30.11.07

The Hollies: Look Through Any Window

The Hollies: Bus Stop

The Hollies: Stop Stop Stop

The Hollies: Here I Go Again




Hans Knoll.

29.11.07

A língua a quem a trabalha

O galaico-português é uma língua enjeitada que tem tido a sorte de encontrar bons pais adoptivos.

Os galegos, que a inventaram, abandonaram-na ainda novita e nunca mais quiseram saber dela. Por sorte, foi encontrada pelos portugueses, que, levando-a pela sete partes do Mundo, lhe asseguraram um bom futuro.

Cresceu e tornou-se a sexta língua mais falada do planeta. Hoje, são os portugueses que pouco dela curam, mas, mais uma vez, teve a boa sina de ser adoptada, agora pelo Brasil, um país com uma batelada de gente lá dentro que, ainda por cima, lhe faz o favor de reinventá-la todos os dias.

O galego passou a português e, um dia, chamar-se-á brasileiro, porque uma língua é de quem a trabalha. O melhor que temos a fazer é apanhar esse comboio e ir negociando com os brasileiros acordos ortográficos - enquanto eles tiverem pachorra para nos aturar.

Por cá, a habitual caterva de mandriões andou a dormir durante duas décadas - tal qual como no caso da Ota - para agora, à ultima hora, barafustar argumentos insensatos contra a uniformização ortográfica.

Força com o acordo!

Sobressaltos da badalhoquice



Oh, a poesia do uísque marado, da bola de berlim rançosa, do salpicão apodrecido, da ginginha clandestina, da febre de Malta, do excremento de cão no passeio, da roupa suja à janela, dos despejos lançados pela varanda, da unha comprida a coçar o ouvido, da barraca com vista para a lixeira - nos meus bloges inflamados, nos meus discursos na Assembleia, nos meus artigos de opinião, eu digo o teu nome: Liberdade!

28.11.07

Andar de Volkswagen dá de comer a um milhão de portugueses



Os publicitários têm o hábito admirável de só consumirem as marcas suas clientes naquelas categorias de produto em que elas competem. Não podia concordar mais com o princípio.

Primeiro, é uma boa maneira de conhecerem mais intimamente essas marcas.

Segundo, é um acto de boa educação.

Terceiro, é uma prova de inteligência. Afinal, são elas que lhes pagam o pão que comem.

Depois, isso não implica necessariamente grandes sacrifícios. David Ogilvy foi votado o homem mais bem vestido da América no ano em que a sua agência ganhou a conta da Sears Roebuck, um retalhista bem popular. Mas é claro que ficou bem mais feliz por seguir a regra quando a Rolls-Royce aterrou na agência.

Penso que os portugueses em geral deveriam adoptar a mesma regra. Por quê comprar Renaults, se a Renault se portou tão mal com o país? Por que é que não há mais gente a comprar Volkswagens, Seats, Skodas, Audis ou, se querem coisa mais fina, Bentleys, Porsches, Lamborghinis ou Bugattis se é o Grupo Volkswagen que demonstra gostar de nós investindo e criando postos de trabalho na Auto-Europa e em todos os fornecedores nacionais de peças e acessórios que adquire? Outro comportamento parece-me pura e simplesmente estúpido.

(Cá por mim, para a lista atrás ser completa só faltam os Maserattis. Mas, enfim, ninguém é perfeito.)

Na foto: o Bugatti Veyron.

27.11.07

The Flying Burrito Brothers: Lazy Day

The Flying Burrito Brothers: Six Days on the Road

26.11.07



Frank Horvat
: Very similar.

"It is better when physicians worry too much about a patient's health than when they worry too little"

Reflexões de Paul Samuelson sobre a actual crise financeira:
Today, central bankers and U.S. Treasury cabinet officers cannot know whether current interest rates are too high or too low. This is surprising, but true. The safest bond interest rates are indeed low. But financial panic engendered by the burst bubble of unsound U.S. and foreign mortgage lending means that even a mammoth corporation like General Electric would find it expensive now to finance a loan needed to build a new and efficient factory.

(...) Here are my tentative suggestions:

Watch developments closely. If America's Christmas retail sales fail badly - as they could when high energy prices and high mortgage costs pinch consumers' pocket books - then be prepared to accelerate credit infusions by central banks on the three main continents.

Keep in mind threats of excessive inflation. But be aware that the skies will not fall if the price-level indices blip up from 1.9 to 2.6 percent per annum. What worsens the public's expectations about price instability are excessive spikes in the cost of living.

Esse troféu não é teu

"Sou a pessoa que eu conheço menos capaz de ver um filme em dvd do princípio ao fim", diz o Ivan. Estás enganado, pá, estás enganado.


Frank Horvat: Very similar.

Imaturidade política

"O Partido Socialista está objectivamente a enfraquecer a nossa democracia permitindo e patrocinando o que de pior há entre os seus piores apoiantes envolvidos no aparelho do Estado. Temo que estejamos a caminhar no sentido oposto ao indispensável à maturidade política do nosso regime. Um processo cujo tempo e urgência percebo como comparáveis aos do tão acarinhado desafio de equilíbrio orçamental."

Rui Branco, no Adufe.

Os mitos da economia portuguesa



Li ontem à noite, de um fôlego, este livro altamente recomendável de Álvaro Santos Pereira, blogger e Professor de Economia.

Estribado nos factos relevantes e suportado por uma evidente familiaridade com a teoria económica relevante, Santos Pereira desmonta eficazmente uma boa parte da conversa da treta sobre competitividade externa, níveis salariais, produtividade, ameaça espanhola, fundos estruturais e temas similares com que todos os dias somos bombardeados.

A ler por toda a gente que se interessa por assuntos económicos, e, antes de mais, pelos jornalistas da especialidade.

25.11.07



Irving Penn.

