31.12.09

Morreu David Levine, colaborador habitual deste blogue

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Rembrandt, por David Levine.
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Boas leituras para 2010

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30.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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29.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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28.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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27.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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Convalescença adiada

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Confesso a minha surpresa pelo artigo de Ricardo Reis no i de sábado em que se queixa de ser vítima de um maldoso boato propagado, entre outros, por João Rodrigues e por mim mesmo, segundo o qual ele teria afirmado em Agosto de 2007 que, “dentro de um mês a crise estaria esquecida”.

E onde reside, afinal a nossa mentira? Segundo Ricardo Reis, quem tiver lido toda a entrevista ao Diário Económico (e não apenas o título, que, presumo, considera pouco rigoroso), compreenderia que o que disse foi outra coisa, a saber, que nessa altura haveria apenas uma crise de liquidez, a qual, a menos que se convertesse numa crise financeira e depois numa crise real, rapidamente se varreria da nossa memória.

Concede que isso pode ser considerado um tanto oco (“pode ser grave, pode não ser, quem sabe”), mas que, admitida a sua vaguidade, a previsão até se revelou correcta. Tanto lhe basta para acusar de “preguiça”, “burrice” ou “desonestidade” quem assim não pense.

Postas as coisas nestes termos, não me resta senão voltar ao assunto. Em primeiro lugar, não fomos só eu e o João Rodrigues que interpretamos mal Ricardo Reis. O mesmo sucedeu com Tavares Moreira no Quarta República e André Azevedo Alves no Insurgente. Convenhamos que já é muita a gente a treslê-lo, mas compreendo que não os mencione para evitar insultar publicamente gente de quem, ao que parece, se encontra ideologicamente mais próximo.

Em segundo lugar, Ricardo Reis erra ao afirmar que a sua entrevista foi concedida em Julho de 2007, com o que parece querer justificar a sua percepção de que, nessa altura, se estaria ainda apenas perante uma crise de liquidez. Não o digo por ter sido publicada em 29 de Agosto, mas por nela ser comentada uma declaração de Teixeira dos Santos de 1 do mesmo mês. Não resta, pois, a mínima dúvida que a entrevista é de Agosto.

Recordo que as bolsas caíram com fragor a 7 de Agosto. Logo, resta a hipótese de a azarada entrevista ter sido concedida entre 2 e 6 (sem esquecer que, de permeio, ainda houve um fim de semana) para o álibi do nosso opinante se manter de pé. Mas seria legítimo pretender-se, na primeira semana de Agosto, que a crise de liquidez não se convertera ainda em crise financeira? A meu ver, não era: como poderia alguém supor que, dada a sua dimensão, a crise do subprime, então já bem evidente, não teria graves repercussões sobre o sistema financeiro americano e mundial?

Por tudo isso me surpreendeu o modo como Ricardo Reis decidiu repegar no assunto. Poderia ter admitido que se exprimiu mal, ou argumentar que à data da entrevista as coisas ainda não estavam claras, ou, mesmo, reconhecer que se enganou, mas não tem argumentos para pretender que a sua previsão se revelou correcta e que quem não o reconhece (muita e variada gente, como vimos) padece de uma grave falha de carácter e espalha “mentiras”.

Eu acho normalíssimo que alguém se engane, e estou certo de que já me enganei mais vezes e com mais gravidade do que Ricardo Reis. Aflige-me apenas a ideia de que tantos economistas se apeguem com o afinco que podemos constatar a concepções cujas limitações a presente crise revelou à evidência e que, por conseguinte, lhes custe tanto reconhecer (como, por exemplo, fez Alan Greenspan) que, a dado momento, elas lhes toldaram a capacidade de juízo, a ponto de continuarem a negar o desastre quando ele já era evidente para tanta gente.

A terminar, deixo-vos com mais duas judiciosas previsões de Ricardo Reis:

“O efeito na economia real dos problemas nos empréstimos ‘subprime’ deve ser pequeno.” (…) “O verdadeiro perigo é que os bancos estejam em piores sarilhos do que descobrimos nos últimos dias despoletando uma crise financeira. Mas, os bancos centrais estão vigilantes, pelo que este ainda é um cenário improvável” (DE, 16.8.07).

"Por um lado, a macroeconomia sugere uma manutenção das taxas de juro. Por outro lado, os mercados financeiros esperam que as taxas caiam 0,5% para restabelecer a calma e reactivar o mercado dos CDO. Manter as taxas pode levar a falências em catadupa e causar uma crise financeira; descê-las deve aquecer a economia e gerar inflação". (DE, 11.9.07)

Fiquem aí à espera do aquecimento e da inflação, que eu volto já.
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26.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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25.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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24.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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23.12.09

Por que é que antigamente se lia mais?

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Simples bom senso

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Também eu não acredito que o sistema monetário europeu seja, na sua actual configuração, produto de uma conspiração de ideólogos neo-liberais, mas é óbvio que os princípios que o informam foram fortemente influenciados pelo espírito do tempo.

É isso que explica que o mandato do BCE se limite ao controlo da inflação, sem qualquer preocupação com o desemprego ou com a taxa cambial do euro, situação que julgo singular em todo o mundo, tal como é único o grau de independência que lhe foi concedido.

Ora, a crise financeira demonstrou já que a concentração exclusiva na taxa de inflação não é sequer viável, quando mais recomendável. E, quanto mais completa a independência do banco central em relação às instâncias políticas, maior a sua dependência em relação a um grupo restrito e particular de interesses.

Estaremos ao menos de acordo nisto?

Os outros pontos levantados por João Ferreira do Amaral - papel reservado à política orçamental, financiamento monetário dos défices em situações especiais e admissão de medidas excepcionais para combater défices persistentes - parecem-me eminentemente razoáveis tendo em conta a experiência da última década.

Isto, é claro, se quisermos salvar o euro sem arruinar metade dos europeus.
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Contra o governo pelo "sentimento do mercado"

Excelente artigo de Robert Skidelsky no Financial Times:

"Why on earth should we take this market sentiment any more seriously than that which led to the great debauch of 2007? Markets, it is sometimes said, may not know what they are talking about, but governments have no choice but to do what they tell them. This is unacceptable. The duty of governments is to govern in the best interests of the people who elected them not of the City of London. If that means calling the bankers’ bluff, so be it."

22.12.09

O neo-liberalismo e eu

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É possível que ninguém tenha reparado, mas eu jamais utilizei a expressão "neo-liberalismo" naquilo que escrevo neste blogue ou fora dele.

Primeiro, porque a considero uma espécie de fato para marrecos, utilizada nas mais diversas circunstâncias e nos mais variados sentidos. Para alguma pessoas, entre as quais julgo incluirem-se os Ladrões, neo-liberalismo é praticamente tudo aquilo de que eles discordam.

Segundo, porque, embora seja avesso a algumas modalidades de liberalismo (designadamente nas suas variantes dogmática e interesseira) eu não só não tomo o epíteto como um insulto, como simpatizo genericamente com a ideia. Mais: entendo que o nosso país, em particular, necessita urgentemente de programas de liberalização em várias áreas.

O facto de eu subscrever o conjunto das propostas apresentadas por João Ferreira do Amaral a propósito da necessária refundação do sistema monetário europeu não implica que tenha que concordar com a fraseologia utilizada.

Somos, por enquanto, muito pouquinhos a pensar assim - ou pelo menos, a manifestar publicamente tais opiniões. Era o que faltava que nos dividissemos por questões de semântica.
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Os absurdos não se reformam, anulam-se

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Concordo com o que o Carlos Santos escreve sobre o total absurdo que subjaz ao impropriamente chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento. Como tal, não vejo interesse em reformá-lo.

Por isso é que, se o Carlos reparar bem, não propus reformar o PEC, mas reformar o sistema monetário europeu.
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21.12.09

E se o Parlamento deixasse de fazer crochê?

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Concordo com tudo o que João Ferreira do Amaral aqui diz sobre a necessária reforma do sistema monetário europeu e pergunto-me por que é que a Assembleia da República, em vez de se entreter a produzir programas de televisão, não toma iniciativa de promover um debate sério e aprofundado sobre o assunto:

"A política monetária deveria ter como objectivos, em pé de igualdade com a estabilidade de preços, o combate ao desemprego, o crescimento económico e a taxa de câmbio do euro;

"A total independência do Banco Central Europeu face ao poder político deveria ser eliminada;

"O papel macroeconómico da política orçamental no estimulo ao crescimento e no combate ao desemprego deveria ser reconhecido, levando a uma reformulação profunda do Pacto de Estabilidade e Crescimento;

"O financiamento monetário de défices públicos deveria ser admitido em situações de crise declarada;

"Deveria ser instituído um mecanismo processual que permitisse ao países da zona euro tomar medidas excepcionais para reequilibrar as suas contas com o exterior em caso de acumulação perigosa de dívida externa;

"Tudo o que é necessário fazer a nível macroeconómico será, afinal, abandonar os dogmas neoliberais que informaram Maastricht."

(Via Ladrão de Bicicletas.)
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O lado negro da "transparência"

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Há algum tempo que ando a pensar escrever algo na linha do artigo de Robert Skidelsky donde retirei estes extractos:
"The market logic of individual choice has been busy destroying the social logic of community. Formerly, leaders of the people were leaders of their communities, often personally known to those whom they served, and jealous of their reputations for probity and fair dealing. Trust was based on local knowledge fortified by continuous contact. The erosion of these powerful constraints on bad behavior was bound to produce a growing demand for public “accountability.”

(...)

"A low-trust society is the enemy of freedom. It will produce a juggernaut of escalating regulation and surveillance, which will reduce trust further and encourage cheating. After all, human nature is not only inherently gainful, but also takes satisfaction in gain cunningly achieved – for example, by finding ways round regulations. A free society requires a high degree of trust to reduce the burden of monitoring and control, and trust requires internalized standards of honor, truthfulness, and fairness.

