31.8.09

Análise custo-benefício como deve ser

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Recorda Mark Kleinman no seu blogue:
"Formal benefit cost analysis counts everyone’s gains and losses equally. But common sense and the principle of diminishing marginal utility agree that a dollar’s worth of gain is more valuable to someone with few dollars than it is with someone with many. Obviously, taking $1 each from 900,000 poor people to give $1 million to a hedge-fund billionaire doesn’t reflect a social gain, but a formal benefit-cost analysis will show that it does: after all, the net benefit is $100,000. Thus gains and losses should be adjusted by (at least) dividing each gain or loss by the income or wealth of the person bearing it, so that a $20 gain to a family with an income of $20,000 weighs as a heavily as a $10,000 gain to a family with an income of $1 million."
Trata-se de uma ideia essencial para a avaliação de toda e qualquer proposta de política social.
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30.8.09

O sistema de castas é o melhor

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Greg Mankiw publicou este gráfico no seu blogue, acrescentando-lhe o seguinte comentário:

"This graph is a good example of omitted variable bias, a statistical issue discussed in Chapter 2 of my favorite textbook. The key omitted variable here is parents' IQ. Smart parents make more money and pass those good genes on to their offspring."

Por outras palavras, Mankiw, autor dos manuais de economia mais usados em todo o mundo, acha que a distribuição dos rendimentos reflecte com grande rigor a capacidade intelectual dos seus detentores, e que estes os passam aos seus filhos através dos seus genes, razão pela qual estes terão melhor desempenho escolar e, mais uma vez, melhor sucesso profissional.

Para Mankiw, se alguém é pobre isso explica-se por alguma espécie de deficiência intelectual que inevitavelmente legará à sua prole.

Ora, mesmo que se acredite que a distribuição das pessoas pelas classes sociais se faz essencialmente com base no mérito, o mérito não se reduz - muito longe disso - à inteligência. Acresce ser extremamente duvidoso que a inteligência, no sentido vasto e vago em que aqui a expressão é utilizada, se transmita através dos genes.

Eu não posso deixar de felicitar Mankiw pela sua franqueza. Não há muita gente à direita capaz de afirmar publicamente com todas as letras a sua preferência por uma sociedade de castas.
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29.8.09

Políticos de palmo e meio

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Mais um extracto da entrevista de Louçã ao Jornal de Negócios de 4ª feira:

P - Esta "desprivatização" da Galp e EDP seria um confisco ou uma compra?

R - Há várias formas possíveis. De Gaulle nacionalizou sem indeminização.

Reparem na subtileza. Se algo grave suceder, o responsável terá sido De Gaulle, não Louçã. (Poderia ter lembrado Vasco Gonçalves, mas, no momento, só lhe ocorreu De Gaulle.) Louçã não se pronuncia directamente pelo confisco: "há várias formas possíveis", constata o homem de ciência. Mas, se até o reaccionário do De Gaulle confiscou...

Em que circunstâncias isso sucedeu e o que confiscou De Gaulle, é algo que ao certo não se sabe. Nem de resto interessa, porque, bem vistas as coisas na sua adequada perspectiva histórica, De Gaulle só existiu para vindicar Louçã. A história é efectivamente, como recordarão alguns marxistas, uma velha toupeira.

De modo que Louçã confiscará, não por maldade, mas para não ficar atrás do defunto general. (E, já agora, admitamos que também para evitar que, como é usual em transacções bolsistas, os lucros futuros sejam implicitamente pagos adiantadamente por quem se propõe comprar uma empresa.)

Adiante. E depois?

Depois, perante a ameaça de futuras nacionalizações atribiliárias, a cotação de todas as acções cotadas na Bolsa de Lisboa descerá a pique. Os investidores estrangeiros, em particular, farão as malas no dia seguinte (ou mesmo, quem sabe, no dia anterior).

Que se lixem os grandes capitalistas, dirá Louçã. Sucede, porém, que, para além dos "grandes capitalistas" muitas outras pessoas e empresas detêm acções. Vai daí, descerá também o valor das empresas com capital empatado naquelas que forem nacionalizadas.

E a cadeia de efeitos não parará aí. Como a recente crise comorigemn nos EUA nos recordou, quando as grandes empresas começam a perder valor, às tantas há pessoas remediadas que vêem esfumar-se as poupanças de toda uma vida.