À atenção de Bento XVI

Interrogado pelo Diário Notícias sobre qual é, para ele, o objecto indispensável, Ricardinho, a estrela da selecção nacional de futsal, não só se esqueceu de mencionar o preservativo, como respondeu isto:

"O telemóvel e o crucifixo."


Na crença de Ratzinger, a afirmação roça a blasfémia. Um sacerdote dessa persuasão admoestaria severamente Ricardinho e condená-lo-ia a um Padre-Nosso e três Avé-Marias. Se fosse mais caridoso, dar-se-ia ao trabalho de explicar-lhe em que consistira o pecado e o artista da bola prometeria não reincidir.

Na religião popular portuguesa, a contradição resolver-se-ia com o download para o telemóvel de um écrã representando Nossa Senhora e de um toque polifónico do hino "13 de Maio".

É só uma ideia

Se o Kadafi pede para ser instalado numa barraca, se calhar podemos invocar o precedente para alojar o Mugabe na Pedreira dos Húngaros.

23.11.07

Campos e Cunha e a Estradas de Portugal SA

Já aqui confessei que não entendo as explicações do Governo para a passagem da Estradas de Portugal a sociedade anónima de capitais públicos.

É justo acrescentar que, em matéria de obscuridade, Luis Campos e Cunha não fica a dever nada ao executivo.

O seu artigo de hoje no Público é uma trapalhada confrangedora, sobretudo tendo em conta que quem o assina é um professor universitário de créditos firmados. Sim, aparentemente é possível uma pessoa ser altamente competente e inteligente, apesar de não saber escrever. Como é complicado este mundo!

21.11.07

O empate foi um resultado honroso

Se vi o jogo? Eu não preciso de ver aquilo que consigo perfeitamente imaginar.


Frank Horvat.

20.11.07

Ainda sobre os rankings

Há dias, o Abel Baptista fez-me notar em conversa que é possível treinar-se as criancinhas para obterem melhores resultados em testes sem que isso implique uma melhoria da sua educação. Imaginem o meu sobressalto quando há dias li este parágrafo nas páginas 146 e 147 do Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth de John Roberts, Professor de Economia, Gestão Estratégica e Negócios Internacionais na Graduate School of Business da Universidade de Stanford:
A popular proposal would pay US public teachers more if their students do better on standardized tests. In contrast, teachers' pay is now usually based on credentials and experience, so the explicit, financial incentives for performance are quite weak (although intrinsic motivation is obviously real and important). Proponents of the proposed reform argue that providing stronger incentives would lead to better performance by teachers and their pupils. In all likelihood it would, in fact, lead teachers to do more of whatever it takes to help their students do well on tests, particularly if the performance element of pay were substantial. However, it would also likely lead them to spend much less time and effort on things that are not measured on the tests. Indeed, in California, where schools' fundings is tied to student performance on standardized tests of mathematics and reading, there are claims that teachers have de-emphasized teaching other sibjects, even though their pay is not directly affected by the test results. Some of these other things may be very important. They include not only other academoc subjects (which could possibly be included in the testing), but also things hard to measure, like helping develop students' characters, teaching ethical behavior, and encouraging good citizenship. Measuring what teachers do on these dimensions in a relatively precise and timely fashion seems very problematic. So merit pay based on test performance is likely to drive these out, although they are provided in the absence of explicit incentives. Even worse, it might lead the least scrupulous teachers to fund inappropriate ways to ensure their students succeed, such as getting hold of the test questions in advance. There actually have been some instances of such behavior in New York state, where performance on the state examinations at the end of high school is hugely important.
Para que não haja dúvidas, o que ele aqui nos diz é que não só a remuneração dos professores em função dos resultados dos testes dos seus alunos, como a mera valorização das escolas com base nesse indicador conduzirá, muito provavelmente, a resultados perversos. Para ser mais específico, provocará a degradação da escola pública.

Convém também perceber o contexto em que surge esta informação. John Roberts não é um economista qualquer: trata-se de um dos maiores especialistas mundiais em economia das organizações e, muito em particular, na teoria dos incentivos. A citação que aqui deixo foi extraída precisamente do capítulo "Motivation in the Modern Firm", no qual ele discute o modo como os incentivos podem ou não funcionar e e em que condições. Portanto, Roberts não é, bem pelo contrário, alguém que se oponha por razões de princípio à gestão por objectivos ou à utilização de incentivos monetários para premiar o esforço nas organizações.

A obra citada supera muito provavelmente neste momento tudo o que se encontra publicado sobre o tema, razão pelo qual foi considerada em 2004 pelo Economist como o melhor livro de gestão do ano.

Pois é, isto da gestão por objectivos é mais complicado do que parece. Nas mãos de gente dada ao honesto estudo e à ponderação, pode contribuir para melhorar a situação de partida. Nas mãos de selvagens ignaros, pode conduzir à barbárie.


Robert Longo: Hell's Gate.

19.11.07



Richard Avedon.

Dizes-lhe tu ou digo-lhe eu?

Pelo que li, o encontro entre o Papa e os bispos portugueses deve ter sido uma conversa de surdos.

Ratzinger, que só conhece o mundo dos livros - ainda por cima santos - não suspeita que o catolicismo popular português é, para todos os efeitos, uma religião diferente daquela em que ele foi educado na sua Alemanha natal.

Com as suas promessas, benzeduras, relíquias, esconjuros, penitências, ex-votos, terços e procissões, a religião tradicional portuguesa deve ser a coisa mais parecida com o paganismo da Antiguidade Clássica que ainda se pode encontrar na Europa.

Acontece que, com o tsunami social que o país sofreu nos últimos anos, as condições sociais que davam sustentação a essas crenças despareceram de uma vez por todas. Tinha afinal razão Afonso Costa: o catolicismo que ele conheceu desapareceu para todos os efeitos práticos antes de terminado o século vinte.

