nos ministérios a velha aristocracia decadente.

Mas o retratismo foi apenas uma das várias facetas de Ingres. A partir de hoje começarei a expor outra delas, em que o recurso a cenas orientais lhe deu um pretexto para abandonar as sólidas matronas parisienses e substituí-las por mulheres exóticas e sensuais.

Sondagem

Número de sites em língua portuguesa em que a palavra entre aspas é usada, segundo o Google:

«Direita» - 502.000

«Esquerda» - 613.000

Lugares comuns

Número de sites em língua portuguesa contendo a expressão entre aspas, segundo o Google:

«De mal a pior» - 14.600

«Cada vez pior» - 11.900

«Falta de vontade política» - 6.900

«Pobre país» - 3.390

«Não vamos a lado nenhum» - 1.090

«Desprestígio dos políticos» - 17 (isso mesmo, dezassete)

Bem observado

O representante do Bloco de Esquerda no debate de ontem da RTP1 sobre política de saúde concluíu a sua intervenção afirmando que, em Portugal, «a saúde está doente», uma expressão que, segundo o Google, pode ser encontrada em nada menos que 3.550 sites em língua portuguesa.

Coexistência pacífica

O mundo atingiu finalmente o tão almejado objectivo da coexistência pacífica e mutuamente proveitosa à escala mundial entre os grandes sistemas sócio-económicos do nosso tempo. Reparem bem:

(1) O comunismo chinês financia o déficite externo dos EUA, assegurando que a fúria consumista dos americanos pode continuar a alimentar a acumulação do capital.

(2) A publicidade capitalista financia o comunismo informacional e cultural na internet, permitindo que todos disfrutem dos seus benefícios sem que ninguém tenha que pagar nada a ninguém.

Vistas bem as coisas, porém, são os chineses que têm a faca e o queijo na mão, dado que, se eles mudarem de opinião acerca da bondade de (1), então (2) também terá os dias contados. Será que, afinal, o comunismo triunfou?


Ingres: Grande Odalisca, 1814.

24.1.05

Não é corrupção, é...

Quando foram presos os irmãos Dalton - os verdadeiros, não os do Lucky Luke - um jornalista com pouca imaginação perguntou-lhes porque é que se dedicavam a assaltar bancos.

Resposta dos rapazes: «Because that’s where the money is» («Porque é lá que está o dinheiro»).

Muitos comentadores actuais ainda não perceberam que os ladrões de sucesso tendem a concentrar os seus esforços em sacar o dinheiro dos sítios onde ele verdadeiramente se encontra. Por isso, preocupam-se excessivamente com a corrupção do poder autárquico, que movimenta menos de 10% das verbas do Orçamento Geral do Estado, e pouco com o resto, que é o que mais importa.

Vai daí, não enxergam senão a corrupção nas autarquias, e enxofram-se muito com o dinheiro que se gasta por esse país fora a construir rotundas e estádios de futebol. A verdade, porém, é que ainda agora se descobriu que o gasto anual do Governo com pareceres jurídicos ultrapassa largamente o investimento total do Estado no Euro 2004. Só que esse tema não comove os centralistas nem faz títulos nos jornais.

Estava eu cá a pensar com os meus botões que, nisto da corrupção, também há filhos e enteados, eis senão quando topo hoje com uma seminal contribuição teórica de Pacheco Pereira que esclarece de uma vez por todas por que é que os grandes interesses que actuam ao nível do estado central não podem ser confundidos com os pequenos e médios cujo campo privilegiado de acção se encontra nas autarquias.

Escreve ele:

«Estes [os grandes interesses] actuam mais ao nível do topo dos partidos e nos sectores não escrutinados dos governos, como os assessores, consultores, etc., exercendo o seu poder mais na base da pressão, da negociação e da troca de favores, do que na corrupção.»

Sim, leram bem, quando toca aos grandes interesses não se trata de corrupção, trata-se de pressão, de negociação de troca de favores. Arsène Lupin, o gatuno elegante, não era um ladrão, era apenas um amigo do alheio.

Apreciem bem a elegância do eufemismo. Não há dúvida: gente fina é outra coisa.



Ingres: Marie-Clothilde-Ines de Foucauld, Madame Moitessier, 1856.

José Rodrigues dos Santos adere à iliteracia

José Rodrigues dos Santos há dois minutos no Jornal da Noite da RTP1: «A pergunta de hoje tem a haver com a reforma do sistema político.»

Retiro o que disse há tempos. Afinal foi bem demitido do cargo de Director de Informação.

Despachem-se que está a fechar a época das transferências...

Alguns dos colaboradores do Blasfémias deveriam transferir-se urgentemente para o Gato Fedorento.

Com isso ganhariam os dois blogues e melhoraria, por consequência, o bem-estar colectivo.

O problema todavia, é que, nas presentes circunstâncias, não há incentivos para essa reafectação de recursos ter lugar, dado a blogosfera ser um empreendimento essencialmente comunista em que ninguém paga nada a ninguém.

Se os leitores pagassem para ler os blogues e os blogues pagassem aos seus colaboradores, todos teríamos que gerir estes nossos espaços de opinião como empresas e passaríamos, pois, a visar a maximização do lucro.

Nessas condições, cada blogue teria que se esforçar por atrair tanto os clientes como os recursos produtivos mais valiosos, disputando uns e outros à concorrência.

Porém, como, em vez de um sistema de preços, temos um sistema colectivista que fomenta a irresponsabilidade individual e colectiva, nada disso acontece, e certas pessoas que deveriam escrever para o Gato Fedorento continuarão eternamente a desperdiçar o talento que Deus lhes deu no Blasfémias.

C.Q.D.

Conclusão? Privatização da blogoesfera, já! Aplicação imediata do princípio do utilizador-pagador! Instituição de portagens que afastem os borlistas! Taxas moderadoras para dissuadir os bloggers viciados! E, finalmente, transferência sem demoras dos servers do Blogger dos EUA para a China, único país onde a iniciativa privada é verdadeiramente livre!

A felicidade segundo Kim Jong-Il

«Imagine-se um país onde cabelos compridos são sinónimo de subversão.» - escreve hoje João Pacheco n'O Público - «Nesse país a vida pode tornar-se complicada para qualquer cidadão menos frequentador de barbeiros ou cabeleireiros.»

Há apenas quatro décadas, meu caro João Pacheco, esse país era o mundo, por muito que lhe custe a acreditar, hoje que essas ideias só subsistem na Coreia do Norte. Tal como agora acontece na pátria do Grande Líder, nessa época também por cá abundavam notícias nos jornais divulgando estudos científicos estabelecendo indesmentíveis correlações entre cabelos compridos e debilidade mental.