"Systems in which people are trusted to behave well are more likely to produce good behavior than systems in which they are compelled to do so by regulation or fear of legal sanctions. Liberal societies must tolerate some degree of crime and corruption. But there will be less of it than in societies run by bureaucrats, courts, and policeman. In the former communist countries, private crime was virtually non-existent, but state crime was rampant."

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Vamos todos rezar para que a Grécia não arribe

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O problema da Grécia é um problema da Europa. Digam todo o mal que quiserem dos mercados, mas eles já perceberam isso. De modo que sucedeu o que tinha suceder: nos últimos dias, o euro perdeu valor face ao dólar.

Haverá alguma exportador que não fique contente com a notícia, tanto mais que ela implica, simultaneamente, uma desvalorização em relação à moeda chinesa?

Judas condenou-se à eterna perdição para assegurar o cumprimento da profecia. A Grécia sacrifica-se em prol de todos os europeus acumulando os défices que os restantes não ousam assumir.

Não se concebe atitude mais nobre. Sem o excessivo consumo deles, o que seria da excessiva produção alemã?

Oremos para que, tão cedo, não consigam voltar ao bom caminho.
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18.12.09

Massa cinzenta, precisa-se

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Tocam os sinos a rebate face à eventualidade de uma empresa brasileira adquirir uma participação dominante na Cimpor.

O Presidente da Caixa, detentora de quase 10% do capital da empresa, é citado pelo Jornal de Negócios como afirmando-se desinteressado em vender visto estar preocupado em "defender os centros de decisão nacionais".

Eu não acho que seja indiferente a nacionalidade dos proprietários das empresas, e acredito que, em certos casos bem definidos, a aquisição de uma empresa por investidores estrangeiros pode ter consequências muito negativas para um país. Estou a pensar, por exemplo, na venda da sua transportadora aérea.

Mas o que eu gostaria que Faria de Oliveira (ou o governo por ele) nos explicasse é que concretos interesses nacionais estão em causa na venda da... Cimpor?

Há receio de que a empresa seja deslocalizada? Absurdo.

Acaso desenvolve a empresa actividades de investigação cuja eventual eliminação empobreça o potencial científico e tecnológico do país? Duvido.

Ocupa a produção de cimento um lugar chave nalguma cadeia de valor que o país necessita de dominar? Não me façam rir.

Quer-me parecer, pois, que a invocação dos centros de decisão nacionais para defender os actuais proprietários da empresa não passa disso mesmo: utilização do poder político e da capacidade financeira do Estado para defender interesses privados sem ponta de relevância nacional.
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O estranho caso do Banco Central Europeu

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Quando, em 1942, Keynes começou a meditar no plano de reforma da ordem económica e financeira mundial no pós-guerra, uma das suas principais preocupações era prevenir e penalizar a ocorrência de sistemáticos excedentes comerciais nalguns países.

Na época, eram os EUA que se encontravam nessa situação; hoje, são a China, o Japão e a Alemanha, mas é claro que o problema chinês sobreleva todos os restantes.

Como se sabe, não triunfou o entendimento de Keynes, para quem o excesso de poupança devia talvez ser considerado o problema número um. De jeito que o FMI, a instituição central do sistema monetário internacional que emergiu após 1945, penaliza os devedores mas não os credores.

Esse preconceito contra a despesa e a favor da frugalidade não assenta em sãos princípios económicos, mas num bacoco moralismo de inspiração calvinista que, na altura, ia de encontro aos interesses dos EUA.

Sucede que, como a pouco e pouco se está a tornar claro, o BCE é uma espécie de FMI não só para os países da zona euro, como para todos os que integram a UE, e, ainda, para outros que a ela estão mais associados (ex: Islândia).

Ora, também no nosso FMI continental, prevalece a mesma despreocupação em relação ao comportamento daqueles governos cujas políticas mercantilistas alimentam em paralelo poupança interna excessiva e superávites externos colossais e crescentes, como é o caso da Alemanha.

Subsiste então na opinião pública e em muitos comentadores a pueril ficção de que é possível penalizar a Grécia sem ao mesmo tempo penalizar os bancos alemães, austríacos, ingleses e franceses que lhe emprestaram dinheiro.

Não é o caso. Se acaso a Grécia viesse a declarar a impossibilidade de pagar atempadamente o que deve, não tenhamos dúvidas de que, aí, a UE e o BCE interviriam.

Mas, então, o que faz sentido é intervirem imediatamente, caso contrário não só a crise grega poderá continuar a agravar-se, como crescerá a percepção de risco de outros países em dificuldades.

Os arranjos que subjazem ao espaço monetário europeu não fazem sentido. É altura de começar a pensar em reformá-los.
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Por que é que antigamente se lia mais?

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Red Bull não lhes deu asas

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Os salários são mais baixos e o desemprego mais alto no Norte do país, e a tendência é para a situação piorar.

Ontem, alguns distraídos souberam pelos jornais que o produto per capita da região de Lisboa é superior à média da UE (o que já é verdade faz tempo), ao passo que o Norte ficou para trás.

Falta acrescentar que a crise económica do país é, na verdade, a crise do Norte, cuja posição relativa não tem parado de degradar-se na última década. Distante dessa realidade, muita gente na capital não se dá conta de como pioraram as condições de vida de muitos portugueses.

No Norte estava e está instalada uma boa parte da capacidade industrial do país. Logo, a decadência das indústrias tradicionais (têxtil e vestuário em primeiro lugar), assentes em trabalho muito pouco qualificado e barato, fez-se sentir lá mais que em qualquer outro lado.

É estranho que, num país tão obcecado com a divergência em relação à UE, ninguém note a divergência interna que em boa parte explica essa divergência externa. Ou talvez eu devesse antes estranhar que as elites dirigentes do Norte não reconheçam nem enfrentem essa situação.

Ao que parece, a única coisa que as incomode e mobiliza é a Red Bull transferir um evento do Porto para Lisboa, ainda por cima em circunstâncias que confirmam a sua estranha apatia.

É a altura de o povo do Norte começar a perguntar-se se uma parte das desgraças que o afligem não se deverá em grande medida à parlapatice dessas elites, sempre mais prontas a debater o 4-3-3 na televisão do que o relançamento da região cujos destinos tão negativamente influenciam.
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17.12.09

Estado de catástrofe semiótica e mistérios da produtividade

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Vendo bem, o caos da sinalização instalada nas nossas ruas e estradas não é muito grave, porque a gente safa-se com o GPS.

O problema é que a mesma falta de lógica rege o funcionamento das nossas empresas e instituições e, para isso, ainda não há remédio à venda no centro comercial.

É disso que trata o meu artigo desta semana no Jornal de Negócios.
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15.12.09

Pesadelo encadernado

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Tive ontem um pesadelo. Sonhei que o mentecapto que traduz os títulos dos filmes era autorizado a fazer o mesmo com os livros. Eis alguns resultados do seu tresloucado labor:

A Ilíada - Rapto Sangrento

O Vermelho e o Negro - Ambição Sem Limites

Os Três Mosqueteiros - Os Quatro Mosqueteiros

Em Busca do Tempo Perdido - Memórias de Um Homossexual

O Processo - Erro Judicial

Os Maias - Incesto na Alta Sociedade

Amor de Perdição - Perdidos de Amor

Moby Dick - A Baleia Assassina

Os Irmãos Karamazov - Uma Família de Gritos

Dom Quixote - Sancho Pança

A Ilha do Tesouro - A Ilha do Tesouro
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Kubler-Ross

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A psiquiatra suíça Elisabeth Kubler-Ross (1926-2004) sustenta que, quando alguém é confrontado com a iminência de uma tragédia inelutável, o seu estádio de espírito passa por cinco fases distintas: recusa, raiva, negociação, depressão e aceitação.

Pelas minhas contas, estamos presentemente a assistir à fase da raiva. Com a discussão do orçamento para 2010 virá a negociação. Seguir-se-lhe-ão a depressão e, finalmente, a aceitação.

Há que respeitar o sofrimento alheio.
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Playlist 19 - The Shadows: Apache

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Nos anos que antecederam o aparecimento dos Beatles, o que estava a dar era os grupos puramente instrumentais do género dos Shadows, com três guitarras e uma bateria. Aliás, a dada altura, antes de se tornarem conhecidos, os Beatles também funcionaram como mero grupo de suporte do Tony Sheridan, uma imitação razoável do Cliff Richard (por sua vez acompanhado pelos Shadows), mas não muito inteligente, porque achava que os quatro de Liverpool não eram suficientemente bons para ele.

Outra lenda interessante - mas não forçosamente verdadeira - pretende que os Beatles foram rejeitados por uma editora discográfica porque, no modo de ver de um outro crâneo cujo nome se me varreu, a moda dos grupos de três guitarras e uma bateria estaria prestes a chegar ao fim.

O que ninguém parece ter previsto foi que a música popular puramente instrumental nunca mais depois dos Shadows voltou a ter a mesma saída. Já lá vai meio século. E por quê, meu Deus, por quê?

Enfim, meus senhores e minhas senhoras, aqui ficam então os Shadows, liderados pelo prodigioso Hank Marvin na guitarra solo.
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14.12.09

Uma daquelas brincadeiras estúpidas...

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Tu cá, tu lá

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Reencontrei surpreendentemente o livrinho de Lindley Contra "Sobre Formas de Tratamento na Língua Portuguesa" publicado pelos Livros Horizonte em 1972, que nos diz mais sobre a nossa maneira de ser do que grossos tratados de sociologia.

O autor sustenta que a exasperante complexidade das formas de tratamento que usamos no quotidiano terá nascido no século XIV como subproduto do esforço de afirmação social dos parvenus que ascenderam ao poder após a revolução de 1385 atrelados ao Mestre de Aviz. Baseia a sua opinião sobretudo na súbita evolução que nota dos escritos de Fernão Lopes para os de Zurara.

A partir daí, nunca mais nos deixou a obsessão nacional com a utilização dos títulos e das formas de nos dirigirmos uns aos outros como sinais de demarcação social, a ponto de Filipe II e João V terem promulgado leis - sim, leis! - determinando que classes e cargos poderiam ou não ser tratado por alteza, excelência, senhoria ou reverência.