A presença da Igreja portuguesa entre o povo reduz-se hoje aos terços pendurados nos retrovisores que constituem a verdadeira previdência rodoviária, às cerimónias de benção das pastas dos universitários finalistas e às faustosas festas de casamento e baptizados que sinalizam a ascensão social dos promotores.

Da vivência popular desapareceu qualquer traço de religiosidade genuína, para sobrar apenas a superstição.

De resto, a única coisa que parece mobilizar a Igreja é a moral sexual - um tema que, precisamente, pouco entusiasma os homens e as mulheres de hoje.

Alguém terá coragem para explicar isto a Bento XVI?

Homem ao mar

Por que será que o bacalhau desempenha um papel tão relevante na nossa gastronomia, quando para pescá-lo é preciso navegar milhares de quilómetros rumo ao Norte?

Primeiro, porque há séculos que aqui perto não há peixe suficiente para alimentar a população. Segundo, porque temos grandes reservas de sal para conservar o peixe seco.

Uma pessoa sente-se tentada a pensar que o mar que nos calhou em sorte não se destaca pela generosidade.

O mar tem inspirado em Portugal muita poesia, nem sempre de grande qualidade. Para além disso, tirando o já longínquo comércio do sal, a sua contribuição para o bem-estar do país reduz-se à qualidade das praias, a qual por sua vez originou, por via do turismo, o maior surto de prosperidade de todos os tempos.

Desgraçadamente, os portugueses acham pouco digno um turismo baseado em sol e praia, pelo que se esforçam por atrair visitantes com coisas em que o país é pobre, como sejam o património cultural e artístico. Deve ser por por isso que desdenham, como preocupação menor, limpar os areais de todas as lixeiras e construções clandestinas que os atulham do Minho ao Algarve.

Apesar de todas as evidências, não dá sinais de esmorecer o mito segundo o qual o mar é a nossa grande riqueza. O assunto excita particularmente Presidentes da República - em tempos Soares, agora Cavaco - sinal seguro de que não têm muito com que se ocupar.

Cavaco exige mais atenção ao Mar (assim mesmo, com maiúscula) e o assunto faz as parangonas dos jornais por um dia. Queremos apostar, ao que parece, na investigação oceanográfica, na biologia marinha, nas energias das marés. Na limpeza das praias e no ordenamento do litoral é que não.

Confusões

"Eu posso achar que Hitler segue mau caminho. Mas todos os sinais dizem que os alemães estão satisfeitos com a sua escolha. A democracia é isto."

Faz algum sentido? Pois é, e isto também não.

16.11.07

The Righteous Brothers: You've Lost That Lovin' Feeling

The Righteous Brothers: Unchained Melody

15.11.07

O que representa Hugo Chavez



Sim, é verdade: eu não compreendo a compreensão que algumas pessoas se esforçam a todo o custo por manifestar em relação a Hugo Chavez.

Reservem essa compreensão, se quiserem, para com o povo venezuelano; mas, por favor, não a estendam ao seu Presidente.

Política e ideologicamente, Chavez é um nacional-socialista, o que significa que é primeiro nacionalista, e só depois socialista.

Ganhou eleições como Hitler no seu tempo as ganhou. Isso não faz dele um democrata, porque as liberdades de expressão e de associação, entre outras, foram apenas instrumentos que usou habilmente para chegar onde chegou. Hoje, pode dar-se ao luxo de deitar fora a escada.

Dêem-lhe tempo, e ele inevitavelmente encontrará os seus judeus, muito provavelmente quando o preço do petróleo se afundar e se tornar para todos evidente que, presentemente, a Venezuela não tem mais recursos para alimentar o seu povo.

Recordar é viver

As palavras e os actos

Argumentando que certas coisas não se negoceiam, Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, anunciou que, embora não tencione punir os médicos que pratiquem abortos nas condições previstas na lei, o organismo a que preside recusa-se a mudar o seu Código Deontológico.

Compreendo: para a Ordem, como para um certo catolicismo que preza mais os rituais do que o respeito por Deus e pelos homens, a ética é aquilo que se diz e escreve, não aquilo que se faz. De modo que estará tudo bem, na condição de que o discurso moralista não saia beliscado.

Não há por que nos admirarmos. Esta tomada de posição está de acordo com a prática a que a Ordem nos habituou: muito firme nas declarações abstractas, descontraída em extremo quando se trata de punir as violações dos princípios deontológicos de que se diz guardiã.

"Sepulcros caiados de branco" - não era assim que S. Paulo lhes chamava?

14.11.07

Algumas perguntas sobre a Estradas de Portugal

O facto de a oposição não parecer capaz de dizer qualquer coisa de sério sobre o projecto do Governo para a Estradas de Portugal não o converte automaticamente numa boa ideia.

Começando pelo princípio, desentendo os propósitos e fundamentos do que agora se pretende fazer.

Se a ideia não é esconder défices - e eu estou inclinado a acreditar nisso - qual será ela então?

O que é que se ganhou em transformar o anterior instituto em empresa pública e, agora, em sociedade anónima de capitais públicos?

Que sentido faz, em geral, criar empresas públicas cujas receitas resultam, na totalidade ou quase, de transferências provenientes do orçamento de Estado?

Qual a motivação de concessionar a exploração das estradas à empresa a criar ao mesmo tempo que se admite a possibilidade de abri-la à participação de capitais privados?

Que ganhos de eficiência se esperam dessa abertura ao capital privado?

Alguém acredita que um monopólio privado funciona melhor do que um monopólio público?

Como resistir, depois de implantado o modelo, à tentação de proporcionar à empresa novas fontes de receita para ajudá-la a assegurar a sua rentabilidade? Não teremos nós já no país exemplos que bastem desse efeito perverso?

Acima de tudo, como espera o Governo estimular os capitais privados a assumirem riscos investindo em projectos inovadores e de valor acrescentado para o país, se o mesmo Governo insiste - como o comprovam este caso e o da adjudicação da construção e exploração do novo aeroporto de Lisboa - na prática tradicional de lhes arranjar negócios altamente rentáveis e de risco nulo?