Em Portugal, em meados dos anos 60 do século passado, um corte de cabelo menos apropriado implicava sanções disciplinares para os estudantes liceais, que podiam ir da falta de castigo até à suspensão. E o reitor do Liceu Camões achava normal gastar o seu tempo a fazer palestras sobre o tema.

Que caminho percorremos desde então, até se estabelecer um tão vasto consenso em torno da inanidade do ditador norte-coreano!

É por isso que, quando eu agora ouço certas pessoas criticarem a libertação dos costumes que ocorreu nos anos 60, dou comigo a pensar que, das duas uma, ou elas não sabem como de facto era o mundo antes dessa época, ou o seu sonho secreto é viver na Coreia do Norte.

O reverso da moeda

Povos simpáticos, como nós e os irlandeses, cunham no reverso dos euros imagens bonitas e não intrusivas como rosáceas ou harpas célticas.

Povos maçadores, que não tiram os olhos do umbigo, como os franceses e os espanhóis, obrigam-nos a gramar a Mariana ou o rei João Carlos, assuntos que só a eles dizem respeito.

23.1.05

É só fazer as contas...

O PS propõe-se reduzir em 75 mil o número de funcionários públicos sem fazer despedimentos, partindo do princípio de que 150 mil funcionários se reformarão nos próximos anos e que só metade deles serão substituídos por outros novos.

Parece boa ideia, até ao momento em que começamos a pensar nas consequências dessa estratégia sobre as despesas. Ora vejamos. Quando um funcionário se reforma, o Estado poupa no seu salário, mas passa a pagar-lhe todos os meses a respectiva pensão de reforma. Por outras palavras, uma despesa é substituída por outra de diferente natureza mas de montante pouco inferior.

Logo, quando Sócrates promete que só entrará um novo funcionário por cada dois que saiam para a reforma, está, na prática, a prometer aumentar a despesa pública, dado que os que saem não a diminuem significativamente e os que entram, sendo ainda por cima forçosamente licenciados, fá-la-ão crescer.

Depois, há outro problema. Nos termos do programa anunciado, o PS propõe-se criar 150 mil postos de trabalho nos próximos quatro anos. Todavia, como o Estado dará para esse objectivo um contributo negativo de 75 mil postos, do que se trata efectivamente, em termos brutos, é de criar não 150 mil mas 225 mil postos de trabalho. De outra forma, a promessa não será cumprida.

Estará a escapar-me algumas coisa?

22.1.05



Ingres: Caroline Maille, Madame Gonse, 1852.

Choque contra choque

O «choque tecnológio» é uma ideia cuja bondade me parece altamente discutível.

Mas o «choque de gestão» não passa de um mero slogan publicitário.

Transparência, procura-se

Muito bem observado pela Pulga que, aliás, já há dias pegara no assunto.

Apetece agora perguntar como é que essa fantástica verba de 250 milhões de euros gastos em 2003 em pareceres pelo Governo se distribuíu pelos diversos escritórios de advogados e gabinetes de estudos económicos.

Que razões poderá haver para negar a publicitação dessa informação? Será segredo de Estado? Se calhar é...

(Sem esquecer, é claro, que gostaríamos também de saber quanto se gastou em 2004. Só para dar uma ideia de grandeza, estamos a falar de muito mais dinheiro do que aquele que o Estado gastou com o Euro 2004...)

O circo continua

Isabel Damasceno, Presidente da Câmara de Leiria, não é uma figura nacional com a visibilidade de Ferro Rodrigues, Carlos Cruz ou Pinto da Costa. Talvez por isso, o que se está a passar com ela não suscitou nenhum escândalo.

Ora eu gostaria de chamar a atenção para dois factos que deveriam merecer o repúdio generalizado numa sociedade democrática organizada e responsável:

1. As escutas telefónicas, que legalmente deveriam ter um carácter excepcional, continuam a ser ordenadas a torto e a direito.

2. O famoso «segredo de justiça» continua a ser violado com total impunidade, visto que, no próprio momento em que a autarca estava a ser interrogada, todos os media divulgavam já o conteúdo do processo.

Além disso, a ser verdade o que dizem os jornais - e, a avaliar por casos anteriores, não há razões para acreditar que não seja - Isabel Damasceno foi constituída arguida por ter telefonado a Lourenço Pinto intercedendo em favor de um árbitro de quem supostamente será amiga. A acusação, ao que parece, é de tráfico de influências, algo que se me afigura estranho dado não se entender que interesse pessoal, pecuniário ou outro, teria a autarca no assunto.

Para já, pois, o que se pode concluir é que a anormalidade geral que rodeia as investigações criminais em Portugal já não causa estranheza a ninguém nem suscita protestos. «Escutem lá chamadas à vontade e contem aos jornalistas todas as histórias que vos apeteça, que nós já não nos ralamos mais com isso», tal parece ser o sentimento geral da população.

Estamos todos conformados e resignados com o facto de que o Estado de Direito, em Portugal, tem dias.

A finalizar, um último comentário seguramente intempestivo. Se continuar a prevalecer o entendimento, hoje praticamente consensual, de que um arguido, mesmo que não acusado formalmente, deve abster-se de concorrer a cargos públicos, um reduzido número de pessoas ligadas à investigação criminal terá nas suas mãos o poder efectivo de decidir quem será ou não candidato às próximas eleições municipais.

Será isto normal e salutar?

21.1.05



Ingres: Delphine Ramel, Madame Ingres, 1859.

Explicação do post anterior

Durante muitos anos, a ANA Aeroportos deixava-se ficar muito sossegada no seu lugar à espera que os clientes viessem ter com ela.

De há um certo tempo a esta parte, porém, criou uma Direcção de Marketing Aviação e decidiu ir à procura dos clientes, convencendo-os a estabelecerem ligações aéreas regulares com os seus aeroportos.

É claro que, para estas iniciativas serem eficazes, tem que promover as potencialidades turísticas das regiões servidas pelos seus aeroportos não só junto das companhias aéreas estrangeiras como também das entidades que poderão contribuir para encher os voos de passageiros.

Ao mesmo tempo, trabalha com os operadores turísticos nacionais para prepararem pacotes atractivos para os turistas estrangeiros.

É a isto que se chama levantar o rabo da cadeira.

Não sei se as autoridades portuárias nacionais também fazem isto. Mas, se não fazem, deveriam fazer.