Não creio, porém, que isso apoquentasse Louçã. Uma tal eventualidade, gerando miséria e desemprego crescentes, servir-lhe-ia, aliás, para comprovar a intrínseca perversidade do sistema capitalista, eventualmente justificativa de novas nacionalizações, numa fúria crescente de ódio ao patronato explorador.

Quando dessemos por ela, estariamos a viver em Cuba.
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28.8.09

É fazer as contas...

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Interrogado pelo Jornal de Negócios sobre qual a medida mais urgente para combater a crise se assumisse a liderança do governo, Louçã respondeu:

"A primeira prioridade, porque são precisas medidas de injecção de actividade económica, seria um plano de reabilitação urbana dirigido a uma parte das 500 mil casas que estão desocupadas. Isso envolveria cerca de 2.500 milhões de euros de gastos públicos, 1,5% do produto."

Adoro o rigor da proposta. "Uma parte das 500 mil casas" quantas casas será? Se fossem mesmo 500 mil, o "plano" corresponderia a gastar não mais que 5 mil euros por casa, o que daria para pouco mais que pintar as paredes e mudar as lâmpadas.

Logo, não serão decerto 500 mil casas. De quantas estaremos então a falar: 400, 200, 50 mil? Só Deus sabe.

Por que estarão essas casas presentemente desocupadas? Qual a extensão das obras necessárias para recuperá-las? Ignoramo-lo, mas está assente que se gastará nelas 1,5% do PIB.

Outra coisa: o Estado vai dar o dinheiro ou vai emprestá-lo, e a quem? Louçã afirma que se tratará se "gastos público" - essa parte é clara.

Mas por que raio irá o Estado dar dinheiro a incertos para arranjarem os seus imóveis? Para sermos mais exactos, por que haverá o Estado de agarrar em recursos nessa escala e entregá-los aos proprietários de casas em más condições de conservação?

Que conversa da treta!
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Premissas e conclusões

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Louçã defende na sua entrevista de ontem ao Jornal de Negócios a nacionalização da Galp e da EDP, e explica: "Pretendemos que os serviços estratégicos de energia e de comunicações sejam públicos." Se é essa a ideia, esqueceu-se de mencionar as empresas de telecomunicações, de transportes e de auto-estradas.

Mais adiante, porém, Louçã precisa o seu pensamento. Os grandes grupos portugueses estão acoitados em sectores onde não há (ou há pouca) concorrência. Ora, não faz sentido deixar à iniciativa privada sectores de monopólio natural. Simpatizo, com reticências, com esta linha de raciocínio.

Helena Garrido, a entrevistadora, pergunta então a Louçã se o problema não poderia resolver-se com regulação. Louçã troça da ideia: "Por amor de Deus. Regulação em Portugal?" Mais uma vez, entendo o que ele diz: o desempenho das entidades reguladoras não tem sido brilhante entre nós.

Noto, porém, sérias fragilidades no argumento.

Primeiro: nem a Galp nem a EDP são monopólios naturais (a REN, sim), logo, a justificação para nacionalizar essas empresas não tem cabimento.

Segundo: a objecção de Louçã à regulação é obviamente de fundo e não circunstancial. O que está em causa não são as debilidades da sua implementeção em Portugal, caso contrário Louçã proporia formas de melhorá-la - e não o faz.

Terceiro: Louçã presume, portanto, a superioridade da gestão pública sobre a privada em circunstâncias de fraca competição. Acontece que a longa experiência de que nós e outros países dispomos nesta matéria não autoriza esse optimismo beato. Às vezes (note-se: às vezes), a gestão pública funciona mesmo muito mal.

Louçã quer mobilizar os lucros da Galp e da EDP para pagar o défice orçamental, mas é bem possível que, sob gestão pública, parte significativa desses lucros desaparecesse em menos de um fósforo.

Não fica claro para que quer Louçã nacionalizar algumas empresas. Começa por insinuar uma motivação liberal: não há suficiente concorrência, e ele quer estimular o capital a deslocar-se para sectores mais arduamente competitivos.

Mas trata-se de uma falsa pista, como se torna claro quando ele rejeita a regulação.