Parece-me difícil contestar que, ao enveredar pelo caminho anunciado, o Governo escolheu uma via de consequências imprevisíveis mas potencialmente graves para o país, que, pior ainda, ficarão connosco por muitas gerações.

Pode ser que o executivo tenha boas razões para isso. Por mim, só vislumbro uma: a eventualidade de se prever um agravamento tão dramático da situação financeira da Estradas de Portugal que se torna inevitável uma injecção urgente de vultuosos capitais, sendo que, não querendo ou não podendo o Estado assumir essa responsabilidade, não lhe resta outra opção senão pedir a ajuda dos privados.

Se é isso, torna-se imperativo que seja dito com toda a clareza. Por duas razões: para podermos responsabilizar as políticas e os políticos que nos conduziram a esta situação; e para podermos avaliar com perfeito conhecimento de causa os fundamentos da nova política que agora nos é proposta.

Haverá vida depois do défice?

Com o défice das contas públicas em 3% e a inflação também próxima dos 3%, é claro que, mesmo que o produto estagne, o endividamento público não cresce em proporção do PIB. Crescendo a produção, mesmo que pouco, ele começará a diminuir. Acresce que, encontrando-se uma parte da dívida pública denominada em dólares, a desvalorização da moeda americana implica a sua redução em euros.

Moral da história: o papão do défice estatal tem os seus dias contados, de modo que a insistência nessa tecla para justificar a contenção a todo o custo das despesas públicas, ou, alternativamente, a manutenção dos impostos s um nível elevado, deixou, dessa perspectiva, de fazer sentido.

Vale a pena recordar que, quando subiu ao poder, o PS criticava com razão a excessiva concentração das atenções no défice orçamental em detrimento da falta de competitividade das empresas portuguesas. Aparentemente, perdeu de vista essa perspectiva no momento em que ela mais falta nos faz.

Porque o que se passa é que, embora o défice estatal se encontre controlado, pouco se progrediu ainda do lado da balança externa das transacções correntes (exportações menos importações de bens e serviços), cujo défice, se não me engano, continua a rondar os 8% do PIB. Não se vislumbrando a possibilidade de esse saldo negativo ser nos tempos mais próximos coberto pelo investimento directo estrangeiro, o seu financiamento implica o crescente endividamento externo privado.

Ora o que isto significa é que só após um período longo de forte crescimento das exportações será possível o Estado estimular o consumo interno sem correr o risco de fomentar um novo agravamento das contas externas e, por decorrência, também do desemprego.

Dionne Warwick: Walk on By

13.11.07

Liberdade de expressão

O Presidente da Rave pronunciou-se publicamente sobre as consequências da localização do novo Aeroporto de Lisboa em Alcochete para a ligação da capital ao Porto por TGV.

José Manuel Fernandes, especialista em armas de destruição massiva, suspeita obscuras conspirações e escandaliza-se por a RAVE vir dizer o que tem para dizer.

Francisco Van Zeller, Presidente da CIP, cujo envolvimento na promoção do estudo da localização do novo aeroporto continua por explicar, denuncia as manobras da Rave para descredibilizar a opção Alcochete.

Rui Moreira, mais conhecido como comentador desportivo do que como Presidente da Associação Comercial do Porto, adepto do 4-3-3 e da Portela+1, "não admitirá" que a Rave tente desqualificar o estudo que, não se sabe a que propósito, a associação que dirige vai apresentar até ao fim do mês.

Com tudo isto, não lhes sobrou infelizmente tempo para responderem às objecções da Rave.

José Manuel Fernandes vs. Público

No Domingo, na colorida linguagem a que ultimamente nos habituou, o Público afirma que a RAVE "arrasa" o estudo da CIP para o aeroporto em Alcochete na parte relativa à rede de Alta Velocidade e às travessias do Tejo, evidenciando a sua "ligeireza" e os seus "erros crassos".

Na 2ª feira, o Director do Público arrasa implicitamente o artigo publicado na véspera, atribuindo a origem da informação nele contido a uma sórdida manobra de bastidores do Ministro Mário Lino apostado em desacreditar a alternativa Alcochete.

Problemas no balneário? Mas não seria mais apropriado lavar a roupa suja dentro de casa?

12.11.07

Esquerda moderna é...

...assistir à humilhação do republicano pelo rei e aplaudir o rei.

The Byrds: All I Really Want to Do

The Byrds: Goin' Back

The Byrds: We'll Meet Again

8.11.07

Practice makes perfect



O Binya tem vindo a praticar esta jogada nas últimas semanas no campeonato português perante a indiferença generalizada da crítica. Um amigo meu acha que, infelizmente, para um artista ver ser reconhecido o seu valor tem que ir lá para fora, de outro modo nunca conseguirá que neste país ingrato lhe mostrem um cartão vermelho.

Mas a mim parece-me que, para sermos justos, haveremos de convir que, até agora, ele não atingira ainda este grau de brilhantismo. Os grandes executantes motivam-se mais para partir pernas quando defrontam grandes adversários - nas Antas ou em Glasgow, por exemplo.


El Lissitzky.


Rodchenko.


Pevsner: Espírito.


Tatline: Monumento à 3ª Internacional, 1920.

7.11.07



Rodchenko.


Rodchenko.


Maiakovski.



Rodchenko
.


Maiakovski: Agit-prop.


Maiakovski & El Lissitzky: Pela Voz, 1923.


Maiakovski: Paz com a Polónia, 1920.

Outubro



"Liberdade apenas para os membros do Governo, apenas para os membros do Partido - por muito numerosos que eles sejam - não é liberdade nenhuma. A liberdade é sempre a liberdade da dissensão. A essência da liberdade política não está dependente dos fanáticos da "justiça", mas dos efeitos revigorantes, benéficos e purificadores da dissensão. Se a "liberdade" se transformar num "privilégio", o funcionamento da liberdade política ficará arruinado."

