2.11.07

O pecado original

Quer-me parecer que, tirando eu e (ao que depreendo do que escreve hoje no Público) Vasco Pulido Valente, mais ninguém trabalhou hoje em Lisboa.

O meu caso explica-se por si próprio: eu trabalho porque não sei fazer mais nada. Mas ignoro o que terá forçado VPV a rebaixar-se a este ponto.

Detecto, porém, na reacção de VPV à ponte de hoje, um azedume que não consigo partilhar. Suspeito que a condenação moral que ele ensaia dessa gente irresponsável que inopinadamente larga a figurativa enxada para ir dar um giro ao Algarve encontra a sua fundamentação na chamada "ética do trabalho", um conceito muito invocado mas pouco compreendido.

Ora, o que vem a ser ao certo a "ética do trabalho"? Nisto: em certos países (que não nomearei por não desejar ofender alguém), acredita-se que o descanso é pecado, e que o trabalho é redenção. Vai daí, a única justificação para gozar o fim de semana é ir à missa - o que, nesses países que não nomearei, toda a gente faz, tirando uma escassa minoria de elementos anti-sociais.

Logo, os economistas desses países inventaram uma noção para mim repugnante: a de que, sendo impossível ter-se prazer no trabalho, existe uma oposição polar entre o trabalho e o lazer: ou bem que uma pessoa está a trabalhar, ou bem que está a divertir-se.

Seria muito interessante comparar o que nesses países se diz com o modo como efectivamente se trabalha, mas não é por aí que agora desejo ir.

O meu ponto é que há uma distinção conceptualmente importante, mas frequentemente ignorada, entre trabalho e labor.

O labor respeita ao esforço; o trabalho ao seu resultado.

O labor avalia-se pela aplicação da força bruta durante um certo período de tempo; o trabalho, pela inteligência e técnicas apropriadas a que se recorre.

O labor é o conceito adequado para controlar mão-de-obra escrava ou aparentada; o trabalho, para dirigir a produção numa economia evoluída contemporânea.

A mim tanto se me dá que este sujeito vá de viagem ou que aquela empresa encerre as portas nesta sexta feira, desde que mantenham os compromissos que comigo previamente assumiram. Interessa-me o seu trabalho, não o seu labor.

É claro que este tema se relaciona com um outro que por estes dias enche as páginas dos jornais, ou seja, a questão de saber se as escolas devem ou não penalizar, e como o devem fazer, os alunos que faltarem às aulas.

Sem querer pronunciar-me directamente sobre o caso, sempre vos direi que sempre fui aquela espécie de aluno que só ia às aulas obrigado. A minha justificação é que não aprendia nada com a esmagadora dos professores. Na universidade, por exemplo, só tive, do primeiro ao último ano, três professores que sabiam dar aulas.

Hoje, como professor, continuo a ver as coisas exactamente da mesma maneira. Como me lembro do que passei, não entendo que tenha o direito de obrigar os alunos a virem às minhas aulas. Penso que tenho antes a obrigação de torná-las suficientemente interessantes para que eles queiram vir.

Será a frequência das aulas dispensável? Na maior parte dos casos, acho francamente que sim.

Mas, então, pergunto eu, se os alunos conseguem aprender sem vir às aulas, por que haveremos de forçá-los a comparecerem? Para justificar os postos de trabalho dos professores?

Ensino a distância? Venha ele!

O defeito genérico do nosso ensino - repito que não estou a comentar directamente o Estatuto do Aluno - é que se passa muito tempo a escutar palestras de maçadores que não sabem do que estão a falar, e pouco a ajudar os alunos a adquirirem conhecimentos e a assimilarem-nos da única forma que até hoje se inventou, isto é, através do trabalho dirigido e da prática repetida.

Se as aulas ajudarem os estudantes a adquirir os conhecimentos, eles não terão outro remédio senão frequentá-las. Se assim não for, estaremos todos a perder tempo.

Ora, isto vinha a propósito de quê?

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