Os tempos mudaram, é claro. Cintra julgava poder identificar ao longo da década de 60 uma progressiva ampliação da utilização do "tu" e do "você" (neste último caso acompanhado da perda da conotação depreciativa) a par do acantonamento do "Excelência" a situações de particular cerimónia. Mais optimisticamente, ele acreditava estarmos a assistir ao desaparecimento de formas de tratamento acintosamente classistas.

É verdade que, hoje, tratamos a mulher a dias por "senhora" ou "senhora dona", mas parece-me que Lindley Cintra ficaria surpreendido com a utilização contemporânea do "doutor", "engenheiro" ou do "professor" como pouco mais ou menos equivalentes do tradicional "excelência". E nem é precido recordar como dizer "o" Cavaco Silva ou usar o pronome "ele" para mencionar Sócrates continua a ser considerado má educação em determinados contextos.

No que toca a gente importante, o tratamento por Tu continua reservado a Deus.
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Paul Samuelson (1915-2009)

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Breve extracto de uma recente entrevista de Paul Samuelson, ontem falecido, à Atlantic de Junho:

What would you say to someone starting graduate study in economics? Where do you think the big developments in modern macro are going to be, or in the micro foundations of modern macro? Where does it go from here and how does the current crisis change it?

Well, I'd say, and this is probably a change from what I would have said when I was younger: Have a very healthy respect for the study of economic history, because that's the raw material out of which any of your conjectures or testings will come. And I think the recent period has illustrated that. The governor of the Bank of England seems to have forgotten or not known that there was no bank insurance in England, so when Northern Rock got a run, he was surprised. Well, he shouldn't have been.

But history doesn't tell its own story. You've got to bring to it all the statistical testings that are possible. And we have a lot more information now than we used to.
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13.12.09

Playlist 18 - Tornados: Telstar

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Esquecera-me completamente desta musiquinha até recentemente ter voltado a escutá-la no final de um episódio da série Mad Men. O Telstar foi o primeiro satélite comercial de telecomunicações, permitindo, por exemplo, a transmissão em directo de programas de televisão para todo o mundo. O tema exprime de forma ingénua o contangiante optimismo da primeira fase da conquista do espaço. Com ele, uma banda britânica atingiu pela primeira vez o Top One nos EUA.
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11.12.09

O Princípio de Peter não é uma mera anedota

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A seguinte citação, extraída de um estudo mencionado por Chris Dillon, é aqui reproduzida não só pelo seu mérito intrínseco de pôr as cabeças a funcionar mas também por ser uma forma garantida de irritar certas pessoas que, embora saibam inglês, se sentem muito condoídas pela implícita exclusão dos ignorantes seus conhecidos:
"Competitive career systems have an inherent tendency to promote the least productive individuals, thus leading to mediocracy.
The intuition for this result comes from the fact that more productive people have better fall-back positions than less productive ones when failing in the competition for top positions. Hence, highly productive people have only moderate incentives to win the competition for top jobs, whereas individuals with low productivity have strong incentives to avoid their rather unattractive fall-back positions."
Já que chegaram até aqui, leiam o resto para conhecerem as surpreendentes mas lógicas conclusões que Chris Dillon daqui tira.
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10.12.09

Brincando à beira do precipício

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Isto é actualmente verdade em muitos países, incluindo o nosso:
"If we had a reasonable bipartisan politics, many good ideas would become politically possible which are now aborted by the duty of the Opposition to oppose everything that the Government do. I only hope that this duty does not abort the recovery."

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Teoria do ciclo de vida musical

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0-10 This sound makes me go bouncy and I can shout it.

10-13 This music is good for dancing and singing and it reminds me of telly.

13-15 What music do my friends like? I must like the same music.

15-17 If I like the right music then girls will like me.

17-25 Nothing is more important in the world than [insert band] and only I and Paul Morley understand their significance. I don't care that girls don't like me.

25-30 What is it with [insert band]? They are ridiculous, strutting sell-outs. Music is just a rip-off man.

30-35 There's more to music than pop you know. This jazz stuff is fascinating, and there's music from round the world and have you heard some of those blues guys and John Cage and everything.

35-40 I'm still very much aware of today's music, there are a lot of incredible bands out there, even these days. I'll never get caught in some retro trap.

40-45 I only really listen to the music I liked when I was 17.

(I'm assuming that fairly soon I will revert to 'this sounds makes me go bouncy and I can shout it'.)

Dão-se alvíssaras a quem tiver uma experiência acentadamente diferente desta.
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8.12.09

Playlist 18 - Baden Powell: Samba Triste

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Enquanto viveu, tudo o que Baden ganhava, dizia Vinicius, ia para a Escócia.
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7.12.09

Um keynesiano condicional

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Quem terá inventado essa superstição absurda segundo a qual, para entender uma obra, não é preciso conhecer o seu autor? Falso, mil vezes falso.

Para o entender basta mergulharmos nas 850 páginas (na versão reduzida!) da colossal e minuciosa biografia de John Maynard Keynes que Robert Skidelsky laboriosamente redigiu.

A geração de Keynes nasceu e cresceu na última fase da época vitoriana, num clima de transbordante optimismo e auto-confiança, pelo menos no que tocava às classes dirigentes da Inglaterra imperial. O jovem Maynard fazia parte de uma seita de jovens algo lunáticos - o grupo de Bloomsbury, cuja figura mais destacada foi Virginia Woolf - que questionavam a moralidade e os preconceitos vigentes, o que, por exemplo, fez de quase todos os homens homossexuais militantes.

Essa independência de espírito não conflituava, porém, com a crença na intrínseca bondade das instituições centrais da sociedade britânica.

Mas em 1914 - teria Keynes acabado de completar trinta anos, quase tudo o que lhe restava de vida - começou a I Guerra Mundial, que marcou o início de três décadas consecutivas de miséria, caos, guerra, opressão crescente e, sobretudo, desesperança.

A vida de Keynes foi decerto muito diferente do que imaginara. Mas o seu envolvimento nos grandes debates político-económicos domésticos e internacionais do seu tempo, impulsionado por um forte sentido de serviço público, permitiu-lhe transformar a infelicidade em grandeza.

Mais do que um teórico, ele era um homem de acção, em última análise disposto a prescindir de esquemas abstractos em favor de projectos viáveis e sensatos. Toda a sua obra económica deve ser lida e interpretada a esta luz, não restando grandes dúvidas de que, se ainda fosse vivo, só condicional e relutantemente aceitasse o epíteto de "keynesiano".

A sua perspectiva da economia não era compatível com as "ilusões científicas" de que a disciplina hoje quase universalmente padece. Talvez concordasse, por isso, que todas as teorias são erradas, mas algumas são úteis.

Desta exigente leitura, que tanta coisa me ensinou, resulta antes de mais uma grande admiração por uma geração de pessoas decentes e esforçadas que, em todo o mundo, lutou nesse período pela preservação dos fundamentos da civilização, e que, no final, triunfou no seu propósito contra todas as expectativas.
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Enfim, sós

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Pode-se ler no Público de hoje um editorial incitando à tomada de decisões urgentes na cimeira de Copenhagen destinadas a combater as alterações climáticas. Esse texto foi apoiado e publicado simultaneamente em 56 dos mais importantes jornais de 44 diferentes países, entre os quais o Guardian (do qual partiu a iniciativa), o El Pais, o La Republica, o Le Monde e o Liberation.

Nos EUA, aderiram o "Miami Herald" e o "El Nuevo Herald".
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Playlist 17 - Animals: House of Rising Sun

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Os Animals foram o típico grupo de rock working class, cujo primeiro grande sucesso foi também buscar a sua inspiração a Dylan. Neste caso, não a uma canção de Dylan, mas à versão moderna que Dylan fez de um tema tradicional americano que trata das aflições de uma juventude transviada oriunda de meios sociais degradados, por isso condenada a uma vida de crime e expiação. Tudo a ver, portanto, com o background social de Eric Burdon, Alan Price, Chas Chandler e dos outros cujos nomes não recordo.
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6.12.09

Playlist 16 - Byrds: Mister Tambourine Man

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"Mister Tambourine Man" foi, na interpretação dos Byrds, o primeiro grande hit de Bob Dyian, e, por decorrência, também a canção que o projectou para o estrelato. Nos anos seguintes, não seria filho de boa gente um grupo que não incluísse no seu reportório pelo menos uma composição de Dylan. Quanto aos Byrds, o seu aparecimento marcou o início da resposta americana à invasão britânica posterior à irrupção dos Beatles na cena musical.
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A tragédia do povo russo

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Depois de ler "A People's Tragedy: The Russian Revolution (1891-1924)" de Orlando Figes fica-se com a impressão de ter conhecido pessoalmente todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, participaram na Revolução Russa, ou seja, não apenas Nicolau, Lenine, Kerensky, Trotsky ou Denikine, mas também as mulheres que durante dias, ao frio, faziam bicha para comprar pão, os manifestantes de Fevereiro massacrados quando se propunham entregar uma petição ao czar e os fuzileiros checos que, para regressarem a casa, tiveram que atravessar, sempre combatendo, toda a Ásia rumo a Vladivostok.

Onde estava Trotsky quando começou a revolução de Fevereiro? Como ocupou o seu tempo Lenine a bordo do comboio que o trouxe até à estação da Finlândia? Exactamente com quem dormiu Krupskaya em determinado dia? Orlando Figes conta tudo isso e muito mais.

Na véspera do assalto ao Palácio de Inverno, Kerensky abandonou São Petersburgo para ir buscar reforços dispostos a defender o Governo Provisório. Seria essa justificação um mero pretexro para encobrir a fuga, ou terá ele dito a verdade? Figes foi analisar os movimentos da conta bancária e concluíu que, como, antes de partir, o chefe do governo levantou apenas uma pequena quantia, e não, como faria alguém em fuga, a totalidade do seu dinheiro, parece que podemos confiar na sua explicação.