Estranho, mesmo muito estranho...

Por muito estranho que possa parecer, enquanto dia após dia jornalistas e economistas discutem e voltam a discutir interminavelmente na tv os meandros do déficite e a falta de competitividade das empresas portuguesas, há pessoas que se levantam quotidianamente para trabalhar na fábrica ou no escritório e que se esforçam por fazer qualquer coisa para resolver o problema.

Rebarbativo

Temos hoje uma palavra do dia supimpa: «Rebarbativo».

Se sabem quem é Paulo Portas podem fazer uma ideia do que a palavra quer dizer.


Ingres: Retrato de Joseph Woodhead, sua esposa Harriet e cunhado Henry George Wadesford, 1816.

Filomena, a centralizadora

Maria Filoménica Mónica proclama hoje no Público: «Política, filosófica e temperamentalmente, sou centralizadora.»

Mais ou menos como o Estaline, portanto.

E continua: «Num caso, todavia, o da lei eleitoral, a minha posição altera-se. Porque diante da urna, ninguém, melhor do que o próprio, sabe o que melhor lhe convém.»

Eis uma declaração sobre a qual poderia ser fundada toda uma metafísica. Ora vejamos. Em geral, há sempre alguém (no caso, Filomena Mónica) que sabe melhor do que o próprio o que melhor lhe convém, mas essa regra geral não se aplica no caso particular em que ele se encontra perante a urna.

O próprio não sabe o que melhor lhe convém perante um semáforo vermelho, perante a cama ou perante a prateleira do supermercado. Mas acende-se-lhe uma luz no cérebro tão logo ele se aproxima - imaginem só! - de uma urna.

De todos os objectos que há no mundo, a urna e só a urna desperta no homem instintos autenticamente racionais. Em tudo o resto ele é um menino indefeso que aguarda um guia para lhe ensinar a distinguir o que lhe convém do que deveria aborrecê-lo.

Filomena Mónica - bem o sabemos - não gasta muito a cabeça a pensar. Ela limita-se a verter para o papel as suas inclinações temperamentais - e o resto que se dane.

Assim, se bem estou lembrado, ela abominou o arranjo parlamentar que permitiu a Guterres fazer aprovar o OGE com o voto do deputado Campelo em troca do apoio ao queijo Limiano, mas agora finge não entender que, com deputados eleitos por círculos nominais, todas as votações do Orçamento imitarão esse episódio, com a agravante de que, então, cada deputado individual procurará puxar a brasa para o seu círculo.

Também eu aprovo a alteração da lei eleitoral. Mas reconheço, ao mesmo tempo, que essa reforma só faz sentido no contexto de um processo de descentralização generalizado, sem o qual a Assembleia da República tenderá a ficar paralizada sob a pressão da política de campanário.

20.1.05

Empáfia

A palavra do dia hoje é «empáfia».

Se sabem quem é Paulo Portas podem fazer uma ideia do que a palavra quer dizer.

Efeito de distanciação

A polémica da Casa da Música vista de Copenhaga.


Ingres: Alix-Genevieve de Seytres-Caumont, Comtesse de Tournon, 1812.

19.1.05

Porque é que os EUA boicotam Cuba e adulam a China?

É claro que, logo à partida, há o problema de Cuba ter representado uma enorme humilhação histórica para os americanos.

Aquilo era deles, entendem? Quem não tiver pachorra para ir ler a história pode referir-se a O Padrinho (parte II) para ficar com uma ideia da situação.

Mas a razão principal que explica a extraordinária deferência com que os EUA tratam a feroz ditadura chinesa é o enorme potencial económico do Império do Meio. Em poucas palavras: a China tem dinheiro, Cuba não. Quanto ao resto, a China é em todos os aspectos pior que Cuba no modo como o Estado trata o seu próprio povo.

Mesmo pobre, a China representa um mercado gigantesco para as empresas norte-americanas. Mesmo pobre, é a China quem actualmente cobre o gigantesco déficite da balança de transacções correntes dos EUA com os investimentos que faz em títulos do tesouro americanos.

O argumento para justificar as facilidades de toda a ordem concedidas à China é muito ténue. Baseia-se na vaga esperança de que, enriquecendo, a China se democratize e se converta ao culto ocidental dos direitos humanos.

Pode ser que sim, mas, para já, parece mais provável que não. Pelo menos, não tão cedo.

Entretanto, não tarda muito a China estará em condições de se tornar uma potência militar de relevo à escala mundial. Não só devido à sua escala populacional, mas também ao facto de um governo tirânico poder livremente desviar fundos para fins bélicos sem Ter que recear a contestação popular.

No passado, os EUA armaram Bin-Laden para combater os russos, e agora queixam-se. Patrocinaram Saddam no Iraque para fazer frente ao Irão, e agora gemem. Tudo isso ainda se passava, porém, numa escala modesta, com a qual os EUA sempre poderiam lidar, embora com grande sacrifício, no caso de as coisas darem para o torto.

Mas... e como será com a China? Quem irá lá lançar bombas ou invadi-la quando decidir dotar-se de armas de destruição massiva ou patrocinar grupos terroristas internacionais?

A concessão de vantagens económicas de todo o género sem em contrapartida se exigir à China, enquanto resta algum poder para tal, que se comporte como um estado decente à escala mundial, que elimine o trabalho escravo, que admita a liberdade de expressão, que respeita os direitos humanos, é uma politica míope e suicida.

O que se está a passar é uma grande irresponsabilidade, perfeitamente em linha com o dogma contemporâneo segundo o qual o sucesso económico tudo justifica e tudo absolve.


Ingres: Madame d'Haussonville.

Madame Curie afinal era homem?

Suponho que, no actual estado dos conhecimentos, ninguém se encontra em condições de afirmar, como o fez Larry Summers, um notável economista e reitor de Harvard, que os homens são geneticamente mais dotados para as ciências e as matemáticas do que as mulheres.

Imaginemos, porém, que isso fosse genericamente verdade. Que conclusão prática se tiraria daí em termos de políticas de formação e recrutamento? Nenhuma, creio eu, porque o facto de em média a população 1 ser superior à população 2 num qualquer atributo não impede que muitos membros da população 2 possam ser superiores a muitos membros da população 1 nesse mesmo atributo.

Não duvidem: Madame Curie era mesmo mulher, como os seus múltiplos amantes puderam atestar. E isso não a impediu de ser uma grande cientista.