A lógica, então, parece ser submeter à gestão pública os chamados sectores estratégicos. E o que são sectores estratégicos? A banca (comercial e de investimento) não se enquadra nesse conceito? A indústria automóvel (Auto-Europa incluída), também não?

Trocadas por miúdos, as ideias de Louçã são tão consistentes como gelatina.
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Jesus!

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Fruta da época (só até 7 de Setembro)

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27.8.09

Arte comercial no seu melhor

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Gosto da cara disto

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Mme Charlotte Dubourg

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Muito bem escolhido para o cartaz da exposição de Fantin-Latour na Gulbenkian.
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Arte e mercado

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Fantin-Latour passou anos a pintar flores, um tema pouco comum nos grandes pintores da sua época, pela simples razão de que o seu amigo Edwards vendia em Inglaterra tudo o que ele conseguia produzir nessa linha de negócio.

Os retratos, quase que só de familiares e amigos, não gozavam de tanta procura. Muitos permaneceram no atelier de Fantin até à sua morte, ocasião em que a viúva, obedecendo aos seus desejos, se encarregou de pô-los a circular no mercado.

De modo que - pobres de nós - temos que nos contentar hoje em contemplar estas florinhas de nada que o artista nos deixou, em vez dos grandes temas que, se tivesse beneficiado em vida de outra glória, provavelmente nunca teria chegado a pintar.
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Mad Men, modo de usar

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O trabalho de casa para este Verão inclui visionar atentamente a série Mad Men, estreada pela RTP2 em 31 de Julho último.

Pareceu-me interessante escrever qualquer coisa sobre o enquadramento empresarial da coisa, o que fiz no meu artigo desta semana no Jornal de Negócios. Não esgotei de modo algum o assunto, de modo que, havendo ocasião, procurarei voltarei a ele.
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26.8.09

Ir ao engano

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Neste quadro do Fantin-Latour vê-se perfeitamente as folhas do livro que a senhora está a ler. Alguém mais picuinhas até poderia entreter-se a tentar contá-las.

Agora, o engraçado é que, quando a gente se aproxima da pintura, não está lá nada: só umas pinceladas de tinta, e é tudo.
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Florzinhas

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Rosas, de Fantin-Latour. Isto é mesmo bom, aliás fora de série. Se não acreditam em mim, podem ir lá ver à Gulbenkian até dia 7 - mas, atenção, o guarda não deixa tocar com o dedo.
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25.8.09

Fantin-Latour

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Fantin-Latour não é um nome que arraste multidões, mas seria um grave erro perder a excelente exposição do seu trabalho que permanecerá na Gulbenkian até 7 de Setembro. A selecção e montagem dos quadros conseguiu criar o ambiente mais adequado à mostra do vasto conjunto de obras reunido, o qual cobre toda a carreira do artista, que se inicia com uma fase romântica inspirada por Delacroix, prossegue com os retratos e as naturezas-mortas de feição realista e conclui com um arroubo simbolista, para o meu gosto o menos conseguido.

Em resumo, uma magnífica surpresa.

Na pintura acima pode ver-se, à esquerda, Verlaine e Rimbaud. A qualidade da reprodução não é grande coisa, eu sei - até nisto este grande pintor parece ser injustiçado.
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21.8.09

Pobre PP

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Gente traiçoeira foge da própria sombra. Vigaristas temem emprestar dinheiro à mãe. Conspiradores farejam intrigas em toda a parte.

Assim como és, assim verás o mundo. O artigo de Pacheco Pereira na Sábado é o involuntário auto-retrato de alguém demasiado versado nas manhas da baixa política.
PP imagina que, se alguém faz algo, só pode ser a troco de dinheiro ou poder. Homem, fuja das más companhias.

No mundo real há muita generosidade e muita bonomia. Pessoas de todas as inclinações ideológicas intervêm na vida pública por sentido ético, para passarem um bom bocado, para revelarem os seus dotes, para agradarem aos amigos, e por aí fora. Mas – que se lhe há-de fazer? – PP, o pobre PP, só conhece as outras.

Se a mulher a dias de PP colaborasse no Simplex, decerto escreveria sob pseudónimo.
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20.8.09

Tudo como dantes?