O mais espantoso, porém, é que a atenção ao detalhe não impede Figes de nos transmitir as grandes tendências subjacentes aos acontecimentos de transcendente importância para o mundo que abalaram a Rússia entre 1891 e 1924. Mais ainda, apesar de o autor não alimentar quaisquer ilusões sobre o sentido geral da revolução russa e as suas consequências - o título "A People's Tragedy" diz tudo - ele não cede nunca à tentação hoje tão comum em historiadores de meia tigela de recorrerem ao acerto de contas com mortos no intuito de exibirem a sua própria suposta superioridade moral.

De longe a melhor, mais completa e mais instrutiva coisa que jamais li sobre a revolução russa.
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5.12.09

Playlist 15 - Judy Collins: Daddy You've Been On My Mind

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As gravações de Judy Collins - a "Judy Blue Eyes" da canção de Crosby, Stills & Nash - tornaram-se incompreensivelmente difíceis de encontrar em CD. Vemos aqui a única verdadeira rival de Joan Baez, no início da sua carreira, num programa de TV de Pete Seeger, cujo cenário sugere um convívio musical entre camaradas no final da reunião da célula. A canção é de Dylan - curioso, este tipo aparece com cada vez maior frequência...
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4.12.09

Playlist 14 - Joan Baez: It Ain't Me Babe

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Bob Dylan outra vez, é claro, numa época em que o seu nome era ainda pouco conhecido fora do círculo restrito dos amantes da folk, aqui pela voz surpreendente de Baez que, por si só, conferiu ao género um acréscimo de prestígio. Uma voz límpida e educada (mas nunca afectada), um discreto acompanhamento de guitarra, letras marcantes e sempre surpreendentes, histórias arrancadas ao quotidiano, melodias sem enfeites, interpretações sem esforço e imunes ao sentimentalisno barato, e ainda a simplicidade da postura em palco, fizeram de Joan Baez o perfeito ícone da contra-cultura da primeira metade dos anos 60 que mais tarde se cristalizaria no movimento hippy.
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3.12.09

Playlist 13 - Peter, Paul & Mary: Blowin' In the Wind

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Dylan começou a tornar-se conhecido através de intérpretes de estilo vocal menos rebarbativo, entre eles Peter, Paul and Mary. A agressão musical era convertida em suave melodia, quase adocicada, mais de acordo com os cânones da época, e até dava para perceber a letra.
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2.12.09

O trabalhador, o homem activo e o organizador

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Há três tipos de energia - a do trabalhador, a do homem activo e a do organizador.

O trabalhador exerce regularmente um mister ou um cargo segundo as normas desse mesmo cargo ou mister. Corre numa calha indefinidamente e com grande utilidade social.

O homem activo nunca tem mister próprio; a simples actividade é indisciplinada por natureza. Exerce ele sempre um cargo ocasional e temporário, uma espécie de molde em que vasa um momento a sua energia constante. Esse momento pode durar toda a vida: esse molde pode nunca quebrar-se.

O organizador trabalha pouco: faz só calhas e moldes.

Os anteriores quatro parágrafos sairam directamente da pena do Fernando Pessoa, não do meu teclado. Não o confessei logo nem os coloquei entre parênteses para vocês ficarem por uns momentos com a impressão de que eu sou um tipo muito inteligente.

Ora bem, o que eu queria sublinhar é que, bem-entendidas, estas linhas contêm as linhas gerais de uma estratégia económica de sucesso para Portugal.

Boa noite.
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Revivendo o passado da acumulação primitiva na Somália

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A Companhia Holandesa das Índias Orientais tinha muitas semelhanças com isto:
(Reuters) In Somalia's main pirate lair of Haradheere, the sea gangs have set up a cooperative to fund their hijackings offshore, a sort of stock exchange meets criminal syndicate.

Heavily armed pirates from the lawless Horn of Africa nation have terrorised shipping lanes in the Indian Ocean and strategic Gulf of Aden, which links Europe to Asia through the Red Sea.

The gangs have made tens of millions of dollars from ransoms and a deployment by foreign navies in the area has only appeared to drive the attackers to hunt further from shore.

It is a lucrative business that has drawn financiers from the Somali diaspora and other nations -- and now the gangs in Haradheere have set up an exchange to manage their investments.

One wealthy former pirate named Mohammed took Reuters around the small facility and said it had proved to be an important way for the pirates to win support from the local community for their operations, despite the dangers involved.

"Four months ago, during the monsoon rains, we decided to set up this stock exchange. We started with 15 'maritime companies' and now we are hosting 72. Ten of them have so far been successful at hijacking," Mohammed said.
Os piratas da Somália chegaram tarde ao processo de acumulação primitiva do capital. Este tipo de actividades tornaram-se entretanto incompatíveis com os valores da civilização ocidental, mas, pelo vistos, eles ainda não foram informados.

Adeus a Max Weber ou Três Vivas ao Papado

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Davide Cantoni acredita ter refutado a tese de Max Weber sobre a afinidade entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, que a mim, pessoalmente, nunca me convenceu:
"Many theories, most famously Max Weber's essay on the 'Protestant ethic,' have hypothesized that Protestantism should have favored economic development. With their considerable religious heterogeneity and stability of denominational affiliations until the 19th century, the German Lands of the Holy Roman Empire present an ideal testing ground for this hypothesis. Using population figures in a dataset comprising 276 cities in the years 1300-1900, I find no effects of Protestantism on economic growth. The finding is robust to the inclusion of a variety of controls, and does not appear to depend on data selection or small sample size. In addition, Protestantism has no effect when interacted with other likely determinants of economic development. I also analyze the endogeneity of religious choice; instrumental variables estimates of the effects of Protestantism are similar to the OLS results."

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Todos percebemos mais chinês do que julgamos, vejam até ao fim

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Playlist 12 - Peter, Paul & Mary: If I Had a Hammer

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O nome de Peter, Paul and Mary foi uma excelente escolha para este conjunto vocal. Pelas suas óbvias ressonâncias bíblicas, é claro, mas também pelo programa de despretensiosa simplicidade que encerra.

A indumentária e a postura do trio era neutral, em contraste com a artificialidade do jogo de palco dominante nos anos 50. Os intérpretes apagavam-se voluntariamente para ceder todo o protagonismo à música - essa sim, sofisticada e exigente.

A folk music fora crescentemente adoptada pelos círculos intelectuais da esquerda norte-americana como a forma musical mais adequada à expressão de um pensamento social avançado. Com Peter, Paul and Mary, ela adquiriu uma riqueza polifónica que não podia deixar de encantar mesmo quem fosse indiferente a esses ideais.
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Devagar, devagarinho

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1.12.09

Como negociar a saída da crise

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Uma das crenças centrais dos economistas pacóvios consiste em supor que há uma crise portuguesa distinta da crise internacional.

Decorre daí a ilusão de que não só a nossa salvação é independente da do vasto mundo, como podemos pensá-la à margem do que nele se passa. Uma das consequências nefastas dessa maneira de pensar é não utilizarmos devidamente os recursos diplomáticos que temos ao nosso dispor no quadro da União Europeia.

Ao contrário do que se passava há apenas três anos atrás, é hoje claro que Portugal partilha com um conjunto de países europeus (para já, pelo menos, a Irlanda, a Grécia, a Húngria, a Espanha e a Itália) um certo número de problemas similares.

A primeira conclusão a tirar daí é que não se trata do problema deste ou daquele país, mas de um problema da União Europeia, ou, melhor dizendo, de um problema do modo como a zona euro foi concebida e organizada.

Nestas circunstâncias, Portugal deve adoptar uma de duas estratégias:

a) Fazer valer a sua posição de país relativamente bem comportado - que é o que efectivamente foi nos últimos anos. Necessita, para isso, de continuar a ser um bocadinho melhor do que os outros, de modo a poder ser apontado como o exemplo a seguir pelos países em maiores dificuldades.

b) Concertar com os restantes países do arco da dívida (uma nova expressão de cuja invenção estou muito orgulhoso) uma posição negocial face à UE e ao BCE, que é como quem diz: face à Alemanha. No conjunto, eles representam cerca de um terço da população europeia - algo que não pode ser ignorado, principalmente num contexto de aumento dos poderes do Parlamento Europeu.
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O fado da classe média

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Eu quero que toda a gente se sinta feliz, incluindo o Amorim, o Berardo e, por maioria de razões, a tão lamentada classe média.

Todavia, não perco o sono por causa das aflições dela.

Em primeiro lugar, a classe média é uma daquelas noites imaginárias em que todos os gatos são pardos. Abrange uma multidão de famílias de funcionários cujo vencimento líquido mensal decerto não chega aos 2 mil euros, mas também casais de gestores que ganham à vontade 5 vezes mais.

Uma boa parte dessa classe exige muito do país e dá-lhe pouco em troca. Recupera sob a forma de benefícios variados praticamente cada euro que paga ao Estado. Caso tenha sofrido alguma coisa com a presente crise - o que nem sequer é certo -, o mal não terá sido grande.

A nossa classe média deveria, a meu ver, sonhar menos com o BMW, as férias no Brasil e a casa no Algarve, e mais em ler jornais, adquirir alguma cultura e contribuir para tornar o país mais produtivo.

Quem nos deve preocupar são os miúdos que vão para a escola com fome, os velhos que não têm dinheiro para os medicamentos e os casais que perderam o emprego quando fechou a fábrica de sapatos onde ambos trabalhavam - ou seja, os pobres, não a "classe média".

Acho de muito mau gosto que um governo socialista, adoptando a linguagem do PSD, não encontre maior preocupação do que as supostas agruras da classe média. Se os problemas do país se resumissem aos desse estrato social, um programa liberal seria o mais apropriado para resolvê-los.
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Playlist 11 - Nara Leão: Manhã de Carnaval

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A voz de Nara Leão é frágil e ligeiramente desafinada - um número arriscado de trapézio que nos mantém em constante sobressalto.
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30.11.09

Do Dubai à Grécia

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A declaração de insolvência da Dubai World marca uma viragem perigosa na crise financeira internacional.