A polémica em torno das afirmações de Summers surgiu apenas porque ele as usou para tentar justificar a redução da proporção de mulheres contratadas para cargos importantes em Harvard nos últimos anos. Ora é absolutamente inadmissível que alguém com o poder e a influência que ele tem recorra a argumentos biológicos para desqualificar a priori alguém em relação a um qualquer cargo. Se não me engano, o fascínio contemporâneo com as descobertas da genética cria as condições para que esta sorte de argumentos possa vir a tornar-se cada vez mais frequente nos próximos tempos.

Antes de começarem a soltar os habituais clamores contra o politicamente correcto, pensem nisso.

Perfunctório

A palavra do dia hoje é «perfunctório».

Se sabem quem é Paulo Portas podem fazer uma ideia do que a palavra quer dizer.

18.1.05

Perfeitos

«Vêm ensinar-nos boas maneiras mas não poderão fazê-lo porque nós somos deuses. (...) Os sicilianos não quererão nunca melhorar pela simples razão de que se julgam perfeitos; a sua vaidade é maior que a sua miséria; qualquer intromissão de estranhos, ou pela origem ou, se forem sicilianos, pela sua independência de espírito, estremece-lhes o sonho de perfeição atingida, arrisca-se a perturbar-lhes a comprazida espera do nada; calcados por uma dezena de povos diferentes, eles crêem ter um passado imperial que lhes dá direito a funerais sumptuosos.»

Sempre que releio esta passagem do Leopardo de Tommaso di Lampedusa dou comigo a pensar que ela tem muito a ver connosco.



Ingres: Louis-François Bertin, 1832.

Pesporrência

A palavra do dia é «pesporrência».

Se sabem quem é Paulo Portas podem fazer uma ideia do que a palavra quer dizer.

O seu a seu dono

A televisão anda indignada. Então não é que há gente a ganhar dinheiro à custa da miséria dos outros?

Ela refere-se, claro está, àqueles feirantes indonésios que vendem cassetes video ou DVDs com imagens do maremoto. Ou àqueles artistas de rua que tatuam memórias da catástrofe nas pernas de provocantes turistas suecas.

Gente de pé rapado a concorrer com a televisão no negócio da desgraça? E a engordar a conta bancária ainda por cima?

Mas então eles não sabem que a televisão tem o monopólio legítimo da vulgaridade?

Leiam isto

A ideia dos Hospitais SA é boa, mas o nome é desastroso, porque leva as pessoas a pensar que se trata de hospitais privatizados ou de hospitais públicos sob gestão privada.

Acabo de encontrar um post que explica muito bem o que diferencia os diversos modelos de gestão hospitalar, esclarece a utilidade da «empresarialização» (outro palavrão horroroso!) dos hospitais e mostra como podem ser evitados os riscos que ela traz consigo.

Aconselho a sua leitura a toda a gente a quem o assunto interessa, ou seja, aconselho a sua leitura a toda a gente, ponto final.

17.1.05

Para quê continuar a sofrer?

Problemas financeiros? Desgostos de amor? Dores nas costas? Desavenças familiares? Atraso no período? Conflito de gerações? Salários em atraso? Instabilidade governativa? Impotência? Marques Mendes porteiro da Sonae? Calvície galopante? Crise constitucional? Dumping? Penalty mal assinalado? Ditadura do aparelho? Desvalorização do dólar? Gravidez precoce? Crise de valores? Alergia às jotas? Ejaculação prematura? Carga fiscal? Formigas no açucareiro? Investigação em células estaminais? Tsunami nos Açores? Proibição do véu? Pé de atleta? Camacho de volta ao Benfica? Pandemias num mundo globalizado? Avô viciado na droga? Separatismo basco? Roseta fora das listas? Farinheira geneticamente modificada? Elvis vivo? Cheque careca? Crise do turismo algarvio? Dor de corno? Carlos Alberto vendido ao Corinthians? Comando da televisão avariado? Dívidas de jogo? Marisa Cruz grávida?

Não sofra mais!!! Esqueça as desacreditadas mezinhas do Professor Karamba e consulte já o Doutor Miranda!!!

Equipa sensação do campeonato intromete-se no confronto entre os grandes




Francis Bacon: Retrato de Lucian Freud, 1951.

«Todos queremos um mundo melhor»

O Rodrigo escreveu há dias no seu blogue:

«Todos queremos um mundo melhor, pão para todos, o fim das guerras, da pobreza e o resto. Todos. Fascistas, comunistas, socialistas, monárquicos, liberais e o resto. Não é propriamente o fim que perseguimos que nos distingue. É a rota. »

Creio que este é um equívoco muito corrente que convém desfazer.

Tanto os fascistas italianos como os nacional-socialistas alemães, por exemplo, exaltaram desde o primeiro momento as virtudes purificadoras da guerra.

O «fim das guerras» não constava, pura e simplesmente, dos seus programas.

Logo, também nos distinguimos pelos fins. Eu diria, aliás, que nos distinguimos essencialmente pelos fins.

Fascismo e comunismo

Uma das ideias erradas actualmente mais difundidas, por razões que valeria bem a pena explorar, é a da suposta equivalência entre fascismo e comunismo, mercê da qual um seria simétrico do outro. O Lutz explica neste post porque não é assim e porque não ganhamos nada em alimentar essas confusões.

16.1.05

É preciso fomentar a inovação

Ora aí está uma palavra de ordem que eu aprovo.

15.1.05

Eu sei que é demagogia perguntar, mas...

Mesmo assim pergunto: que é feito do caso Isaltino?

Uma discussão ética

Às vezes têm lugar discussões éticas sérias nos blogues.

Para um entendimento completo do que está em causa, recomendo também a leitura do post do Rodrigo que deu origem à reacção do Lutz.

Tal como o Lutz, também eu achei, e escrevi num comentário, que se exaltava ali uma moral fascista. Tal como o Lutz, também eu me congratulo, sem ironia, pelo tom e pelo conteúdo da reacção do Rodrigo, embora continue a pensar que ele está errado e que andou mal ao escrever o que escreveu.

Mas, acima de tudo, entendo que é útil ler-se e meditar-se sobre o que o Lutz diz porque constato que hoje muita gente não sabe de facto o que o fascismo foi nem que espécie de doutrinas e moral propugnava.

14.1.05



Francis Bacon: Três estudos para um retrato de Lucian Freud, 1965.

Ser e parecer

Parece que sou bruxo. Leiam isto e comparem com isto.

Grão a grão amplia o Estado o buraco

Tomei hoje conhecimento, pela pena de Eduardo Prado Coelho, que «o pelouro da Cultura» da Câmara Municipal de Lisboa edita uma revista intitulada «Agenda LX».