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Opina Simon Jonhson:
"The United States has, over the past two decades, started to take on characteristics more traditionally associated with Latin America: extreme income inequality, rising poverty levels, and worsening health conditions for many. The elite live well and seem not to mind repeated cycles of economic-financial crisis. In fact, if you want to be cynical, you might start to think that the most powerful of the well-to-do actually don’t lose much from a banking sector run amok – providing the government can afford to provide repeated bailouts (paid for presumably through various impositions on people outside the uppermost elite strata)."
A coisa grave é que o modo como está a processar-se a saída da crise parece reforçar esse modelo. Um problema que também nós cá temos.
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19.8.09

Ligadas à máquina

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É bom não esquecer, lembra Ken Rogoff hoje no Financial Times, que a recuperação do sistema financeiro que traz toda a gente encantada tem um custo:
"The fact is that banks, especially large systemically important ones, are currently able to obtain cash at a near zero interest rate and engage in risky arbitrage activities, knowing that the invisible wallet of the taxpayer stands behind them. In essence, while authorities are saying that they intend to raise capital requirements on banks later, in the short run they are looking the other way while banks gamble under the umbrella of taxpayer guarantees."

Como é lógico, isto não pode durar para sempre:
"It is good that the economy appears to be stabilising, albeit on the back of a vast array of non-transparent taxpayer subsidies to financial institutions. But this strategy must not be relied on indefinitely because it risks compromising the fiscal credibility of rich-country governments. "

Logo, a pergunta deve ser: como se comportarão as economias americana e europeia quando deixarem de estar ligadas à máquina?
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14.8.09

No horizonte

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Acredito que Rogoff está certo:

"Within a few years, western governments will have to sharply raise taxes, inflate, partially default, or some combination of all three. As painful as it may seem, it would be far better to start bringing fundamentals in line now. Restoring confidence has been helpful and important. But ultimately we need a system of global financial regulation and governance that merits our faith."

13.8.09

Toma e vai buscar

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A recessão começou em Portugal mais tarde e acabou mais cedo.

Como justificará agora o PSD a sua teoria de que o país estava pior preparado para enfrentar a crise mundial do que os seus parceiros da UE?

Há acontecimento assim, fatais para teses alucinadas sustentadas em argumentos sem sustentação sólida.

Depois disto, resta-lhes tentar ressuscitar o "caso" Freeport.

(PS - Uma saudação muito especial para o FMI, a OCDE e a Standard & Poor's, cujas previsões revelaram mais uma vez a sua elevada fiabilidade.)


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12.8.09

Luzinha ao fim do túnel para Campos e Cunha

Luis Campos e Cunha, muito angustiado com o estado do país, não encara a possibilidade de votar no PSD porque "tem um discurso muito centrado na questão orçamental. Mesmo sem ter feito uma análise custo-benefício, ele assegura-nos que, para além da questão orçamental, há outros grandes problemas, como, por exemplo, a língua portuguesa e a presença de Portugal no mundo.

Esta declaração é algo estranha, porque Campos e Cunha gasta praticamente toda a sua entrevista ao i de ontem a falar sobre sobre questões orçamentais. Pensando melhor, talvez fosse boa ideia votar na Drª Manuela.

Por outro lado, ele não sente curiosidade pelo programa do PS, "por manter os grandes projectos". Nós sabemos que os "grandes projectos" são uma espécie de monomania de Campos e Cunha, embora surpreenda o facto de, entretanto, ter retirado o novo aeroporto de Lisboa da lista das obras demoníacas.

O ex-Ministro das Finanças propõe-nos desta vez um argumento novo e profundamente original contra o TVG: se o Estado português investir no TGV, vai reduzir a sua capacidade para fazer investimento público. Esta, confesso, pôs-me a pensar.

Na mesma entrevista, Cunha queixa-se muito da política e dos políticos, dizendo que se sente escaldado. Como se sabe, Campos e Cunha alega ter saído do Governo por discordar do TGV. Ora, sucede que os investimentos no novo aeroporto de Lisboa e no TGV estavam previstos no programa do governo que ele integrou. Que foi ele fazer para o executivo se o PS se comprometera perante o eleitorado com algo que tanto lhe repugnava? A política é, de facto, uma coisa incompreensível.

Apesar de desgostado com a situação política, Campos e Cunha aprecia a actuação do Presidente da República e admite que o bloco central, que lhe desagrada por princípio, pode vir a ser uma boa solução. Afinal, ele vê uma luzinha ao fim do túnel.