"Sem eleições gerais, sem liberdade incondicional de imprensa e de reunião, sem o livre confronto de opiniões, a vida desaparece de todas as instituições públicas, torna-se num mero simulacro de vida, restando apenas a burocracia como elemento activo."

Rosa Luxemburgo, 1918.

6.11.07



Richard Avedon.

5.11.07

O proto-Rousseau

Filomena Mónica e os seus seguidores na cruzada contra o "eduquês" estão convencidos ter sido Rousseau o primeiro a recomendar que o ensino tomasse por ponto de partida e de chegada o aluno. No seu "From Dawn to Decadence", Jacques Barzun faz notar que o pioneiro dessa orientação foi o checo Coménio (Jan Komensky), o pai da moderna pedagogia que, neste particular, antecipou o genebrino em quase um século. Ora leiam:
"At this point anyone who has had much to do with education or has dipped into its history can guess what Comenius said: things, not words - hence the Sensualium of the textbook. Change school from a prison to a scholae ludus (play site), where curiosity is aroused and satisfied. Stop beatings. Reduce rote learning and engage the child's interest through music and games and through handling objects, through posing problems (the project method), stirring the imagination by dramatic accounts of the big world. The Orbis Pictus teaches objects and places, simultaneously with words, by means of pictures to be studied and talked about, a first hint of the audiovisual in education. Comenius would also teach a universal religion compatible with modern science, "Pansophia". All children should be schooled at state expense, starting very early in affectionate surroundings: nursery school for the four- to six-year olds. He added the substance of the 20C thought-cliche: education goes on as long as life."
Está aqui tudo o que os críticos retrógrados da escola moderna abominam: a ideia de que o ensino deve proporcionar prazer aos alunos; que a repressão não é o melhor método; que os jogos são uma boa maneira de aprender; que se aprende fazendo; que é tarefa dos professores estimular a imaginação e o debate; que a escola deve ser capaz de competir com os novos media; que o ensino deve preparar para a vida e deve continuar durante toda a vida.

Coménio viajou extensivamente por diversos principados alemães, pela Húngria, pela Lituânia, pela Polónia, pela Inglaterra e pela Suécia, e em todas essas paragens abriu escolas inspiradas nas suas ideias.

A Portugal não veio, claro está; mas, mesmo que tivesse vindo, os Jesuítas, antepassados dos professores Nuno Crato e Carlos Fiolhais, não lhe teriam permitido criar nenhum estabelecimento.

Para encerrar o assunto

JCD acha que os rankings "servem para saber". A prova que não servem é que ele não sabe.

"Mesquinhez e falta de curiosidade"



Diogo do Couto

Relendo "The Wealth and Poverty of Nations" de David Landes, encontrei nas páginas 135 e 136 estas linhas:
"Portuguese intellectual shortcomings soon became a byword: thus Diogo do Couto, referring in 1603 to "the meanness and lack of curiosity of this our Portuguese nation"; and Francis Parry, the English envoy at Lisbon in 1670, observing that "the people are so little curious that no man knows more than what is merely necessary for him"; and the 18th century visitor Mary Brearley who remarked that "the bulk of the people were disinclined to independence of thought and, in all but a few instances, too much averse from intellectual activity to question what they had learned."

"Through this self-imposed closure, the Portuguese lost competence even in those areas they had once dominated. (...) By 1600, even more by 1700, Portugal had become a backward weak country. (...) Very provocative words [from Dom Luis da Cunha], but right on the mark: if the gains from trade are substantial, they are small compared to trade with ideas."
Qualquer pessoa que se dedique a ensinar - coisa algo diferente de "dar aulas" - sabe que os defeitos cruciais dos nossos alunos continuam hoje a ser não a indisciplina e a resistência à autoridade, mas a carência de espírito inquisitivo, a predisposição para aceitar acriticamente o que lhes transmitido e o receio de cultivarem e manifestarem opiniões próprias.

É antes de mais a superação desses defeitos atávicos que deve, por isso, preocupar a nossa escola.

Um post muito estranho

Desidério Murcho escreve o seguinte no post "Racismo e hipocrisia", sem favor a coisa mais estranha que me lembro de ter lido nos últimos tempos, mesmo sem ter em conta a pontuação:
"Vejamos: uma besta qualquer faz uma declaração pretensamente falsa, empiricamente, e toda a gente fica histérica, no nosso país. Hum. Mas nunca vi um jornalista negro ou uma deputada negra; tive uma única colega negra enquanto estudei na faculdade; no nosso país, praticamente só os filhos dos médicos, arquitectos, advogados e professores universitários cursam medicina — e quase nenhuns destes são negros; não há praticamente professoras e professores negros ou de outras etnias no ensino secundário ou básico - mas não faltam na construção civil. Perante este factos - estes sim, verdadeiramente abomináveis - como justificar tanta histeria perante as declarações de Watson?"
Por conseguinte, segundo o autor do post, eu só posso criticar as declarações de Watson no dia em que a sociedade portuguesa deixar de ser racista, caso contrário estarei a ser histérico e hipócrita. Tem piada, tinha a impressão que a filosofia da lógica era uma das especialidades de Desidério Murcho.


Frank Horvat.

Ligeti: Concerto Sinfónico para 100 Metrónomos

4.11.07

Pela paz no mundo

Às vezes, em noites de lua cheia, sinto um desejo louco de atacar as caixas de comentários dos honestos cidadãos para lá depositar afirmações irresponsáveis e tresloucadas. Como, na minha doidice, nem sequer tenho o cuidado de enfiar um capuz ou uma mascarilha, fui agora apanhado em flagrante pelo Maradona, que a esse propósito produziu um indignado relambório.