Trata-se em rigor de uma empresa, não de um país, mas ninguém tem dúvidas que é de facto o Dubai no seu todo que está em causa. De modo que, depois dos sustos da Islândia e da Lituânia, regressa o receio de que alguns estados mais fragilizados entrem em incumprimento de pagamentos.

Na linha de fogo estão agora a Irlanda e a Grécia, mas, não por acaso, os receios centram-se no segundo país.

O problema é que a Grécia esbanjou o seu capital de confiança falseando sistematicamente ao longo da última década as suas estatísticas do produto, do défice e da dívida, de modo que há um receio fundado de que a situação seja ainda mais grave do que se pensa.

Acresce que a profunda divisão interna inviabiliza a introdução de medidas correctoras em tempo útil.

É isso que hoje nos diferencia da generalidade dos países com défices elevados. Portugal mostrou nos últimos anos que é capaz de fixar objectivos exigentes de consolidação das contas públicas e de cumpri-los.

Note-se, por exemplo, que, ao contrário de nós, vários dos países hoje em dificuldades ainda não adaptaram as suas seguranças sociais às novas circunstâncias decorrentes do envelhecimento da população.
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Pequenas alegrias

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Alegra-me o regresso do Lutz a uma intervenção mais regular no seu singular Quase em português, uma companhia que me tem feito muita falta nas suas longas ausências. Vou rezar para que dure.
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A ignorância das multidões

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Descobri recentemente numa aula de Mestrado, ao discutir-se o mercado nacional de telecomunicações móveis, que ninguém na turma fazia ideia de quantos habitantes tem Portugal.

Perante a minha surpresa, e como eu insistisse no assunto, uma aluna lá arriscou que deveremos ser uns 5 milhões. ao que outro retorquiu que apostaria mais em 15.

Um amigo consolou-me, fazendo-me notar que em média eles acertaram. É a isso que James Surowiecki chama, recordou ele, a sabedoria das multidões.

Não sei se me console com essa variante da sabedoria que descura o desvio padrão para só curar da média.

Que diabo, 10 milhões até é um número redondinho, fácil de recordar. Estas coisas mergulham-me numa angústia profunda.
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Playlist 10 - Edu Lobo & Maria Medalha: Ponteio

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Edu Lobo trouxe para a música popular brasileira uma nova energia, directamente inspirada nos afro-sambas de Vinicus e Baden Powell.
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29.11.09

Em política o timing é tudo

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Excelente timing do nosso parlamento ao cancelar o pagamento por conta do IRC:
The credit default swap spreads for Irish banks have widened signficantly — even relative to HSBC, with its direct Dubai involvement. In part, this is hedge funds betting that others will want to insure against the rising risk of an Irish default, but what’s the connection?

The thinking is that a partial bailout – with creditor losses – for Dubai from Abu Dhabi implies something about how Ireland will be treated within the European Union (and the same reasoning is also more vaguely in the air for Greece). This may make sense for three reasons.

1. If Dubai can effectively default or reschedule its debts without disrupting the global economy, then others can do the same.

2. If Abu Dhabi takes a tough line and doesn’t destabilize markets, others (e.g., the EU) will be tempted to do the same (i.e., for Ireland and Greece). “No more unconditional bailouts” is an appealing refrain in many capitals.

3. If the US supports some creditor losses for Dubai (e.g., because of its connections with Iran), this makes it easier to impose losses on creditors elsewhere (even perhaps where IMF programs are in place, such as Eastern Europe).

The main effect will be to strengthen the hand of Ben Bernanke in Fed policymaking discussions – so US interest rates will stay low for a long while.

If financial intermediaries draw the appropriate lessons from Dubai, Ireland, and Greece (and Iceland, the Baltics, Hungary, etc), they will be more careful about extending credit to places that are becoming overexuberant – even when it is cheap to increase debt levels.

Playlist 9 - Stan Getz, João Gilberto e Astrid Gilberto: Corcovado

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O encontro de Stan Getz com João Gilberto (e do jazz com a bossa nova) foi não só um ponto alto das carreiras dos dois músicos, como também um momento mágico da história da música popular do século XX. A gente ouve durante décadas a fio e continua a achar que é tudo exactamente como deveria ser - o que pode valer como uma modesta definição da perfeição, ou, para ser mais exacto, da ilusão da perfeição.
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28.11.09

Borboletas financeiras

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No princípio da semana, o PSD indignou-se pelo crescimento do défice das contas públicas no corrente ano; mas, aproximando-se o fim de semana, votou a eliminação de um imposto, ou melhor, a eliminação da parte da receita do IRC correspondente ao pagamento por conta.

Miguel Frasquilho, um ornamento da academia portuguesa de cuja sensatez o país nada tem a esperar, explicou que, como Teixeira dos Santos afirmara que a consolidação orçamental só começará em 2011, o facto não tem importância de maior.

Mesmo descontando que Teixeira não disse precisamente isso - as nuances não deixam marcas no áspero cérebro do nosso Miguel - haveria a notar o seguinte:

a) A pergunta não era sobre as intenções de Teixeira dos Santos, mas sobre as dos alegres companheiros do pobre Miguel. Acham eles ou não que a redução do défice deve ser adiada para mais tarde? Para já - ou seja, até à discussão do orçamento que terá lugar dentro de semanas -, parece que acham.

b) Mesmo que a intenção do Ministro das Finanças estivesse a pensar em não reduzir o défice em 2010, isso não implica que deseje aumentá-lo, que é o que sucede quando o Estado perde receitas.

O PSD, que, desde a sua primeira passagem pelo governo, em 1979, nunca perdeu uma oportunidade de arruinar as finanças públicas para tentar ganhar umas eleições, descobriu agora que, afinal também é possível fazer a mesma coisa na oposição.
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Playlist 8 - Laurindo Almeida & Modern Jazz Quartet: Samba de Uma Nota Só

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O meu pai trazia sempre discos difíceis de encontrar por cá nas suas frequentes deslocações profissionais ao estrangeiro. Recordo quando chegou com o maravilhoso LP de Laurindo Almeida acompanhado do Modern Jazz Quartet. A guitarra de Laurindo Almeida, o piano de John Lewis e o vibrafone de Milt Jackson (por alcunha, o Bags) revelaram-me uma sonoridade fascinantemente límpida e inédita cujo ponto alto era a interpretação do Concierto de Aranjuez, que então descobri.
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27.11.09

Como irá crescer o consumo nos EUA?

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O normal é que, à saída de uma recessão, a procura cresça a taxas muito elevadas. O que, para já, vemos nesta, é uma tendência de crescimento claramente inferior à anterior.

Poderemos estar perante um primeiro indício de estagnação do consumo dos norte-americanos nos próximos anos.
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Orçamentação por programas

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A ler, no Jornal de Negócios de hoje, um informativo ponto de situação da reforma tendente a introduzir na administração pública portuguesa a "orçamentação por programas", inclundo uma entrevista com João Loureiro, o professor da Faculdade de Economia do Porto que coordenou a comissão nomeada por Teixeira dos Santos para estudar o assunto.

De vez em quando, os jornais lá arranjam algum espacinho para discutir os temas vitais para o país. Uma única observação crítica: o jornalista responsável pelo dossiê parece acreditar que uma reforma deste tipo depende apenas de se dar uma ordem para avançar. Imaginará ele que este tipo de gestão de recursos se pratica em muitas empresas privadas portuguesas de qualquer actividade ou dimensão?
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Playlist 7 - Billie Holiday: Strange Fruit

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Só muito tardiamente - já homem feito - conheci esta canção, mas, sendo uma das minhas favoritas, escolhi-a para representar Billie Holiday nesta Playlist. Encontrei outros registos com melhor qualidade sonora no YouTube; todavia, prefiro-lhes esta interpretação só com aompanhamento de piano.
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26.11.09

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Rudimentos de economia pacóvia

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Se o último ano demonstrou algo, foi que não importa que nos portemos financeiramente mal, desde que nos portemos um nadinha melhor que os outros.

Que interessam os défices portugueses, se a ousadia dos EUA, da Inglaterra, da Irlanda, da Espanha ou da Grécia nos colocam na invejável posição de esbanjadores envergonhados?

Metam isto na cabeça: a partir do momento em que meio mundo partilha da nossa desgraça, encontramo-nos em boa e sólida companhia. A dívida, chegadas as coisas a este ponto, é um problema tão grave para os credores como para os devedores.

A presente crise tem na sua raíz um excesso de poupança, com a particularidade de ele se encontrar concentrado num punhado de países: China, Japão, Alemanha e pouco mais.

Estes países queriam ao mesmo tempo produzir cada vez mais e conservar balanças comerciais largamente excedentárias. Ora, isso só é possível se eles emprestarem a outros para eles lhes comprarem o que produzem em excesso. Quando estes últimos atingiram o limite das suas capacidades de endividamento, o motor gripou.

Curiosamente, a China, o Japão e a Alemanha parecem convencidos, contra toda a evidência, de que podem continuar a jogar o jogo mercantilista. A chanceler Angela Merkel (um caso de rara perspicácia) não entende que só se pode vencer Mercedes se alguém comprar Mercedes. O governo chinês persiste em manter o valor da sua moeda colada ao dólar para assegurar que as t-shirts permanecem baratinhas. O Japão medita há duas décadas no assunto.

Só é possível uma saída airosa da crise se os países com excesso de poupança pouparem menos e os países com carência de poupança pouparem mais. Se os segundos se emendarem, mas os primeiros teimarem - que é o que está a acontecer -, a tendência será para a estagnação duradoura e a permanência de elevado desemprego, porque, globalmente, a poupança aumentou ainda mais.

Nos países com poupança mais baixa, as empresas e os consumidores inverteram drasticamente os seus comportamentos. Consomem e investem agora menos e, logicamente, aforram mais. A única maneira de evitar o colapso económico é a intervenção massiva dos governos para suprir a quebra abrupta da procura efectiva.