Notícias do empreendedorismo (3)

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Notícias do empreendedorismo (2)

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Notícias do empreendedorismo

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10.8.09

Assim, é muito fácil

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Maria Clara Murteira, professora na Universidade de Coimbra e especialista em Economia das Pensões, critica hoje em entrevista ao Jornal de Negócios a reforma da Segurança Social do Governo socialista.

In nuce, o seu argumento é este: se as dificuldades do sistema resultam "do abrandamento do crescimento económico e do desemprego, do recurso sistemático à antecipação da idade da reforma e do envelhecimento populacional (...) por que é que a única solução encontrada foi a redução do nível de pensões?"

Na opinião de MCM, a solução deveria ser outra: "Adoptar políticas que promovam o crescimento económico e para isto existem duas estratégias fundamentais: aumentar o produto por trabalhador através de acréscimos na qualidade e quantidade do capital e da melhoria da qualidade do trabalho; e/ ou aumentar o número de trabalhadores."

Infelizmente, ela esquece-se de nos revelar a solução mágica para aumentar a produtividade do trabalho e do capital, ou, ao menos, de nos explicar por que entende que as actuais políticas económicas não conduzem a esse resultado.

Como todos sabemos, a sustentabilidade da Segurança Social projecta-se no longo prazo, dependendo de factores cuja evolução futura é muito difícil de prever. Ninguém sabe ao certo como evoluirão num horizonte de 30 ou 40 anos a população activa e a sua produtividade. Ainda assim, o sistema tem que ser governado em função daquilo que, embora possa estar errado, hoje julgamos saber, e não dos nossos desejos e fantasias.

Se as coisas evoluirem melhor nas próximas décadas do que presentemente se imagina, nada impedirá que as pensões possam vir a ser aumentadas em função dos recursos efectivos disponíveis.

A impressão com que eu fiquei foi que, embora MCM seja especialista da economia das pensões, ela não tem verdadeiramente nenhuma proposta a apresentar na sua área de competência, limitando-se a remeter a solução do problema para os especialistas da economia do crescimento.

Assim, convenhamos, é muito fácil.
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8.8.09

A ordinarice tem muitos amigos

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Que se passa ao certo com o Moniz? Cansado de inutilmente tentar perceber lendo os jornais, perguntei a um amigo que está mesmo por dentro do assunto.

Fiquei a saber em dois minutos o essencial, ou seja que o Director-Geral demissionário da TVI saíu para a Ongoing, uma empresa que, com elevada probabilidade, comprará a TVI nos próximos meses.

Resumindo: trocou de patrão para manter intacto o poder de que actualmente disfruta, e ainda recebeu uma respeitável indemnização pela maçada. Não há nada como a clareza para desfazer as explicações conspirativas e revelar, se ainda fosse preciso, o sentido ético do personagem.

O que eu pretendo, porém, é chamar a atenção para a inquietação que por estes dias faz estremecer tantos corações sensíveis. Refiro-me ao receio de que, com a saída de Moniz, a TVI possa vir a ser descaracterizada. Tanto cuidado poderia levar algum estrangeiro de passagem pelo extremo ocidental da Europa a julgar que a TVI é uma espécie de BBC, emblema da alta cultura pátria e baluarte da civilização europeia.

Não é bem isso, explicam alguns. Mas não se pode negar que o sucesso de audiências do canal ameaçado deve muito à orientação esclarecida de José Eduardo Moniz ao longo de anos. E é a esposa do próprio a destacar - cito o Expresso de hoje - que "seria estranho que um jornal líder de audiências [o seu] de uma televisão comercial fosse retirado do ar".

Estes argumentos são expectáveis na boca de quem é suposto preocupar-se apenas com as receitas publicitárias dos canais, mas soam muito estranhos saídos da boca de jornalistas, alguns dos quais eu tinha por gente séria e responsável.