O caso é que calhou surpreendeu-me num post do António Figueira sobre Isaiah Berlin no Cinco Dias a ideia de que o russo-britânico pudesse ser considerado um prosador magnífico e, vai daí, aproveitei de passagem para questionar o valor global dos seus escritos.

Ora o Maradona, sempre de atalaia, descortinou aí sagazmente uma posição "desequilibrada", o que o deixou compreensivelmente transtornado.

Pois é, também eu acho o "equilíbrio" uma coisa muito bonita, quase tanto como casar virgem ou beijar a mão às senhoras. Acontece que, às vezes - seja por ter passado um dia a esforçar-me por conciliar posições, por me ter caído mal o almoço, ou, mais simplesmente, por não estar com cabeça para tanto - não me apetece ser equilibrado. É aí que, em vez de escrever um post, eu opto por atacar nas caixas de comentários. Estou certo de que o Maradona conhece o sentimento.

Seja como for, consolar-me-ia que o Maradona reconhecesse mais "equilíbrio" nesta outra ocasião - a única, aliás - em que me esforcei por escrever algo aproximadamente assizado sobre Berlin:
O que mais me agrada em Isaiah Berlin é o que de mais convencionalmente judeu há nele, ou seja, aquelas mesmas qualidades que tanto desagradam aos anti-semitas: a incapacidade de se sentir completamente em casa em qualquer lugar ou doutrina particular e, por decorrência, a crença na importância da pluralidade dos valores e a recusa a reduzir a vida intelectual e moral a rígidos esquemas abstractos.

Berlin gostava de dizer que se sentia uma espécie de taxista: incapaz de se decidir por tomar um rumo bem definido enquanto não aparecesse alguém que lhe dissesse: «Leve-me a tal sítio» ou «Siga aquele carro».

As suas tentativas de produzir um pensamento filosófico coerente não me impressionam. Tampouco encontro grande valor na distinção que propôs no seu Essay on Liberty entre liberdade negativa e liberdade positiva. Não recomendo a ninguém que siga em detalhe a intrincada argumentação com que tentou fundamentar a sua tese, porque é tempo perdido.

Ao que dizem, Berlin foi um notável orador, tanto pela sua presença física como pela sua capacidade de apresentar um assunto sob diversos e inesperados ângulos. Muitos dos seus escritos traem uma origem oral, o que, embora lhes confira um tom informal e despretensioso, nem sempre é um mérito. No seu ensaio sobre Maquiavel, por exemplo, as contínuas repetições da ideia essencial segundo a qual o florentino seria um proponente convicto de uma ética pagã em confronto aberto com a convencional ética cristã acabam por se tornar maçadoras para quem o lê.

Tampouco vejo Berlin como um grande historiador de ideias, na medida em que, fixando-se demasiado em determinadas personalidades chave, e atribuindo uma importância excessiva à sua contribuição individual, ele parece incapaz de seguir o fio de uma ideia, desde o seu surgimento até à sua decadência, passando pelas suas diversas fases de desenvolvimento, saltando de cabeça em cabeça e de escola em escola.

Berlin é talvez mais interessante quando revela a importância de pensadores relativamente (e talvez injustamente) desconhecidos como Vico, Hamman ou de Maistre e nos mostra o modo subtil como eles anteciparam formas de pensamento que lograram influenciar o curso da história contemporânea.

Li recentemente que Berlin teria talvez sido um personagem menor se não fossem três ocorrências decisivas na sua vida: o seu envolvimento com a fundação do Estado de Israel; o seu trabalho diplomático tendo em vista persuadir os americanos a entrarem na Guerra ao lado da Grã-Bretanha; e, finalmente, a ligação que estabeleceu com os intelectuais russos após 1945, num momento particularmente negro da repressão estalinista.

Eis, pois, mais um homem infinitamente superior à obra escrita que nos deixou.
Desejo ao Maradona as maiores felicidades para a sua cruzada a favor da sensatez e do equilíbrio nas caixas de comentários. Não me ocorre nada de mais importante que neste momento pudesse ser feito a favor da paz no mundo.

3.11.07



Irving Penn.

Rankings e cheques

"O cheque-ensino não só não resolve nenhum dos problemas que já estão identificados no ensino português, como agrava o estigma da estratificação. Se a grande resposta da direita para o problema da educação em Portugal é este, então estamos conversados."

"Rankings, educação e desigualdades", mais um excelente post acerca da injustificada ofensiva da direita contra a escola pública, da autoria de Tiago Barbosa Ribeiro.

Ia-me esquecendo de dizer isto

É evidente que para memorizar a tabuada e os nomes dos reis de Portugal, que é mais ou menos o que os adeptos da escola-autoridade acham que ela deve ensinar, não é preciso os alunos frequentarem as aulas.

Os alunos só precisam de ir à escola para adquirirem competências. Ui, o que eu fui dizer!...

2.11.07



Richard Avedon.

O pecado original

Quer-me parecer que, tirando eu e (ao que depreendo do que escreve hoje no Público) Vasco Pulido Valente, mais ninguém trabalhou hoje em Lisboa.

O meu caso explica-se por si próprio: eu trabalho porque não sei fazer mais nada. Mas ignoro o que terá forçado VPV a rebaixar-se a este ponto.

Detecto, porém, na reacção de VPV à ponte de hoje, um azedume que não consigo partilhar. Suspeito que a condenação moral que ele ensaia dessa gente irresponsável que inopinadamente larga a figurativa enxada para ir dar um giro ao Algarve encontra a sua fundamentação na chamada "ética do trabalho", um conceito muito invocado mas pouco compreendido.

Ora, o que vem a ser ao certo a "ética do trabalho"? Nisto: em certos países (que não nomearei por não desejar ofender alguém), acredita-se que o descanso é pecado, e que o trabalho é redenção. Vai daí, a única justificação para gozar o fim de semana é ir à missa - o que, nesses países que não nomearei, toda a gente faz, tirando uma escassa minoria de elementos anti-sociais.