Mas isso implica o aumento dos défices públicos e, excluído o seu financiamento pela emissão de moeda, o crescimento brusco do endividamento público. Felizmente, para já, o excesso de poupança a nível mundial encarrega-se de manter as taxas de juro a um nível muito rasteirinho.

Como irá tudo isto acabar? Não sabemos, mas uma coisa vos garanto: o que quer que seja não depende em nada de nada daquilo que façamos cá na santa terrinha. Neste particular, cumpre-nos apenas cuidar de não dar demasiado nas vistas.

Só um provinciano incurável não entende isto.
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Playlist 6 - Ella Fitzgerald: A Tisket A Tasket

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O que quer dizer "A Tisket A Tasket"? Ainda hoje não sei, mas é seguro que a estranheza da lenga-lenga e a sonoridade da aliteração contribuiram para fixar obsessivamente a canção no meu espírito. A versão original de Ella Fitzgerald desta musiqueta infantil é de 1938.
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25.11.09

Playlist 5 - Mahalia Jackson: Down By The Riverside

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Louis Armstrong (por alcunha Satchmo, o boca de saco) gravou em 1958 um excelente LP de espirituais negros. Não encontrando nenhum bom registo no YouTube, aproveitei a oportunidade para introduzir aqui a prodigiosa Mahalia Jackson. Não ficámos a perder com a troca.
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23.11.09

O endividamento explicado às crianças

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Vamos lá a ver se a gente se entende: o súbito agravamento do endividamento dos estados não é causado pelas políticas de combate à crise; é causado pelo colapso do sistema financeiro que causou a crise. Percebido?

Acontece que, em virtude dessa infeliz mas não inocente circunstância, o desemprego atingiu níveis inauditos em quase todo o mundo. Deitar a mão aos bancos foi uma tremenda injustiça, mas uma injustiça, para já, inevitável. Era o que faltava que os estados não tentassem agora fazer tudo o que está ao seu alcance para mitigar o sofrimento das dezenas de milhões de desempregados que, não tendo a mínima responsabilidade no sucedido, foram, porém, as suas verdadeiras vítimas.

Ninguém em seu perfeito juízo acha que o endividamento não tem importância nenhuma. Mas certos malucos permitem-se achar que é a única coisa importante.

Até onde terá que crescer o endividamento? Confesso que não sei.

Se tudo voltasse rapidamente à normalidade, a intervenção pública deveria reduzir-se rápida e drasticamente. Mas eu não acredito que a economia vá regressar rapidamente à normalidade, de modo que o mais natural é que os estados não possam deixar de sustentar a procura e o emprego nos próximos tempos.

Não baralhemos, pois, as coisas. A responsabilidade dos custos extraordinários que todos suportaremos não deve ser atribuída aos desempregados, mas aos que lucraram com a bolha que nos trouxe até aqui e aos que justificaram os seus actos com teorias tontas e interesseiras.

A finalizar, um último ponto. O que vem a ser, precisamente, um nível de endividamento público excessivo? Sessenta por cento, oitenta por cento, cem por cento do produto? E por quê?

Para nos situarmos, considerem que qualquer família que adquira casa própria costuma endividar-se numa proporção bem superior a 100% do seu rendimento anual. Por hoje, fiquemos por aqui.

Próxima paragem: as consequências do endividamento público sobre o nível das taxas de juro.
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Mercados ou ratings?

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É um facto: os extremistas liberais certificados pelas mais ortodoxas universidades deixaram de orientar-se pelos sinais do mercado.

Como os mercados financeiros não confirmam os seus dramáticos alertas sobre o alegado endividamento excessivo dos estados, a autoridade que agora veneram é a das agências de rating (as agências de rating, meu Deus!).

As taxas de juro dos títulos da dívida pública mantêm-se a níveis razoavelmente baixos, mesmo as dos países com maior risco. Em contrapartida, as agências de rating baixam os índices de solvabilidade dos Estados. Quem estará mais próximo da verdade?

O sectarismo da argumentação contra a intervenção pública massiva visando impedir uma maior degradação do emprego tem destes paradoxos.
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Playlist 4 - Louis Armstrong: When It's Sleepy Time Down South

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O Louis Armstrong dos anos 50 já não era a personagem musical central que fora vinte anos antes. Mas, a mim, atraía-me então principalmente o jazz clássico. When It's Sleepy Time Down South é talvez o supremo standard de todos os tempos. Composta em 1931, a canção terá sido gravada por Armstrong mais de cem vezes. Aqui uma cena de um filme de 1942 com a sua participação, incluindo um belíssimo solo de cornet, que era como se chamava o instrumento antes de assumir a designação mais sofisticada de trompete.

Dear old southland with his dreamy songs
Take me back there where I belong
How I'd love to be in my mammy's arms
When it's sleepy time down south
Sleepy time down south
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22.11.09

Playlist 3 - California Ramblers: When Erastus Plays His Old Kazoo

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Um dos temas do EP dos Black Bottom Stompers referido no anterior post era este electrizante When Erastus Plays His Old Kazoo. Nunca encontrei uma gravação dele em CD tocada pelo Johnny Dodds. Idem na internet, de modo que aqui fica a excelente interpretação dos California Ramblers.
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21.11.09

Toda a gente a dormir

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A British Airways está entre as maiores transportadoras aéreas nas ligações entre a Europa e a América do Norte e Central. A Ibéria domina o tráfego aéreo no Atlântico Sul. Foi anunciada a fusão das duas.

Um porta-voz da TAP assegura que a transportadora nacional não será afectada pela operação. O Expresso de hoje concorda: "Fusão anglo-ibérica não afecta Portugal". (Será isto uma notícia?)

Portugal sempre foi historicamente o aliado ibérico preferencial do Reino-Unido em tudo o que respeita ao Atlântico Sul. Neste caso, porém, foi posto de parte.

A localização geográfica do país só não será irremediavelmente periférica se funcionar como plataforma de articulação com outros espaços. No caso do transporte aéreo, esses espaços só podem ser a África e a América do Sul.

Como pode alguém pretender que, isoladamente (ou melhor, desintegrada de uma aliança que reforça a sua posição no espaço atlântico), a TAP tem condições para competir com êxito contra a Ibéria e a British Airways associadas?

O problema da orientação estratégica da TAP arrasta-se há anos sem que o assunto mereça a atenção devida da opinião pública, dos partidos ou do governo. Não resta muito tempo nem muita margem de manobra.
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Playlist 2 - Johnny Dodds: Stomp, Stomp, Stomp

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Um dos primeiros discos que comprei (na Havaneza de Alvalade) era um EP 45 rpm dos Johnny Dodd's Black Bottom Stompers. Uma excelente compra, que recomendo sem reservas.
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20.11.09

Playlist 1 - Duke Ellington: Don't Mean a Thing If It Ain't Got That Swing

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O jazz das big bands é a mais antiga preferência musical genuina que recordo, a começar por Duke Ellington e Count Basie, mas abrangendo também Glen Miller e, anos mais tarde, Gil Evans (que então ignorava). O volume sonoro é para mim desde sempre, em si mesmo, fonte de prazer estético.
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19.11.09

Como fazer o Estado trabalhar mesmo mal

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Por que funciona às vezes tão mal o Estado português? Ora, porque foi organizado para funcionar assim.
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18.11.09

Dave Douglas Brass Ecstasy: Tiny Desk Concert

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17.11.09

Eterno retorno

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É algo deprimente ficar-se a saber que, nos longínquos anos 30, as objecções à proposta keynesiana de obras públicas como forma de combater o desemprego pouco se distinguiam das de hoje: desvalorização do efeito multiplicador, risco de crowding-out, temor do aumento da taxa de juro, receio do endividamento.

Outra semelhança com a actualidade bem documentada na biografia de John Maynard Keynes escrita por Robert Skidelsky: os argumentos utilizados estribavam-se essencialmente na fé em modelos abstractos sem réstia de fundamentação empírica.

Se, por infelicidade, esses sujeitos tivessem ganho o debate político, a democracia liberal poderia não ter sobrevivido para chegar até aos dias de hoje. Mas eles continuam a tentar...
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Lição de liderança

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Lawrence Foster, maestro titular da Orquestra Gulbenkian, aproveitou na 5ª feira última o intervalo entre duas peças para anunciar que aquele seria o último concerto do contra-baixista Alejandro Oliva antes de se reformar.

As palavras que na altura lhe dirigiu não foram de mera circunstância. O elogio que Foster endereçou a Oliva destacou em breves mas precisas palavras a personalidade daquela pessoa, acerca de quem, até àquele instante, quase tudo ignorávamos.

Foi evidente o que significou para Oliva a homenagem que o seu maestro e o público lhe prestaram num dia para ele decerto carregado de emoções contraditórias.

Mas não esqueçamos a mensagem implícita endereçada a todos os outros músicos da Orquestra: "Este maestro aprecia-vos como indivíduos e agradece-vos do fundo do coração a insubstituível contribuição que cada um dá para o sucesso do grupo e a felicidade do público".

Chama-se a isto capacidade de liderança.

16.11.09

Quantos GRPs custa um Rolex?

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Não é justo dizer-se que a investigação judicial portuguesa não obtém resultados.

Sem Casa Pia, Maddie, Apito Dourado, submarinos, Freeport, Media Capital ou Face Oculta, de que viveriam os nossos media? A nossa justiça, baça em matérias da sua estrita competência, brilha a grande altura na produção de conteúdos.

Fugas de informação ajudam a vender muito papel e muito espaço publicitário. Querem fazer umas continhas para estimar quanto vale 1% de audiências (1 GRP em jargão técnico) em horário nobre de televisão?

Deveremos então acreditar que essas fugas são gratuitas? Será que, por definição, não pode haver corruptos nos órgãos encarregados de investigar a corrupção?