A mim apetece-me perguntar que sentido faz a Câmara Municipal editar uma revista cultural como esta.

Que falha de mercado ou que misterioso interesse público justificam que a Câmara de Lisboa ou o Estado português editem revistas culturais? Acaso não haverá já outras revistas culturais editadas por particulares que cumpram o mesmíssimo papel?

E depois ainda há quem diga que as despesas públicas são incomprimíveis. É só começar a inventariar as inutilidades por que é responsável a Câmara Municipal de Lisboa para se começar a poupar dinheiro a sério.

(É claro que a revista é distribuida gratuitamente, o que, além do mais, configura uma situação de concorrência desleal em relação a outras publicações que têm que suportar os seus custos - ou, se calhar, também não...)

Afrontas

A ideia fundamental do laicismo - a César o que é de César, a Deus o que é de Deus - devêmo-la nós, a fazer fé nos Evangelhos, ao próprio Jesus Cristo.

Estávamos nós muito felizes nesta parte do mundo a julgar que a «questão religiosa» estava definitivamente enterrada, eis senão quando, nos últimos anos, começaram a surgir perturbadores indícios de que ela poderá estar a renascer.

Por exemplo: Sarsfield Cabral, aparentemente um cristão moderado, escrevia ontem no DN que Zapatero «afrontou a Igreja Católica» ao legalizar os casamentos homossexuais.

Considero esta afirmação extraordinária. Pelos vistos, a Igreja Católica (ou alguns em nome dela) considera-se afrontada por qualquer legislação que não mereça a sua aprovação. Por outras palavras, o Estado deveria limitar-se a traduzir em letra de lei os mandamentos da religião católica - nem mais nem menos. Tudo o que fuja disto é pura e simplesmente inadmissível.

E porquê? Acaso a lei violenta as consciências católicas, obrigando os devotos dessa religião a fazerem algo que vá contra a sua fé e os seus princípios? Não, evidentemente que não.

Mas então que justificação tem a Igreja para se sentir afrontada? Não seremos antes nós, os que temos outra religião ou não temos nenhuma, e também os católicos homossexuais, que nos deveremos sentir afrontados por a Igreja desencadear uma guerra que tem em vista proibir aquilo com que não concorda?

Isto não promete coisa boa.

O interesse nacional

Nesta polémica em torno da aventura de Morais Sarmento nos mares do Sul tem sido dado por adquirido o «interesse nacional» de um eventual envolvimento da Galp na exploração do petróleo de S. Tomé.

Mas eu, que sou um bocado obtuso, gostaria de perceber concretamente o que é que a Nação (assim mesmo, com letra grande) lucraria com isso.

Beneficiaria de petróleo mais barato? Reduziria o seu déficite comercial? Obviamente, nem uma coisa nem outra.

Mas a Galp, essa, é provável que beneficiasse, e o que é bom para a Galp é bom para o país.

Mesmo que este raciocínio fosse irrebatível - e não é - pergunto se continuará a ser válido quando amanhã, a exemplo do que já aconteceu noutros casos, a Galp passar para as mãos de um grupo italiano (o mais provável, visto que a ENI já está lá dentro) ou espanhol.

Diplomacia económica? Para esse peditório, eu já dei.


Francis Bacon: Três estudos para uma crucificação (3), 1962

13.1.05

O bom-senso é uma coisa que vem devagarinho

Primeiro, os jornais escreviam «Al-Qaedah». Depois, passaram para «Al-Qaeda». Agora, às vezes, já vejo escrito «Al-Qaida».

Vão ver que, com o tempo, ainda haveremos de chegar a «Alcaida».

A ortografia serve-se fria.


Pacheco Pereira (na imagem, de capacete), procurando fugir à confusão que se instalou no PSD.

Ver para crer

A oposição interna do PSD tem um problema grave: descobrir como é que há-de desalojar Santana Lopes e recuperar o poder.

Ou me engano muito, ou vai ser bem difícil.

Daí que algumas pessoas até já andem a construir cenários alternativos de lançamento de um novo partido.

Daí, também, que os cavaquistas e aparentados precisem desesperadamente de encontrar aliados no campo inimigo que possam ajudá-los a socavar por dentro a actual direcção partidária.

Estou a pensar, por exemplo, em pessoas como Morais Sarmento (um dos poucos sobreviventes, com Arnaut, da tralha barrosista), que, com um pé dentro e um pé fora, nunca se sentiu muito à vontade ao lado de Santana Lopes.

É a essa luz que eu interpreto os comentários infelizes de Pacheco Pereira a propósito da inopinada deslocação do Ministro da Presidência a S. Tomé.

Primeiro, porque gastar-se 13 mil contos numa viagem de avião não é uma ninharia, independentemente de o país estar ou não em crise. Por este andar, qualquer crítica aos comportamentos de titulares de cargos públicos que tratam o Estado como coisa sua passará a ser automaticamente taxada de demagogia

Depois, a própria motivação da viagem está longe de se encontrar esclarecida. O que é que, de facto, Sarmento lá foi fazer, e porque é que foi tratar um assunto relacionado com a Galp à revelia do Ministro da Economia? É que, mesmo que este tenha sido «avisado» continua a não perceber-se porque é que, mediante uma simples notificação, se põe Álvaro Barreto à margem das negociações.

O que é que Sarmento entende deste assunto? Que interesse tem nele? Por mim aguardo com enorme curiosidade os desenvolvimentos posteriores, e estou disposto a apostar que vale a pena continuar a seguir o caso com atenção. Agora e (principalmente) depois de o governo cair.

Que foi Morais Sarmento (de facto) fazer a S. Tomé?

Fico à espera de ver para crer, como - precisamente! - S. Tomé.

12.1.05

Eu dou uma ajuda



Na foto: Cavém, ontem falecido, um dos poucos que, ao que julgo, jogou as cinco finais que o Benfica disputou na década de 60 - ao fim e ao cabo, a única contribuição positiva do nosso país para essa louca década.

Alguém chegou a este blogue através de um motor de pesquisa ao qual colocou esta pergunta: «Em quantas finais da Taça dos Campeões participou o Benfica?»

Foram sete:

Benfica - Barcelona (1961)

Benfica - Real Madrid (1962)

Benfica - AC Milan (1963)

Benfica - Inter de Milão (1964)

Benfica - Manchester United (1968)

Benfica - PSV Eindhoven (1988)

Benfica - AC Milan (1989)

Isto faz do Benfica o clube que perdeu mais finais da Taça dos Campeões. Não sei se dá direito a entrar para o Guinness, mas sempre é mais honroso do que o recorde dos 10 mil Pais Natais.