Logo, os economistas desses países inventaram uma noção para mim repugnante: a de que, sendo impossível ter-se prazer no trabalho, existe uma oposição polar entre o trabalho e o lazer: ou bem que uma pessoa está a trabalhar, ou bem que está a divertir-se.

Seria muito interessante comparar o que nesses países se diz com o modo como efectivamente se trabalha, mas não é por aí que agora desejo ir.

O meu ponto é que há uma distinção conceptualmente importante, mas frequentemente ignorada, entre trabalho e labor.

O labor respeita ao esforço; o trabalho ao seu resultado.

O labor avalia-se pela aplicação da força bruta durante um certo período de tempo; o trabalho, pela inteligência e técnicas apropriadas a que se recorre.

O labor é o conceito adequado para controlar mão-de-obra escrava ou aparentada; o trabalho, para dirigir a produção numa economia evoluída contemporânea.

A mim tanto se me dá que este sujeito vá de viagem ou que aquela empresa encerre as portas nesta sexta feira, desde que mantenham os compromissos que comigo previamente assumiram. Interessa-me o seu trabalho, não o seu labor.

É claro que este tema se relaciona com um outro que por estes dias enche as páginas dos jornais, ou seja, a questão de saber se as escolas devem ou não penalizar, e como o devem fazer, os alunos que faltarem às aulas.

Sem querer pronunciar-me directamente sobre o caso, sempre vos direi que sempre fui aquela espécie de aluno que só ia às aulas obrigado. A minha justificação é que não aprendia nada com a esmagadora dos professores. Na universidade, por exemplo, só tive, do primeiro ao último ano, três professores que sabiam dar aulas.

Hoje, como professor, continuo a ver as coisas exactamente da mesma maneira. Como me lembro do que passei, não entendo que tenha o direito de obrigar os alunos a virem às minhas aulas. Penso que tenho antes a obrigação de torná-las suficientemente interessantes para que eles queiram vir.

Será a frequência das aulas dispensável? Na maior parte dos casos, acho francamente que sim.

Mas, então, pergunto eu, se os alunos conseguem aprender sem vir às aulas, por que haveremos de forçá-los a comparecerem? Para justificar os postos de trabalho dos professores?

Ensino a distância? Venha ele!

O defeito genérico do nosso ensino - repito que não estou a comentar directamente o Estatuto do Aluno - é que se passa muito tempo a escutar palestras de maçadores que não sabem do que estão a falar, e pouco a ajudar os alunos a adquirirem conhecimentos e a assimilarem-nos da única forma que até hoje se inventou, isto é, através do trabalho dirigido e da prática repetida.

Se as aulas ajudarem os estudantes a adquirir os conhecimentos, eles não terão outro remédio senão frequentá-las. Se assim não for, estaremos todos a perder tempo.

Ora, isto vinha a propósito de quê?

Desmontando tretas

Se referências à hidroxilase de fenilalanina e à anemia falciforme não vos assustam, então não devem perder este post do Ludwig Krippahl sobre genes e inteligência.

O cheque em branco

Os partidários do cheque-educação acreditam que, na ausência de competição, as escolas públicas não têm incentivos para melhorar a qualidade do ensino.

Segundo eles, a solução poderia passar por o Estado financiar os alunos e não as escolas, atribuindo-lhes um cheque que entregariam ao estabelecimento da sua preferência, independentemente de ele ser público ou privado. O resultado esperado seria o acesso de todos a padrões superiores de educação.

Esta ideia, à partida interessante, defronta-se com algumas dificuldades práticas não negligenciáveis:

1. Na prática, uma grande proporção (senão a maioria) das famílias reside em áreas onde não há (nem há condições para haver) mais do que uma escola. Logo, a hipótese teórica de escolha não se traduziria numa possibilidade efectiva de escolha.

2. As zonas onde reside uma maior proporção de famílias abastadas atrai naturalmente mais novas escolas, pelo que seriam elas as principais beneficiárias da concorrência. Logo, a concorrência agravaria as diferenças de qualidade do ensino entre zonas ricas e zonas pobres.

3. Ao contrário das escolas públicas, as privadas não são obrigadas a aceitar alunos problemáticos. Quanto maior for o peso da escola privada na educação, maior será o fosso entre o desempenho da escola pública e o da escola privada.

4. Dado que todas as escolas têm limites de capacidade, as melhores deveriam instituir barreiras à entrada, favorecendo naturalmente os alunos com melhor background.

5. Alternativamente, as melhores escolas privadas poderiam aumentar os seus preços, mais um factor de agravamento das desigualdades sociais.

Como tornear estes problemas? Uma possibilidade consiste em impor a uniformidade dos preços. Outra, em proibir o afastamento dos alunos mais fracos ou a selecção baseada no background social.

A primeira solução é fácil; a segunda, virtualmente impossível, mesmo montando uma imponente máquina burocrática de controlo do sistema.

Parece evidente que o sistema do cheque-educação só poderá funcionar satisfatoriamente se se encontrarem reunidas duas condições em simultâneo:

1. Reduzidas desigualdades da população à partida dos pontos de vista económico, social e cultural

2. Grande concentração geográfica da população

Não sendo esse o caso do nosso país, o cheque-educação só poderia permitir um aumento da qualidade média das escolas à custa do agravamento das desigualdades entre elas.

O sistema já foi experimentado nalgum sítio? Sim, está em vigor na Suécia desde 1992 e numa cidade do Wisconsin (EUA) em 1990. Não há investigação académica independente sobre os resultados destas experiências.


Frank Horvat.

1.11.07

Ensaios de engenharia especulativa

O caso McCann demonstrou que alguém com uma agenda bem definida e uma razoável capacidade financeira consegue fazer o que quer da imprensa portuguesa durante meses a fio.