Acresce que, ao contrário de muitos dos alegados crimes que têm vindo a público, estes, ao menos, nós temos a certeza de que sucederam, embora ignoremos as suas motivações e contrapartidas.
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11.11.09

Não acredito em corruptos; mas que os há, há

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Concordo inteiramente com o Daniel Oliveira, quando ele escreve:
"Quantos mais nomes e suspeitas aparcerem na comunicação social, mais confusa ficará a investigação “Face Oculta”, mais difuso será o alvo deste processo, mais longe estaremos da justiça. Já vimos este filme. Sabemos como acaba. E os corruptos também sabem."
Agora, reparem numa coisa: o Daniel sentiu-se na necessidade de escrever o último período para não poder ser acusado de estar a tentar proteger o Sócrates.

Este mero detalhe demonstra como, nos tempos que correm, as pessoas que defendem o Estado de direito e a decência são obrigadas a adoptar uma atitude defensiva.

Isto é, em si mesmo, muito grave.
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Too big to fail

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"Estou farto de defender José Sócrates"

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"Estou farto de defender José Sócrates", escreveu hoje o Pedro Marques Lopes - e como eu o compreendo!

É certo que, ao contrário do Pedro, eu considero o Sócrates o melhor primeiro-ministro que o país tem desde há muito tempo, talvez o melhor de sempre.

Mas a minha identificação com as políticas dos seus governos é parcial. Divirjo deles em muitas questões fundamentais, desde logo em relação a grande parte das suas políticas económicas, o que não é dizer pouco.

Desagradam-me a patente improvisação na definição de linhas estratégicas, a incompetência na coordenação de projectos de algum fôlego e a insistência em estendais de medidas sem nexo e de escasso ou nulo alcance. Indispõe-me, acima de tudo, uma certa atitude saloia perante tudo o que parece moderno e tecnologicamente avançado.

Acima de tudo, porém, distancio-me do modo como o PS faz política. Vejo - como toda a gente vê - a promoção pública de arrivistas medíocres cuja única recomendação é o cartão do partido. E apercebo-me - como toda a gente se apercebe - dos bandos de amigos sem ideal que circulam entre a política, os negócios e os media.

Tudo isso é verdade. Mas não é menos verdade que o cadáver putrefacto insepulto que é o actual PSD se encarrega de empestar tudo e todos à sua volta, esforçando-se por levar consigo para o túmulo o regime e a democracia liberal.

Aquilo a que por este dias estamos a assistir é à deterioração paulatina do nosso viver colectivo - e já não só do sistema político - friamente desejada e planeada por alguns que se ocupam de envenenar as consciências e destruir qualquer réstea de idealismo que ainda possa sobrar no país.

De modo que a prioridade de qualquer pessoa sensata tem que ser cerrar fileiras em torno dos princípios essenciais do Estado de direito e resignar-se a deixar para segundo plano divergências relativas a questões que a mim me interessam bem mais.

Por isso, eu digo como o Pedro:

"Estou muito mais farto de gente que despreza valores e princípios fundamentais duma democracia. Gente que não percebe que isto nada tem a ver com luta política. Gente que gasta o tempo todo com intrigalhadas de vão de escada e se esquece de criticar políticas e apresentar alternativas."

Ao contrário dele, porém, não creio que estejamos "condenados a viver ad aeternum sob o poder socialista". Estamos, apenas e só, condenados à apagada e vil tristeza que, afinal, para tanto trampolineiro, parece ser a suprema ambição de vida.
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10.11.09

A república dos economistas

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Robert Skidelsky adianta uma surpreendente tese na sua superlativa biografia de John Maynard Keynes.

Sustenta ele que o debate em torno de The Economic Consequences of Peace, publicado por Keynes em 1919, determinou uma mudança crucial da actividade política no sentido do predomínio dos temas económicos e das opiniões dos economistas.

Ao pintar de forma convincente os políticos tradicionais como indivíduos basicamente impreparados para lidarem com as grandes questões do século XX - e, desde logo, com as financeiras -, Keynes apresentou simultaneamente a candidatura da classe dos economistas à produção das ideias capazes de assegurarem a prosperidade geral.

Nas palavras de Skidelsky: "Keynes was staking the claim of the economist to be Prince. All other forms of rule were bankrupt."
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9.11.09

Liberais à moda antiga

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Em 1929, o Partido Liberal Britânico liderado por Lloyd George, apresentou-se às eleições com um programa de obras públicas destinadas a combater o desemprego.

Os conservadores - o "partido da estupidez", chamava-lhes Keynes - opunham-se-lhe, argumentando que o desvio de poupanças para o investimento público conduziria à subida da taxa de juro e, desse modo, reduziria o investimento privado.

A vitória sorriu ao Partido Trabalhista, que pôs em prática esse programa.

Às vezes, os nomes mudam mais do que as coisas.
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O Santo

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O que Jerónimo de Sousa e o PCP pensam sobre a queda do Muro de Berlim, ao menos, toda a gente percebe.

Já o mesmo não se poderá dizer da prosa enrolada que a efeméride desencadeou em Francisco Louçã e de que destaco o ponto alto no qual desce mais baixo:
"Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, floresce assim a ideologia contentatória: o comunismo acabou, diz Saramago e repete, com gosto evidente, António Vitorino. Frágil ilusão, contudo, pois continuou a ser possível ser cristão depois da Inquisição, social-democrata depois da votação dos créditos de guerra e mesmo depois do assassinato de Rosa Luxemburgo, e até continuou a ser possível ser economista liberal depois da grande depressão de 1929."
Significará isto que Louçã continua a ser comunista? Deixo o enigma à vossa consideração, já que ele se recusa a esclarecê-lo. Entretanto, aqui fica mais uma pista:
"O século XX começou em 1905 com o Soviete de Petrogrado e terminou em 1989 com a queda do muro de Berlim."
Ora, quem foi o chefe do Soviete de Petrogrado? Nada menos que Leon Trotsky.

Notas finais:
1. Comparem o relambório de Louçã com a sinceridade do testemunho do Daniel Oliveira.
2. Alguém, por favor, explique ao Louçã que "Vinte Anos Depois" não é "o último livro da saga dos Mosqueteiros"; depois desse ainda houve "O Visconde de Bragelonne", que inclui o célebre episódio do Homem da Máscara de Ferro. Pois é, todos temos o nosso momento Tomás More.

8.11.09

Todo o Poder ao Soviete dos Magistrados

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Imaginem um país onde alguns investigadores se dedicavam a perseguir pessoas em vez de inquirirem crimes. Imaginem, além disso, que eles faziam sistematicamente chegar aos jornais informações seleccionadas alegadamente recolhidas no decurso dessas devassas.

Considerem ainda a possibilidade de comentaristas cúmplices ou imbecis exigirem com grande alarido nas televisões a demissão dos arguidos ou meros inquiridos titulares de cargos públicos. E suponham que cada vez mais pessoas começavam a aceitar a ideia de que a regra se deveria estender a gestores de empresas privadas.

Para completar o retrato, fantasiem que o processo era apoiado e instigado por sindicatos de magistrados.

Decorre daqui com a brutalidade de uma dedução lógica que esse país não poderia ter governantes ou dirigentes que não fossem previamente aprovados pelos tais investigadores.
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A teia

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Após um breve interregno forçado pelas eleições (que, como se sabe, só servem para gastar dinheiro) o protagonismo na nossa vida política regressou, como é normal e louvável, aos Martins, aos Palmas e às Moura Guedes; às escutas e às fugas de informação; às declarações dos sindicatos dos magistrados e do Procurador-Geral da República; às movimentações nos bastidores de fontes anónimas, investigadores diligentes e jornalistas militantes.

Um dia, quando eles se zangarem, talvez venhamos a ter acesso às escutas que fazem uns aos outros. Nesse dia entenderemos como funciona a república dos bufos e quem a comanda.
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6.11.09

Louçã, outra vez

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Louçã afirmou ontem na Assembleia da República: "O Primeiro-Ministro gasta três vezes mais no BPN do que na crise económica".

Quando alguém afirma algo que sabe ser falso para daí tirar vantagem, esse alguém está a mentir.

Ora, nem o primeiro-ministro, nem o governo, nem o Estado gastaram um tostão sequer no BPN.

A verdade é outra: a Caixa Geral dos Depósitos, banco do Estado, emprestou dinheiro ao BPN, banco recentemente nacionalizado na sequência das tropelias que se sabe.

Primeiro ponto: emprestar dinheiro não é dar dinheiro, como entende qualquer pessoa que já contraíu um empréstimo à habitação.

Segundo ponto: como o BPN foi nacionalizado para evitar a sua falência, é claro que quaisquer perdas ou lucros que venha a ter reverterão para o Estado.

Terceiro ponto: é possível, mas não seguro, que o Estado possa vir a ter que meter dinheiro no BPN.

Quarto ponto: como o público ainda não sabe qual a situação do BPN neste momento, ninguém pode afirmar que o Estado lá gastará três vezes qualquer quantia que se entenda tomar como termo de comparação.

Logo, tudo o que Louçã disse na sua pequena frase é mentira.

A isto, já me contra-argumentaram que o Estado ainda não pôs dinheiro no BPN, mas que no futuro poderá pôr. E eu respondo que amanhã Louçã poderá deixar de mentir, mas que, até hoje, não fez outra coisa.

Isto é muito grave, especialmente porque, sendo Louçã economista, ele não pode ser vítima de confusões que se desculpariam em leigos na matéria. Mente e sabe que mente.

Acresce que, para além do que literalmente afirma, Louçã insinua. Desde logo, insinua que o governo e o primeiro-ministro voluntariamente desviaram dinheiro que poderia aliviar a condição dos pobres em proveito de Oliveira e Costa, Dias Loureiro e seus amigos.

Mais uma vez, Louçã sabe que isto é falso. A intervenção do Estado no BPN destinou-se a evitar um mal maior, do qual as principais vítimas seriam aqueles que arduamente ganham a vida com o seu trabalho.

Nada disto me surpreende. De um trampolineiro como Louçã não se poderia esperar outra coisa, nem sequer que algum dia se emende.