É nestas alturas que se descobre que a ordinarice tem muitos adeptos, e que a deontologia e a ética profissionais não contam de facto para nada nas cabeças de muita gente, excepto como ocasional adorno argumentativo. Se tem audiências, é porque está certo, percebem?
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5.8.09

Dream team

Se por acaso as coisas nos próximos tempos corressem de feição ao PSD, o país poderia vir a ser comandado por uma autêntica equipa maravilha. Imaginem só:

Presidente da República: Cavaco Silva

Primeira-Ministra: Manuela Ferreira Leite

Presidente da Assembleia da República: Guilherme Silva

Presidente da Câmara de Lisboa: Santana Lopes

Ministro das Finanças: Miguel Frasquilho

Ministro dos Negócios Estrangeiros: Aguiar Branco

Governador do Banco de Portugal: Tavares Moreira

Presidente da RTP: Pacheco Pereira

Seleccionador nacional: Carlos Queiroz

(Encaro esta última situação como particularmente preocupante.)

O indignadinho

Francisco Oneto declara enfaticamente a sua indignação perante pessoas incertas que se dedicam a "denegrir os adversários com insultos" e a "provocar infamemente os que estão à sua esquerda", "nas pessoas de Joana Amaral Dias e Francisco Louçã".

Mais grave ainda, esses tais que ele lá sabe, "não se dirigem às ideias, mas às pessoas concretas, disseminando a calúnia, o insulto fácil e toda uma retórica cuja substância é a da mediocridade e da peçonha".

Vai daí, declara-os "enxame de parasitas", "novos capitães-donatários" que vivem de "constantes roubos e abusos" e "sugam a coisa pública", uma "corja de vampiros" responsável por "vergonhoso saque" e “baixeza torpe". Em resumo, "autênticos vermes" e "bando de caceteiros".

Tem a pele sensível, este Francisco Oneto.

4.8.09

"Larga o osso!"

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A ideia fixa da canzoada é comer e procriar, mandatos supremos da sobrevivência e reprodução da espécie. O cão pode ser o melhor e mais dedicado dos amigos, mas nem ao dono suporta que lhe toque quando está a comer. Arreganha ameaçadoramente a dentuça se lhe mexem na gamela, guarda até à morte o covil onde oculta o osso, marca ciosamente o território para dar a conhecer aos intrusos o perigo que correm caso se atrevam a violá-lo.

Se os cães fizessem eleições, as suas disputas centrar-se-iam, estou certo, nos temas mais queridos ao PP: promoção da natalidade a todo o custo; execração da homossexualidade; diabolização da interrupção da gravidez; hostilização dos imigrantes; condenação do auxílio aos mais fracos e fragilizados; obsessão com a segurança; multiplicação das polícias. Por outras palavras: expandir e proteger a nossa matilha num mundo onde ao homem é reservado o papel de lobo do homem.

A esta animalização da vida social proponho eu que se chame a zoo-política.
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O que, de facto, preocupa Louçã

É muito provável que, nas próximas eleições, os partidos da esquerda obtenham, em conjunto, uma votação bem acima dos 60%.

Porém, sendo também possível que o PS não consiga a maioria absoluta, não é óbvio que a esquerda possa tirar vantagem de uma maioria tão dilatada.

Já se sabia que não se pode contar com os comunistas para formar governo. Ficámos recentemente a saber que, enquanto Louçã mandar, tampouco o Bloco estará disponível para coligações ou negociações, tentações do demo que não têm cabimento no seu vocabulário.

De modo que há quem se entusiasme com a eventualidade de um governo de bloco central patrocinado pelo Presidente da República.

Imaginemos, porém, que, mesmo sem maioria absoluta, o PS se abalança a formar um governo com um programa susceptível de concitar um vasto apoio entre independentes de esquerda.

Como poderá Louçã justificar a oposição sistemática do Bloco a um tal executivo? Como conseguirá manter unido o seu grupo parlamentar durante quatro anos? Como evitará a deserção de apoiantes cansados de uma actividade política sem sentido útil visível para além da exibição mediática dos dirigentes do BE?

A novela Joana Amaral Dias, concebida, escrita e representada por Francisco Louçã, é um sinal antecipado do seu receio de fuga de muita gente insatisfeita com o beco sem saída de uma política orientada pelo rancor e pelo ressentimento.

O Bloco vai ter que portar-se como gente crescida, exigência tanto mais evidente quanto maior for a sua votação. Não há futuro para os meninos da Terra do Nunca.

Ou viabiliza uma solução governativa de esquerda, ou viabiliza uma solução governativa de direita. Game over.