8.1.05

Fado e economia

Ontem, 6ª feira, o Público puxou para a primeira página a previsão do Banco de Portugal de que a economia nacional cresceria em 2005 muito menos do que o Governo previra nos documentos que serviram de base à elaboração do OGE. Vai daí, encheu as páginas 2 e 3 com as consequências dramáticas daí resultantes.

Hoje, o mesmíssimo jornal noticia, numa minúscula nota escondida na página 20, que «a OCDE antecipa uma clara melhoria da economia portuguesa». E acrescenta: «O indicador avançado da OCDE para Portugal subiu claramente em Novembro para 94,9 pontos, mais 1,3 do que em Outubro. A taxa de variação a seis meses do indicador, que visa antecipar com uma antecedência de cerca de nove meses pontos de viragem do ciclo económico, cresceu 3,25% em Novembro, contra 0,43% em Outubro, em aceleração pelo segundo mês consecutivo.»

Este assunto é sério e merece a maior atenção, dada a frequência com que os media confundem a opinião pública dando enorme destaque às informações que confirmam os seus preconceitos e omitindo outras que os contrariam.

A primeira coisa a saber é que não existe nenhuma forma científica de fazer previsões económicas. Se houvesse, os melhores economistas seriam também os mais ricos, dado que usariam os seus conhecimentos para seleccionar com absoluto rigor as suas carteiras de investimentos. Ora isso, manifestamente, não acontece.

Há alguns anos, investigadores ingleses constataram que o erro médio de previsão do crescimento do PIB do Reino Unido era de 1,5 pontos percentuais. Trata-se de um desvio colossal, tendo em conta que o crescimento médio efectivo no mesmo período rondara os 2%. Ou seja, o erro de previsão era quase tão grande como a grandeza medida.

Diferentes instituições (Ministério das Finanças, Banco de Portugal, União Europeia, Banco Europeu, OCDE, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, etc.) emitem regularmente pareceres muito diferentes, quando não completamente opostos, sobre as perspectivas económicas deste ou daquele país. O econometrista Kruskal Wallis tentou em tempos determinar se ao menos as previsões de uma dessas instituições seriam mais fiáveis do que as das restantes, mas não chegou a nenhuma conclusão.

Significa isso que as previsões económicas valem tanto como as astrológicas? Não irei tão longe. As previsões económicas emitidas pelos economistas são opiniões baseadas numa combinação de teorias, factos, restrições, tendências e mero bom-senso. O resultado final pode variar consideravelmente consoante a ponderação que atribuem a este ou àquele factor.

O problema mais grave daqui resultante é que uma previsão de uma instituição respeitada, por muito infundada que seja, pode ter consequências reais sobre a marcha da economia, prejudicando-a se for pessimista (como a do Banco de Portugal) ou favorecendo-a se for optimista (como a da OCDE). Do ponto de vista estrito da eficiência económica, as previsões deveriam ser proibidas por lei, mas ninguém o propõe porque isso equivaleria a uma intolerável restrição à liberdade de opinar.

Que fazer, então? Os jornalistas deveriam considerar as previsões referidas como apenas duas opiniões entre outras possíveis, e em seguida procurar entender a força dos argumentos que as sustentam. Infelizmente, por ignorância ou desleixo, preferem veicular em grandes parangonas a sua opinião favorita (usualmente a mais negra que, acreditam eles, ajuda a vender jornais) e apresentá-la como a palavra definitiva sobre o assunto.

Por essas razões, neste momento ninguém vai querer entender melhor o ponto de vista da OCDE. E é pena, porque, assentando ele num indicador avançado da conjuntura, talvez nos ajudasse a perceber, no meio de todo este caos, o que é que afinal está a correr bem (ou menos mal).

Nisto, como em muitas outras coisas, os fadistas levam sempre a melhor.

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