O estranho caso do novo aeroporto de Lisboa vem reforçar essa impressão.

Durante os últimos dias assistimos à aceitação acrítica pelos principais jornais das alegações mirabolantes postas a circular pelos defensores da opção Alcochete.

Coube desta vez ao Diário Notícias o papel mais ridículo, ao anunciar em manchete que a hipótese Alcochete custaria menos 3 mil milhões de euros do que a alternativa OTA. Um verdadeiro milagre bíblico, visto que, estando o custo total da OTA estimado em 3 mil milhões de euros, isso significa que Alcochete seria absolutamente grátis!

Para não ficar atrás do seu tonto rival, é hoje a vez do Público assumir como boas as contas do estudo promovido pela CIP. Desta vez, porém, a economia na construção do aeroporto já não seria de 3 mil milhões, mas apenas de mil milhões. Aparentemente, estariamos a melhorar.

E como se consegue então essa redução de custos? Ora bem, cortando na movimentação de terras e nas expropriações que a OTA implicaria.

Mas há mais. Segundo o prodigioso Professor Doutor Engenheiro José Manuel Viegas - caso não saibam a mente brilhante por detrás dos milhões de toneladas de betão que nas últimas duas décadas submergiram o país de Norte a Sul, sem esquecer as Ilhas - seria ainda possível evitar construir a ponte Chelas-Barreiro (menos 800 milhões de euros) e a linha de TGV para a OTA (menos mil milhões de euros).

De maneira que, afinal, tendo em conta os custos da acessibilidade, os técnicos contratados pela CIP conseguiriam mesmo poupanças próximas dos 3 mil milhões de euros. Para além disso, Viegas duvida que a OTA pudesse estar construída em 2017 (inclina-se mais para 2019), mas garante que Alcochete estaria pronta em 2017.

Assaltam-me de imediato algumas dúvidas, que visivelmente não ocorreram aos jornalistas do Público:

1. Por que é que Viegas não contabiliza como custos de Alcochete as compensações a atribuir à Força Aérea como contrapartida pela cedência do espaço que actualmente ocupa. Não sabe? Pois é, nem eu sei, e provavelmente ninguém saberá. Mas não é sério fingir que não existem ou que serão desprezíveis. Ao contrário do que presumem os partidários de Alcochete, os terrenos têm dono e têm um preço.

2. A que propósito é que os custos da ponte Chelas-Barreiro devem ser imputados à OTA? Aparentemente, trata-se apenas de uma artimanha para inflacionar os custos dessa alternativa e fazer esquecer que a opção Alcochete, essa sim, implica investimentos em novas travessias do Tejo.

3. Por que é que Viegas se permite atribuir integralmente os custos do TGV à OTA, se eles são uma parte do investimento de ligação de Lisboa ao Porto através da alta velocidade?

4. Como é que Viegas sabe quanto vão custar os trabalhos de preparação dos terrenos de Alcochete se, ao contrário do que se passa na OTA, não existe ainda nenhum estudo de pormenor do local?

5. Como é que Viegas sabe quanto vão custar as novas travessias do Tejo, se não só não existe nenhum projecto detalhado para elas, como ainda o acordo assinado entre o Estado e a Lusoponte o obriga a adjudicar a obra sem concurso público a essa empresa?

6. Finalmente, como é Viegas pode estar tão certo de que Alcochete estará pronto sem falta em 2017, se não existe ainda qualquer projecto específico para o aeroporto que propõe.

Deixo ainda de parte outras questões pertinentes, como seja a de a passagem do TGV Lisboa-Porto por Alcochete implicar um acréscimo mínimo de 15 minutos na deslocação de alta velocidade entre as duas cidades.

De tudo isto, duas conclusões me parecem evidentes:

1. Os autores do estudo com conclusão encomendada somam arbitrariamente custos à opção OTA para a encarecerem desproporcionadamente.

2. Comparam estimativas sólidas baseadas em estudos de pormenor (no caso da OTA) com meras especulações insuficientemente fundamentadas (no caso de Alcochete)

3. Adiantam estimativas inteiramente fantasiadas sobre custos de travessias do Tejo para as quais não existe qualquer projecto de engenharia

Em conclusão, o Professor Doutor Engenheiro José Manuel Viegas revela-se, mais uma vez, um ás em engenharia especulativa, uma especialidade que, por ter tanta aceitação entre nós, é responsável por inúmeros desastres urbanísticos, ambientais e financeiros.

Decididamente, fica muito caro ao país ter uma imprensa sem sentido crítico que aceita como bons os argumentos mais estrambólicos que lhes são postos nas mãos.


Fletcher Hanks.

Imprensa com falta de memória

Desta vez estou de acordo com José Manuel Fernandes. Escreve ele hoje, criticando a carência de pensamento estratégico sobre o impacto que as grandes infra-estruturas públicas têm sobre o território, "não apenas no curto prazo, mas no médio e longo prazo":
"Assim se chegou, por exemplo, à decisão de construir uma ponte entre Moscavide e Alcochete e de colocar o comboio na Ponte 25 de Abril, quando na época teria sido muito mais racional ter construído uma ponte rodo-ferroviária entre Chelas e o Barreiro e dirigido para a Ponte 25 de Abril o metro ligeiro."
Certíssimo. Mas talvez seja útil recordar que o autor da solução criticada foi o ilustre Professor José Manuel Viegas, à data assessor do Ministro Ferreira do Amaral e hoje co-autor do plano do aeroporto de Alcochete não se sabe ao certo por conta de quem.

O Professor Viegas - que, nos últimos vinte anos, já propôs a construção do novo aeroporto numa ampla variedade de localizações, cobrindo uma vasta área que vai de Pombal a Setúbal - presume que ninguém se lembra do que ele veementemente sustentou há poucos anos atrás.

E - considerando a falta de profissionalismo e de memória dos nossos media - pelos vistos presume bem.