A crise toca a todos



«A rede de Bin Laden optou por ataques mais baratos - noticia o Público de hoje - já que tem dificuldade em angariar fundos.»

Não tarda muito chamam uma consultora para os ajudar a concentrarem-se no core business, redefinirem a oferta de valor, reavaliarem a identidade da marca, aproximarem-se dos clientes, fazerem a reengenharia do processo, descentralizarem as decisões, achatarem a pirâmide hierárquica, programarem o down-sizing, promoverem o empowerment, adoptarem a gestão por objectivos, desfazerem-se dos activos não-estratégicos, alavancarem a capacidade de auto-financiamento, deslocalizarem as actividades e organizarem uma Oferta Pública de Venda.


Tapiès: Oval e objectos, 2000.

11.1.05

Boas vindas

Faz tempos que eu aguardava secretamente que o Pedro Magalhães se decidisse a lançar o seu blogue. Está feito, e estou seguro que ele trará, sem margem de erro, mais um contributo para o enriquecimento da conversação civilizada.

Sobre um comentário

J. Carraça escreveu hoje na caixa de comentários do ...Blogo Existo:

«No seu artigo, VPV foca distintas verdades que, por o serem, tornam oportuna a veleidade de não se reduzir ao silêncio. Desde logo a distribuição dos mesmos rostos de sempre pelo distintos círculos eleitorais do país, deturpando-se o objectivo original da existência dos mesmos (de cada região estar representada no Parlamento). Depois, o facto de que quem ocupa o cargo de deputado no hemiciclo da AR abdica dos seus pensamentos e princípios em prol dos interesses traçados pelas chefias dos diferentes partidos e, em maior grau, da defesa do seu tacho. Por fim, num país de liberdade todas as vozes têm a legitimidade de se querer fazer ouvir. Caso o raciocínio expresso seja criticável, então que se o critique ou se o ignore, mas não que se o amordace.»

Permita-me, caro amigo, duas ou três observações:

1. VPV foi em tempos eleito deputado, nas mesmíssimas condições que hoje acha abomináveis, enfiado à surrelfa nas listas do PSD. Pior ainda, semanas depois renunciou ao cargo sem dar qualquer satisfação aos eleitores com que agora se comove. A sibilina referência a «demitir-se no minuto seguinte» incluida no texto que critiquei e a desculpa esfarrapada que insinua é um eco longínquo desse lamentável episódio. O homem é um irresponsável e eu confesso que, depois de aturar Santana Lopes como primeiro ministro, tenho menos paciência que nunca para esta espécie de gente.

2. Ninguém ignora que temos, entre outros, um problema de qualidade da representação parlamentar, só que VPV não tem nenhuma ideia relevante a propor para resolvê-lo. Note bem que o que ele diz querer, a sua «verdade proibida», não é mudar a lei eleitoral e reformar o parlamento. É «mudar o regime», exactamente o mesmo que eu ouvi Alberto João Jardim defender há dias perante as câmaras da televisão. O que é que ele quererá dizer com isso? Se calhar, nada - mas a bujarda aí ficou lançada, à disposição dos pescadores de águas turvas que queiram pegar-lhe.

3. Quem procura uma discussão séria e fundamentada sobre o assunto, encontrá-la-á no artigo que Vital Moreira assina hoje no Público. Nunca leremos nada assim saído da pena de VPV. Porque não sabe, porque não pode, porque não quer.

Se tiver tempo, voltarei ao assunto.

10.1.05



Francis Bacon: Três estudos para uma crucificação (2), 1962.

Pensamento?

Quando um sujeito não entende nada de um determinado assunto (sendo portanto incapaz de adiantar alguma sugestão relevante), mas faz profissão de opinar, e, ainda por cima, não suporta a eventualidade de ter que ficar calado, a única coisa que pode sugerir é que se vire tudo de pernas para o ar.

Ou, por outras palavras, «que se mude o regime». A isto se resume, há trinta anos, o «pensamento» de Vasco Pulido Valente.

Liberdade de expressão

As secções de citações do dia que quase todos os jornais publicam seriam úteis se nos alertassem para coisas importantes que eventualmente nos tivessem passado desapercebidas.

Em vez disso, limitam-se a coleccionar trivialidades que todos ganharíamos se não nunca tivessem dadas à estampa, quanto mais repetidas.

O Público de hoje, por exemplo, recolhe ditos profundos de João Marcelino e Rui Santos, e já vamos com sorte por, desta vez, termos sido poupados às tiradas de Luís Filipe Menezes.

Em contrapartida, encontrei esta frase escondida numa página secundária do Caderno de Economia:

«Devíamos aproveitar esta oportunidade para reflectir e tomar decisões sobre questões estruturantes para o nosso futuro, evitando assim a permanente instabilidade nas empresas, em que os trabalhadores estão sempre a preparar-se para mudar de enquadramento e de objectivos, o que em nada contribui para a produtividade das instituições.»

Estas sábias palavras foram pronunciadas por Rui Vilar, Presidente da Fundação Gulbenkian, a propósito das sucessivas e desatinadas reestruturações do sector energético ao longo da última década, mas aplicam-se por igual à situação de todo o sector empresarial do Estado.

Não passa um dia sem que os diários económicos nos relatem, tim-tim por tim-tim, as mais recentes manobras de João Talone ou Pina Moura em torno da EDP. Já a opinião de Rui Vilar, pelos vistos, não merece primeiras páginas.

9.1.05



Francis Bacon: Três estudos para uma crucificação (1), 1962.

8.1.05

Fado e economia

Ontem, 6ª feira, o Público puxou para a primeira página a previsão do Banco de Portugal de que a economia nacional cresceria em 2005 muito menos do que o Governo previra nos documentos que serviram de base à elaboração do OGE. Vai daí, encheu as páginas 2 e 3 com as consequências dramáticas daí resultantes.

Hoje, o mesmíssimo jornal noticia, numa minúscula nota escondida na página 20, que «a OCDE antecipa uma clara melhoria da economia portuguesa». E acrescenta: «O indicador avançado da OCDE para Portugal subiu claramente em Novembro para 94,9 pontos, mais 1,3 do que em Outubro. A taxa de variação a seis meses do indicador, que visa antecipar com uma antecedência de cerca de nove meses pontos de viragem do ciclo económico, cresceu 3,25% em Novembro, contra 0,43% em Outubro, em aceleração pelo segundo mês consecutivo.»