Mas eu gostaria de entender como é possível ele mentir repetidamente de forma tão evidente durante meses a fio com a aparente cumplicidade de todos os seus camaradas de partido.

Serão todos demasiado ignorantes ou demasiado desonestos para se oporem a uma forma tão reles de fazer política?
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5.11.09

Muito estranho

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O Barómetro Político da Marktest mostra que o optimismo dos portugueses em relação à situação económica própria e do país tem crescido de forma consistente desde Maio de 2008. Não admira que vocês nunca tenham ouvido falar disto.
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4.11.09

O Estado sapateiro

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Anos a fio, a Aerosoles foi-nos apresentada como um caso de sucesso empresarial português, um exemplo de modernização e internacionalização bem sucedida.

Quando começa a crise, porém, vai-se a ver e descobre-se que, afinal, o capital da empresa é detido maioritariamente pelo Estado português, directa ou indirectamente (através de fundos públicos de capital de risco), em parceria com investidores privados.

Ora, eu gostaria de perceber que sentido faz o Estado sair da petroquímica e das telecomunicações para ir meter-se em fábricas de sapatos. Que espécie de superior interesse estratégico é defendido por políticas deste tipo? Que critérios orientam a escolha deste ou daquele projecto, deste ou daquele parceiro privado?

Mais: que sentido faz o Estado português deter sociedades de capital de risco? Que propósitos e que objectivos estratégicos foram atribuídos a essas sociedades? Quem e como avalia o que elas andam a fazer? A quem prestam contas? E assim sucessivamente.

Quem, como eu, acredita que a política económica tem um papel a desempenhar no reforço da competitividade das empresas portuguesas, inquieta-se, ademais, com o descrédito que situações como esta inevitavelmente lançam sobre a intervenção do Estado.

Este caso veio a público há cerca de um ano. Curiosamente, nem a quezilenta oposição nem os vociferantes media parecem interessar-se por ele.

Os nossos liberais domésticos prestariam um grande serviço à pátria se, em vez de se refugiarem em declarações doutrinárias sobre as vantagens da liberdade de iniciativa, tentassem descobrir quantas mais Aerosoles há por aí acoitadas sob as saias do Estado.
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Roubini tentando chatear o Maradona

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Se não gostam do Roubini, reparem ao menos na entrevistadora, ao minuto 4:37.
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3.11.09

À beira do corte definitivo de relações com o Maradona

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Atrevendo-me a persistir na mesma onda de catastrofismo universal que tanto tem indisposto contra mim o Maradona, eu desconfio muito que Peter Tasker está certo quando prevê que, não tarda muito, a China vai estatelar-se ao comprido:
"At its peak, the grounds of the Imperial Palace in Tokyo had a greater theoretical value than the entire state of California. By then there was no way out – asset market collapse and financial system wipe-out were baked in the cake.

"If China continues to follow the Japanese template, the end of the dollar peg will be the trigger event, setting off a Godzilla-sized credit binge. Why would China’s rulers embark on a such a disastrous course? Because the alternative – unleashing deflationary forces stored up over years of mercantilist policies – would be too painful to contemplate. That was the choice made by Japanese policymakers, who had a hundred years’ experience of managing a quasi-capitalist economy.

"This time a denouement would be one of the biggest bubbles in history, probably in scale and certainly in number of people involved. Could China weather the subsequent financial turmoil as stoically as Japan? It seems unlikely; at the least, its ascent to global hegemony would suffer a brutal interruption."
E o que interess a China? Nada, excepto ser a prosperidade deles que tem alimentado a máquina de crédito do resto do mundo.

A coisa boa é que, na eventualidade de as coisas darem mesmo muito para o torto, a gente vai deixar de preocupar-se com a selecção nacional.
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2.11.09

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Monet: Nenúfares (detalhe).
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É isto mesmo que eu penso

James Kwak diz exactamente o que penso muito melhor do que eu alguma vez seria capaz de fazer:
"I am willing to listen to utilitarian arguments against redistribution (e.g., high marginal tax rates reduce the incentive to work, blah blah blah blah blah); I may not agree with them, but they are a plausible position. However, I have little patience for the idea that rich people deserve what they have because they worked for it. It’s just a question of how far back you are willing to acknowledge that chance enters the equation. If you are willing to acknowledge that chance determines who you are to begin with, then it becomes obvious (to me at least) that public policy cannot simply seek to level the playing field, because that will just endorse a system that produces good outcomes for the lucky (the smart and hard-working) and bad outcomes for the unlucky. Instead, fairness dictates that policy should attempt to improve outcomes for the unlucky, even if that requires hurting outcomes for the lucky. But given that society is controlled by the lucky, I’m not holding my breath."

Dia das Bruxas, again

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Por que subiram tanto as bolsas mundiais, se os resultados das empresas não parecem justificar esse optimismo?

Nouriel Roubini acredita que se trata de uma nova bolha alimentada por dinheiro barato. Para além das taxas de juro serem quase nulas, quem se endivida em dólares que se desvalorizam todos os dias está de facto a contrair empréstimos a taxas negativas:
"Let us sum up: traders are borrowing at negative 20 per cent rates to invest on a highly leveraged basis on a mass of risky global assets that are rising in price due to excess liquidity and a massive carry trade. Every investor who plays this risky game looks like a genius – even if they are just riding a huge bubble financed by a large negative cost of borrowing – as the total returns have been in the 50-70 per cent range since March."
Se a interpretação estiver correcta, o futuro não se afigura brilhante:
"This unraveling may not occur for a while, as easy money and excessive global liquidity can push asset prices higher for a while. But the longer and bigger the carry trades and the larger the asset bubble, the bigger will be the ensuing asset bubble crash. The Fed and other policymakers seem unaware of the monster bubble they are creating. The longer they remain blind, the harder the markets will fall."

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Bons tempos

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Na época em que trabalhei na Victor Cordon havia nas traseiras do São Luís um arrumador de bigodinho negro impecavelmente aparado e olhos mortiços, identificado com o respectivo boné passado pela câmara, que alugava lugares de estacionamento em cima do passeio ao mês.

Quem lhe pagava, podia ir trabalhar tranquilo; quem não esportulava a avença, era multado pela polícia. O marmanjão nem se levantava da cadeirinha para vir receber o dinheiro ou negociar o contrato. Quem quisesse, que fosse até ele e pedisse com muito bons modos.

O Governo Civil ficava, e fica, a cinquenta metros. Bons tempos em que não havia corrupção em Portugal.
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31.10.09

Pensamento frutuoso e cérebros mirrados

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Em Eton e Cambridge, Keynes estudou sobretudo literatura clássica, história e matemáticas. Na mesma época, dedicava também grande atenção às artes, principalmente à pintura e ao bailado.

Para ele, uma vida dedicada à arte estava à frente da investigação científica, e a investigação científica adiante da administração.

Maynard teve lições com Marshall, amigo de seu pai e economista como ele, e achou o tema muito fácil mas não excessivamente interessante. Nunca concluíu o curso de economia.

A sua tese de agregação versou sobre a filosofia da probabilidade. Dedicou em seguida quase duas décadas a transformá-la na sua primeira obra teórica de fôlego: A Treatise on Probability. As implicações dessas ideias para as teorias económicas que mais tarde o tornaram conhecido permanecem ainda hoje insuficientemente exploradas.

É algo confrangedor comparar os anos de formação de Keynes, de acentuada componente classicista e humanística, com o treino limitado e de vistas curtas a que hoje são submetidos os aspirantes a economistas, cujo inevitável resultado é a produção em série de intelectos anémicas e destituídos de imaginação.
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29.10.09

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28.10.09

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Será mais ou menos isto que eles irão efectuar

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Alguns bons conselhos de Medeiros Ferreira ao novo governo:
"Se este governo souber aproveitar bem a circinstância do PS só ter maioria relativa na AR, ainda poderá salvar o enervado consulado anterior. Consolidar as reduções na despesa, ir buscar mais receitas fora do mundo do trabalho, escolher e executar um plano de obras públicas menos teórico, dar mais atenção às escolas, calibrar melhor os sacrifícios pedidos aos funcionários públicos, e, sobretudo, dar garantias aos cidadãos que o Estado de Direito vigora no dia-a-dia, eis o que pode salvar o passado e lançar o PS para o futuro. O PS e o prestígio da esquerda moderna..."
Quase tudo ideias que me agradam, embora eu me incline para deixar em paz o "prestígio da esquerda moderna".
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23.10.09

Não esperem nada da Justiça

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Não quis Deus que eu fosse jurista, embora não me tivesse poupado a um bom número de cadeiras de direito quando estudei economia.

De modo que, sobre Justiça, eu sei o que toda a gente sabe (talvez de uma forma mais aguda), ou seja, para usar um eufemismo, que a dita não funciona.

Tenho prestado muita atenção aos infindos debates em torno ("em torno" é a palavra certa) do tema. São tão esclarecedores quando pretendem ser - não muito - porque quase nunca ninguém chega a ter tempo para dizer o que deve ser feito para efectivamente resolver o problema.

No meio de tanta dialéctica, concluí, mais pelo que escutei em privado do que pelo que se diz em público, que não há maneira de a coisa ir ao sítio enquanto não se reduzir a autonomia do poder judicial, que é como quem diz: enquanto os juízes não forem efectivamente responsabilidados pelos seus comportamentos por alguém descomprometido com a defesa dos interesses do grupo.

Por outras palavras: está tudo lixado, visto que jamais algum governo se atreverá a fazer algo que possa ser interpretado como uma tentativa de ingerência na esfera inviolável da Justiça e dos digníssimos magistrados.

As corporações sabem isso tão bem que não param de alimentar campanhas de suspeição contra o PM e outros membros do governo para manter viva a chama da liberdade de continuarem a espezinhar o país em defesa dos seus inaceitáveis privilégios.

De maneira que, enquanto não se resolve este assunto, talvez pudéssemos ao menos erguer uma estátua a essa grande mulher que é Maria de Lurdes Rodrigues.
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