Este assunto é sério e merece a maior atenção, dada a frequência com que os media confundem a opinião pública dando enorme destaque às informações que confirmam os seus preconceitos e omitindo outras que os contrariam.

A primeira coisa a saber é que não existe nenhuma forma científica de fazer previsões económicas. Se houvesse, os melhores economistas seriam também os mais ricos, dado que usariam os seus conhecimentos para seleccionar com absoluto rigor as suas carteiras de investimentos. Ora isso, manifestamente, não acontece.

Há alguns anos, investigadores ingleses constataram que o erro médio de previsão do crescimento do PIB do Reino Unido era de 1,5 pontos percentuais. Trata-se de um desvio colossal, tendo em conta que o crescimento médio efectivo no mesmo período rondara os 2%. Ou seja, o erro de previsão era quase tão grande como a grandeza medida.

Diferentes instituições (Ministério das Finanças, Banco de Portugal, União Europeia, Banco Europeu, OCDE, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, etc.) emitem regularmente pareceres muito diferentes, quando não completamente opostos, sobre as perspectivas económicas deste ou daquele país. O econometrista Kruskal Wallis tentou em tempos determinar se ao menos as previsões de uma dessas instituições seriam mais fiáveis do que as das restantes, mas não chegou a nenhuma conclusão.

Significa isso que as previsões económicas valem tanto como as astrológicas? Não irei tão longe. As previsões económicas emitidas pelos economistas são opiniões baseadas numa combinação de teorias, factos, restrições, tendências e mero bom-senso. O resultado final pode variar consideravelmente consoante a ponderação que atribuem a este ou àquele factor.

O problema mais grave daqui resultante é que uma previsão de uma instituição respeitada, por muito infundada que seja, pode ter consequências reais sobre a marcha da economia, prejudicando-a se for pessimista (como a do Banco de Portugal) ou favorecendo-a se for optimista (como a da OCDE). Do ponto de vista estrito da eficiência económica, as previsões deveriam ser proibidas por lei, mas ninguém o propõe porque isso equivaleria a uma intolerável restrição à liberdade de opinar.

Que fazer, então? Os jornalistas deveriam considerar as previsões referidas como apenas duas opiniões entre outras possíveis, e em seguida procurar entender a força dos argumentos que as sustentam. Infelizmente, por ignorância ou desleixo, preferem veicular em grandes parangonas a sua opinião favorita (usualmente a mais negra que, acreditam eles, ajuda a vender jornais) e apresentá-la como a palavra definitiva sobre o assunto.

Por essas razões, neste momento ninguém vai querer entender melhor o ponto de vista da OCDE. E é pena, porque, assentando ele num indicador avançado da conjuntura, talvez nos ajudasse a perceber, no meio de todo este caos, o que é que afinal está a correr bem (ou menos mal).

Nisto, como em muitas outras coisas, os fadistas levam sempre a melhor.

Claro como a água

Agora que o governo vai cair e que presumivelmente se reacenderá a luta pela liderança no PSD, anuncia-se o regresso de Marcello aos écrãs como comentador da RTP, ainda por cima sem receber qualquer remuneração. As coisas não podiam ser mais claras. Será que a RTP só existe para fazer estes fretes?

Ditadura das audiências

Porque é que temos que gramar quotidianamente os comentários do Luis Delgado na SIC Notícias? Será que as audiências caem a pique quando ele não aparece? Porque será?

7.1.05



Francis Bacon: Figura em porta aberta, 1990-91.

E agora?

Rais parta a Pulga, que não pára quieta!

Da indignação como modo de vida

A mim cai-me um bocadinho mal esta vozearia permanente de gente que vive a indignar-se com isto e com aquilo.

Com franqueza, até parece que não sabem fazer mais nada,

«E que faz você na vida?» «Eu indigno-me, não se está mesmo a ver?»

Os jornais têm todos aquelas inúteis colunas de citações do dia, tipo «Diz-se» do Público, cheias de frases indignadas, bradando, eternamente bradando contra a indiferença, a imoralidade, o cinismo, os partidos ineptos, os políticos vendidos, os empresários corruptos, os funcionários preguiçosos, os estudantes ignorantes, e por aí fora. É inútil procurarem uma frasezinha com algum conteúdo, porque, se acaso tiver sido escrita, ninguém a recolheu.

O tema, de facto, pouco importa, o que conta é a forma.

Não é o objecto que está em causa, porque a gente, no fundo, pode indignar-se com qualquer coisa. Basta ter feito mal a digestão ou ter levado tampa da namorada, e aí estamos nós a amaldiçoar a pátria e quem a pariu.

Hoje é a vez de Sousa Tavares, aliás um dos mais destacados praticantes do género, encher uma página de impropérios no Público contra as «mentalidades», o «reles oportunismo» ou a «irresponsabilidade patológica». Nunca ninguém lhe terá ensinado que as palavras, de tanto serem usadas sem conta, peso e medida, acabam por se gastar?

Às vezes penso que a causa de tudo isto é a falta de assunto. Ao fim e ao cabo, à falta de competência numa qualquer área particular de pensamento ou de acção, um sujeito pode sempre indignar-se.

E, quando dá por ela - vejam lá! - já encheu uma página...

O recado de Lourenço

No Pura Economia, um comentário inteiramente justo sobre o artigo de Pulido Valente de hoje no Público.

Pela minha parte, foi a primeira vez que concordei sem reservas com Eduardo Lourenço.

Tudo como dantes

Segundo os jornais de hoje, Sócrates comprometeu-se ontem com três objectivos no horizonte de uma legislatura:

a) Crescimento do PIB de 3%

b) Criação de 150 mil postos de trabalho

c) Estabilização do déficite do OGE nos 3% do PIB

Isto só daqui a 4 anos, se Sócrates efectivamente estiver a pensar em levar a legislatura até ao fim.

Se a memória não me falha, os pontos a) e c) coincidem exactamente com o que Durão Barroso prometeu há três anos. Fica a originalidade do ponto b) e a minha curiosidade de saber como será conseguido esse milagre.

Para tornar a semelhança ainda mais flagrante, Sócrates também anunciou que vai criar uma comissão independente para avaliar a verdadeira extensão do déficite, mais uma vez presidida por Vítor Constâncio.


Robert Delaunay: Torre Eiffel.

6.1.05

Nation building

Na primeira metade do século XIX (não posso neste momento confirmar a data exacta), algumas bem-intencionadas associações americanas mobilizaram-se para criar uma pátria em África para os escravos que desejassem para lá voltar. Chamou-se Liberia esse país, e todos sabemos o estado em que hoje se encontra.

Na viragem para o século XX, os EUA declararam guerra à Espanha por causa de uma bomba que explodiu no navio Arizona fundeado em Cuba. Sabe-se hoje que a bomba foi colocada pelos americanos. De todo o modo, resultaram daí duas novas nações independentes criadas pelos EUA: Filipinas e Cuba - mais dois casos de sucesso, é claro.

A terceira ronda de nation building de inspiração norte-americana foi a pior. Na sequência da 1ª Guerra Mundial, o presidente Wilson forçou a aplicação no leste europeu do princípio da auto-determinação das nações. Do mesmo passo desmantelava-se o Império Austro-Húngaro e criavam-se vários novos países. O que os americanos não sabiam, ou não queriam a saber, era que, naquela região, os povos encontravam-se misturados há séculos, de modo que era impossível criar unidades territoriais contíguas étnica e religiosamente homogéneas.

Semanas depois começaram as deportações e os campos de concentração, técnicas de engenharia social nacionalista que Hitler elevaria à suprema perfeição. A guerra civil europeia começou aí e durou um quarto de século.

Curiosamente, a criação do Estado de Israel em 1948 foi uma ideia europeia a que os americanos acederam com relutância. Durante muito tempo não apoiaram Israel nem financeira nem militarmente, quando, afinal, ali até havia uma nação com condições para se auto-governar democraticamente.

Os impulsos de nation building por parte dos EUA não constituem, pois, nenhuma novidade. Estão-lhe na massa do sangue, e dão quase sempre maus resultados. Agora que se aproxima a data marcada para as eleições no Iraque, convém lembrar isto, tanto mais que vivemos numa época sem consciência histórica.

Ele há coisas...

O artigo de Pacheco Pereira no Público de hoje ganha em ser lido conjuntamente com um outro que, por mero acaso (creio eu), lhe faz companhia na mesma página e que é assinado por Alexandra d'Almeida Teté em representação de uma (para mim) misteriosa Associação Mulheres em Acção.

Será a civilização ocidental que defende José a mesma que enaltece Alexandra?

Desconfio que não, mas o curioso efeito que resulta da publicação lado a lado destes dois artigos alerta-nos para os perigos destas e doutras confusões. O simplismo dos termos em que Pacheco Pereira põe as coisas e a ingenuidade geral da sua postura revelam-se totalmente inadequadas quando somos confrontados, ideologicamente falando com the real thing.

Decididamente, não vivemos uma idade da inocência.

5.1.05



Picabia: A procissão, Sevilha, 1912.

4.1.05

Futebol 2004

FCPorto - Manchester United

Manchester United - FCPorto (o post respectivo só será publicado quando o FCPorto sofrer uma derrota a sério)

Monaco - Deportivo da Coruña

Monaco - Real Madrid

Portugal - Inglaterra

Suécia - Itália

República Checa - Holanda

Portugal - Holanda

FCPorto - Chelsea

O resto foi a reinar.

Mau presságio

O «caso» Pedroso parece mais um preocupante sintoma de que Sócrates não tem mão no seu partido. Ora, se ele não tem mão no partido, como irá ter mão no país?


Robert Delaunay: Homenagem a Blériot.

Homenagem ao deputado desconhecido

Vá lá, e homenageie você também esta espantosa galeria de deputados que a Pulga amiga foi desencantar nos arquivos da Assembleia da República.

Que querem os economistas?

Alguns economistas com maior protagonismo têm criticado insistentemente os partidos políticos por não apresentarem ideias claras para combater o desequilíbrio das contas públicas.

Todavia, a acreditar nos jornais de hoje, as sumidades que ontem se reuniram para discutir publicamente o assunto tampouco foram capazes de propor um único objectivo concreto, seja do lado da despesa, seja do lado da receita.

No caso dos partidos, ainda se compreende o seu receio de perder votos.

E os economistas, temem o quê? Se eles não são claros, quem terá incentivos para sê-lo?

O alegado aumento do IVA

O aumento do IVA seria um erro grave, dado que agravaria a já intolerável desigualdade do nosso sistema fiscal, onde os impostos indirectos pesam mais do que os directos.

Paradoxalmente, essa injustiça resulta de o IRS ser excessivamente progressivo, de tal forma que nos escalões mais baixos não se paga nada ou se paga pouquíssimo, uma situação altamente deseducativa para os cidadãos contribuintes.

Admito perfeitamente que seja necessário aumentar os impostos. Mas, nesse caso, esse acréscimo deveria ser arrecadado por via do IRS, bastando para isso não actualizar os escalões.

Massa crítica?

O Público de hoje insere um intrigante artigo intitulado «A massa crítica nas universidades», assinado por Eduardo Alexandre Silva (Gulbenkian PhD Student, Harvard University), versando sobre a contribuição que as universidades deveriam dar para tornar o país melhor.

Ao lê-lo descobri, estupefacto, que o autor pensa que «massa crítica» é sinónimo de «sentido crítico».

Se se desse ao trabalho de consultar uma qualquer enciclopédia, saberia que massa crítica é a quantidade mínima de material fissível necessária para que se possa manter por si mesma uma reacção em cadeia de fissões nucleares. Por extensão, a expressão é também utilizada, com maior ou menor felicidade, em situações em que só a partir de um patamar mínimo é possível atingir resultados satisfatórios e auto-sustentáveis.

Em conclusão, antes de alguém começar a debitar soluções para salvar a pátria convém que tenha alcançado níveis mínimos de literacia. Com doutorandos deste nível cultural, não é preciso procurar mais longe para descobrir as causas do nosso atraso.

Boas notícias

1. Pôncio Monteiro afastado das listas do PSD.

2. Helena Roseta não será candidata pelo PS.

Sempre há algumas razões para ter esperança.

3.1.05

Resoluções para 2005

1. Linkar o Adufe;

2. Linkar a Bomba Inteligente.

Está feito. Posso descansar.


Robert Delaunay: Formas circulares, Sol e Lua, 1912-13.

Uma desgraça nunca vem só

Como se não bastasse a tragédia que varreu a Ásia Meridional, agora as populações atingidas ainda têm de sofrer às mãos das hordas de repórteres ocidentais que se abatem sobre elas.

O fantasma da Ópera

Ainda o dia 1 de Janeiro não estava concluido e eu já conseguira ver o pior filme de 2005.

Este promete ser um ano muito acelerado.